Os Contra-Revolucionários da Transcaucásia Sob a Máscara do Socialismo

J. V. Stálin

27 de Março de 1918


Primeira Edição: "Pravda" ("A Verdade"), n.º 55 e 56, 26 e 27 de março de 1918.
Fonte: J.V. Stálin - Obras - 4º vol., Editorial Vitória, 1954 - traduzida da edição italiana da Obras Completas de Stálin publicada pela Edizioni Rinascita, Roma, 1949.
Tradução: Editorial Vitória
Transcrição: Partido Comunista Revolucionário
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Fernando A. S. Araújo, setembro 2006.
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Dentre todas as regiões da Federação da Rússia, a Transcaucásia é, talvez, o rincão mais característico pela riqueza e variedade de sua composição étnica. Georgianos e russos, armênios e tártaros do Azerbaidjão, turcos e lezguinos, ossétios e abkházios: eis um quadro ainda assaz incompleto da variedade étnica da Transcaucásia, que conta uma população de seis milhões de habitantes.

Nenhum desses grupos nacionais possui fronteiras territoriais nitidamente determinadas, todos vivem misturados e confundidos entre si, não só nas cidades como no campo. Exatamente por isso se explica o fato de que a luta comum dos grupos nacionais da Transcaucásia contra o Poder central da Rússia muitas vezes é ofuscada pela luta exacerbada que eles travam entre si. E isto constitui uma circunstância muito "cômoda" para ocultar a luta de classes sob lemas e fúteis pretextos nacionais.

O segundo traço da Transcaucásia, não menos característico, é constituído por seu atraso econômico. Não se levando em conta Baku, esse oásis industrial da região que além do mais trabalha com capital estrangeiro, a Transcaucásia é um país agrícola que tem uma vida comercial mais ou menos desenvolvida nas zonas que se encontram na periferia, ao longo da costa marítima, e sobrevivências, ainda fortes, de estruturas puramente feudais no interior. As províncias de Tiflís e Elizavétpol, de Baku, estão cheias, mesmo hoje, de beis tártaros medievais e de príncipes feudais georgianos, possuidores de imensos latifúndios, tendo à sua disposição bandos armados especiais e dispondo a seu bel-prazer da sorte dos camponeses tártaros, armênios e georgianos. Exatamente por isso se explicam aquelas agudas formas de "desordens" agrárias nas quais não raro desemboca o descontentamento dos camponeses. Vale a pena examinar aqui por que é tão débil e não se consolida o movimento operário da Transcaucásia (se se excetuar Baku), freqüentemente relegado a segundo plano pelas "desordens" agrárias. Tudo isto constitui terreno favorável a uma coalizão política das classes abastadas com os intelectuais chamados "socialistas", na maioria nobres, contra a revolução operária e camponesa em curso atualmente no país.

A revolução de fevereiro não trouxe mudanças substanciais à situação das classes trabalhadoras daquela região. Os soldados, que são os elementos mais revolucionários do campo, ainda se encontravam na frente. Quanto aos operários, em geral débeis como classe, dado o atraso econômico do país, e ainda não reforçados como unidade organizada, encontravam-se em estado de euforia devido às liberdades políticas obtidas e não parecia que tivessem intenções de ir além dessa euforia. Todo o Poder permaneceu em mãos das classes abastadas. Estas últimas agarraram-se fortemente ao Poder e permaneceram atentas, confiando de bom grado aos estrategistas social-revolucionários e mencheviques a tarefa de adormecer os operários e os camponeses com sábios discursos a respeito do caráter burguês da revolução russa, da inoportunidade da revolução socialista, etc.

A Revolução de Outubro mudou bruscamente a situação. De um só golpe, deitou por terra todas as relações existentes, colocando a questão da passagem do Poder para as mãos das classes trabalhadoras. O brado "Todo o Poder aos operários e camponeses!" percorreu como um trovão o país, sublevando as massas oprimidas. E quando esse apelo começou a tornar-se realidade no norte da Rússia, onde fora lançado, as classes abastadas da Transcaucásia viram claramente que a Revolução de Outubro e o Poder Soviético inevitavelmente trariam sua morte. A luta contra o Poder Soviético tornou-se então para elas uma questão de vida ou de morte. Os intelectuais "socialistas", social-revolucionários e mencheviques, que já haviam conhecido e saboreado o Poder, ante a perspectiva de perdê-lo, automaticamente vieram a se encontrar em aliança com as classes abastadas.

Criou-se desse modo na Transcaucásia a coalizão anti-soviética.

O Comissariado Transcaucásico, com os seus beis tártaros da espécie de Khan-Khoiski e de Khasmamedov, de um lado, e os intelectuais nobres georgianos da espécie de Jordânia e de Gueguetchkori de outro lado, são a viva encarnação dessa coalizão anti-soviética.

Pela coalizão das classes no interior dos grupos étnicos, organizaram-se os "soviets nacionais": georgiano, tártaro, armênio. Seu inspirador é o menchevique Jordânia.

Pela coalizão das camadas abastadas de todas as principais nacionalidades da Transcaucásia criou-se o Comissariado Transcaucásico. Seu chefe é o menchevique Gueguetchkori.

Para a unificação de "toda a população" do país na luta contra o Poder Soviético foi organizada a chamada "Dieta Transcaucásica", formada por social-revolucionários, mencheviques, "dachnákis" e pelos khans membros da Assembléia Constituinte da Transcaucásia. Seu ornamento, não, desculpai, seu presidente é o menchevique Tchkheidze.

Aqui há não só "socialismo", como também "autodeterminação nacional", não só mesmo algo de mais real que essas velhas ninharias, como precisamente a união efetiva das camadas abastadas contra o Poder dos operários e dos camponeses.

Mas não é dado viver muito tempo com ninharias. Uma aliança tem necessidade de "ação". E a "ação" não tardou a entrar em cena, apenas apareceu o primeiro perigo real. Referimo-nos aos soldados revolucionários que voltavam da frente turca depois de iniciadas as negociações de paz. Esses soldados deviam passar por Tiflís, a capital da coalizão anti-soviética. Nas mãos dos bolcheviques, esses soldados podiam representar uma séria ameaça à existência do Comissariado Transcaucásico. O perigo era bastante real. Então, em face desse perigo todas as ninharias "socialistas" perderam seu valor e veio à baila o caráter contra-revolucionário da coalizão. O Comissariado e os "soviets nacionais" desarmam as unidades que regressam da frente, disparam à traição contra os soldados e armam as selvagens hordas "nacionais". Para tornar mais sólida a "ação" e cobrir o flanco setentrional, o Comissariado Transcaucásico entra em acordo com Karaúlov e com Kalédin, envia a este último vagões repletos de cartuchos, ajuda-o a desarmar as unidades que não conseguiu sozinho desarmar e em geral o sustenta por todos os meios em sua luta contra o Poder Soviético. Garantir as classes abastadas da Transcaucásia contra o perigo de ataque da parte dos soldados revolucionários, sem recuar diante de nenhum meio: tal é em essência essa baixa "política". Os destacamentos muçulmanos pouco esclarecidos são açulados contra os soldados russos, estes são atraídos a emboscadas, são massacrados e fuzilados: tais são os meios dessa "política". O que melhor ilustra essa vergonhosa "política" de desarmamento é a fuzilaria contra os soldados russos vindos da frente turca e enviados contra Kalédin perto de Chamkhor, entre Elizavétpol e Tiflís.

Eis como o Bakinski Rabótchi[N11] descreve o episódio :

"Na primeira quinzena de janeiro de 1918, na via férrea Tiflís-Elizavétpol, bandos armados de milhares de muçulmanos, guiados por membros do Comitê Nacional Muçulmano de Elizavétpol e com apoio de um trem blindado, enviado pelo Comissariado Transcaucásico, desarmaram à força uma série de unidades militares de partida para a Rússia. No curso dessas ações foram mortos e mutilados milhares de soldados russos, cujos cadáveres ficaram espalhados pela via férrea. Foram tomados cerca de 15.000 fuzis, 70 metralhadoras, 20 canhões."

Tais são os fatos.

Uma aliança dos latifundiários com a burguesia contra os soldados revolucionários da Transcaucásia, funcionando sob a palavra de ordem do menchevismo oficial: tal é o significado desses fatos.

Julgamos necessário citar aqui alguns trechos dos artigos do Bakinski Rabótchi que ilustram os fatos de Elizavétpol e de Chamkhor.

"Os mencheviques procuram esconder a verdade em torno dos fatos de Elizavétpol. Até o jornal de seus aliados de véspera, os social-revolucionários de Tiflís, a Známia Trudá, constata as tentativas dos mencheviques de "abafar o fato" e exige uma discussão aberta da questão no Centro Regional.

Saudamos essa exigência dos social-revolucionários, porque o futuro da revolução na Transcaucásia depende em grande parte do fato de que sejam desmascarados oficialmente os culpados da tragédia de Chamkhor e de que se faça ou não se faça luz sobre os acontecimentos de 6 a 12 de janeiro.

Afirmamos que entre os responsáveis pelos acontecimentos de Elizavétpol deve ser antes de tudo citado o ex-chefe da social-democracia caucásica, que hoje é chamado o "pai da nação georgiana": Noé Nikoláievitch Jordânia. Foi sob sua presidência que o presídium do Centro Regional resolveu desarmar os trens militares em trânsito e armar às expensas destes os regimentos nacionais. O telegrama que trazia a ordem de desarmar os trens militares reunidos perto de Chamkhor, levava sua assinatura. Foi Noé Jordânia que mandou de Tiflís uma delegação com o mesmo encargo: desarmar os trens militares. Declarou-o oficialmente o soldado Krupko, membro da delegação, numa concorrida reunião do Comitê Cívico de Elizavétpol. Noé Jordânia e seu ajudante N. Ramichvili, sempre com excesso de zelo, enviaram um trem blindado às ordens de Abkházav, que distribuiu armas aos muçulmanos, ajudando-os a massacrar milhares de soldados e a desarmar os comboios.

Noé Jordânia se justifica dizendo não ter assinado o telegrama. Dezenas de pessoas, armênios e muçulmanos, asseguram que o telegrama foi assinado por ele e que esse telegrama existe. Jordânia afirma que, tomando conhecimento das complicações que se verificaram, falou pelo telefone com Abkházav pedindo-lhe não desarmar a força os comboios e deixá-los passar. Abkházav foi morto; essa declaração não pode ser confirmada, mas admitimos que tenha havido o colóquio. . .

Se deixamos em paz os mortos que, como diz o provérbio, não falam, aí estão as testemunhas vivas que desmentem a asserção de Jordânia e confirmam tanto a expedição do telegrama quanto a assinatura de Jordânia e o envio da delegação com o encargo de desarmar, etc.

Por que Jordânia não convida seus acusadores a provarem o que afirmam, se estes mentem? Por que ele e seus amigos querem "abafar o fato"?

Não, cidadãos Jordânia, Ramichvili e companhia, pesa sobre vós a responsabilidade do sangue de milhares de soldados mortos de 7 a 12 de janeiro.

Podeis justificar-vos ante esse grave delito! De resto, não é de justificativas pessoais que pretendemos falar.

Nesse assunto Jordânia não nos interessa como homem e sim como chefe do partido que domina a política na Transcaucásia, como o representante mais autorizado e responsável do Poder na Transcaucásia.

Em primeiro lugar, sua ação criminosa foi cometida por disposição do presídium do Centro Regional e do Soviet das Nacionalidades, e, em segundo lugar, o Comissariado Transcaucásico sem dúvida tinha conhecimento disso. A acusação que lançamos em rosto a Jordânia, estende-se a todo o partido menchevique, ao Centro Regional, ao Comissariado Transcaucásico, onde os senhores Tchkhenkeli e Gueguetchkori, em estreita e aberta aliança com os beis e os khans muçulmanos, tudo fazem para sabotar a revolução. Falamos de Jordânia e Ramichvili na medida em que seus nomes estejam ligados aos telegramas, às ordens, ao envio do trem blindado "pirata". O inquérito para apurar a verdade deve começar da parte deles.

Há, porém, outros nomes que devem ser responsabilizados e há ainda um covil de criminosos que deve ser destruído. Esse covil é o Comitê Nacional Muçulmano de Elizavétpol, composto inteiramente de beis e khans reacionários, que na noite de 7 de janeiro, baseando-se no telegrama de Jordânia, decidiu desarmar os trens militares "a qualquer preço" e que, com incrível descaramento e ferocidade, de 9 a 12 de janeiro, traduziu em ato essa decisão.

A imprensa menchevique, falando dos acontecimentos de Elizavétpol, apresenta as coisas como se tratasse de um ataque de "bandidos" na estrada de ferro, coisa comum na Transcaucásia. É uma mentira descarada.

Não bandidos, mas milhares de simples cidadãos muçulmanos, oficialmente guiados pelo Comitê Nacional Muçulmano, incitados pela rica presa, convencidos de que a coisa se fazia por ordem dos governantes da Transcaucásia, consumaram a ação criminosa, perto de Chamkhor e Dalliar. O Comitê Nacional Muçulmano reuniu publicamente em Elizavétpol milhares de muçulmanos, armou-os, embarcou-os em trem na estação de Elizavétpol e os enviou a Chamkhor. E quando se proclamou a "vitória", segundo testemunhas oculares, o "social-revolucionário" Safikiurdski, montado num canhão arrancado ao "inimigo", entrou na cidade triunfalmente, acompanhado dos outros heróis do Comitê Muçulmano.

De que ataques de bandidos "se trata" então?"

"Bakinski Rabótchi" ("O Operário de Baku"), n.os 30 e 31.

Tais são os principais heróis dessa criminosa aventura.

E eis os documentos que desmascaram os idealizadores da aventura:

Telegrama do presidente do Centro Regional dos deputados dos soviets dos operários, soldados e camponeses, N. Jordânia, a todos os soviets, sobre o desarmamento dos trens.

"A todos os soviets da Transcaucásia.

De Tiflís. N.° 505, a. Recebido em 6/1/1918. Expedição N.° 56363. Recebedor: Naúmov. Número de palavras: 93. Entregue 5-28-24. Circular.

Considerando o fato de que as unidades militares de partida para a Rússia levam consigo o armamento e que, em caso de malogro do armistício, possam escassear armas às unidades nacionais para a defesa da frente, o Centro Regional do Soviet dos Deputados Operários, Soldados e Camponeses decidiu ordenar a todos os Soviets que tomem medidas para se apoderarem das armas das unidades de partida e que enviem de vez em quando comunicações ao Centro Regional.

O presidente do Centro Regional, Jordânia."

Telegrama do capitão Abkházav ao comandante do regimento de cavalaria tártaro Magálov.

"Elizavétpol.

Ao comandante do regimento tártaro de cavalaria Magálov, de Dzegam. N.° 42. Recebido a 7/1/1918, de Zu. N.° 1857. Recebedor: Vata. Número de palavras: 39. Entregue em 7, às 15 horas.

Seguem cinco trens militares com armas. Prenderam os representantes do Soviet. Parto com trem blindado para contra-ataque. Peço dar-me ajuda com armas de toda a espécie.

Abkházav
Ds. Chatirachvili."

"Bakinski Rabótchi" ("O Operário de Baku"), n.° 33.

Estes são os documentos.

Assim, no curso dos acontecimentos desfizeram-se as mistificações "socialistas" para darem lugar à "ação" contra-revolucionáría do Comissariado Transcaucásico. Tchkheidze, Gueguetchkori, Jordânia, dificilmente conseguem cobrir com a insígnia de seu partido toda a abjeção do Comissariado Transcaucásico. A lógica das coisas é mais forte que qualquer outra lógica.

Desarmando os soldados russos provenientes da frente e lutando assim contra os revolucionários "estrangeiros", o Comissariado contra-revolucionário transcaucásico pensava matar dois coelhos de uma só cajadada: de um lado destruir uma importante força revolucionária, o exército revolucionário russo, no qual, sobretudo, o comitê bolchevique podia apoiar-se; de outro lado munir-se das armas "necessárias" para o equipamento de regimentos nacionais georgianos, armênios, muçulmanos, os quais constituem o principal sustentáculo do Comissariado menchevique contra-revolucionário. A guerra contra os revolucionários "estrangeiros" devia assim servir para assegurar a "paz civil" no interior da Transcaucásia. E essa política pérfida era conduzida pelos senhores Gueguetchkori e Jordânia tanto mais decididamente quanto mais se sentiam eles seguros "na retaguarda", isto é, do lado do Cáucaso Setentrional, com os seus Kalédin e os seus Filimonov.

Mas o curso dos acontecimentos subverteu todos os cálculos dos contra-revolucionários da Transcaucásia.

A queda de Rostov e de Novotcherkask, que haviam servido de refúgio a Kalédin e Kornílov, abalou completamente a "retaguarda setentrional". O completo desmoronamento de toda a linha do Cáucaso Setentrional até Baku fez desaparecer essa linha. A vaga da revolução soviética procedente do norte irrompeu sem maior cerimônia no reino da coalizão transcaucásica, ameaçando sua existência.

Na própria Transcaucásia as coisas tomaram uma direção não menos "desfavorável".

Voltando da frente, os soldados transcaucásicos levaram ao campo a revolução agrária. Foram incendiadas as casas senhoriais dos latifundiários muçulmanos e georgianos. Os soldados-camponeses "bolchevizados" atacaram resolutamente as bases dos restos feudais. Evidentemente, as promessas vazias do Comissariado Transcaucásico relativas à transferência das terras não mais podiam contentar os camponeses, empolgados pela onda da revolução agrária. Exigia-se do Comissariado uma ação não contra-revolucionáría, mas revolucionária.

Os operários não ficaram nem podiam ficar para trás, no curso dos acontecimentos. Em primeiro lugar, a revolução que vinha do norte trazia novas conquistas para os operários, impulsionava naturalmente o proletariado transcaucásico a uma nova luta. Até os operários da sonolenta Tiflís, esteios da contra-revolução menchevique, começavam a se afastar do Comissariado Transcaucásico, declarando-se favoráveis ao Poder Soviético. Em segundo lugar, depois do triunfo dos soviets no Cáucaso Setentrional, que, sob Kalédin e Filimonov, abastecia Tiflís de trigo, a situação alimentar devia necessariamente agravar-se, o que naturalmente provocou uma série de "desordens". O Cáucaso Setentrional revolucionário recusava-se firmemente a abastecer à Tiflís contra-revolucionáría. Em terceiro lugar, a falta de papel-moeda (os bônus deles não podiam substituí-lo) subvertia a vida econômica, e, sobretudo, os transportes ferroviários, o que sem dúvida aprofundava o descontentamento das camadas inferiores na cidade. Enfim, a Baku proletária e revolucionária, que desde os primeiros dias da Revolução de Outubro havia reconhecido o Poder Soviético e combatido incessantemente contra o Comissariado Transcaucásico, não permitiu que o proletariado da Transcaucásia adormecesse, tornando-se por isso um exemplo contagioso e um farol vivo a iluminar a estrada que leva ao socialismo.

Todas essas circunstâncias em conjunto não podiam deixar de tornar revolucionária toda a situação política da Transcaucásia. Chegou-se enfim ao ponto de até regimentos nacionais "os mais fiéis", começarem a se "corromper", passando para o lado dos bolcheviques.

O Comissariado Transcaucásico encontrou-se diante de um dilema:

Ou com os operários e camponeses contra os latifundiários e os capitalistas, e em tal situação a coalizão se esfacela.

Ou então luta decidida contra os camponeses e contra o movimento operário para conservar a coalizão com os latifundiários e com os capitalistas.

Os senhores Jordânia e Gueguetchkori escolheram o segundo caminho.

O Comissariado Transcaucásico começou qualificando como "banditismo" e "vagabundagem" o movimento agrário dos camponeses georgianos e tártaros, prendendo e fuzilando os "instigadores".

Com os latifundiários contra os camponeses!

Depois o Comissariado suprimiu todos os jornais bolcheviques de Tiflís e começou a prender e a fuzilar os operários que protestavam contra essa vergonha.

Com os capitalistas contra os operários!

Chegou-se enfim ao ponto de os senhores Jordânia e Gueguetchkori, com o intuito, evidentemente, de "desarmar a tempestade", recorrerem ao encorajamento dos massacres entre armênios e tártaros, vergonha a que até então nem os próprios cadetes se haviam rebaixado!

O Comissariado Transcaucásico, a Dieta Transcaucásica e os "Soviets Nacionais" voltam-se contra os operários e os camponeses: tal o significado desse "novo" curso.

Desse modo, os contra-revolucionários transcaucásicos lutando contra os revolucionários internos, contra "seus próprios" operários e camponeses, completaram e desenvolveram a luta contra os revolucionários "estrangeiros, a luta contra os soldados russos.

Muito interessante para caracterizar essa "viravolta" na política dos coalizados da Transcaucásia é uma carta que o Conselho dos Comissários do Povo recebeu há poucos dias de um camarada do Cáucaso, testemunha ocular do banditismo contra-revolucionário dos senhores Gueguetchkori e Jordânia. Transcrevo-a por inteiro, sem qualquer modificação. Ei-la:

"Aqui verificaram-se nos últimos dias novos acontecimentos e a situação agora é bastante grave. Na manhã de 9 de fevereiro prenderam quatro camaradas nossos, entre os quais F. Kalandadze, membro do novo comitê bolchevique. Foram expedidos mandados de prisão contra outros camaradas: Felipe Makharadze, Nazaretian, Chavérdov e outros membros do Comitê Regional. Somente Mikh Tskhakai foi poupado, evidentemente por causa de seu estado de saúde. Todos passaram à ilegalidade. Ao mesmo tempo, foi proibida a publicação dos nossos jornais: Kavkázki Rabótchi, Brdzola (georgiano) e (armênio); foi lacrada a nossa tipografia.

Isto provocou indignação entre os operários. No mesmo dia 9 realizou-se um comício nas oficinas ferroviárias, no qual tomaram parte cerca de 3.000 operários. O comício decidiu por unanimidade, apenas com quatro abstenções, declarar a greve, formulando as exigências de libertar os camaradas e de revogar a proibição de publicação dos jornais. Decidiu-se manter a greve enquanto as exigências não fossem atendidas. Mas a greve não foi geral. O incorrigível bando menchevique, que de começo não fizera objeções e não votara contra, compareceu ao trabalho. No mesmo dia houve assembléia dos compositores e impressores que, por 226 votos contra 190, decidiram proclamar greve de protesto de 24 horas com a mesma exigência. De maneira mais coesa resolveram ir à greve os eletricistas, os curtidores, os alfaiates, os operários do arsenal, as fábricas Tolle, Tzargariantza e outras.

A indignação espalhou-se pela cidade, inclusive entre os pequenos burgueses. Mas no dia seguinte, 10 de fevereiro, houve um acontecimento que fez esquecer as prisões e os jornais.

O comitê de greve dos ferroviários e de outros havia fixado para manhã daquele dia, 10, um comício de protesto no jardim Alexandrovski. Do comício, apesar das medidas tomadas para sabotá-lo, participaram mais de 3.000 operários e soldados (estes últimos eram poucos, visto como os trens militares se encontravam a 15 verstas da cidade). Vieram ao comício até os companheiros que haviam sido obrigados a esconder-se, Kavtaradze, Makharadze, Nazaretian e outros. Durante o comício, entraram no jardim guardas municipais e "guardas vermelhos" (deviam ser aproximadamente duas companhias). Empunhando bandeiras vermelhas e convidando com acenos os participantes a ficarem calmos, aproximaram-se das pessoas reunidas. Alguns dos participantes no comício que pretendiam ir embora ficaram, e, acreditando que aqueles que se aproximavam fossem "dos deles", começaram até a saudá-los com gritos e "hurras". O presidente Kavtaradze queria interromper o orador e saudar os recém-vindos. A essa altura, estes se dispuseram rapidamente em cadeia, cercaram o comício e abriram um nutrido fogo de fuzis e metralhadoras contra o comício. Visavam principalmente a presidência que se encontrava numa tribuna. Foram mortas 8 pessoas e feridas mais de 20. Foi morto por dez projéteis um camarada que se parecia com Kavtaradze e trajava como ele, e os "guardas vermelhos" gritavam um para o outro que Kavtaradze já tinha sido morto. Uma parte da massa dispersou-se e outra jogou-se ao chão. As descargas continuaram por quinze minutos.

Exatamente naquela ocasião se iniciava a primeira sessão da Dieta caucasiana ampliada, e Tchkheidze pronunciava um discurso com acompanhamento dos fuzis e metralhadoras que crepitavam não longe do palácio.

Essa fuzilaria levada a efeito sem nenhum aviso prévio e de maneira tão covarde, suscitou um novo movimento de cólera entre os operários, e penso que já os separou definitivamente dos mencheviques.

Depois do comício, Nazaretian e Tzintzadze foram pegados para serem fuzilados; salvou-os o social-revolucionário Merkhalev. Os social-revolucionários "ficaram indignados", protestaram, etc. Indignados ficaram também os dachnaktsakani e, de um modo geral, toda a cidade. Mas não foi possível fazer nada. Foram trazidos do campo os "guardas vermelhos" armados e a divisão selvagem muçulmana, que se entregaram à violência. Foram abertamente ameaçados de fuzilamento os camaradas dirigentes. No dia em que se disparou contra o comício, apareceram na cidade muitos oficiais com braçadeiras brancas, guardas brancos que percorriam a cidade em busca dos bolcheviques. Fizeram descer do bonde um indivíduo que, segundo parece, se assemelhava a Chaumian e atiraram nele à queima-roupa: haviam gritado que era Chaumian, mas depois ficaram desapontados.

Ontem, 11, realizou-se um comício perto dos trens militares, com a participação dos nossos camaradas. Seis mil soldados, sem artilharia, decidiram exigir a libertação dos camaradas presos, a reabertura dos jornais e um inquérito sobre os acontecimentos do dia 10 (fuzilaria no comício, no curso da qual foi morto, entre outros, um soldado dos mesmos trens). Ontem foi enviada uma delegação com um ultimatum que concedia 24 horas para a resposta.

Hoje esgota-se o prazo; diz-se que o Comissariado reúne forças para resistir. Não conheço ainda os detalhes. Os camaradas dirigentes por enquanto ainda não voltaram dos trens militares porque temem ser presos na rua. Foram eleitos membros do Comitê Militar Revolucionário. Espero notícias mais precisas.

Para amanhã foi marcada uma sessão da Duma da cidade. Os social-revolucionários e os dachnakis apresentarão um protesto; comparecerão também nossos representantes. Na cidade há muito alarma. Hoje, demonstração de mulheres diante da Duma, contra a fome que está começando. Por toda a parte, na cidade, realizam-se comícios volantes. Em toda a Geórgia começa o movimento camponês, sob o influxo dos soldados georgianos chegados da Rússia, que são todos bolcheviques ou simpatizantes dos bolcheviques. Os mencheviques dizem que se trata de um movimento de pogromos e banditismo e mandam os "guardas vermelhos" para reprimi-lo. Em Gori prenderam nossos camaradas. Hoje se comunica terem desarmado ali nossos soldados e que já houve fuzilamentos. De Kutaís se comunica estar a cidade em mãos dos bolcheviques, dirigidos por Búdu Mdiváni. Para lá foram enviadas de toda a parte forças mencheviques; ainda não tenho resposta dos que enviamos lá. Espero-a de um momento para outro. Ontem em Mukhrani foi preso um bolchevique, o velho Tzertzvadze, que para lá fora, a fim de dirigir a ação dos camponeses, a qual deveria verificar-se ontem, contra os príncipes Mukhranski e os haveres da família imperial.

Os presos, que se encontram em Metekh, são agora nove. A guarda vermelha dos social-revolucionários, que até agora se encontrava de guarda na prisão, por causa das detenções abandonou o posto e se pôs à nossa disposição.

Ontem o comitê de greve, composto de representantes das empresas que enumerei no começo, publicou um apelo convidando à greve geral. Fala-se por toda a parte em greve geral. Veremos que atitude adotará o proletariado de Tiflís.

À abertura da Dieta, verificada em 10 de fevereiro, estavam presentes só os mencheviques (37 pessoas) e um muçulmano. Não havia nenhum outro. O deputado muçulmano pediu o adiamento dos trabalhos para 13, o que foi feito. Certamente intervirão também os social-revolucionários."

Esse é o "quadro".

É difícil declarar se esse comissariado contra-revolucionário, cuja sentença de morte já foi pronunciada pela história, continuará a existir por muito tempo. De qualquer maneira, isto se verá em futuro próximo. Mas uma coisa é fora de dúvida: os últimos acontecimentos arrancaram definitivamente a máscara de socialismo dos social-revolucionários e mencheviques e hoje todo revolucionário tem a possibilidade de verificar com os próprios olhos que no Comissariado Transcaucásico e em seu apêndice, a "Dieta Nacional", teremos que ajustar contas com o mais fraudulento bloco contra-revolucionário dirigido contra os operários e camponeses da Transcaucásia.

Estes são os fatos.

E quem não sabe que as palavras e as pequenas coisas se desvanecem, mas os fatos e as ações ficam?

Assinado: J. Stálin.


Notas de fim de tomo:

[N11] Bakinski Rabótchi (Operário de Baku), órgão da organização bolchevique de Baku. foi publicado com intermitências em 1906, em setembro-outubro de 1908 e de abril de 1917 até agosto de 1918. Após a vitória do Poder Soviético no Azerbaidjão, a 25 de julho de 1920, o jornal reiniciou a sua publicação, primeiro com o título de Azjrbaidjánskaia Biednotá (Os pobres do Azerbaidjão), e depois, a partir de 7 de novembro de 1920, com o título original. Atualmente, o Bakinski Babótchi é o órgão do C.C. e do P.C.(b) do Azerbaidjão. (retornar ao texto)

 

pcr
Inclusão 09/01/2008
Última alteração 23/11/2010