A Revolução de Outubro e o Problema das Camadas Médias

J. V. Stálin

7 de Novembro de 1923


Primeira Edição: Pravda, n.253, 7 de novembro de 1923.
Fonte: Editorial Vitória Ltda., Rio, 1946. Tradução de Brasil Gerson. Pág: 241-246.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
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Está fora de dúvida que o problema das camadas médias constitui um dos problemas fundamentais da revolução proletária. As camadas médias são os camponeses e os pequenos produtores da cidade. É necessário incluir aqui as nacionalidades oprimidas, compostas em seus nove décimos de camadas médias. Como vedes, são as mesmas camadas que, por sua situação econômica, se encontram situadas entre o proletariado e a classe dos capitalistas. O valor relativo dessas camadas é determinado por duas circunstâncias: em primeiro lugar, essas camadas representam a maioria ou uma importante minoria da população dos Estados existentes; em segundo lugar, constituem as importantes reservas em que a classe dos capitalistas recruta o seu exército contra o proletariado. O proletariado não pode manter-se no poder sem a simpatia, sem o apoio das camadas médias, e sobretudo dos camponeses, particularmente num país como a nossa União de Repúblicas. O proletariado não pode mesmo aspirar seriamente à conquista do poder se essas camadas não foram pelo menos neutralizadas, caso ainda não tenham tido tempo de afastar-se da classe dos capitalistas, caso ainda constituam, em sua massa, o exército do capital. Daí a luta pelas camadas médias, a luta pelos camponeses, destacando-se no decorrer de toda a nossa revolução, de 1905 a 1917, luta que se encontra longe do fim e que ainda continuará no futuro.

A revolução de 1848, na França, foi derrotada porque, entre outros motivos, não soube captar a simpatia dos camponeses franceses. A Comuna de Paris caiu porque, entre outros motivos, tropeçou com a resistência das camadas médias e, antes de tudo, com a dos camponeses. O mesmo cumpre dizer da revolução russa de 1905. Partindo da experiência das revoluções europeias, alguns marxistas vulgares, com Kautsky à frente, chegaram à conclusão de que as camadas médias, e antes de tudo os camponeses, são quase inimigos natos da revolução proletária, e que, em consequência, é necessário que nos orientemos para um período mais moroso do desenvolvimento, no fim do qual o proletariado constituirá a maioria da nação, estabelecendo-se, em virtude disso, as condições reais para a vitória da revolução proletária. Baseando-se nessa conclusão, os marxistas vulgares punham o proletariado de prevenção contra a revolução “prematura”. Baseando-se nessa conclusão, e por “considerações de princípio”, entregavam as camadas médias à livre disposição do capital. Baseando-se nessa conclusão, prognosticavam a morte da Revolução russa de Outubro, fazendo alusão ao fato de o proletariado constituir minoria na Rússia e de a Rússia ser um país camponês e, em consequência, de ser impossível na Rússia uma revolução proletária triunfante.

É característico que o próprio Marx tenha tido uma opinião inteiramente diferente a respeito das camadas médias e, antes de tudo, dos camponeses. Enquanto os marxistas vulgares se desinteressavam dos camponeses e os entregavam à livre disposição política do capital, alardeando estrepitosamente a “firmeza de seus princípios”, Marx, o marxista mais firme entre todos os marxistas em matéria de princípios, aconselhava insistentemente o Partido Comunista a não deixar de levar em consideração os camponeses, a conquistá-los para o proletariado e a assegurar o seu apoio na próxima revolução proletária. Sabe-se que, na década de 50 do século passado, após a derrota da revolução de fevereiro na França e na Alemanha, Marx escrevia a Engels e, por seu intermédio, ao Partido Comunista da Alemanha:

"Todo o curso dos acontecimentos, na Alemanha, dependerá da possibilidade de prestar-se ajuda à revolução proletária mediante uma segunda edição, por assim dizer, da guerra dos camponeses”.(1)

Isso se escrevia a respeito da Alemanha da década de 50, um país camponês em que o proletariado constituía insignificante minoria, em que o proletariado se encontrava menos organizado do que na Rússia de 1917, em que os camponeses, por sua situação, estavam menos inclinados a apoiar a revolução proletária do que os da Rússia de 1917.

Está fora de dúvida que a Revolução de Outubro representou a feliz combinação da “guerra camponesa” e da "revolução proletária”, de que falava Marx, contrariamente às asserções de todos os charlatães “de princípios”. A Revolução de Outubro demonstrou que essa combinação é possível e concretizável. A Revolução de Outubro demonstrou que o proletariado pode tomar o poder e nele se manter, caso consiga afastar da classe dos capitalistas as camadas médias e sobretudo os camponeses: caso consiga transformar essas camadas, de reservas do capital, em reservas do proletariado.

Em poucas palavras: a Revolução de Outubro foi a primeira das revoluções do mundo que colocou em primeiro plano o problema das camadas médias e sobretudo o problema dos camponeses, resolvendo-os vitoriosamente, contrariamente a todas as “teorias” e a todas as lamentações dos heróis da II Internacional.

Nisso reside o primeiro mérito da Revolução de Outubro, se é que, de um modo geral, se pode falar em méritos no presente caso.

Mas as coisas não se reduzem a isso. A Revolução de Outubro foi mais longe ainda, buscando agrupar em torno do proletariado as nacionalidades oprimidas. Já dissemos anteriormente que, em seus nove décimos, essas últimas são constituídas de camponeses e pequenos produtores da cidade. Mas o conceito de “nacionalidade oprimida” não se reduz a isso. As nacionalidades oprimidas não o são apenas como camponeses e pequenos produtores da cidade, mas igualmente como nacionalidades, isto é, como trabalhadores com uma vida estatal, um idioma, uma cultura, um gênero de vida, usos e costumes determinados. Esse duplo peso da opressão não pode senão rebelar as massas trabalhadoras das nacionalidades oprimidas, não pode senão levá-las à luta contra a fôrça principal da opressão, contra o capital. Essa circunstância constituiu a base sobre a qual o proletariado conseguiu realizar a combinação da “revolução proletária” não somente com a “guerra camponesa”, mas também com a “guerra nacional”. Tudo isso não pode senão ampliar o campo de ação da revolução proletária muito mais além dos limites da Rússia, não pode senão atingir as reservas mais profundas do capital. Se a luta pelas camadas médias de determinada nacionalidade dominante é a luta pelas reservas mais próximas do capital, não podia a luta pela libertação das nacionalidades oprimidas deixar de converter-se na luta pela conquista das diversas reservas, as mais profundas do capital, na luta por libertar da opressão do capital os povos coloniais e os que não gozam da plenitude de seus direitos. Essa última luta está longe de ter terminado, e ademais ainda não teve tempo de proporcionar os primeiros êxitos decisivos. Mas essa luta pelas reservas profundas começou graças à Revolução de Outubro, e indubitavelmente se irá desenvolvendo paralelamente ao desenvolvimento do imperialismo, ao crescimento da potencialidade da nossa União de Repúblicas, ao desenvolvimento da revolução proletária no Ocidente.

Em poucas palavras: a Revolução de Outubro iniciou, efetivamente, a luta do proletariado pelas reservas profundas do capital, constituídas pelas massas populares dos países oprimidos e dos que não gozam da plenitude de seus direitos; a Revolução de Outubro foi a primeira que levantou a bandeira da luta pela conquista dessas reservas. Nisso reside o seu segundo mérito.

A conquista dos camponeses verificou-se entre nós sob a bandeira do socialismo. Os camponeses, que receberam a terra das mãos do proletariado, que venceram os latifundiários com auxílio do proletariado e subiram ao poder sob a direção do proletariado, não podiam deixar de sentir, não podiam deixar de compreender que o processo da sua libertação se realizou e deverá realizar-se ainda sob a bandeira do proletariado, sob a sua bandeira vermelha. Essa circunstância não podia senão converter a bandeira do socialismo, que antes era um espantalho para os camponeses, numa bandeira que atrai a sua atenção e os ajuda a libertar-se do seu estado de depressão, da miséria e da opressão. O mesmo pode-se dizer, e ainda em maior grau, das nacionalidades oprimidas. O apelo à luta pela libertação das nacionalidades oprimidas, apelo reforçado por fatos como a libertação da Finlândia, a retirada das fôrças da Pérsia e da China, a formação da União das Repúblicas, a ajuda moral aberta aos povos da Turquia, China, Índia e Egito, foi um apelo que pela primeira vez se fez ouvir, tendo partido dos lábios dos homens que venceram na Revolução de Outubro. Não se pode considerar como um acaso o fato de que a Rússia, que era antes, aos olhos das nacionalidades oprimidas, um símbolo de opressão, se tenha convertido agora, depois de se ter tornado socialista, na bandeira da libertação. Também não é casual o fato de o nome do chefe da Revolução de Outubro, camarada Lênin, ser agora o nome mais querido da boca dos camponeses humilhados e oprimidos e da intelectualidade revolucionária dos países coloniais e dos países que não gozam da plenitude de seus direitos. Se antigamente os escravos oprimidos e esmagados do vasto Império Romano consideravam o cristianismo como tábua de salvação, na atualidade os acontecimentos nos levam a que o socialismo pode servir (e já começa a servir!) de bandeira de libertação para milhões de homens dos vastos Estados coloniais do imperialismo. E não se pode duvidar de que essa circunstância tenha facilitado consideravelmente a luta contra os preconceitos existentes contra o socialismo e tenha aberto o caminho às ideias do socialismo rumo aos mais longínquos rincões dos países oprimidos. Se, em outros tempos, um socialista não podia apresentar-se abertamente diante das camadas médias não proletárias dos países oprimidos ou opressores, atualmente pode atuar entre essas camadas, propagando ostensivamente as ideias do socialismo, com a esperança de ser escutado e até secundado, uma vez que possui um argumento de tamanho peso como a Revolução de Outubro. Isso é também um resultado da Revolução de Outubro.

Em poucas palavras: a Revolução de Outubro desimpediu o caminho que leva as ideias do socialismo às camadas médias, não proletárias, camponesas, de todas as nacionalidades e de todos os povos; converteu a bandeira do socialismo em bandeira popular para todos eles. Nisso reside o terceiro mérito da Revolução de Outubro.

(veja outra tradução da Editorial Vitória para este texto)


Notas de rodapé:

(1) Citação tomada à carta de Marx a Engels, de 16 de abril de 1856 (v. Karl Marx e F. Engels, Cartas sob a orientação de V. Adoratsky. Ed. do Estado, 1931). (retornar ao texto)

Inclusão 09/11/2012