Por que a estagnação?

Paul M. Sweezy

22 de Março de 1982


Primeira Edição: texto obtido a partir das notas de uma palestra dada no Harvard Economics Club, em 22 de Março de 1982, e publicado pela primeira vez no nº de Junho de 1982 da Monthly Review.

Fonte: http://resistir.info - O original encontra-se em http://www.monthlyreview.org/1004pms1.htm . Tradução de JF.

Trandução: JF

HTML: Fernando Araújo.


A questão "Por que a estagnação?" tem um significado especial para mim. Iniciei o meu trabalho de graduação em ciências económicas exactamente há 50 anos atrás. A baixa económica cíclica (cyclical downturn) que começou em 1929 estava a aproximar-se do fundo. O desemprego naquele ano, segundo os números do governo, era de 23,6 por cento da força de trabalho, e atingiu o seu ponto alto em 1933 com 24,9 por cento. Ele permaneceu na amplitude dos dois dígitos ao longo de toda a década. Ainda assim, principiou uma recuperação em 1933, e ela revelou-se como a mais longa registada naquele tempo. Contudo, mesmo no pico de 1937, a taxa de desemprego ainda era de 14,3 por cento, e saltou no fim do ano. Aquele foi o ano em que obtive o meu Ph.D. Podem vocês imaginar um conjunto de circunstâncias melhor dispostas para imprimir sobre um jovem economista a ideia de que o problema económico fundamental não eram altos e baixos cíclicos e sim a estagnação secular?

No rastro da aguda recessão de 1937 principiou a espalhar-se entre os economistas um debate sobre as causas da estagnação. Os dois mais proeminentes protagonistas foram Alvin Hansen e Joseph Schumpeter, os principais economistas de Harvard na década de 1930. A posição de Hansen foi bem resumida no seu livro Full Recovery or Stagnation? , de 1938. A de Schumpeter no último capítulo do seu tratado em dois volumes, de 1939, sobre os Ciclos de Negócios.

Schumpeter etiquetou a teoria de Hansen como "a teoria das oportunidades de investimento evanescentes", e é uma caracterização apropriada. De acordo com esta teoria, a moderna economia capitalista desenvolvida tem uma enorme capacidade para poupar, tanto por causa da sua estrutura corporativa como devido à distribuição do rendimento pessoal muito inigualitária. Mas se oportunidades de investimento lucrativo adequadas estão a faltar, esta poupança potencial traduz-se não na formação real de capital e em crescimento sustentado e sim em rendimento rebaixado, desemprego em massa e depressão crónica, uma condição resumida na palavra estagnação. (O esquema desta análise foi naturalmente derivado directamente da General Theory do Keynes, a qual foi publicada em 1936, da qual Hansen era o intérprete e defensor mais conhecido deste lado do Atlântico.)

Para completar a teoria, era necessária uma explicação da razão porque deveria haver uma falta de oportunidades de investimento na década de 1930 em relação a tempos anteriores. A tentativa de Hansen de colmatar este fosso foi feita em termos daquilo que ele considerou serem certas mudanças históricas irreversíveis que haviam principiado a erguer-se em décadas anteriores e que finalmente acabaram por dominar o cenário depois daquilo que Schumpeter denominou de "a pior crise" ter começado em 1929. Para super-simplificar um pouco, estas mudanças, segundo Hansen, foram: (1) o fim da expansão geográfica, por vezes colocadas em termos de "fechamento da fronteira" mas interpretadas por Hansen num sentido global mais vasto; (2) um declínio na taxa de crescimento populacional; e (3) uma tendência da parte das novas tecnologias a serem menos utilizadoras de capital do que em anteriores estágios do desenvolvimento capitalista. Na visão de Hansen, todas estas mudanças actuaram para restringir a procura por novo investimento de capital e deste modo transformaram a grande capacidade do sistema para poupar numa força produtora de estagnação ao invés de um motor de crescimento rápido.

Os críticos de Hansen, incluindo Schumpeter, viam pouco mérito nesta teoria. Não que eles negassem a necessidade da formação saudável de capital para sustentar o crescimento e o nível de emprego elevado: eles apenas não podiam aceitar o argumento de que as mudanças apontadas por Hansen fossem reais, ou se fossem reais que elas necessariamente implicassem um enfraquecimento da procura por novo investimento. O fim da expansão geográfica dos Estados Unidos foi no fim do século XIX. Por que deveria começar a ter tais efeitos económicos adversos três ou quatro décadas depois? O crescimento da população não estimula necessariamente o investimento: ele pode antes significar mais desemprego, duplicando-o internamente, um padrão de vida mais baixo. E a alegada natureza e efeito das mudanças na inovação tecnológica não estavam provadas e, segundo os críticos, eram improváveis.

Em oposição à teoria de Hansen, Schumpeter avançou com outra apresentada de um modo algo diferente. Ao invés de perguntar o que provocou a estagnação da década de 1030 ele perguntou porque o ciclo ascendente principiado em 1933 chegou a um fim tão rápido quando ele e outros haviam sempre assumido ser a situação "normal" no fim da fase de prosperidade do ciclo — pleno emprego, preços em ascensão, crédito rígido, etc. Alguns de vocês recordarão que Schumpeter classificou os ciclos económicos em três tipos, cada um deles nomeado conforme um investigador anterior deste fenómeno: "Kitchins" (muito curto, basicamente ciclos de stocks); "Juglars" (aquilo que a maior parte dos autores considera como um ciclo de negócios) e "Kondratieffs" (um suposto ciclo de cinquenta anos de duração, em cuja realidade Schumpeter acreditava). A experiência da década de 30 ele descreveu-a como "o desapontamento de Juglar". Por que?

Rejeitando a teoria de Hansen das oportunidades de investimento evanescentes, Schumpeter culpou o clima anti-empresarial do período — um clima, casualmente, que ele pensava ser um subproduto inevitável do desenvolvimento capitalista. Num certo sentido isto pode ser chamado a "teoria New Deal da estagnação", e de uma forma ou de outra ela era partilhada pela maior parte dos políticos conservadores. Mas Schumpeter, como era seu hábito, deu-lhe uma guinada especial: para ele, o cerne do assunto era não tanto o conteúdo da legislação do New Deal — a qual ele reconheceu como compatível com o funcionamento normal do capitalismo — mas o pessoal que administrou a legislação que ele considerava actuar com um espírito anti-empresarial. Isto, acreditou ele, tinha um efeito desestimulante, repressivo, na confiança e no optimismo dos empresários, destruindo suas esperanças quanto ao futuro e inibindo as suas actividades de investimento no presente.

Naturalmente não foi por acaso que este debate sobre a estagnação floresceu no rastro do agudo declínio cíclico de 1937-38. Antes disto parecia razoável esperar que a longa ascensão começada em 1933 continuasse até chegar a toda a capacidade de produção e ao pleno emprego. A queda portanto surgiu como um choque rude. Com a taxa de desemprego a saltar para 19 por cento em 1938 e permanecendo em mais de 17 por cento em 1939, a amarga realidade da estagnação não podia mais ser negada. O livro de Hansen de 1938 e a resposta de Schumpeter no ano seguinte foram apenas marcos daquilo que dava todos os sinais de se tornar uma das controvérsias clássicas na história do pensamento económico. Não eram apenas os economistas que estavam envolvidos: Franklin Delano Roosevelt, com o seu outrora esperançoso New Deal arruinado por uma nova e inesperada calamidade económica, nomeou um Temporary National Economic Committee (TNEC) de alto nível para descobrir o que estava errado e o que podia ser feito a respeito. Mas antes que o TNEC pudesse mesmo começar a relatar as suas descobertas (que acabaram por ser muito magras), começou a Segunda Guerra Mundial. Do dia para a noite todo o assunto da estagnação desapareceu da vista, para não mais ser revivido.

Após a guerra, em 1952, foi publicado na Inglaterra um sério e importante estudo do assunto, Maturity and Stagnation in American Capitalism , de Josef Steindl, um refugiado austríaco que passara os anos da guerra no Oxford Institute os Statistics. Mas ele foi ignorado pela profissão económica, e o longo período de expansão capitalista do pós-guerra, que estava a decorrer no momento em que surgiu o livro, parecia ter relegado toda a "problemática" da estagnação para o âmbito das curiosidades históricas.

ESTAGFLAÇÃO

Acontecimentos mais recentes, contudo, mostraram que o enterro da estagnação era, para dizer o mínimo, prematuro. Não preciso recordar-vos que nos meados da década de 1970 o problema havia retornado outra vez, desta vez com uma nova faceta reflectida num novo nome: "estagflação". O momento em que reapareceu pode ser assunto de debate. Talvez tenha sido no fim da década de 1950, com a Guerra do Vietnam a actuar como um factor de adiamento temporário. Talvez no princípio dos anos 70, a seguir à sufocação de crédito do Penn-Central e ao abandono formal de Nixon do padrão ouro e da breve experimentação com controles de salários e preços. Ou talvez o retorno real da estagnação devesse ser datado a partir da recessão de 1974-75. Em qualquer caso, a segunda metade dos anos 70 mostrou o fenómeno na sua nova forma de estagflação para todos verem. E pouca dúvida pode haver em que ela tem piorado desde então, como dois conjuntos de factos testemunham de forma eloquente. Primeiro, espera-se que o desemprego no mundo capitalista avançado (os 24 países da OCDE) alcance 30 milhões neste ano, uma taxa da ordem dos 10 por cento da força de trabalho total (com números muito mais elevados, naturalmente, para mulheres, jovens e minorias). Segundo, nos Estados Unidos houve duas recessões em anos sucessivos, com a actual muito possivelmente a degenerar numa depressão em plena escala. (Isto não é sugerir que aqueles que esperam ou prevêem um ascenço no futuro próximo estejam necessariamente errados. Houve um ascenço em 1930 e naturalmente a longa recuperação já mencionada de 1933 a 1937: na verdade subidas e descidas em torno da tendência, na qual altos e baixos são não só possíveis como inevitáveis.

Não pretendo acompanhar a literatura económica mais recente que tem surgido, mas é minha impressão que a profissão económica ainda não começou a retomar o debate sobre a estagnação que foi tão abruptamente interrompido pelo estalar da Segunda Guerra Mundial. Tenho o sentimento de que se se perguntar a um economista como chegámos à desordem em que estamos ele ou ela, ainda que sem negar que é na verdade uma desordem, responderá dando conselhos sobre como sair disto mas não terá algo muito esclarecedor para dizer acerca de como entrámos nela. Leonard Silk, o bem informado e moderado editor económico do New York Times, é um bom exemplo. Em muitas das suas colunas ultimamente ele tem estado a enfatizar a precariedade da actual situação económica, criticando as políticas da administração Reagan e sugerindo meios para actuar melhor. Numa destas colunas — na secção "Business" do jornal de domingo 14 de Março — ele incluiu mesmo uma considerável quantidade de material com antecedentes, centrando-se em cinco gráficos datados de 1965 a mostrarem que as raízes do problema remontam h� muito. O título da peça é interessante: "O que está a acontecer não é uma depressão: É um estado crónico de desemprego e lassidão industrial. O governo provocou isto". À primeira vista isto pode parecer ser tanto uma descrição da estagnação como uma explicação da mesma. Mas se você ler o artigo não encontrará grande coisa quanto à explicação. Isto não é surpreendente uma vez que houve cinco diferentes administrações desde 1965 com uma variedade de ideologias e políticas, e pareceria um apriorismo muito improvável que alguém fosse capaz de extrair da totalidade da experiência uma entidade merecendo o nome de "o" governo sobre a qual lançasse a culpa. Nem Leonard Silk realmente tentou fazer isso. Pode-se suspeitar que algum editor apressado escreveu o título sem ler o artigo de forma muito cuidadosa.

Assim, ainda temos a pergunta: "Por que a estagnação?". Ela foi levantada e a seguir abandonada sem qualquer resposta satisfatória na década de 1930. A realidade está agora a apresentá-la outra vez. Penso que é tempo de aceitar o desafio e retomar a investigação por uma resposta.

Considero que faríamos bem se começássemos por onde Hansen começou no anos 30. A estrutura da economia tanto nas suas dimensões empresariais como nas individuais é basicamente a mesma de meio século atrás. Sua poupança potencial ainda é enorme, e as mudanças que tiveram lugar tenderam a torná-la maior ao invés de mais pequenas. A concentração corporativa aumentou e a distribuição de rendimentos individuais permaneceu altamente desigual. Além disso, as mudanças na estrutura fiscal tem sido cada vez mais favoráveis às corporações e aos ricos. Sob tais condições, como sempre, é necessário um forte e sustentado desempenho do investimento para impedir a economia de cair na estagnação. E é precisamente isto que agora tem estado a faltar durante um longo tempo, em especial nos últimos poucos anos. Assim, a causa imediata da estagnação agora é a mesma daquela da década de 1930 — uma forte propensão a poupar e uma fraca propensão a investir.

Deixem-se divagar por um momento para salientar o facto de que se o desempenho global da economia nos últimos anos não tem sido muito pior do que realmente foi, ou tão mau como era na década de 1930, isto se deve em ampla medida a três causa: (1) o papel muito maior dos gastos governamentais e dos seus défices; (2) o enorme crescimento da dívida dos consumidores, incluindo a dívida das hipotecas residenciais, especialmente durante os anos 70; e (3) o inchamento (ballooning) do sector financeiro da economia o qual, além do crescimento da dívida como tal, inclui uma explosão de todas as espécies de especulação, velha e novas, as quais por sua vez geram mais do que um mero gotejamento (trickledown) do poder de compra para dentro da economia "real", principalmente na forma de procura acrescida de bens de luxo. Trata-se de forças importantes a actuarem contra a estagnação enquanto perdurarem, mas há sempre o perigo de que se forem levadas demasiado longo irromperão num pânico à moda antiga, de uma espécie que não vemos desde o período 1929-33.

Assim, basicamente estamos de volta onde o debate dos anos 30 nos deixou. Por que o incentivo para investir é tão fraco? As respostas de Hansen são, penso eu, em grande medida, não mais persuasivas hoje do que eram quando ele as avançou pela primeira vez. E certamente ninguém pode seguir a linha de Schumpeter de culpar políticas anti-empresariais de desencorajaram capitalistas a investirem nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, menos ainda com uma administração no poder como aquela que temos agora em Washington. Devemos olhar para outras direcções.

Sugiro que a resposta deve ser encontrada analisando o longo período — vinte e cinco anos ou mais — que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, durante os quais não tivermos um problema de estagnação. De facto, durante aquele tempo o incentivo a investir era forte e sustentado, e o récord de crescimento da economia talvez tenha sido o melhor de qualquer período comparável na história do capitalismo. Por que?

A razão, penso, é que a guerra alterou os dados da situação do mundo económico de maneiras que fortaleceram enormemente o incentivo para investir. Listo de forma muito sumária os principais factores: (1) a necessidade de fabricar bens inutilizados no período da guerra; (2) a existência de um vasto potencial de procura por bens e serviços cuja produção fora eliminada ou grandemente reduzida durante a guerra (casas, automóveis, electrodomésticos, etc): um enorme reservatório de poder de compra acumulado durante a guerra por firmas e indivíduos que podia ser utilizado para transformar a procura potencial em procura efectiva; (3) o estabelecimento da hegemonia global americana em resultado da guerra: o dólar americano tornou-se a base do sistema monetário internacional, os blocos comerciais e monetários anteriores à guerra foram desmantelados, e as condições para movimentos de capital relativamente livres foram criadas — tudo isso serviu para alimentar uma enorme expansão do comércio internacional; (4) migração para a área civil de tecnologia militar, especialmente electrónica e aviões a jacto; e (5) a construção pelos Estados Unidos de uma enorme indústria de armamentos em tempo de paz, espicaçada por grandes guerras regionais na Coreia e na Indochina. Muito importante, mas frequentemente não percebido, é o facto de que estas mudanças foram oportunamente reflectidas numa mudança fundamental no clima de negócios. O pessimismo e a cautela que restavam dos anos 30 não foram dissipados imediatamente, mas quando se tornou claro que o boom do pós-guerra tinha raízes muito mais profundas do que simplesmente reparar os danos e perdas da própria guerra o ambiente mudou para um optimismo a longo prazo. Foi disparado um grande boom de investimento em todas as indústrias essenciais: aço, automóvel, energia, estaleiros navais, química pesada e muitos mais. Rapidamente foi instalada capacidade em todos os principais países capitalistas e nuns poucos dos países mais avançados do terceiro mundo, como o México, o Brasil, a Índia e a Coreia do Sul.

Ao investigar as causas da referência da estagnação nos anos 70, o ponto crucial a ter em mente é que cada uma das forças que proporcionou energia à longa expansão do pós-guerra era, e era obrigatório ser, auto-limitante. Isto na verdade é parte da própria natureza do investimento: não só responde à procura, também satisfaz a procura. Os danos do tempo da guerra foram reparados. A procura adiada durante a guerra foi satisfeita. O processo de construir novas indústrias (incluindo uma indústria de armas em tempo de paz) exige um bocado mais de investimento do que a sua manutenção. Expandir a capacidade industrial acaba sempre por criar super-capacidade.

Colocando a ideia de modo diferente: um forte incentivo a investir produz um estouro de investimento o qual por sua vez reduz o incentivo a investir. Este é o segredo do longo boom do pós-guerra e do retorno da estagnação nos anos 70. Como o boom começou extinguir-se, a estagnação foi combatida por alguns anos com mais e mais criação de dívida, tanto nacional como internacional, mais e mais especulação frenética, mais e mais inflação. Nesta altura estes paliativos tornaram-se mais prejudiciais do que úteis, e ao problema da estagnação foi acrescentado o de uma situação financeira em deterioração rápida.

Significará isto que estou a argumentar ou a implicar que a estagnação tornou-se um estado de coisas permanente? Não de todo. Algumas pessoas — penso que seria razoável incluir Hansen nesta categoria — pensam que a estagnação dos anos 30 estava ali para ficar e que só poderia ser ultrapassada por mudanças básicas na estrutura das economias capitalistas avançadas. Mas, como demonstrou a experiência, eles estavam errados, e hoje um argumento semelhante também poderia demonstrar-se errado. Eu próprio não acredito que uma nova guerra pudesse ter as mesmas consequências verificadas na última (ou como verificadas em menor escala após a Primeira Guerra Mundial). Se uma nova guerra fosse suficientemente grande para ter um grande impacto sobre a economia ela provavelmente tornar-se-ia uma guerra nuclear, após a qual pouco restaria para reconstruir. Mas ninguém pode dizer com certeza que nunca haverá outro novo estímulo poderoso ao investimento, tal como por exemplo, como foi proporcionado pela revolução industrial, o caminho de ferro, e o automóvel nos tempos mais recentes. O que se pode dizer, penso, é que nada disto está agora visível no horizonte. Para aqueles que entendem isto, a lição é bastante clara: ao invés de esperar por um milagre (ou um desastre irrecuperável), é tempo de dedicarmos nossos pensamentos e energias a fim de substituir o actual sistema económico por um que opere para a satisfação das necessidades humanas e não como um mero subprodutos da presença ou da ausência de oportunidades de investimento atraentes para um punhado de capitalistas socialmente irresponsáveis.

Deixem-me encerrar com umas poucas observações acerca da relevância da análise antecedente para um assunto ao qual economistas têm dedicado atenção crescente nos últimos poucos anos, isto é, se sim ou não a história do capitalismo tem sido caracterizado por um ciclo longo de uns cinquenta anos de duração (ao qual Schumpeter chamou ciclo de Kondratieff). Primeiro, deveríamos clarificar que a questão aqui não é se o desenvolvimento capitalista tem lugar de um modo desigual com períodos de rápida expansão sendo sucedidos por períodos de expansão vagarosa (ou mesmo nenhuma) e vice-versa — o que frequentemente tem sido citado como ondas longas. A existência empírica de ondas longas neste sentido é inegável, e pode-se contar com a engenhosidade de estatísticos a operarem com uma quase infinita variedade de possíveis fontes estatísticas para extrair uma argumentação de uma sequência temporal de taxas de crescimento aceleradas e retardadas compatíveis com a existência de um mecanismo cíclico subjacente.

Mas compatibilidade com a existência de um mecanismo cíclico é inteiramente diferente de prova da existência de um tal mecanismo. A razão para a nossa aceitação da ideia de que existem ciclos relativamente curto (i.é, ciclos de menos de dez anos de duração, os ciclos de Kitchin e Juglar de Schumpeter) é que os mecanismos em funcionamento podem ser esclarecidos analiticamente bem como verificados empiricamente. O ponto importante é ser capaz de demonstrar que cada um das duas fases básicas do ciclo, expansão e contracção, contem as sementes do seu oposto como se pode mostrar. Este princípio jaz no núcleo de todas as modernas teorias de ciclos de negócios. Citando o que durante muito tempo foi um manual padrão sobre o assunto:

Os ciclos de negócios consistem em alternações recorrentes de expansão e contracção na actividade económica agregada... A economia parece ser incapaz de permanecer sem tremores, e períodos de actividade expansiva sempre dão lugar ao declínio da produção e do emprego. Além disso, e isto é a essência do problema, cada curva ascendente ou descendente é auto-reforçadora. Ela alimenta-se sobre si própria e cria movimento ulterior na mesma direcção; uma vez principiada, persiste numa dada direcção até que se acumulem forças para reverter a direcção. (Robert A. Gordon, Business Fluctuations , New York, 1952, p. 214)

A frase chave é "até que se acumulem forças para reverter a direcção". Isto ocorre tanto nas fases de expansão como de contracção do ciclo de negócios normal, mas a simetria rompe-se quando se trata de onda longas. Como já notámos no caso da longa expansão que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, o reverso na verdade não ocorre: é da natureza de um boom de investimento exaurir-se por si próprio. Mas é igualmente claro a partir das experiências dos anos 30 e dos anos 70 que uma fase de estagnação de uma onda longa não gera quaisquer "forças de reversão". Se e quando tais forças emergem, elas originam-se não na lógica interna da economia e sim no contexto histórico mais vasto dentro do qual funciona a economia. Foi a Segunda Guerra Mundial que pôs fim à estagnação dos anos 30. Ainda não sabemos o que trará um fim à estagnação dos anos 70 e 80 — ou que espécie de fim será.


Inclusão: 21/11/2021