O Materialismo Histórico em 14 Lições

L. A.Tckeskiss


Lição IX: A Estrutura da Sociedade e a Divisão de Classes


No final da lição passada apontamos a influencia da técnica na estrutura social da sociedade, e chegamos á conclusão de que com o desenvolvimento da técnica modifica-se a estrutura da sociedade.

Sabemos que o estado da técnica determina sempre a divisão social do trabalho. Na sociedade primitiva a divisão social do trabalho é muito rudimentar, — ela se expressa, na divisão em duas espécies de funções: a organizadora ou dirigente, e a executiva. Mais tarde forma-se uma divisão do trabalho cada vez mais desmembrada e complexa, e no grau mais alto do desenvolvimento da técnica, que vemos moderna sociedade capitalista, a divisão do trabalho mais se alastra, torna-se complexa, se desarticula e sua estrutura fica também em todos os seus detalhes muito complexa. Temos famílias, classes, grupos, camadas, agrupamentos nas próprias classes, varias sociedades, partidos, etc. A sociedade pode ser comparada a um edifício que tem alicerces, base, com suas partes principais e sobre si a superestrutura, os andares, com todo o edifício inteiro.

Se quisermos compreender e explicar a estrutura da sociedade e também as suas partes principais, teremos antes de mais nada de destacar a base da sociedade, seus alicerces, e só então, depois de estudada esta, explicaremos as outras partes do edifício social, toda a construção social.

Em que consiste o alicerce, isto é, a base da sociedade? Analisando anteriormente essa questão, mostramos numa concatenação de idéias que a base fundamental da vida social é o trabalho social, que por sua vez se acha estreitamente ligado à técnica. Falando aqui do trabalho como fator social, — como base da vida social, não nos interessa a face física ou técnica do trabalho, mas sua face social, isto é, as relações que surgem entre os homens no trabalho durante a elaboração de produtos e durante sua distribuição. A base da vida social é, portanto a sua economia.

Vendo na sociedade certos agrupamentos ligados á família que, como esta desempenham grande papel na visa social, surge então a seguinte pergunta: como se entrelaçam as varias relações de família com as relações econômicas? Não dependerão uma das outras?

Ao estudarmos a família historicamente, veremos que as relações de família não se mantém sempre estacionarias, no mesmo lugar — elas evoluem; onde, pois se deve procurar as causas dessas modificações? Sendo certo que as relações sexuais das quais derivam todas as outras relações de família não mudam, de uma maneira geral, claro está que não são elas que determinam aquelas variações. Elas devem ser procuradas noutra parte. Sabemos porem, que a família é ao mesmo tempo um entrelaçamento de relações de caráter econômico e fisiológico. Suas formas mudam, se desenvolvem de acordo com o desenvolvimento da técnica e das relações econômicas que por esse meio se elaboram(1).

Tomemos por exemplo as relações de pais e filhos, de homens e mulheres, irmãos e irmãs, etc. Nas sociedades de seres inferiores, essas relações mantêm-se sempre as mesmas e não se modificam. Como relações fisiológicas não podem estas determinar a vida da família. Somente na sociedade humana em seu desenvolvimento, essas relações assumem variadas formas, perdendo seu caráter puramente fisiológico, e tornam-se complexas devido às relações econômicas existentes e integradas na sociedade(2).

Nem relações sexuais nem as de parentesco, podem servir de base para a anatomia da sociedade humana. Em que consiste, pois a estrutura da sociedade? Consiste na sua divisão em certos grupos econômicos, que se encontram não só em simples relações de cooperação, mas também em relações opostas de luta.

Sabemos que quanto mais as relações se tornam complexas, passando de simples cooperação á complexa divisão de trabalho, tanto mais evidentes começam a surgir em cena certos grupos econômicos que mantém lutas entre si. Essas relações de luta entre os vários grupos econômicos em oposição dão à sociedade um caráter especial, determinam a feição de sua estrutura; logo, a estrutura da sociedade nasce, isto é, tem as suas raízes na base econômica.

A divisão em classes, em camadas, que se forma no inicio devido à divisão do trabalho, se desenvolve cada vez mais como o próprio desenvolvimento da divisão do trabalho. E essa estrutura econômica da sociedade, consistindo na divisão em vários grupos, com diferentes interesses econômicos, lutando oculta ou abertamente entre si, desempenha o papel preponderante no desenvolvimento continuo da sociedade.

Tomando a sociedade no inicio do seu desenvolvimento devemos constatar que a força impulsora, era então constituída pelas varias necessidades econômicas, que obrigavam os homens a lutar contra a natureza. A multiplicação que devido às formas primitivas de produção levou à superpopulação obrigava freqüentemente os homens a alargarem a sua luta contra a natureza; o resultado disso foi a evolução do trabalho. Começa aqui a esboçar-se um novo fator que desempenha um grande papel na evolução da sociedade. Esse novo fator foi a técnica: — o meio artificial, que é formado pelo homem em sua luta implacável pela existência, para a satisfação de suas necessidades vitais. Uma das condições preliminares para o desenvolvimento da técnica foi o desenvolvimento da sociedade; mas quando a sociedade cresce, forma-se nela, devido à evolução da técnica, a divisão em grupos e em diferentes camadas econômicas, com interesses opostos, mantendo-se em constante relação de luta. Nasce assim e se desenvolve mais esse novo fator agindo por sua vez no desenvolvimento posterior da sociedade, determinando a sua estrutura com as mutações gradativas da mesma, — a luta de classes.

Devemos lembrar que na sociedade devido à luta geral pela existência dá-se também a concorrência entre os indivíduos isolados. Isso porem é um fenômeno geral da natureza viva e falando-se de luta na sociedade, subentendemos uma luta de caráter e sentido social. À qual, só pode corresponder a luta de classes(3).

Os “sociólogos” burgueses acham que, na historia, outras duas formas de luta entre grupos, desempenharam o papel preponderante: primeiro, as lutas de raças e segundo, as lutas nacionais. Eles procuram demonstrar que a luta de classes desempenha papel menos importante que as lutas nacionais e que a marcha da historia é determinada não pelas condições econômicas, mas por fatores muito diversos.

É bastante porem analisarmos as duas formas de lutas acima referidas, para vermos que seu conteúdo não é independente e que ele é determinado pelas condições econômicas em que se encontram as raças ou nações em luta. A base, sobre a qual nasce a luta nacional ou de raça é também, sempre econômica. Historicamente surgiu a luta de raças, (mascarando a luta econômica), antes da luta de classes, porque esta se origina nas sociedades diferenciadas, ao passo que a luta de raças e até mesmo a luta nacional não exigem uma divisão de trabalho social desenvolvida. E quando no cenário histórico surge a luta de classes ela não expele a luta de raças ou nacional, mas complica-as. A luta de classes assume, as vezes, a forma de luta de raças ou luta nacional, porque para a burguesia é necessário e útil encobrir a aguda luta de classes com o véu da luta nacional ou de raças.

Analisemos as lutas nacionais e de raças e veremos como essas lutas não são senão manifestações ou variações veladas da luta econômica ou de classes.

Tomemos primeiramente as lutas de raças. Aqui se pode e se deve antes de mais nada constatar que na historia não se verifica uma luta constante entre as raças.

Quais raças existentes em geral? Devido à diversidade do meio geográfico, formaram-se três raças principais: — negra, amarela e branca. Nos tempos primitivos não se observam lutas entre essas raças(4).

Agora observemos em certa medida uma luta entre brancos e negros, nos Estados Unidos. Será porem uma luta característica de raças? Ninguém o dirá. Todos deverão reconhecer que essa luta tem um caráter econômico, em conseqüência de terem sido os negros libertados da escravidão há pouco e se tornarem por isso uma vitima indefesa da exploração capitalista(5).

Analisaremos agora a luta nacional que é um fenômeno muito mais freqüente e que em nossos dias observamos ainda em grande escala e em variadas formas. Aqui devemos notar: primeiro, se essa luta nacional, como tal, é uma força propulsora na historia; segundo, em que consiste em geral o conteúdo da luta nacional.

Façamos resumidamente uma excursão na historia e detenhamo-nos no ponto de formação direta das nações.

Se tomarmos a sociedade primitiva na forma de comunidades, clãs, tribos, notamos desde logo, que cada tribo não é formada por muitos indivíduos, ligados entre si por laços de sangue: e que as demais tribos são consideradas como forças exteriores da natureza, com as quais é necessário por vezes, lutar, como contra os animais. Mas, pela união de varias tribos (freqüentemente consangüíneas), devido ás necessidades econômicas de defesa é que se formaram as nações. Como cresceu a nação? Antes de tudo devido ao desenvolvimento da técnica da sociedade, até quando a luta pela existência obriga certas tribos a se unirem a outras. Em que consistia porem a luta entre as tribos? Lutavam de fato somente porque representavam tribos diferentes? Não. A luta era puramente econômica. Os israelitas lutavam contra os filisteus não como duas tribos e sim como dois organismos regionais, com interesses econômicos antagônicos, onde cada qual procurava escravizar o outro, ou conseguir dele certo tributo. As guerras entre as nações tiveram fins puramente econômicos e representaram tendência a expansão; o território tornara-se pequeno para a nação e ela tinha necessidade de se expandir. Tal nação lutou contra tal nação, porquanto uma via na outra melhor objeto de exploração e mais fácil presa ás suas ambições.

Porquanto, as nações surgiram na evolução da historia juntamente com a evolução do trabalho e da técnica. Surgem primeiramente sobre a base de laços de sangue, as uniões de família. Sobre a mesma base, formaram-se posteriormente o clã, a tribo e a nação. Mas a causa dessas uniões e sua evolução foi provocada somente por motivos econômicos, e o conteúdo das lutas entre elas não é nacional, isto é, não consiste em duas tribos, com língua e psicologia diversas, lutarem somente por isso. Por conseguinte, seria extremamente falso, se disséssemos que a luta nacional é uma força propulsora na historia; é certo, que a luta nacional é por vezes a expressão da luta de classes (luta econômica) que é, a realidade, a força propulsora da historia.

Podemos assim determinar, que a estrutura da sociedade é a divisão de classes, que surge durante o processo da divisão do trabalho e se desenvolve com a evolução da técnica. A luta econômica se dá sobre a base da divisão de classes, — da divisão em grupos sociais distintos, com interesses econômicos opostos.


Notas:

(1) Que a família é mais que uma união fisiológica, prova-o o fato de encontrarmos também entre os seres inferiores relações fisiológicas; não obstante não se nota aí vida familiar definida como entre os homens em geral, e mudança das formas da família em particular. É, portanto, um erro supor que a família é somente a expressão de relações fisiológicas. Para ser possível uma vida social, deve naturalmente existir o homem como tal. Dá-se por isso a união fisiológica dos dois sexos para a procriação que ocupa assim um dos mais importantes papeis na perpetuação da espécie humana. Porem a forma que se elabora como conseqüência da união — a família, dependeu sempre da situação econômica da sociedade. Com efeito, alem das relações sexuais e das relações que se formam como conseqüência de vários trabalhos, não notamos nas épocas primitivas outras relações entre os homens. O conteúdo e a forma das relações sexuais permanecem, porem, mais ou menos os mesmos, ao mesmo tempo em que as formas de cooperação modificam-se rapidamente e se desenvolvem juntamente com a técnica. É claro, portanto, que essas modificações na técnica, na forma da cooperação social, provocam por si as modificações correspondentes na família, porquanto é esta alguma coisa mais do que um simples convívio sexual. (retornar ao texto)

(2) As relações entre pais e filhos na sociedade humana, modificam-se constantemente. Nos tempos em que os homens viviam da caça, freqüentemente matavam-se os velhos porque não tinham utilidade alguma e porque havia falta de viveres. Com a evolução posterior, porem, quando a sua experiência se tornou necessária eles são mais respeitados e havendo maior abundancia de viveres eles são alimentados, não obstante nada produzirem. Vemos, portanto, que essas relações são diversas em diversas épocas. O mesmo se dá em relação a pais e filhos. As relações entre eles dependem de varias causas que estão fora dos laços de parentesco de sangue. (retornar ao texto)

(3) Que, na evolução social, desempenha essa luta papel importante, já o afirmavam muitos sociólogos, especialmente Gumplovitch; adotando-se o ponto de vista marxista, usamos outros métodos no desvendar o papel da luta social. Estudando-o, veremos que também ele não se desenvolve, independentemente, mas em combinação com o desenvolvimento da técnica. (retornar ao texto)

(4) Devemos notar que o anti-semitismo, que traz a cor da luta de raças (luta contra a raça semita), é pelo seu conteúdo uma luta econômica mal disfarçada, entre os diversos grupos de uma mesma classe, ou um meio de desviar a consciência de classe do proletariado e das massas populares oprimidas, a fim de enfraquecer a luta de classes. O anti-semitismo é sempre reacionário, até mesmo quando toma o caráter de um movimento das camadas oprimidas, porque desvia da luta de classes. (retornar ao texto)

(5) Fato digno de ser observado é o seguinte: negros capitalistas convivem muito bem com brancos capitalistas e cultos. E ainda, que negros proletários vivem pacificamente com proletários brancos; nem é isso de estranhar. Portanto, a idéia de que o conteúdo da luta de raças é puramente econômico, não necessita de comentários. (retornar ao texto)

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Inclusão 19/03/2010