Os S.U.V. em Luta
(manifestos, entrevistas, comunicados)


O que são os S.U.V.
ENTREVISTA À FLAMA DO SECRETARIADO DA R.M.L.


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Pretendendo a SUV ser uma frente anticapitalista e anti-imperialista, mobilizando o organizando os soldados «para uma ofensiva autónoma com carácter de classe» como se explica que só apareça ano e meio após o 25 de Abril e quando autonomamente jà se organizaram amplas massas populares?

O aparecimento pretende, exactamente, dar resposta por um lado a uma certa situação política que se vivia, nomeadamente no Norte — ofensiva reaccionária dentro e fora dos quartéis —, e por outro fazer avançar a organização autónoma dos trabalhadores fardados (os soldados) de forma a alcançar o nível da organização que os seus irmãos de classe — os operários, camponeses e restantes trabalhadores — atingiram fora dos quartéis.

O 25 de Abril de facto entrou muito mais tarde dentro dos quartéis e ainda actualmente continua «do lado de fora» em algumas unidades. Por outro lado, se é certo que logo a seguir ao 25 de Abril se assistiu ao rápido desenvolvimento da nossa luta dentro dos quartéis, não menos certo é que o grau de consciência política da maioria dos nossos camaradas era bastante baixo. é apenas através da experiência de ano e meio de luta nos quartéis, e de contactos cada vez mais profundos com os camaradas trabalhadores, que a nossa radicalização e consciência política se vão desenvolvendo e que vai surgindo a compreensão mais ou menos generalizada da necessidade da nossa organização independente da hierarquia militar como única forma de lutarmos eficazmente pelos nossos direitos.

Será ainda possível a ligação e a actuação conjunta da SUV com os outros órgãos de vontade popular já existentes, já que a organização dos soldados se faz num tempo em que é preciso refugiarem-se na clandestinidade (como vos tem acontecido)?

O objectivo principal do trabalho da SUV nos quartéis, em termos de organização, é, como já dissemos, tentar alcançar o nível de organização que os trabalhadores não fardados atingiram fora dos quartéis. Para isso consideramos fundamental a eleição democrática de comissões de soldados, em plenários de soldados, órgãos estes que poderão, em qualquer momento, destituir em parte ou totalmente os membros das comissões. É esta estrutura que deverá avançar na ligação e coordenação com os órgãos de vontade popular já existentes, na área que envolve o quartel. A SUV, como organização clandestina, deixa de ter razão de ser a partir exactamente do momento em que os soldados — a classe trabalhadora nos quartéis — construam os órgãos de expressão da sua vontade. Portanto, na nossa perspectiva, a possibilidade de ligação com os órgãos do Poder Popular impõe-se mas sim por parte das comissões de soldados, órgãos de poder da classe trabalhadora dentro dos quartéis, e não por parte da SUV, estrutura clandestina que se propõe incentivar essas mesmas comissões de soldados.

Assiste-se a uma tentativa desesperada de restabelecimento «da disciplina e da ordem» o que nos quartéis se traduz pela submissão total dos soldados aos comandos. Estão os soldados suficientemente preparados para reagir, quando for caso disso, e pôr em causa esse tipo de disciplina, teorizada no R. D. M. que suporta a actual hierarquia militar?

Como já disse, o 25 de Abril foi entrando progressivamente nos quartéis, não por concessões de boa vontade por parte dos comandos mas sim pela luta, pelo combate e organização dos soldados na defesa dos seus interesses de classe, que assumiu fundamentalmente formas reivindicativas relativas às condições de vida dentro dos quartéis (alojamento, alimentação, transportes, etc.). E em muitas unidades, mesmo na província, a luta dos soldados foi assumindo formas abertamente políticas, tais como os saneamentos — fase do 11 de Março — ou as atitudes colectivas que impediram os saneamentos à esquerda de soldados e militares revolucionários, e até mesmo a recusa em bloco de embarques.

A recente experiência do R.A.S.P.—C.I.C.A.P. mostra bem a capacidade de reacção dos soldados relativamente à submissão aos comandos, tal como o exemplo dos soldados e recrutas do E.P.I.—Mafra que, face à prisão em condições verdadeiramente pidescas de dois dos seus camaradas, respondem colectivamente a esse acto, chegando a agredir, em termos de correctivo, o segundo comandante da unidade. Portanto, prova-se desta forma a potencial capacidade colectiva dos soldados para reagir à disciplina da classe dominante no quartel (a burguesia fardada). No entanto, essa capacidade potencial só poderá ser totalmente efectiva se conseguirmos assegurar a passagem generalizada de formas de luta mais ou menos espontâneas para a luta organizada em ligação com os órgãos de Poder Popular. E aqui, mais uma vez, se põe a questão das comissões de soldados.

A SUV começou por manifestar-se no Porto, precisamente na região onde os reaccionários detêm mais posições. Depois apareceu em Lisboa, Beja, Coimbra, etc., como que ensombrando as sucessivas avançadas de elementos reaccionários... Qual a relação entre o passo atrás que o processo político português tem registado e o aparecimento da SUV?

Há que primeiro rectificar uma conclusão que tira na sua pergunta e com a qual não concordamos. É que de facto não nos parece que o processo político português tenha registado um «passo atrás».

O que determina em qualquer sociedade o avanço ou o recuo de qualquer processo revolucionário é a forma como evolui a correlação de forças entre as duas classes principais em luta: a burguesia e o proletariado. Ora, em Portugal temos vindo a assistir não a um abrandamento da luta do proletariado e dos seus aliados mas sim, pelo contrário, ao avanço decidido da sua luta e organização. Isto quer dizer que é a burguesia quem cada vez mais sente as suas posições enfraquecerem.

Posto isto, fácil será percebermos que o aparecimento da SUV resulta do avanço da luta de classes a favor do proletariado e que é este mesmo facto que por sua vez dá origem às tentativas desesperadas por parte da burguesia, de impor de novo a sua «ordem» social, recorrendo para isso a todos os meios ao seu dispor: partidos burgueses e fascistas, ataques terroristas, criação do A.M.I., preparação de golpes militares, etc....

Qual a amplitude da organização, quem a integra e qual o tipo de relação entre os quadros e os soldados na SUV?

Neste momento pode dizer-se que a organização SUV existe a nível nacional. Estende-se por toda a Região Militar do Norte, toda a Região Militar Centro, Região Militar de Lisboa e Região Militar Sul.

A SUV apareceu em força nos postos da província, como em Castelo Branco, onde a luta de classes é muito menos acesa que nos grandes centros industriais.

Nesta fase, que se pode considerar de arranque, a organização integra oficiais e sargentos revolucionários sem que, no entanto, isso signifique que a SUV defenda os interesses de classe dos oficiais e sargentos. Aliás, os oficiais e sargentos que neste momento fazem parte da SUV são os que se submetem totalmente aos interesses dos soldados como trabalhadores fardados que são, ou seja, abandonaram totalmente a sua origem de classe que é pequeno-burguesa.

A implantação da SUV parece não ter tido êxito na Marinha, que é precisamente considerada o sector mais progressista das F.A. Como se explica?

A Marinha é o sector de implantação tradicional de partidos reformistas e por isso logo após o 25 de Abril estes partidos alargaram a sua organização e «contrôle» sobre as lutas dos militares deste ramo das Forças Armadas. A luta na Marinha foi por este facto muito mais legalista e, por isso, sem grandes saltos qualitativos, obedecendo portanto a uma perspectiva de democratização reformista, sem tocar nos problemas fundamentais das Forças Armadas burguesas, da função que a burguesia lhes atribui, da hierarquia, da disciplina, etc. Logo após o 25 de Abril surge a C.D.A.P. como forma cupulista de enquadramento da luta dos marinheiros e que engloba muitos oficiais e sargentos reformistas. No entanto, o facto de se vir sentindo uma contestação a nível de base nas unidades, e que aliás se reflectiu no afastamento de elementos com posições divergentes da dominante na C.D.A.P., leva-nos a pensar que são possíveis formas de organização que correspondam aos anseios de luta dos marinheiros.

Os objectivos da SUV são bem definidos: avanço da organização autónoma dos soldados, a sua total independência em relação ao M.F.A., a preparação das condições que levam à destruição do Exército burguês. Ora, estes objectivos não têm nada de comum com a organização C.D.A.P.

Apesar do carácter frentista da organização não deixa de exigir-se uma direcção política determinada. Ora, desde o princípio que se fazem acusações à SUV — desde o general Fabião, que considerou a manifestação do Porto como contra-revolucionária, a outros, que afirmam haver influência e, portanto, fazer o jogo de determinado partido. Qual o tipo de relações entre a SUV e os partidos existentes?

É claro que não há quaisquer relações orgânicas entre a SUV e qualquer partido político. A organização SUV integra elementos ligados a vários partidos de esquerda, assim como elementos sem partido que se dispõem a lutar pelos objectivos expressos no Manifesto Nacional da SUV e por isso mesmo consegue mobilizar grandes massas de soldados e de trabalhadores numa base unitária. É curioso notar que na última manifestação convocada pela SUV no Porto houve grupos de trabalhadores do P.s. que aplaudiram a manifestação. Ora isto é a negação da vinculação a qualquer partido.

A SUV é uma organização que se não define em relação a uma estratégia partidária e considera que a unificação das grandes massas se faz em torno de objectivos que correspondam efectivamente às necessidades do movimento revolucionário no presente, as quais se encontram expressas no Manifesto da SUV. Pelas próprias condições históricas do desenvolvimento do movimento revolucionário, é sempre desfazada da luta dos restantes trabalhadores. O que aconteceu em Portugal foi que durante muito tempo as lutas dos soldados tiveram um carácter esporádico (saneamentos, levantamentos de rancho) enquanto a nível de fábrica ou bairro os trabalhadores desenvolviam importantes processos de luta. A partir do momento em que surge a SUV, com objectivos unificadores, os soldados aderiram em massa a esses objectivos de luta e integraram-se de forma organizada no movimento revolucionário geral. Portanto, o que se pode dizer é que há partidos que apoiam a SUV tal qual se define, outros tentam controlar a SUV, outros são-lhes hostis e caluniam a SUV. As diversas atitudes dependem da táctica e da estratégia de cada partido.

A SUV aparece como contestação do M.F.A., a partir das bases. Quer dizer que após a contestação de toda a estrutura do exército colonial, também o sector que dele se demarcara, afirmando-se em determinada altura como vanguarda, foi posto em causa. Qual a alternativa oferecida pela SUV para o Exército Português?

A SUV não contesta o M.F.A. por mero acaso. É necessário que fique bem claro que quer a burguesia quer o M.F.A. nunca estiveram interessados numa verdadeira democratização da vida dos soldados. Durante muitos meses ouvimos os oficiais das nossas unidades, fossem eles do M.F.A. ou não, a falarem constantemente de democracia, de liberdade, etc. ... mas quando chegava a altura das acções concretas, quando chegava a altura de passarmos à discussão das nossas condições de vida (pré, transportes, má comida, vivermos longe da família, etc.), das nossas liberdades democráticas (discussão política, participação em comícios e manifestações fardados, acesso aos Jornais revolucionários, anulação do R.D.M.. etc.) então esses senhores, na maior parte dos casos, opunham-se ou tentavam entravar tudo isso em nome... da unidade do M.F.A., da «liberdade» e da «democracia».

Ora isso fez que muitos de nós começássemos a interrogamos: se o M.F.A. se dizia pela liberdade e democracia e no entanto se nos opunha quando exigíamos essa liberdade e essa democracia, será que podíamos continuar a confiar nele? Será que devíamos subordinar os nossos interesses aos interesses do M.F.A., os quais nada tinham a ver com os nossos? é claro que muitos de nós começaram a dizer: NÃO!

É neste quadro que aparece a alternativa que os SUV propõem. Ela vem expressa no seu Manifesto: é o Exército Popular Revolucionário. Mas convém explicar melhor o que será o Exército Revolucionário, é um exército onde qualquer posto do «comando» é ocupado por elementos eleitos em assembleias e responsáveis perante essas mesmas assembleias. Escusado será dizer que não há galões. A disciplina nesse exército revolucionário é a que resulta de ampla discussão dos problemas e das decisões da assembleia; é uma disciplina que é imposta pela maioria e não, como ainda hoje acontece, por uma minoria privilegiada.

Portanto, é uma disciplina revolucionária que não tem nada a ver com a hierarquia tradicional nem com a disciplina tradicional da «ordem que não se discute». Por outro lado, esse exército será controlado pelos trabalhadores, não fica separado da dinâmica das lutas dos trabalhadores e será a defesa armada dessas mesmas lutas.

Qual o papel do soldado no processo político em curso neste país?

Os soldados têm um papel muito importante. Por um lado são trabalhadores fardados e por isso integram-se na luta geral dos trabalhadores. Por outro lado, são eles que neste momento têm acesso directo às armas. Nesse sentido eles têm um papel determinante na preparação das condições que conduzem ao armamento dos trabalhadores e consequentemente à autodefesa popular. Nesse momento as lutas dos soldados desempenham o papel de aglutinador da classe, capaz de unificar as mais amplas camadas de trabalhadores, e respondem a uma necessidade do actual momento revolucionário.

Em caso de golpe de Estado — da direita, obviamente — que fará a SUV?

A hipótese do golpe de direita neste momento aparece como meramente teórica já que a burguesia não tem soldados para fazer esse golpe, lançando mão, para a sua necessidade de domínio, de corpos especializados de tendência fascizante, como o A.M.I. e Polícia de choque, no Porto. Os soldados recusam-se a virar as suas armas contra outros soldados ou trabalhadores. No entanto, é possível que os SUV, pela sua estrutura orgânica clandestina, possam ser capazes de dar uma certa resposta a um golpe de direita no sentido de o fazer abortar. Mas é necessário que fique bem claro que a resposta a qualquer tentativa de golpe de direita só poderá ser totalmente assegurada através da íntima ligação das comissões de soldados com as comissões de trabalhadores, de moradores e conselhos de aldeia, no quadro do poder popular e da autodefesa popular.

Após o aparecimento da SUV no Porto e na Região Militar de Lisboa verificou-se também que noutras cidades do País, como Coimbra e Évora, surgiram estruturas denominadas SUV, ainda que aparentemente com uma linguagem e um conteúdo ideológico diferentes dos primeiros. Como se explica este facto e que relação existe entre as diferentes estruturas surgidas?

Com efeito, convém referir em primeiro lugar que tem havido algumas provocações quanto à utilização da sigla SUV, que revelam o oportunismo de certas forças políticas. É o caso de uma manifestação convocada para apoio ao RALIS, em que um falso SUV o apoiou. É ainda o caso de um comunicado aparecido em Setúbal após o aparecimento do núcleo SUV nesta cidade, numa tentativa declaradamente divisionista, e ainda um comunicado que apareceu nas estações emissoras, aquando da ocupação militar destas, convocando para uma manifestação.

Outro problema é o aparecimento espontâneo de estruturas organizativas denominadas SUV, em Coimbra e Évora, com um conteúdo político nitidamente reformista. Este aparecimento revela por um lado a vitalidade deste processo que ganha raízes nas amplas massas de soldados e por outro o oportunismo de determinadas forças políticas que não hesitam em passar por cima do Manifesto ou plataforma da SUV. É claro que a dinâmica do processo é de tal forma que essas forças, que num certo momento parecem controlar o movimento, acabam por ser ultrapassadas por essa mesma dinâmica, contribuindo apenas para lançar uma certa confusão entre os soldados e os trabalhadores. Sobre estes problemas já o Secretariado da SUV da R.M.L. tomou posição pública em comunicado de 11-10-1975, e não deixará nunca de denunciar essa provocação e essas tentativas divisionistas e de alertar os soldados para o perigo que elas representam. A definição política da SUV nacional, consagrada no seu Manifesto, aparece sem quaisquer margens para dúvida e por isso mesmo o não respeito por essa plataforma representa sempre uma atitude divisionista, em última análise anti-SUV, e que visa destruir o poderoso movimento que a SUV desencadeou e lançar a confusão entre os trabalhadores e soldados.

24/10/1974

continua>>>
Inclusão 21/04/2019