O Plano Marshall à Luz dos Fatos

A. Lêontiev


IV — Desenvolvimento Desitual do Capitalismo


A POLÍTICA que se enquadra no plano Marshall exigia um terreno econômico determinado. Só podia nascer nas condições existentes no mundo capitalista após a segunda guerra mundial.

Esta guerra enriqueceu os Estados Unidos, ou, mais exatamente, aos monopólios americanos, mas levou a ruína à maioria dos países da Europa. Desta forma, a guerra, resultado do desenvolvimento desigual dos países capitalistas, acentuou mais ainda essa desigualdade.

Nos Estados Unidos, o aparelho de produção aumentou consideravelmente durante a guerra. O mesmo não aconteceu nos países capitalistas europeus.

Segundo o «Estudo da Situação Econômica Internacional», apresentado no início de 1948 pela seção econômica do secretariado geral da ONU, a extração de carvão nos Estados Unidos, em 1947, foi de 133% em relação a antes da guerra. Nos outros países, salvo a União Soviética, atingiu apenas 81%. A produção de ferro e ligas ferruginosas, nos Estados Unidos, aumentou para 142% relativamente ao número anterior a guerra. Não excedeu 61% nos outros países, excluindo a URSS. Para o aço esses algarismos atingiram respectivamente 147 e 65% e para o cimento 153 e 80%.

Foram reunidas no Estudo publicado pela Comissão Econômica da ONU para a Europa as indicações oficiais dos vários países, indicações que, certamente, apresentam a situação sob uma aparência mais favorável do que realmente é. De acordo com esses dados oficiais o nível de produção da indústria, em 1946-47, oscilava entre 75 e 104% em relação a 1938 na França, entre 77 e 104% na Bélgica, entre 62 e 91% na Holanda. Mas estes algarismos não dão uma idéia justa do estado real das coisas.

É necessário saber que o ano de 1938 foi de muito baixa produção. Muitos países capitalistas sofreram uma crise de subprodução, cujo curso foi em seguida interrompido pela guerra.

Em 1938, o índice geral da produção industrial do mundo capitalista em seu conjunto era de 93% em relação ao nível de 1929. Este número médio encobria uma baixa muito acentuada na produção em certos países e seu crescimento artificial noutros, principalmente no Japão e na Alemanha, que se preparavam febrilmente para a guerra. O nível de produção industrial em 1938, em relação a 1929, era de 72,3% nos Estados Unidos, de 66% na França, de 70% na Bélgica e de 89,8% na Holanda.

Comparando o nível de 1920 demonstrado em porcentagem relativamente a 1913, e o de 1946-47 em relação a 1938, os autores da revista chegaram à conclusão de que em muitos países, especialmente na Inglaterra e na França, o reerguimento no presente se faz mais rápido do que após a primeira guerra mundial. Esta conclusão, porém, não é convincente. Ela encobre o essencial.

Comparar a 1913 é tomar para ponto de comparação um ano em
que a produção industrial atingiu um nível elevado. Limitamo-nos a lembrar que antes da primeira guerra mundial a produção industrial no mundo inteiro, em 23 anos, de 1890 a 1913, aumentou em mais do dobro; que o nível da produção, neste período, aumentou em 60% na Inglaterra e quase o dobro na França. Nos 25 anos seguintes, de 1913 a 1938, a produção industrial, na Grã-Bretanha, longe de aumentar, baixou um pouco. Na França baixou 8%!

Verifica-se que as décadas que precederam a primeira guerra mundial foram um período de desenvolvimento rápido da indústria, enquanto que no intervalo entre a primeira e a segunda guerra mundial a indústria dos grandes países capitalistas da Europa Ocidental, como a França e a Inglaterra, marcaram passo, mostrando ao mundo inteiro a podridão de seus alicerces.

A comparação com 1938, sendo vantajosa para a Inglaterra e a França, é muito menos vantajosa para os países como a Alemanha e a Itália. Segundo o estudo aludido, o nível da produção industrial italiana, em 1946-1947, foi de 34 a 76%. Quanto às três zonas ocidentais da Alemanha, não ultrapassaram em 1946-47, a porcentagem de 37% em relação a 1938. O general Clay anunciara, como um fato sensacional, que a produção industrial na bizona em abril de 1948, atingira 40% do nível anterior à guerra.

A guerra abalou fortemente a economia rural do Oeste europeu. O nível da produção agrícola belga era de 58% em 1945-46 e de 72% em 1946-47 em relação ao período de 1935-38; os números eram respectivamente de 56 e 63% na Áustria, 50 e 73% na França, 68 e 65% nas três zonas ocidentais da Alemanha, 41 e 77% na Grécia, 79 e 77% na Itália, 56 e 79% na Holanda, 80 e 95% em Portugal e 87% na Suíça.

Estes algarismos dão uma idéia da desigualdade do desenvolvimento dos países capitalistas, aumentada devido à segunda guerra mundial. Mas as coisas não se limitam a isto. É necessário também considerarmos várias outras circunstâncias.

O que caracteriza a economia nacional dos países capitalistas é uma inflação desenfreada. Em toda a parte, tanto na América como na Europa, a inflação é um fator complementar do enriquecimento dos monopolistas e da baixa do nível do vida das massas trabalhadoras. Além disso, no países da Europa Ocidental, a dança louca da inflação, ligada à orgia da especulação do câmbio negro, acentua a ruína geral e o caos econômico.

Foi também causado um enorme prejuízo aos países do Oeste europeu pela supressão das receitas elevadas que retiravam, antes da guerra, de suas colônias, de seus investimentos no estrangeiros, da navegação, das operações bancárias e de seguros. Grandes dificuldades surgiram para a Inglaterra, que devido à política pouco inteligente de seu campo governamental se encontrou no circulo vicioso dos problemas complicados da balança de contas da exportação e importação. Mas para os países como a França, a Holanda e a Bélgica, esta mesma circunstância desempenha também um papel considerável.

Os Estados Unidos, longe de terem sido sacrificados com a guerra, aumentaram suas fontes de enriquecimento no estrangeiro. Os lucros que os monopólios americanos retiram de seus investimentos nos outros países aumentaram em comparação com o período anterior à guerra. Uma parte considerável do valor que os fretes, seguros e outras operações anteriormente levavam às capitais do Oeste europeu, especialmente a Londres, passou para as mãos de firmas e bancos dos Estados Unidos.

O inflado aparelho de produção da América, por um lado, e por outro o restrito consumo das massas populares e seu baixo nível de vida, exigem um aumento crescente das exportações americanas. Os monopólios americanos, no período de após guerra, intensificaram imensamente suas exportações, premidos pelo espectro da crise iminente, infalível, da superprodução. Ao apoderar-se dos mercados mundiais, os Estados Unidos opõem-se ao afluxo de produtos estrangeiros em seu mercado interno.

Entre as duas guerras, de 1921 a 1929, os Estados Unidos exportavam em média 3 bilhões e 600 milhões de dólares por ano, o que representava 4,3% da produção global do país. Em 1946, as exportações dos Estados Unidos atingiram 10 bilhões de dólares, ou seja, 4,9% e em 1947 a exportação foi de 15 bilhões e 100 milhões, isto é 8,8% da produção global. Em dois anos foram exportados 25 bilhões e 100 milhões de mercadorias, ou seja 5,8% do total da produção.

Outra é a situação no que se refere às importações nos Estados Unidos. De 1921 a 1930 o valor das importações foi em média de 2,9 bilhões de dólares por ano, ou seja 3,4% da produção global. Em 1940 o valor foi de 4 bilhões e 900 milhões, isto é 2,4% e em 1947 foi de 5 bilhões e 600 milhões ou seja 2,5%. Para os dois anos do após guerra tomados em conjunto, o total é de 10 bilhões e 500 milhões, ou seja 2,4%.

Os números citados denotam um estado do coisas dos mais curiosos. Primeiro, o desnível entre as importações e exportações dos Estados Unidos atingiu em dois anos a soma redonda de 15 bilhões aproximadamente. Segundo, verificou-se não só o aumento considerável do valor das exportações americanas no período de após guerra, como, por seu lado, o aumento da produção global do país. Ao contrário, a porcentagem das importações em relação à produção global, longe de aumentar, diminuiu nitidamente, caindo de 3,4 para 2,4%.

Bem diferente é o quadro do comércio externo dos países da Europa Ocidental. Estes países importam mais do que exportam. O desnível entre suas exportações e suas importações nos países não europeus, acentuou-se em relação a antes da guerra. Era de cerca de dois bilhões de dólares em 1938, de 5 bilhões e 100 milhões em 1916 e de 6 bilhões e 900 milhões em 1947 (preços dos anos respectivos). Se tomarmos este desnível em preços de 1938, teremos 3 bilhões para 1946 e 3 bilhões e 300 milhões de dólares para 1947.

É bastante elucidativo o confronto destes algarismos. Constata-se assim que a diminuição das exportações e o crescimento das importações só parcialmente explicam o déficit da balança comercial da Europa em relação aos países não europeus. A causa principal está na alteração da relação dos preços, alteração desvantajosa para os países da Europa. Esta paga muito mais caro os produtos não europeus importados, e vende os seus, aos países não europeus, relativamente mais barato que antes da guerra.

Os algarismos do comércio externo francês são significativos. Os produtos importados da América para a França representam 9,5% do total das importações francesas em 1937 e 32,7% em 1947. Para a exportação a mudança operou-se em sentido inverso. A exportação da França para os Estados Unidos foi de 6,4% em 1937 e de 4,2% apenas em 1947. Sobre o valor total do déficit da balança comercial francesa, que em 1947 atingiu 132 bilhões e 200 milhões de francos, quase 60% (78 bilhões e 700 milhões) cabiam aos Estados Unidos.

É esta a base econômica geral sobre a qual se realiza a política americana encarnada no plano Marshall.

A acentuação da desigualdade do desenvolvimento dos países capitalistas, devido à segunda guerra mundial, teve como resultado a modificação considerável da correlação das forças entre os Estados Unidos de um lado, e os países da Europa Ocidental do outro. Este é um fato que os defensores do plano Marshall naturalmente também reconhecem. Mas concluem desse fato que os Estados Unidos, na sua qualidade de parente rico e forte, dão prova de generosidade e estão dispostos a ajudar os países europeus enfraquecidos a se reerguerem.

Este o um raciocínio profundamente vicioso. Os que pensam assim procuram abstrair o capitalismo monopolista contemporâneo e suas leis. Ora, este sistema social criou em sua última etapa obstáculos ao cumprimento das mais urgentes tarefas. Prova-se agora e sempre que a avidez de um punhado ínfimo de monopolistas desejosos do aumentar seus lucros leva a fatos monstruosos e absurdos. As leis do lucro são implacáveis. Há dezenas de anos que essas leis condenam a economia rural, nos países capitalistas mais evoluídos, a vegetar miseravelmente, quando esses países dispõem de capitais suficientes para tornar seu nível mais elevado. Se o capitalismo, com seu sistema de dominação dos monopólios, tivesse, em vista não o lucro, mas os interesses vitais da imensa maioria dos homens, se o seu objetivo fosse elevar o nível de vida das massas, de acabar com o estado atrasado dos campos, de levar a ajuda dos países ricos aos povos pobres, enfraquecidos pela guerra, deixaria de ser capitalismo.

No terreno, do capitalismo monopolista de nosso tempo, as modificações havidas na correlação de forças entre os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental, implicam não numa ajuda desinteressada de tio Sam a seus sobrinhos da Europa, mas ao contrário, numa política impiedosa de submissão e escravização dos países e povos da Europa Ocidental realizada pelos monopolistas da América e seus auxiliares europeus. Os Estados Unidos de um lado e de outro lado o Oeste europeu acham-se numa situação completamente desigual. Ora, as leis do capitalismo sob as quais cada homem é um lobo frente a outro, homem, apenas reconhecem uma coisa: golpear os fracos, explorá-los, subjugá-los, torná-los instrumento para atingir, seus mais tenebrosos e inconfessáveis objetivos.


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Inclusão 28/03/2008
Última alteração 21/01/2013