1923: Uma Oportunidade Perdida?
A Lenda do "Outubro Alemão" e a Verdadeira História de 1923

August Thalheimer


III- A Verdadeira História de 1923


1. O efeito da ocupação do Ruhr

Depois desse panorama geral sobre as forças motrizes da revolução de 1917 na Rússia e em 1923 na Alemanha, passarei a uma descrição rápida dos acontecimentos principais do ano de 1923. Isto se faz necessário porque no Partido, durante toda a discussão, ninguém fez o esforço de esclarecer a situação econômica em 1923 ou explicar a sequência objetiva dos acontecimentos. E também porque, nos anos seguintes, ninguém se referiu a isso.

Primeiro a pergunta: quais foram os efeitos da ocupação do Ruhr e da inflação até agosto? É necessário se constatar antes de tudo, que ambos tiveram efeitos objetivos muito diferentes na área ocupada e na não ocupada. A Alemanha estava de fato dividida em duas partes com situações políticas e económicas opostas.

Na parte ocupada: A industria pesada estava totalmente parada em consequência da resistência passiva. Porem isso era uma situação totalmente excepcional. Os operários faziam greve, mas com o consentimento dos industriais alemães. Por causa das greves nas minas, fundições, etc, eles foram festejados como patriotas. Não só isso, eles eram pagos pelo período de greve. Esta não é, naturalmente, uma situação que gerasse qualquer força revolucionária: fazer greve, mas ao mesmo tempo ser pago pela greve por parte da burguesia e ainda passar por patriota!

A situação na outra Alemanha era que a inflação crescente continuava a fazer pressão crescente nos salários. O salário real caiu, mas, de outro lado, os dados daquela época mostram que, até agosto de 1923, o desemprego ficou abaixo da média dos anos normais antes da guerra. A Alemanha não ocupada estava empenhada numa produção muito ativa, estimulada pelos lucros de exportação tirados da inflação. Essa boa fase da produção era possibilitada, sobretudo, pela importação em massa para a Alemanha do carvão inglês, em substituição à produção do Ruhr. A Alemanha praticou preços de "dumping nas exportações. Não quero entrar em detalhes, mas pode-se constatar que, para um grande número de mercadorias, a exportação em 1923 foi maior do que em 1922. Nesse período deu-se uma enorme acumulação de capital. Os salários foram reduzidos abaixo de seu valor. A redução dos salários reais até frações de salários "normais" aumentou diariamente a pauperização e os apuros da classe operária.

Quanto aos camponeses, eles fizeram no período até julho-agosto um excelente negócio. Através da inflação, liquidaram suas dívidas, adquiriram equipamentos, e bens duráveis. Os impostos desapareceram quase que completamente por intermédio da inflação. Alem da classe operária, somente a pequena-burquesia estava sob forte pressão, pois sofreu perdas enormes pela inflação, naquela época. Esses são os mais importantes efeitos objetivos.

2. As ações do Partido até a greve de Cuno

O que fez o Partido? Nessa situação emitiu uma serie de palavras de ordem parciais, de exigências parciais, entre as quais menciono a palavra de ordem de descarregar o peso da luta do Ruhr em cima da burguesia, o confisco de ativos tangíveis, o controle da produção, da formação de Conselhos de Controle para os preços das mercadorias, que realmente foram constituídos; a proposta das "Centúrias de operários" e, como proposta resumindo tudo, a do Governo dos Operários o qual, apoiado em seus órgãos próprios, deveria realizar as exigências dos operários.

Para a parte não ocupada o Partido emitiu uma plataforma de dez pontos incluindo a divisão do carvão do Ruhr, o turno de seis horas, o adicional da carestia, bem como um empréstimo forçado infligido à burguesia. De todas essas palavras de ordem, apenas a das Centúrias de Defesa pegou de verdade no Ruhr. Ela teve tanto sucesso que as Centúrias cresceram com grande velocidade. O Partido visava a luta pelo poder. E se preparava corretamente por intermédio de palavras de ordem parciais, palavras de ordem de transição e lutas parciais. É verdade que prescindiu de aventuras, como teria sido a ocupação das empresas do Ruhr em frente às baionetas francesas, ação sugerida pelos esquerdistas.

Assim as coisas se desenvolveram até a greve de Cuno. Esse era o ponto alto do movimento de massas em 1923. O Partido naquele tempo tinha a ilusão de que a greve de Cuno teria sido iniciada e conduzida por ele. Examinando os fatos, vê-se que a causa principal da greve foi a paralisação do abastecimento de víveres produzida pela crescente inflação.

Quão pouco o operariado estava disposto à luta imediata pelo poder na greve de Cuno, é demonstrado pela circunstância de que, algumas medidas relativamente insuficientes, foram suficientes para terminar a greve e parar o movimento. A consequência da greve de Cuno foi a formação da Grande Coalizão, a entrada do SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha) no governo. E, como Remmele constatou acertadamente em janeiro de 1924, esta entrada do SPD no governo fez surgir novas ilusões no operariado. Essas ilusões foram alimentadas por uma série de medidas que serviram para remediar as dificuldades imediatas do operariado. Primeiro arranjou-se víveres, cuidou-se do abastecimento de gorduras. Uma medida principal foi a introdução do "salário-ouro"

3. O especulativo plano de ação do Comintern

Ocupar-me-ei agora do Comintern e da apreciação da sua intervenção.

Censurou-se a direção do partido alemão de então por não ter considerado, nem de longe, a possibilidade de que a ocupação do Ruhr poderia ter efeitos revolucionários. Ela não teria pensado de antemão na conquista do poder, não teria levantado a "questão do poder", como disse Ruth Fischer. Naturalmente enxergamos muito bem, já em janeiro, a possibilidade de um desenvolvimento revolucionário vindo da ocupação do Ruhr, mas também outra possibilidade, isto é, a de um compromisso entre capitalistas alemães e franceses, como se deu em seguida. Isso foi expresso, sobretudo por Radeck, no "Rote Fahne" ("Bandeira Vermelha").

Olhando para trás, é muito interessante constatar que a posição da Executiva absolutamente não corresponde àquilo que os seus representantes julgavam certo. A Executiva não visualizou a luta revolucionária pelo poder, nem em janeiro nem mesmo em junho. Em junho houve uma sessão plenária da Executiva. Nesta ocasião não se falou nenhuma palavra sobre uma iminente luta revolucionária na Alemanha. O centro dessa reunião foi a questão da tensão russo-inglesa, referida oficialmente por Radeck, a questão do crescente perigo de guerra entre a Rússia Soviética e a Inglaterra. O então presidente do Comintern, Smowjew, fez uma prelação sobre a questão da tática da frente única. Também ele não pensou sequer em considerar a quentão da luta pelo poder como iminente. Foi assim que o Comintern avaliou a situação, ainda em junho de 1923.

A direção do partido russo e o Comintern foram despertados apenas pelo apelo da Central de 11 de julho para o "Dia Antifascista e a campanha do KPD (Partido Comunista Alemão) para o Dia Antifascista do 29 de julho, pelo qual a imprensa burguesa na Alemanha trouxe ao debate a questão do armamento do proletariado. A questão da luta armada do Partido e, alem disso, da classe operária, somente então se apresentou à Executiva. Somente isso a pôs em movimento. O que fez então? Convocou uma conferência da qual participaram os camaradas da direção daqui com a Executiva.

Quando a conferência foi convocada, a maioria dos camaradas russos estava ausentes. Brandler e outros tinham chegado em Moscou já no fim de agosto. Ninguém se apressou para iniciar e conduzir os debates. Eles passaram sete semanas em Moscou, para traçar um plano de ação para a revolução alemã, enquanto os acontecimentos na Alemanha evoluíam. Durante semanas de debates, esboçou-se um plano de ação para a revolução que se calculava de antemão. A característica desse plano é que ele não foi traçado baseado em fatos já existentes na Alemanha, mas sim que se traçou um plano para semanas e meses seguintes, baseado em uma especulação acerca de acontecimentos que iriam se concretizar ou deveriam acontecer na Alemanha no decorrer de quatro-oito semanas.

Na Rússia, em 1917, estabeleceu-se um plano para a sublevação depois da existência, em Lenigrado, de uma maioria e favor dos bolcheviques, depois de se ter assegurado do apoio das Forças Armadas, depois de Kerensky ter sido liquidado, quando a situação era madura. O plano de ação para 1923 não era fundado em tais fatos, mas na especulação de que os acontecimentos na Alemanha, de agosto em diante, iam tomar o mesmo rumo que de agosto até outubro na Rússia. Quer dizer: que nesse intervalo o Partido conseguiria atrair a maioria do povo, que nesse período eles poderiam armar suficientemente os operários e que o adversário se tornaria impotente e decomposto.

Na Rússia havia se estabelecido um plano baseado em premissas reais para a sublevação, não com semanas de antecedência, como dizia Trotsky, mas alguns dias antes. Para a Alemanha, porem, estabeleceu-se um plano com meses de antecedência. Esse é o fato decisivo. Transferiu-se o esquema do outubro de 1917 para a Alemanha, sem que os fatos correspondessem — simplesmente como especulação!

É necessário mencionar mais alguns fatos relacionados com isso. A questão da participação no governo saxônio não foi um erro de Brandler, mas se originou de uma resolução tomada contra a vontade de Brandler. Brandler opôs-se contra ela e declarou que o operariado ainda não tinha condições para isso. Era preciso criar primeiro as condições para uma participação no governo. Ele pediu um certo prazo para criar estas condições nas fabricas. Então lhe declararam: se você acredita na revolução, você tem que realizar isso. Apelaram para a sua disciplina. Tratava-se, aliás, da questão se os Conselhos de Empresas podiam representar uma base para os órgãos de poder da revolução proletária. Declarou-se em Moscou que podiam; que podiam tomar o lugar dos Conselhos Políticos dos operários. Esta decisão também foi errada. Esse foi o plano de ação forjado em deliberações de muitas semanas.

4. A reviravolta causa da pela intervenção da burguesia

Na ocasião deste plano ficou demonstrado que, infelizmente, não fomos só nós, o partido revolucionário, que fez planos de ação, mas também os adversários; e não somente fez planos, mas também agiram... Alem disso, quando o nosso plano de ação ficou pronto e os camaradas chegaram para realizá-lo, a situação em que o mesmo estava baseado, tinha mudado completamente, convertendo-se em seu contrário.

A burguesia tinha tomado a iniciativa. A base na qual estava erigido o plano de ação provou ser uma especulação, um castelo no ar. A burguesia se deu conta de que um verdadeiro perigo de revolução se aproximava, se ela não interviesse ativamente, fazendo concessões ao proletariado e entrando em compromisso com o capitalismo francês. Ela, porem, não esperou passivamente esta aproximação, mas, no prazo mais curto possível, fez as concessões necessárias. Apressou-se em interromper a resistência passiva, em fazer parar a luta do Ruhr. Stresemann entrou em ação recomendando que era preciso tomar o caminho das negociações diplomáticas. A Social-democracia, especialmente a ala esquerda, apressou a interrupção da resistência passiva. A burguesia, dirigida por Stresemann, logo deu fim à greve de Cuno.

Seguem as datas mais importantes:

Em poucas semanas a burguesia conseguiu a parte dela, de parar a luta do Ruhr, de conduzir à paz, de iniciar o compromisso com os capitalistas franceses. Foi relacionado com isso que ela chamou de volta os fascistas daquele tempo. Usou-os para atos de sabotagem na Renânia, para o "Reichswehr preto", como se chamou então, e em seguida os deu o fora.

A interrupção da luta do Ruhr era a primeira virada. A segunda, realizada pela burguesia depois da greve do Cuno era: acabar com a inflação e começar a estabilização. Isso foi iniciado pela introdução da moeda ouro, pela primeira vez no comércio por atacado; isto já vinha sendo aplicado em grande escala na indústria.

No começo de setembro, o padrão ouro já era comum na indústria e no comércio, mesmo no varejo. Se a burguesia acabou com a inflação depois de agosto, isto se deu não só devido ao perigo da revolução, mas também porque os efeitos da inflação se inverteram de certo ponto em diante, quando a inflação não mais agiu como premio para a exportação, mas pelo contrário. A burguesia aproveitou a conjuntura da inflação com bastante frieza até o fim. Ela foi até o ponto mais longe possível e parou definitivamente somente no momento em que a conjuntura da inflação começou a se transformar na crise da inflação.

O segundo ato depois da introdução do moeda-ouro foi a introdução dos chamados salários (de) ouro, dos salários de "valor constante". Já a partir de junho conseguiram-se entendimentos sobre salários de valor fixo, sobre pagamentos de salários feitos duas e até três vezes por semana. Isso naturalmente não representou salário realmente "de valor constante", mas significava um abrandamento da desvalorização dos salários.

Em 14 de agosto Stresemann surgiu na Câmara de Deputados e se comprometeu oficialmente em introduzir "salários de valor constante". Em seguida iniciou-se a estabilização.

Segundo estatísticas do Reichsbank, entre agosto e a emissão do marco (Rentenmark), a 15 de novembro, emitiram-se não menos do que 989 milhões de marcos-ouro como dinheiro de emergência de valor constante. Portanto, não foi somente a introdução do '"Rentenmark" que produziu uma mudança, mas antes disso houve um grande número de medidas de emergência.

A mudança decisiva que se realizou em meados de agosto, depois da greve de Cuno, é testemunhada convincentemente pela brochura de E. Pwlowski (Varga) "Antes da Luta Final na Alemanha" cujo prefácio é datado de 10 de outubro de 1923. Varga naquela época já era a autoridade oficial que é hoje.

Lê-se na pág. 42:

"A quarta etapa é aqueia depois de 15 de agosto. O operariado tinha garantido pelo movimento de massas um grande aumento de salário e o reajuste à alta dospreços. A entrada da Social-democracia no governo, a intervenção das organizações centrais dos sindicatos, baixara a vontade de lutar das grandes massas dos operários. Ainda tinham a ilusão que a Social-democracia podia trazer a ajuda"

E na pág. 47:

"As classes dominantes alemães, depois da greve geral em meados de agosto, de repente mudaram a tática: eles mesmos agora pediram a reforma monetária... como ao mesmo tempo, influenciado pela greve geral, salários de valor constante foram introduzidos, a manutenção do "mark papel" se tornou desnecessária para os interesses da grande indústria e dos grandes fazendeiros alemãs... Portanto, vimos aparecer em fins de agosto uma série de planos para a criação duma moeda nova e estável. Esses planos foram apoiados com toda a energia pelos círculos do grande capital. A tarefa foi apresentada como tão urgente que nem teriam sido concedido ao governo algumas semanas para reflexão".

Pág 64:

"Apesar dos operários alemães já terem se iludido inúmeras vezes com a Social-democracia, grandes camadas do operariado se enganavam outra vez. Deixaram-se enganar pelas frases de Hilferding! O cretinismo parlamentar-democrático, a ilusão de que negociatas parlamentares pudessem decidir a sorte do proletariado, determinou que muitos operários assumissem uma posição de espera, influenciados também pelo aumento dos salários alcançados pelo gigantesco movimento de greve"

5. O erro decisivo do Partido depois da greve de Cuno

Estas duas séries de acontecimentos mostram que as premissas em que se baseou o plano de ação foram totalmente mudadas pela intervenção da burguesia. Mas o que fez o Partido em seguida? O erro decisivo na ação do Partido consistiu no fato de que ele encarou com confiança o plano de ação elaborado; que deixou de preparar politicamente a luta pelo poder: que se restringiu a preparativos técnico-organizatórios. Trotsky tinha declarado: "A política é feita pelo adversário" Ele tinha a opinião de que a falha principal dos revolucionários do Oeste até agora tinha sido a pouca valorização dos preparativos técnicos- organizatórios do levante.

A política, é verdade, foi determinada pelo adversário e muito em função dele, enquanto que o erro básico do Partido depois da greve de Cuno foi de não fazer política, de deixar de fazer a preparação política por lutas parciais e ações parciais e se limitou à preparação técnico-organizatória. De que espécie é este erro? Trata-se de um erro "de direita ou um erro "de esquerda?" Acredito que se trata de um erro "de esquerda", de querer iniciar um levante sem preparo político suficiente, baseado em preparativos meramente técnico-organizatórios.

É preciso ter presente: o adversário, depois da greve de Cuno, golpeou o movimento operário repetidas vezes, sem que o Partido reagisse, porque não queria desgastar suas forças em lutas parciais. Mas, com isso, o Partido deixou de se ligar às forças restantes do proletariado, e não chegou a verificar de que poder ele dispunha nas massas.

Entre as ações do governo em seguida à greve de Cuno quero enumerar:

O Partido se limitou a continuar seus preparativos técnico-organizatórios. Em seguida, aconteceu a entrada no governo da Saxônia, em 12 de outubro, e logo depois no da Turingia. A entrada no governo saxônio, como já mencionado, não se deu de livre vontade, mas seguindo uma resolução da Executiva aprovada unanimemente pela central inteira do partido alemão, inclusive a esquerda de então: Ruth Fischer etc.

Será que qualquer um de nós teria imaginado que nós, juntos com a Social-democracia, poderíamos conquistar e exercer o poder? Nenhum de nós teria pensado nisso. Mas a idéia na qual a Executiva se baseou para a entrada no governo saxônio e turingio era a de que o Partido poderia se aproveitar do aparelho do governo para armar os operários. A Executiva imaginava: nós participamos do governo, armamos os operários, não nos manifestamos por enquanto e ignoramos o general Muller, que era então o cabeça do Reichswehr. Mas o general Muller absolutamente não nos ignorou e sim interveio imediatamente. Ele imediatamente subordinou a polícia estadual a seu comando. Quando Bottcher fez um discurso pedindo o armamento das Centúrias, Muller apresentou um ultimato e, com o consentimento de Ebert, o Reichswehr imediatamente interviu.

Desses fatos segue-se que a situação na qual deu-se a entrada nos governos da Saxônia e Turíngia não corresponde nem um pouco às premissas exigidas, segundo nosso pensamento, para a formação de um governo por comunistas. O protesto que Brandler tinha feito em Moscou era plenamente justificado. Dever-se-ia ter formado um governo somente na condição de que tivéssemos a possibilidade de agir como se deve agir sendo comunista e revolucionário, e repelindo a resistência burguesa. Isto, porém, só se pode fazer apoiado no consentimento da maioria dos operários, pela ditadura dos operários armados, apoiados numa revolta já vitoriosa.

Assim, a entrada no governo saxônio se deu em condições erradas. Mas como sair de lá? Para isso tinha só dois caminhos. O primeiro: exigir imediatamente medidas revolucionárias ditatoriais; exigir medidas que naturalmente provocariam a resistência imediata da burguesia e o rompimento da coalizão. O segundo caminho, que foi seguido, era o de armar os operários com recursos do Estado e, além disso, ficar no quadro institucional supondo que o adversário não se manifestaria. Nas duas hipóteses o resultado seria o de contrariar o próprio plano de ação. Mas no primeiro caso esse plano seria cruzado por uma série de medidas de efeito propagandístico e revolucionário.

Um governo incluindo comunistas deveria, naquela época, surgir imediatamente com medidas ditatoriais. Existia um desemprego enorme no país. A condição de se poder cuidar dos sem-empregos era a de confiscar imediatamente dinheiro dos empresários. Arranjar trabalho, exigir a reativação imediata das empresas paradas pelos empresários. Também o fornecimento de víveres exigia medidas ditatoriais imediatas. Nenhuma verdadeira ação do governo poderia ser posta em prática sem essas medidas ditatoriais. Um programa completo de tais intervenções tinha sido elaborado por nós para ser iniciado imediatamente. Porem, com a Social-democracia aliada ao governo, foi impossível realizar estas ações usando a máquina estatal burguesa existente, como também não sobrou tempo para isso. A entrada no Reichswehr deu-se de repente, precipitadamente.

6. A questão do recuo e a Conferência de "Chemnitz"

A seguir, a questão da retirada, ligada estreitamente a questão da Conferência de Chemnitz, em 21 de outubro, onde a retirada foi decidida. Seguem-se alguns dados. Muitas vezes se falou que a Conferência de 21 de outubro não tenha fornecido um retrato fiel do operariado saxônico, não teria sido uma conferência de representantes de operários, mas somente de burocratas. Isto não é verdade. A composição da conferência era:

A maioria dos presentes era de delegados de empresas. Não se pode negar vendo essa composição, que a Conferencia essencialmente representava uma amostragem correta das tendências do operariado saxônico-turíngio.

O que aconteceu nessa conferência? Na véspera a Central tinha unicamente tomado a decisão de que a palavra de ordem da greve geral, incluindo a luta armada, deveria ser omitida, baseado nas notícias sobre a entrada do Reichswehr. Decidiram, porem, que deveria se esperar o rumo que a Conferência iria tomar, para conhecer realmente as tendências.

Na Conferência o camarada Brandler, com o consentimento da Central, exigiu que a Conferência lançasse a palavra de ordem de greve geral como senha de combate contra a entrada no Reichswehr. Fosse ali um ambiente verdadeiramente revolucionário, pronto para a luta pelo poder, então certamente a reunião deveria ter aceito esta senha com entusiasmo e, necessariamente, da greve geral teria se evoluído para a luta armada pelo poder. O fato, porem, era muito diferente. A proposta de Brandler simplesmente caiu por terra na reunião. Os presentes reagiram à proposta de maneira glacial. Depois aconteceu o seguinte: o ministro Graupe da SPD esquerda usou da palavra dizendo que ele e seu grupo de sete pessoas deixariam a Conferência caso os comunistas não desistissem de por a questão da greve geral (na Conferência). Numa assembléia realmente revolucionária e decidida para a luta, uma tempestade de indignação teria varrido os derrotistas. Mas aconteceu o contrário. A Conferencia decidiu desistir da declaração imediata da greve geral e, em lugar disso, deliberou nomear uma pequena comissão para decidir a respeito. Era isso um enterro de terceira classe.

O que significava isso? Significava que, entre os operários saxônios, as medidas realizadas pela burguesia fizeram seu efeito, que o operariado saxônio era dividido, que era impensável supor que a maioria do operariado saxônio era preparada, nesse momento, para a luta pelo poder. Existiam alguns lugares onde isso era o caso, mas na Saxônia e na Alemanha como um todo isto não acontecia de nenhuma maneira.

A situação se revelou totalmente diferente daquela prevista no plano de ação. Baseado no conhecimento da verdadeira situação, resultou a resolução unânime da Central partidária no sentido de que seria preciso iniciar a retirada. Não somente Brandler mas também todos os camaradas "esquerdistas" da direção e todos os camaradas de fora presentes no momento, na Alemanha, concordaram sem exceção com essa resolução. Alguns desses últimos compareceram especialmente a essa reunião para impedir que fosse resolvido o levante.

Se não tivesse sido tomada essa resolução, se o partido tivesse arriscado um choque com o adversário superior, dele só teria sobrado uma mancha molhada. Outros, num caso desses, agiram diferentemente. Por exemplo, na Bulgária e outros exemplos semelhantes. Mas não convidam à imitação. Nenhuma direção partidária pode justificar a entrada numa luta decisiva, quando prevê a derrota certa. Pode-se objetar que já houve algumas situações onde o Partido e o operariado lutaram com a perspectiva da derrota. Está certo que lutamos em janeiro de 1919 quando ninguém tinha a esperança de conquistar o poder. Lutamos também em Munique quando cada um sabia que não se tratava de conquistar a vitória. A diferença é: nesses casos era a luta da grande maioria do operariado e, em tal situação, o Partido não podia trair o operariado. É diferente quando a luta é desencadeada pelo Partido e as massas não aderem, quando a derrota é causada pelo Partido, por sua tática errada, por sua avaliação errada da situação. Isso não elevaria o Partido os olhos das massas, mas o desacreditaria. Exige mais coragem, em tal situação, o bater em retirada do que arriscar o passo de levar o Partido a uma luta isolada e o destruir por anos.

A avaliação da situação como se deu em seguida à Conferência de Chemnitz, foi ainda confirmada por uma série de acontecimentos ulteriores. Quero mencionar somente dois deles.

Primeiro: A revolta de Hamburgo. Foi desencadeada pela circunstância de que Remmele, sendo um dos mensageiros da Central partidária do Chemnitz, tinha partido tão cedo que não podia mais ser chamado de volta. Remmele tinha ordens para Viel, mas não para Hamburgo. Em Hamburgo lançou-se a palavra de ordem de greve geral e 200 comunistas corajosos lutaram. A grande maioria do operariado de Hamburgo comportou-se da maneira que prevíamos: os comunistas são rapazes corajosos, moços violentos — e com isso puseram as mãos nos bolsos. Entende-se isso muito bem considerando que o trabalho em Hamburgo, naquela época, era do maior impulso. Alguns dados econômicos explicam isso suficientemente:

  Em 1922 Em 1923
Navios ancorados 9.617 12.041
Navios saindo 10.631 12.919

Hamburgo em 1923 era o porto principal para a importação de matérias primas e carvão da Inglaterra e da América. Por consequência, a massa do operariado não tinha inclinação para a greve geral e muito menos para a luta armada. Aliás, lutaram 600 operários na milícia republicana. Quando se tratava de criar uma nova lenda dos acontecimentos de maio de 1929, em Berlim, de repente a história sobre o levante de Hamburgo desapareceu e pode-se ler nas "Teses para Agitadores e Propagandistas" sobre a "Importância e ensinamentos das lutas de maio em Berlin":

"O levante da Hamburgo era um combate de retaguarda, uma luta de retirada num momento de recuo da revolução, quando o movimento de massa no país tinha ultrapassado seu máximo"

Segundo: Berlin. A direção de Berlin naquele tempo era "esquerdista". De parte da Central partidária a direção foi convidada repetidas vezes para organizar demonstrações de massa e de protegê-las com a armas. Mas quando foram tentadas tais demonstrações, apareceram só algumas dúzias de pessoas que logo se dispersaram.

Também essas provas mostraram depois de Chemnitz a verdadeira situação, isto é, que a grande massa dos operários estava disposta a lutar pelo poder.

O Partido — apesar de todas as tentativas de Ruth Fischer e Maslow de incitar a luta de frações — estava disposto a iniciar uma retirada organizada e a mobilizar suas forças para lutar unidas contra a SPD, mas, em dezembro, com o apoio aberto da Executiva os "esquerdistas" de então desfecham um ataque faccionista furioso, tirando assim todas as possibilidades de alguma ruptura dentro do SPD, apesar das melhores condições estarem dadas. O Partido estava apodrecido pela sistemática produção de pânico. Quando Maslow e Ruth Fischer se gabam de ter "salvo" o Partido depois da retirada de outubro, a verdade é que eles primeiro geraram o pânico, que lhes permitiu bancar os salvadores do Partido. Esse papel lhes foi facilitado pelo fato de que o Partido, ainda semanas depois da retirada de outubro, era muito tenso. Provocar o pânico num exercito que é forçado a se retirar debaixo das perseguições mais pesadas do inimigo, depois de presumido que a vitória já estava assegurada em suas mãos — isto não é difícil. É a coisa mais fácil do mundo, quando os disseminadores do pânico, em lugar de serem chamados severamente à ordem pela mais alta direção do exercito, ainda são estimados.

Mas para o Partido alemão e o Comintern era o menor dano possível, não no instante de então, mas para anos vindouros. Mas, até o dia de hoje, o Partido não se recuperou desse dano.

7. Alguns dos ensinamentos mais importantes

Com isso estou no fim da exposição dos pontos cardeais dos acontecimentos do ano de 1923. Quero somente resumir quais foram, segundo minha opinião, os ensinamentos mais importantes desses acontecimentos.

Acredito que a lição primeira e mais importante deve ser a de que não se pode elaborar planos de ação revolucionários para um prazo de 8-10 semanas, há 2.000 km de distância. Isso só pode ser feito estando diretamente ligado ao plano de ação e seguindo os acontecimentos com os próprios olhos.

Outro ensinamento para os partidos comunistas fora da Rússia é o de que, só podem esperar de realmente serem capazes de levar ao fim uma revolução no seu próprio país, depois de terem aprendido a avaliar por si mesmo as relações de classes, de desenvolver a tática e a estratégia da luta revolucionária segundo sua própria opinião, quando estiverem acostumados a pensar por si mesmos, de um modo crítico e independente. Também face à direção Internacional. Foi o erro mais grave e fatal em 1923, em que o Partido e seus líderes renunciaram a insistir no seu julgamento crítico e independente. Quais foram as causas disso? Certamente não foi uma atitude burocrática face aos camaradas russos, mas um pensamento bastante plausível em si. Brandler contou diversas vezes o que o induziu muitas vezes a seguir, contra sua convicção, os conselhos dos camaradas russos, nesse ano de 1923. Ele argumentou:

"Nossos camaradas russos até agora são os únicos que realizaram uma revolução vitoriosa. Eu creio entender das coisas alemães, conhecer o operariado alemão, mas ainda não realizamos nenhuma revolução vitoriosa. Por isso cedemos em caso de dúvida a quem já conseguiu isso"

Hoje devemos dizer que isso é errado, e que representa um dos maiores perigos, sendo a causa de crise na Internacional Comunista.

Antes de ter resolvido esse problema, no sentido de que também os partidos em outros paises aprendam a conduzir a luta de classe em seus países segundo sua própria opinião, sem isso a revolução não será conduzida à vitória em nenhum país. Para vencer a burguesia, na realidade, é preciso vencê-la primeiro na cabeça. As batalhas revolucionárias foram todas vencidas primeiro na cabeça antes de terem vencido na realidade. Também na revolução russa não se pode considerar somente o outubro. Fazem parte dele 30 anos de preparo político a fundo do raciocínio, sobre todos os meios e caminhos da revolução russa. Isso foi decisivo. E será o mesmo caso nos outros países.

O Comintern, como verdadeiro chefe da revolução proletária, precisa de uma direção coletiva, precisa de partidos comunistas maduros. O próximo ensinamento a tirar é que não se pode preparar a revolução somente pelo lado técnico e organizatório, mas que é preciso prepará-la politicamente, que a maioria dos operários, a maioria da população que trabalha, tem que ser conquistada por ações políticas parciais e senhas de lutas parciais, antes de conseguir as condições para conduzir uma luta para o poder.

Por isso acredito que também deveríamos tirar alguns ensinamentos dos acontecimentos na Saxônia, sobre a questão do armamento do operariado. É uma ilusão acreditar que se pode armar o operariado, por assim dizer à revelia da classe dominante, somente pela distribuição de armas. O armamento do operariado somente pode ser efetuado junto com a luta política e seu desenvolvimento. Não é uma tarefa puramente técnica e organizatória.

Além disso, devíamos ter aprendido que mesmo com um governo de coalizão proletário-comunista-social-democrático a luta pelo poder não pode ser conduzida. Para vencer, o Partido precisa ter atrás de si uma firme maioria do operariado, disposta a ariscar a vida pelo crescimento dos sovietes.

Outra lição é a de que os Conselhos das Empresas não podem substituir os conselhos políticos dos operários.

Isto naturalmente não é exaustivo. Citei aqui somente as lições mais importantes. Também mostrei somente uma pequena amostra dos fatos do desenvolvimento econômico e político de 1923. Mas creio que é suficiente para destruir definitivamente a lenda de outubro. Creio, além disso, que os ensinamentos a tirar ainda hoje do ano de 1923 não são somente ensinamentos históricos, que se relacionam somente "ao passado", mas que ainda são da máxima atualidade, numa situação em que o Comintern ainda padece dos erros mencionados, que naquela época foram tão desastrosos. A linha ultra-esquerdista ainda é dominante no Comintern e no Partido Comunista Alemão. Os ensinamentos sobre os erros dessa linha ainda são impedidos, pelo fato de se lançar mão outra vez do espantalho do outubro de 1923.

A vitória da revolução proletária na Alemanha pressupõe a solução das questões táticas e estratégicas envolvidas. Estas questões não podem se resolvidas baseadas numa lenda. Somente podem se resolvidas com base em fatos reais.

A lenda do outubro esquerdista sobre 1923 já alcançou uma idade apreciável. Quase se tornou crônica. Porem isso não adianta. Ela tem que ser liquidada por um partido comunista o qual seja antes capaz de dominar sua tarefa espiritualmente.

Uma parte essencial disso é a dominação das questões de 1923.


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Inclusão 10/04/2013
Última atualização 18/04/2016