Doze Meses da Frente Popular

August Thalheimer

9 de Junho de 1937


Primeira Edição: Publicado no "CONTROVERSY" N° 9, junho de 1937. Traduzido do alemão por Erico Sachs. Fonte: Cópia mimeografada dos arquivos da organização Política Operária.

Fonte: Centro de Estudos Victor Myer.
HTML: Fernando Araújo


Quando começou a experiência de governo da Frente Popular na França, em junho de 1936, nos foi dito que ele seria completamente diferente das coalizões reformistas familiares, levadas a tão desastrosas bancarrotas como, por exemplo, na Alemanha. A diferença seria que a política da Frente Popular iria ser determinada pela classe operária, que ela "lideraria" a burguesia, enquanto nas coalizões reformistas com os partidos burgueses foi a burguesia quem liderou. Nós não pretendemos examinar a lógica sob a qual se baseia essa assertiva. Vamos verificar os fatos.

Em junho de 1936, alguém poderia ainda se esforçar em creditar à Frente Popular os resultados do grande e espontâneo movimento grevista. Hoje, o mais simples operário francês compreende que os resultados foram produzidos unicamente pela ação das massas, enquanto o papel do governo da Frente Popular e de suas organizações foi coisa muito diferente.

Qual é a posição atual?

A reivindicação da semana de 40 horas foi sistematicamente postergada e sabotada e hoje, aproximadamente doze meses depois de ter se tornado lei, não está ainda posta em pratica, no geral.

O aumento dos salários foi neutralizado de um golpe pela desvalorização do franco e por um inaudito aumento dos preços. Uma compensação ao trabalhador pela desvalorização do franco, através de uma escala móvel de salários, foi recusada. Uma outra desvalorização do franco está a caminho. O Partido Comunista Francês e o Partido Socialista Francês foram ambos favoráveis à desvalorização do franco, sob pressão do Partido Socialista Radical.

Tomando o caminho da greve, os operários fluíram em massa para os sindicatos. A CGT inchou para cinco milhões de membros. Enquanto isso, no entanto, os patrões demitiam diariamente muitos operários, por causa da sua filiação ao sindicato. Deliberadamente começaram a construir sindicatos amarelos, através de elementos fascistas nas fabricas. E os delegados de fabrica eram diariamente demitidos e substituídos por fascistas. Quando, depois do banho de sangue de Clichy, os operários de muitas empresas quiseram expulsar os fascistas, os patrões replicaram com uma série de demissões. Os sindicatos, indignados, recusaram qualquer responsabilidade por esses atos de autodefesa por parte dos operários. Os patrões seguidamente burlavam as novas leis sociais, passando do trabalho fabril para o trabalho doméstico. Mesmo os sindicatos reformistas da Alemanha não permitiram estas incontáveis violações dos contratos de trabalho, como foi o caso da França sob o governo da Frente Popular.

Como foi possível esse processo? Muito simplesmente. O governo da Frente Popular, os sindicatos, o Partido Comunista e o Partido Socialista trabalharam juntos afavelmente e se puseram de acordo no sentido de impedir, primeiro, a ocupação das fabricas e, depois, de maneira mais especial, as greves — "no interesse da reconstrução econômica". Em larga medida, eles foram bem sucedidos. A imprensa social-democrata e comunista chega até a jactar-se de que a França atual é o país em que existe menor inquietação social. O fator principal neste caso foi a exigência feita de que os operários deveriam levar em consideração a Exposição Universal, alem da insistência de que Hitler poderia explorar a inquietação social na França para um ataque de surpresa. Os operários devem ter apreciado esses argumentos. Em todos os acontecimentos, toda a gigantesca organização sindical e partidária da Frente Popular cooperou sobre essa base e conseguiu a "paz" exigida pela burguesia. Em compensação, entretanto, enquanto a ação de massa se tornava incapacitada, os patrões puderam levar a cabo sua própria política e privar os operários dos ganhos obtidos na ação de massa de junho.

O próximo passo foi a "pausa" na política social, anunciada pelo governo Blum. Tratava-se, sobretudo, da aposentadoria e de regulamentos sobre assistência ao desemprego. Foram ambos adiados.

Com o objetivo de levar a cabo enormes créditos de guerra, o governo transmitiu poderes para um comitê formado por pessoas de confiança das altas finanças. Os financistas, dessa maneira, tomaram formalmente a supervisão suprema e o controle do governo da Frente Popular.

Os próprios créditos de guerra garantiam ao debenturista tanto lucro quanto nenhum governo burguês anteriormente garantiu. Os partidos operários, mesmo o PC, concordaram com esses créditos de guerra.

A política externa do governo Blum é caracterizada pela "não intervenção", isto é, pelo bloqueio à Espanha Republicana. A expressão não é nossa — é comum na imprensa comunista francesa e expressa os fatos. No começo da guerra civil na Espanha, os operários exigiam exaltados "aviões e armas para a Espanha". Atualmente, não se ouve mais a exigência. Os partidos da Frente Popular reduziram-na ao silêncio. A política espanhola do governo Blum é obviamente a política da burguesia francesa, que defende na Espanha centenas de milhões de pesos contra o "perigo vermelho". Os socialistas radicais levaram a cabo essa política no governo sob a ameaça de se retirarem.

Veio então o banho de sangue de Clichy. A policia atirou durante horas contra trabalhadores que faziam uma demonstração contra um comício fascista. Os socialistas radicais cuidaram para que os oficiais responsáveis não fossem punidos. O primeiro-ministro Blum pôde anunciar no Parlamento para a burguesia regozijante que aquela era a primeira vez na história moderna da França que um governo cujos agentes atiraram contra operários não foi por eles responsabilizado. Clichy mostrou que a policia e a guarda móvel estavam permeadas de fascistas. Nada foi feito para colocar um fim nisso.

Blum declarou na mesma cadeira do Parlamento que a demonstração contra os fascistas foi um erro. As organizações operárias foram instadas pelo governo e pelo Partido Socialista a abandonarem as demonstrações e comícios tanto quanto possível. Isto é a destruição da democracia para os trabalhadores através da renúncia voluntária.

É geralmente admitido que as organizações fascistas não apenas ainda existem, como também estão atualmente mais fortemente construídas e equipadas com armas do que há um ano atrás. A subjugação aberta do governo ao controle das altas finanças, a alta do custo de vida, a posição declinante da pequena-burguesia — sempre criaram pré-condições favoráveis para o fascismo colocar seu pé na pequena-burguesia e em parte da classe operaria.

Os fatos seguintes são significativos com respeito aos resultados gerais da política externa do governo Blum:

  1. A recusa de construir e defender a aliança efetiva com a União Soviética. Como resultado,
  2. a dissolução da Pequena Entente; e,
  3. a retirada belga do Pacto de Locarno.

A balança aqui se inclina também para o lado errado.

Se "liderança" política significa a determinação da política corrente, então os fatos mostram que em dez meses do governo Blum, não foi a classe operaria que liderou a burguesia na França, mas vice-versa.

Esperava-se que a Frente Popular acabasse com o fascismo. O fascismo não acabou — está fortalecido. Esperava-se que a Frente Popular assegurasse a paz. Mas, à guerra da Abissínia sucedeu-se a guerra civil e a intervenção na Espanha. A primeira foi sustentada pelo governo Laval; na segunda, o governo Blum, indiretamente, mas de fato, sustentou a Espanha contra-revolucionária e a intervenção ítalo-alemã.

Pode-se talvez perguntar: como podemos rejeitar uma política seguida por milhões de trabalhadores ontem e ainda hoje? A política da Social-democracia alemã durou quatorze anos e foi seguida igualmente por milhões de homens. Isso não a impediu de liderá-los para o abismo. Pelo fato de milhões acreditarem, não temos que deixar de combatê-los, propondo, ao mesmo tempo, um outro caminho.

Que caminho propomos? Para colocar brevemente:

  1. A Frente Única Proletária — mas sem pactos de não agressão — a luta pelas reivindicações do dia-a-dia dos operários, combinada com a propaganda revolucionaria.
  2. A aproximação direta com a pequena-burguesia, sustentada pela Frente Única Proletária — mas sem a mediação dos partidos burgueses e inclusive contra eles.
  3. O desenvolvimento da ação de massa extraparlamentar, combinada com a criação de órgãos de massa para os trabalhadores. Através da criação desses órgãos de massa é possível no momento adequado ir alem da estrutura da democracia parlamentar burguesa.
  4. A organização da autodefesa operária contra o fascismo.

Isto é naturalmente um esboço, mas suficiente para mostrar claramente que nós não criticamos apenas a Frente Popular, mas também propomos, em oposição, uma outra política revolucionaria — uma política de acordo com os fundamentos do comunismo. Tais fundamentos não são nada mais que a experiência generalizada. Os dez meses da política da Frente Popular confirmaram a experiência do principio de que numa união com a burguesia liberal, a classe operaria é sempre quem sai perdendo.


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Inclusão 10/02/2013