Sociologia da imprensa: um programa de pesquisa

Max Weber

1910


Primeira Edição: Publicado originalmente como Alocução no Primeiro Congresso da Associação Alemã de Sociologia em Frankfurt, 1910 (pp. 434-441), em Max Weber, Gesammelte Aufsätze zur Soziologie und Socialpolitik, Tübingen, J. C. B. Mohr [Paul Siebeck], 1924. Foi utilizada aqui a publicação na Revista Española de Investigaeiones Sociales REIS, n.o 57/1992, pp. 251-259.

Fonte: Revista Lua Nova

Tradução: Encarnación Moya

HTML: Fernando Araújo.

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Nesse texto pouco conhecido Max Weber formula, em 1910, um programa de pesquisa para a análise sociológica da imprensa.

O primeiro tema que a Associação de Sociologia considerou adequado para um estudo genuinamente científico é o de uma sociologia da imprensa. Um tema extraordinário, não podemos nos enganar, um tema que irá requerer não apenas meios materiais muito importantes para os trabalhos preliminares, como, de modo algum, poderá ser tratado objetivamente caso os círculos dominantes da imprensa não acolham nosso projeto com grande confiança e benevolência. É impossível, se por parte dos representantes das empresas editoriais e por parte dos jornalistas nos deparamos com a suspeita de que o objetivo da Associação é formular críticas moralizantes sobre a situação existente é impossível, digo, que alcancemos nesse caso nosso propósito; porque é impossível alcançá-lo se não podemos nos prover, em grande medida, de material procedente precisamente desse setor. No próximos tempos, os esforços da comissão, que será constituída com esse fim, dirigir-se-ão à obtenção da colaboração dos especialistas da imprensa. Por um lado, a colaboração dos teóricos da imprensa, atualmente já numerosos como se sabe contamos com magníficas publicações teóricas nesse campo (deixem-me lembrá-los de momento apenas do livro de Löbl, precisamente porque, ainda que pareça estranho, é muito menos conhecido do que merece) e também a colaboração de profissionais no âmbito prático da imprensa. As conversações mantidas até agora alimentam a esperança de que, se estabelecemos, como efetivamente se fará, imediatamente os contatos, tanto com as grandes empresas de imprensa, como com as associações de editores de imprensa e de redatores de imprensa, poderemos contar com essa benevolência. Caso não suceda assim, a Associação não insistirá em, nem promoverá, uma publicação da qual previsivelmente não sairia nada de proveitoso.

Um comentário sobre a enorme importância geral que tem a imprensa carece de sentido. Poderia então cair sobre mim a suspeita de querer adular os senhores representantes da imprensa, principalmente quando o que já foi dito a respeito, por parte de instâncias autorizadas, é insuperável. Quando se comparou a imprensa com generais em posto de comando sem dúvida, apenas foi dito da imprensa estrangeira sendo assim todos sabemos: aqui já não cabe nada meramente terrenal, seria necessário fazer referência às esferas do divino para poder encontrar comparações. Simplesmente recordo-lhes: imaginem que a imprensa não existe, pensem como seria então a vida moderna, sem o tipo específico do âmbito do público (Publizität) criado pela imprensa. A vida antiga, estimados ouvintes, também tinha seu próprio âmbito do público. Jacob Burkhardt defrontou-se espantado com o público na vida helênica, que compreendia a existência total do cidadão ateniense, até em suas parcelas mais íntimas. Hoje em dia o âmbito do público já não é do mesmo tipo. Resulta interessante, não obstante, perguntar: que aspecto tem o público na atualidade e que aspecto terá no futuro, o que se torna público por meio da imprensa e o que não? Se há 150 anos o Parlamento inglês obrigava os jornalistas a pedir perdão de joelhos diante dele pelo breach of privilege, quando informavam sobre as sessões, e se hoje em dia a imprensa, com a mera ameaça de não imprimir os discursos dos deputados põe de joelhos o Parlamento; então, evidentemente algo mudou, tanto na concepção do parlamentarismo como na posição da imprensa. E, nesse caso, também terão que existir diferenças locais, por exemplo, quando até o presente havia bolsas americanas que punham vidro opalino em suas janelas a fim de que os movimentos de câmbio não pudessem ser transmitidos, sequer mediante sinais, ao exterior, e quando, por outro lado, vemos os jornais influenciados, entre outros, pela necessidade de levar em conta as publicações das bolsas. Sendo assim, não perguntamos, fique claro: o que deve tornar-se público? Como todos sabemos, as opiniões estão muito divididas sobre esse ponto. Naturalmente, resulta também muito interessante averiguar: quais são as opiniões que existem hoje em dia a respeito, quais existiam antes, e quem são os que opinam? Isso também pertence ao âmbito de nosso trabalho, mas somente enquanto constatação dos fatos. Todo o mundo sabe que na Inglaterra, por exemplo, as opiniões sobre esse particular diferem das daqui. Sem ir mais longe, pode ocorrer que, quando um Lord inglês se casa com uma norte-americana, encontremos na imprensa norte-americana uma resenha pessoal completa sobre essa senhora, a abarcar desde comentários sobre seu físico até suas condições psíquicas e demais detalhes, incluído, naturalmente, o dote; enquanto aqui, de acordo com o modo de pensar predominante, um jornal que vele por sua reputação rechaçaria tal coisa. De onde provém essa diferença? Se no caso da Alemanha podemos comprovar que hoje em dia o empenho sério, precisamente dos representantes sérios do negócio jornalístico, consiste em excluir de suas publicações os assuntos puramente pessoais por qual razão e com quais resultados? então também poderemos verificar que, por outro lado, um articulista socialista como Anton Menger opinava, pelo contrário, que no Estado do futuro a incumbência da imprensa seria precisamente trazer à luz pública aqueles assuntos que não possam ser submetidos aos tribunais de justiça; sua incumbência seria a de assumir o antigo papel de censor. Vale a pena averiguar quais são, em última instância, as concepções de mundo que subjazem a cada tendência. Apenas isso, por certo, e não uma tomada de posição, seria nossa tarefa.

RELAÇÕES DE PODER

De nossa parte, teremos que investigar, sobretudo, as relações de poder criadas pelo fato específico de que a imprensa torne públicos determinados temas e questões. O público tem, para a obra científica, uma importância distinta e sensivelmente menor do que, por exemplo, para o trabalho de um ator ou de um diretor de orquestra. Dia a dia esse comentário se desvanece. O fato do público é especialmente significativo em tudo que concerne às páginas culturais: em certo sentido, o crítico de teatro e também o de literatura é aquela pessoa que, dentro do jornal, pode, com a maior facilidade, criar e destruir existências. Não obstante, em cada seção do jornal, começando pela seção política, essa relação de poder é extremamente diferente. Os contatos dos jornais com os partidos, aqui e em outros países, seus contatos com o mundo dos negócios, com todos os inumeráveis grupos e pessoas que influem na vida pública e são influenciados por ela, supõem um campo impressionante para a investigação sociológica, explorado até agora somente em alguns de seus elementos. Porém, centremo-nos no verdadeiro ponto de partida da investigação.

Se consideramos a imprensa em termos sociológicos, o fundamental para toda discussão é o fato de que, hoje em dia, a imprensa é necessariamente uma empresa capitalista e privada que, ao mesmo tempo, ocupa uma posição totalmente peculiar, posto que, ao contrário de qualquer outra empresa, tem dois tipos completamente distintos de "clientes": os primeiros são os compradores do jornal e estes compõem-se ou de uma massa majoritária de assinantes ou de uma massa majoritária de compradores individuais uma diferença cujas conseqüências infundem à imprensa dos diferentes países um caráter decisivamente distinto ; os segundos são os anunciantes, e entre esse leque de clientes produzem-se as inter-relações mais curiosas. É certamente importante, ao se perguntar, por exemplo, se um jornal tem muitos anunciantes, saber se tem muitos assinantes e, em menor medida, também o inverso. Porém, não é apenas o papel que os anunciantes jogam de cara no orçamento da imprensa, papel, como se sabe, muito mais decisivo que o dos assinantes, senão o que poderia ser formulado da seguinte forma: um jornal não pode nunca ter demasia dos anunciantes, mas e contrariamente ao que sucede a qualquer outro vendedor pode chegar a ter demasiados compradores. Isso ocorre quando o jornal não tem condições de poder subir o preço dos anúncios o suficiente para cobrir os gastos de uma tiragem cada vez mais extensa. Isso costuma supor um problema sério para alguns tipos de diários e a cons ciência muito geral é a de que, a partir de uma determinada tiragem, o interesse dos jornais em aumentar sua tiragem diminui pelo menos pode ocorrer assim quando, sob determinadas circunstâncias, existam obstáculos para um novo aumento do preço de inserção (publicidade/publicação). Trata-se de uma peculiaridade de tipo puramente comercial que apenas afeta a imprensa, mas que pode ter múltiplas conseqüências. Comparando, em nível internacional, o grau e o tipo de relação existente entre a imprensa, que deseja instruir e informar objetivamente o público no que se refere à política e outros âmbitos, e o coletivo dos anunciantes que expressam as necessidades de propaganda do mundo dos negócios, observam-se enormes diferenças, especialmente se se estabelece a comparação com a França. Por quê? Com que conseqüências gerais? Estas são perguntas que, embora se tenha escrito tão freqüentemente acerca delas, devemos voltar a colocar, uma vez que as opiniões emitidas apenas estão parcialmente de acordo.

Mas sigamos adiante: Uma das características das empresas editoras de imprensa é, hoje em dia, sobretudo, o aumento da demanda de capital. A questão é, e esta questão não foi resolvida ainda na atualidade, os peritos mais informados discutem sobre o tema: em que medida essa crescente demanda de capital significa um crescente monopólio das empresas jornalísticas existentes. Talvez dependa das diferentes circunstâncias. Mesmo descontando-se a influência da crescente demanda por capital, acontece que a situação de monopólio dos jornais já existentes parece encontrar-se em diferentes níveis, dependendo da venda basear-se normalmente em assinaturas ou na venda direta como no estrangeiro, onde o indivíduo pode escolher a cada dia um jornal distinto do que comprou no dia anterior. Desse modo pelo menos parece assim à primeira vista facilita-se o aparecimento de novos diários. Talvez. É um assunto a ser investigado e que deveria unir-se à reflexão sobre a crescente demanda de capital e suas correspondentes influências para responder à seguinte pergunta: Esse crescente capital fixo significa também um aumento de poder que permite moldar a opinião pública arbitrariamente? Ou pelo contrário, como se afirmou sem que se pudesse demonstrar satisfatoriamente — significa uma crescente sensibilidade por parte das distintas empresas diante das flutuações da opinião pública? Se disse que a evidente mudança de opinião de determinados diários franceses costuma-se pensar, por exemplo, no Le Figaro com relação ao caso Dreyfuss pode ser explicada simplesmente pelo fato de que o importante capital investido de forma fixa por essas modernas empresas jornalísticas justifica o aumento de seu nervosismo, e as faz depender do público, ao se detectar qualquer inquietude deste, que costuma se traduzir em anulação de pedidos, situação que se torna comercialmente insuportável. Na França, onde prevalece a venda direta, esta grande facilidade de variação poderia também ter um peso específico. Isso significaria, então, que uma crescente dependência das tendências de venda diária seria a conseqüência da crescente demanda de capital. É certo isso? É uma pergunta que devemos nos fazer. Alguns especialistas o afirmaram não é o meu caso , outros especialistas questionaram isso.

Além do mais, nos encontramos, talvez, como conseqüência do aumento do capital fixo na empresa jornalística e, como costuma ocorrer freqüentemente quando existe uma crescente demanda de capital, diante da criação de trusts no setor de imprensa? Quais são suas possibilidades? Senhores, isso foi energicamente negado por especialistas da imprensa de primeira linha, tanto por teóricos como por especialistas do âmbito prático. De fato, o principal representante dessa postura, Lord Northcliffe, poderia talvez sabê-lo melhor, já que é um dos maiores magnatas de trust de todos os tempos no terreno da imprensa. Porém, quais seriam as conseqüências para o caráter dos jornais se ocorresse algo assim? Salta à vista que os jornais dos grandes consórcios atualmente existentes tem freqüentemente um caráter diferente dos outros. É suficiente com isso, posto que apenas citei tais exemplos para ilustrar até que ponto deve-se levar em consideração o caráter empresarial da imprensa. Devemos nos perguntar: o que significa o desenvolvimento capitalista no interior da própria imprensa para a posição sociológica da imprensa em geral, para o papel que desempenha na formação da opinião pública?

Outro problema: O caráter de "instituição" da imprensa moderna encontra aqui na Alemanha sua expressão específica no anonimato daquilo que aparece na imprensa. Falou-se exaustivamente sobre os "prós" e os "contras" do anonimato da imprensa. Não tomamos partido a respeito, mas perguntamos: como se explica encontrarmos esse fenômeno, por exemplo, na Alemanha, enquanto no estrangeiro produzem-se situações distintas, por exemplo, na França, enquanto a Inglaterra encontra-se mais próxima de nós a esse respeito? Na França, na realidade, existe atualmente um único jornal que se encontra no estrito terreno do anonimato, o Temps. Na Inglaterra, pelo contrário, jornais como o Times aferraram-se rigorosamente ao anonimato. Isso pode obedecer a diferentes razões. Pode acontecer o que parece ser o caso, por exemplo, do Times que as personalidades de quem o periódico obtém suas informações pertençam a níveis sociais tão elevados que não lhes seria possível facilitar publicamente informação em seu nome. Em outros casos, o anonimato pode também obedecer uma razão contrária. Porque depende de como se coloque o problema desde a perspectiva dos conflitos de interesse que realmente existem é algo que não se pode evitar entre o interesse do jornalista individual por tornar-se conhecido o máximo possível e o interesse do jornal de não chegar a depender da colaboração desse mesmo jornalista. Naturalmente, também do ponto de vista empresarial as coisas se apresentam de distintas maneiras, depende de se predomina ou não a venda direta. E, sobretudo, influi nisso, naturalmente, também a mentalidade política de um povo, uma vez que é diferente quando, por exemplo, uma nação tende, como a Alemanha o faz, a se deixar impressionar mais pelos poderes institucionais, por um jornal que se apresenta como um ente "supraindividual", do que pela opinião de um indivíduo — ou quando uma nação é livre desse tipo de metafísica. Essas questões nos conduzem ao jornalismo eventual, que se apresenta de forma muito diferente na Alemanha do que, por exemplo, na França, onde o jornalista eventual é uma figura comum, assim como na Inglaterra. A esse respeito teria que se colocar a pergunta sobre: quem escreve, hoje em dia, para um jornal estando fora dele e o que escreve? E: quem não escreve e o que não escreve? E: por que não? Isso nos leva à pergunta geral: de onde e como a imprensa obtém o material oferecido ao público? E, definitivamente: O que se oferece no final das contas? É o constante aumento da importância da mera notícia um fenômeno generalizado? Em terras inglesas, americanas e alemãs esse é o caso, enquanto em terras francesas não o é tanto: o francês quer, em primeiro lugar, um jornal de opinião. Mas, por quê? Porque, por exemplo, o norte-americano espera de seu jornal somente a exposição dos fatos. As opiniões sobre estes fatos publicadas pelo jornal simplesmente não lhe valem a pena de ser lidas já que, como democrata, está convencido de que, em princípio, entende tanto ou mais do que aquele que opina no periódico. Mas o francês também não quer ser democrata? De onde, então, provém a diferença? De todos modos: em ambos os casos a função social do jornal é totalmente distinta.

Posto que a agência de notícias, apesar dessas diferenças, não apenas pesa cada vez mais nos orçamentos da imprensa em todos os países do mundo, mas ocupa também um lugar cada vez mais destacado, devemos nos indagar, a seguir, quem são os que representam, em último lugar, as fontes dessas notícias. Esse é o problema da posição das grandes agências de notícias e suas inter-relações internacionais. Estudos importantes deverão ser realizados a esse respeito, ainda que já existam alguns estudos parciais. As asseverações expostas sobre as situações neste campo foram, até agora, parcialmente contraditórias, e falta saber se não seria possível conseguir, de modo objetivo, mais material aparte do atualmente disponível sobre a questão.

Uma vez que o conteúdo do jornal não consta apenas de notícias, por um lado, nem de produtos da indústria de entretenimento, do clichê, por outro como se sabe, existem produções em massa de conteúdos de imprensa, desde o espaço de esportes e das palavras cruzadas até a novela, um pouco de tudo, produzidos por importantes empresas do ramo , digo, que como nem os clichês nem as meras notícias preenchem completamente a imprensa, resta a produção daquilo que hoje em dia se oferece na imprensa como trabalho realmente jornalístico e daquilo que, pelo menos aqui na Alemanha, em contraste com alguns países não alemães, ainda é de importância fundamental na hora de avaliar um jornal. Não podemos, portanto, nos contentar com a contemplação do produto como tal, mas sim temos que prestar atenção ao produtor e perguntar pela sorte e pela situação do estamento jornalístico. A sorte, por exemplo, do jornalista alemão é completamente distinta da do jornalista estrangeiro. Na Inglaterra, tanto jornalistas como empresários da imprensa chegaram em ocasiões à Câmara Alta, homens sem outro mérito que não o de ter criado, como homens de negócios, um brilhante jornal para seu partido, batendo todas as marcas. Talvez pudesse se dizer neste caso: não superando as marcas? Há jornalistas que chegaram a ser ministros na França, e em quantidade. Na Alemanha, pelo contrário, isso constituiria uma exceção bastante rara. E, deixando de lado essas circunstâncias especiais, teremos que nos interrogar sobre como mudou, nos últimos tempos, a situação dos jornalistas profissionais nos diferentes países.

Qual é a procedência, a formação e quais são os requisitos que o jornalista moderno deve cumprir do ponto de vista profissional? E quais são as perspectivas, dentro da profissão, para os jornalistas alemães em comparação com os jornalistas estrangeiros? Quais são, em resumo, suas perspectivas de vida na atualidade, dentro e fora de nosso país, incluídas as extra-profissionais? A situação dos jornalistas é, além do mais, também muito diferente segundo os partidos, segundo o caráter do diário, etc., como todo mundo sabe. A imprensa socialista, por exemplo, é um fenômeno especial que requer um tratamento específico também dos redatores socialistas; e com maior motivo a imprensa católica e seus redatores.

Definitivamente: Que conseqüências tem esse produto, criado pelos diferentes caminhos que haveremos de investigar, que finalmente constitui o jornal? Existe uma literatura imensa a respeito, em parte muito valiosa, mas que também, embora proceda de destacados especialistas, é freqüentemente muito contraditória. Senhores, como se sabe, tentou-se inclusive investigar as influências que a imprensa exerce sobre o cérebro, o problema de quais são as conseqüências do fato de que o homem moderno tenha se acostumado, antes de iniciar seu trabalho diário, a alimentar-se com um cozido que lhe impõe uma espécie de caça por todos os campos da vida cultural, começando pela política e terminando com o teatro, passando por muitos outros assuntos. É claro que não se trata de um tema insignificante. Não é difícil realizar alguns comentários gerais sobre esse tema e relacioná-lo com determinados fenômenos aos quais também está exposto o homem moderno. Não obstante, já não parece tão fácil analisar o problema para além de suas implicações mais elementares.

Terá que se partir da pergunta: A que tipo de leitura o jornal acostuma o homem moderno? Diferentes teorias foram expostas sobre a questão. Afirmou-se que o jornal tomará o lugar dos livros. É possível: na Alemanha, a produção de livros encontra-se quantitativamente em um momento de grande "florescimento", como em nenhum outro país do mundo; em nenhuma parte entram tantos livros no mercado como aqui. Com respeito às cifras de venda desses mesmo livros, contudo, observa-se uma proporção inversa. A Rússia tinha, antes da entrada em vigor da liberdade de imprensa, edições de 20.000 a 30.000 exemplares de livros tão inacreditáveis com todo meu respeito por Anton Menger como sua obra sobre uma nova doutrina moral. Havia revistas muito lidas, apresentando todas elas um "último" enfoque filosófico de sua especialidade. Isso seria impossível na Alemanha e será impossível na Rússia sob a influência da, ao menos relativa, liberdade de imprensa; já há indícios disso. A imprensa introduz, sem dúvida, deslocamentos poderosos nos hábitos de leitura e com isso provoca poderosas modificações na conformação, no modo e na maneira como o homem capta e interpreta o mundo exterior. A constante mudança e o fato de se dar conta das mudanças massivas da opinião pública, de todas as possibilidades universais e inesgotáveis dos pontos de vista e dos interesses, pesa de forma impressionante sobre o caráter específico do homem moderno. Mas de que maneira? Isso é o que teremos que investigar. Não devo estender-me com maior detalhe sobre esse ponto e finalizo com uma observação.

Em conclusão, devemos orientar a investigação sobre a imprensa no seguinte sentido. Perguntando primeiro: O que aporta a imprensa à conformação do homem moderno? Segundo: Que influências exerce sobre os elementos culturais objetivos supraindividuais? Que deslocamentos produz neles? O que se destrói ou é novamente criado no âmbito da fé e das esperanças coletivas, do "sentimento de viver" como se diz hoje em dia , que possíveis atitudes são destruídas para sempre, que novas atitudes são criadas? São estas as últimas perguntas que formulamos e os senhores, estimados ouvintes, verão a seguir que o caminho que entremedeia essas perguntas e suas respostas é extraordinariamente longo.

Agora, perguntarão os senhores: Onde está esse material para o início de tais trabalhos? Esse material é constituído pelos próprios jornais Consequentemente, teremos que começar, de forma totalmente trivial, di gamos claramente, a medir com tesoura e compasso, como foi se transformando o conteúdo dos jornais, em seu aspecto quantitativo, no transcurso da última geração; não por último no relativo à seção de anúncios, à seção cultural, entre seção cultural e artigos editoriais e notícias, entre tudo aquilo que hoje em dia se publica como notícia e aquilo que já não se publica. Porque é aqui onde a situação mudou extraordinariamente. Existem inícios de tais estudos, que tratam de comprovar tais fatos, mas apenas inícios. Dessas análises quantitativas passaremos depois às qualitativas. Teremos que estudar o estilo do jornal, isto é, os modos em que os mesmos problemas são discutidos dentro e fora do jornal, a aparente inibição dos jornais com tudo que é emocional, o que, por outro lado, constitui uma e outra vez a base de sua própria existência, e outras questões parecidas. E depois teremos, no final, fundadas esperanças para podermos aproximar-nos lentamente das questões de maior alcance, cujo esclarecimento é a meta a que se propõe esta investigação.


Inclusão: 28/11/2021