A Defesa Acusa
De Babeuf a Dmítrov

Marcel Willard


O PROCESSO DE LEIPZIG
A Vitória de Leipzig: os objetivos atingidos


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Veremos adiante até que ponto Dmitrov conseguiu atingir os outros objetivos que tinha imposto a si mesmo.

Mas o que é preciso sublinhar aqui é o extraordinário autodomínio político com que esse grande “soldado da revolução proletária e da Internacional Comunista” serviu a política de unidade de ação operaria e popular de que se tornou iniciador, teórico, símbolo vivo e porta-bandeira.

Dentre os milhões de homens que leram seu relatório historiarão VII Congresso da Internacional Comunista será que todos observaram que, antes de pôr sua autoridade, seu prestígio, sua experiência ao serviço dessa política e de assentar-lhe os fundamentos em seus três discursos de agosto de 1935, Dmitrov os aplicara conscientemente em Leipzig?

Dentre os milhões de homens que participaram dessas primeiras mobilizações imitarias, que o exemplo, a coragem, a potência dialética do herói suscitara, será que todos compreenderam que Dmitrov as tinha, muito conscientemente, preparado e querido?

Foi ele quem, na fortaleza inimiga, apelou para os trabalhadores dos dois Partidos proletários; foi ele quem, em pleno coração dessa Alemanha hitlerista, em que a classe operaria estava esfacelada por sua própria divisão, por seu isolamento, pela política de^ capitulação da social—democracia, teve a iniciativa e a audácia de defender, não apenas o glorioso Partido Comunista e os operários comunistas, mas também os operários social- democratas e até o seu Partido. E os nazis não se enganaram com isso.

— “Poder-se-á constatar, lembrou-me Dmitrov, se se acompanhar com atenção minha atitude perante o tribunal, que não defendi apenas os operários comunistas e o Partido Comunista, mas também os operários social-democratas e, em certa medida, o Partido social-democrata. Assim fiz, porque era politicamente justo. Sabia que era, do ponto de vista tático, necessário, porque esse fato contribuiria para a luta comum dos trabalhadores comunistas e socialistas contra o fascismo, tanto na Alemanha, quanto no estrangeiro. Foi por essa razão que também formulei a questão perante Goering e, sobretudo, perante Goebbels. E este disse-me perante o tribunal: ‘Compreendo: quereis tomar, perante a Corte, não apenas a defesa do Partido Comunista, mas também a defesa do Partido social-democrata’”.

Tal, em suas grandes linhas, a estratégia de Dimitrov. Teve o gênio de concebê-la e o caráter de aplicá-la inflexivelmente.

“Não basta saber o que é mister fazer, é preciso também ter a coragem de levá-lo a cabo”.(1)

E essa estratégia não teve apenas por consequência a libertação de Dmitrov e de seus camaradas búlgaros. Produziu também todos os efeitos políticos que Dmitrov esperava e, sem dúvida, esses efeitos ultrapassaram sua expectativa. Mesmo hoje ainda é difícil medi-los.

Para começar, os objetivos de provocação que o governo hitlerista buscava, como incendiário e como acusador, não foram atingidos:

Os provocadores do incêndio e do processo não foram justificados: muito ao contrário, os verdadeiros incendiários foram desmascarados, condenados, desonrados e o processo, destinado a acobertá-los “de acordo com as leis da dialética... transformou-se em seu contrário”(2), para sua própria desmoralização.

O terror intimidador e exterminador aplicado pela ditadura nazi contra o proletariado revolucionário, contra o liberalismo burguês, contra a cultura e a ciência, contra os defensores da liberdade e da paz, não foi justificado. Foi contra essa provocação, contra o terror pardo, que o verdadeiro tribunal, o da opinião pública universal, se pronunciou. Esse tribunal consagrou as palavras terríveis que os juízes de Leipzig em fuga não quiseram ouvir:

“Ditadura do capital de Thyssen e Krupp!... Traição para com o povo alemão!”(3)

O processo não pôde servir de fundamento nem de precedente para o processo monstro que se preparava contra o Partido comunista alemão e seu chefe Ernst Thaelmann. Muito ao contrário, Dmitrov pública e vitoriosamente reduziu a frangalhos as acusações caluniadoras de insurreição armada, de terrorismo, que os verdadeiros terroristas, os tenentes do chanceler Hitler, tinham elaborado contra Thaelmann e seu Partido.

Enfim, a ficção do fascismo hitlerista, vencedor do marxismo, salvador da civilização ocidental e candidato à direção da cruzada anticomunista, foi pela primeira vez desacreditada. O marxismo enterrado todos os dias é um cadáver que, sem dúvida, nunca se mata suficientemente. A prova está em que esse dragão, mal tinha acabado de ser morto, derrotou completamente seu S. Jorge armado até os dentes. E derrotando-o. arrancou-lhe o elmo e a máscara de ferro; pôs a descoberto o rosto imundo, manchado de sangue, contorcido de ódio, o rosto da peste parda.

Inversamente, se a peste parda e seu Goering não puderam realizar seu plano, os objetivos do grande soldado da Internacional foram amplamente atingidos.

Nesse debate, que pôs em presença dois métodos, foi o de Torgler que a experiência pública e definitivamente condenou; foi o de Dmitrov que demonstrou sua eficacia e triunfou.

Nesse conflito, que pôs em presença dois mundos, foi o dos incendiários do Reichstag, dos incendiários de bibliotecas, dos incendiários da Espanha, dos incendiários da civilização, que, em seu próprio território, em sua própria cidadela, perdeu a partida, recuou em desordem e mostrou sua fraqueza.

A batalha de Leipzig terminou com o primeiro desastre sério desse regime:

“Esse processo anticomunista tornou-se numa grandiosa demonstração antifascista, num lamentável fiasco do fascismo”.(4)

E essa derrota histórica teve repercussões incalculáveis; abalou o prestígio dos chefes; sacudiu a base de massas do poder hitlerista.

Essa sacudidela, para a qual o próprio Dmitrov e a indignação popular que o libertou tanto contribuíram, não ficou invisível por muito tempo: alguns meses depois, estalava a crise violenta de junho, que Hitler não pôde nem tentou resolver a não ser pelo massacre de seus companheiros de armas descontentes e “das testemunhas perigosas, dos cúmplices da provocação, dos confidentes do segredo de Estado”, pelo desarmamento das secções de assalto.

A noite sangrenta de 30 de junho, depois de Leipzig, revelou ao mundo essa precariedade de regime que Dmitrov proclamaria um ano depois, do alto da tribuna do VII Congresso. Ninguém melhor do que ele estava qualificado para formular esse teorema, que, pelo exemplo, pela ação e à sua própria custa, já havia provado, resolvido.

Não foi em vão que Dmitrov soube fazer-se ouvir pelos milhões de trabalhadores comunistas, socialistas, sem partido, da Alemanha e dos outros países. Não foi em vão que, durante três meses, as massas oprimidas, escravizadas, encurraladas pelo fascismo escutaram essa grande voz, que era a sua, que exprimia sua revolta, revelava sua confiança, sua esperança de vencer, exaltava sua altivez. A própria voz do seu destino.

Essa voz denunciadora dominava seu opressor, confundia, desonrava, esmagava seu carrasco. Essa voz incoercível revelava sua confiança, sua esperança de vencer, exaltava sua altivez. A própria voz do seu destino.

Essa voz denunciadora dominava seu opressor, confundia, desonrava, esmagava seu carrasco. Essa voz incoercível revelava aos operários social-democratas, cuja defesa tomava, aos próprios pequenos burgueses republicanos, os erros dos seus chefes, as causas de sua derrota. A todos os trabalhadores dava a conhecer, ao mesmo tempo que a inocência dos acusados e do Partido caluniado de Thaelmann, a verdadeira política, justa, unitária, do comunismo internacional. Prenunciava a vitória final e, sobretudo, apontava o caminho para ela.

Todos os povos curvados sob o jugo dos fascismos aprenderam “como se pode subverter os planos do fascismo, quando se ataca o adversário como se deve atacar”(5), como se pode manter a fera em respeito, em cheque, quando se sabe, mesmo nas piores condições, utilizar corajosamente e acertadamente todas as possibilidades legais. Aprenderam a distinguir a linha justa da linha falsa e o caminho que conduz à vitória do que conduz à escravidão.

E não tardou que centenas de combatentes seguissem o exemplo decisivo e, rivalizando em intrepidez, se mostrassem discípulos, émulos de Dmitrov. Todos os trabalhadores ainda divididos puderam compreender que, para vencer, é preciso que se unam. E já sua própria experiência lhes mostrava que, unidos pela primeira vez, eram suficientemente fortes para se fazerem, também, ouvir e temer e para arrancar quatro inocentes ao carrasco. Tal o ensinamento salutar que não mais seria esquecido.

Dmitrov livre! Liberdade por eles! Nunca, em parte alguma do mundo tinham conseguido a tal ponto a consciência de sua força, filha de união!

Porque é fato que a vitória de Leipzig foi a primeira vitória da unidade de ação libertadora: pela primeira vez, desde muitos anos, operários comunistas e socialistas, reunidos ombro a ombro, proclamavam em comum seu entusiasmo, sua cólera. Estava dado o impulso. E não foi por acaso que, durante esse mês histórico de fevereiro, que iria terminar com a libertação dos três búlgaros, os trabalhadores dos dois Partidos iriam, ombro a ombro ainda, nas ruas de Paris, unir-se contra o assalto fascista e fazê-lo retroceder. Fraternidade de armas que produziria na. França o pacto de unidade de ação, unidade sindical e Frente popular.

Ainda aí, pode-se dizer de Dmitrov que, antes de dar a fórmula, lhe dera a prova. E também não é por acaso que, piloto experimentado, com o leme firme na mão, é ele quem dirige, hoje, esse formidável movimento unificador em vias de universalização, que seu exemplo e seu apelo tanto haviam contribuído para suscitar.


Notas de rodapé:

(1) Prefácio de Dmitrov a uma biografia de Thaelmann, do qual é reproduzido um extrato nas Cartas, notas e documentos (ed. francesa), p. 148, documento n. 53. (retornar ao texto)

(2) Cartas, notas e documentos, p. 166 (ed. francesa cít.). (retornar ao texto)

(3) Idem, p. 150. (retornar ao texto)

(4) Idem, p. 166. (retornar ao texto)

(5) Idem, p. 177. (retornar ao texto)

Inclusão: 05/06/2020