A Defesa Acusa
De Babeuf a Dmítrov

Marcel Willard


DISCÍPULOS E ÊMULOS
NA ALEMANHA DE THAELMANN


capa

Tudo é possível suportar por suas ideias.
Rudolph Klaus.

Sem embargo do que nos possa acontecer, seremos os vencedores de amanhã.
Fiete Schultze.

Militante vivi, militante morrerei, gritando ainda uma última vez: Viva o comunismo!
Edgar André.

Se há país no mundo em que o imortal ensinamento de Dmitrov iria frutificar, esse país é essa Alemanha heróica de Thaelmann, que, sob a bota do fascismo mais agressivo do mundo, não esquece que é a pátria de Marx e de Engels, de Bebel e de Liebknecht, de Rosa Luxemburgo e de Clara Zetkin, uma das terras de escol do pensamento, da virilidade, da grandeza.

Cada vez que se abre brecha nas linhas de sua defesa, ela encontra forças novas para tapá-la. E a linguagem da Frente vermelha está inscrita nas paredes das prisões. Prepara sua hora.

É certo, a outra Alemanha, a dos burgueses, a da Idade Média e dos carrascos, a da ditadura hitleriana e da indústria pesada, pretendeu tirar proveito de sua derrota de Leipzig: quer vingá-la a chicotadas, a machadadas; quer justificar suas violências bestiais, seu desprezo ao homem e seus projetos de agressão, tentando, por todos os meios, ressuscitar a ficção de que vive, a legenda ferida de morte por Dmitrov: “a cruzada da cruz gamada, o nacional-socialismo salvador do mundo!”(1)

E, de que seria salvo o mundo? Do incêndio, da insurreição, do assassinato, do “perigo vermelho”. É preciso, portanto, apresentar o Partido comunista alemão como uma associação de bandidos, de salteadores, de assassinos. É preciso, não apenas feri-lo, mas também desacreditá-lo aos olhos das massas ainda não de todo escravizadas e descontentes. É preciso atingi-lo em seu chefe e porta-bandeira, Ernst Thaelmann. É preciso, para preparar a aventura externa, a guerra de invasão, desonrar e suprimir as forças de paz, acabar com a Alemanha da paz.

Para chegar a esse resultado, é prudente evitar os processos de grande encenação, que se transformam no desmascaramento dos “Mefistófeles” e as portas fechadas tornam-se a regra. É bom prevenir-se contra a deformação profissional dos magistrados: criam-se “tribunais do povo”, que, na verdade, não passam de cortes marciais compostas de gente sua e de espertalhões. Suprimir-se-á toda via de recurso. Estandardizar-se-á a defesa, aperfeiçoar-se-á a amestração dos advogados e far-se-á de sua subserviência uma condição necessária para sua admissão na barra, para sua liberdade, para sua vida. Os noticiários da imprensa serão substituídos pelos comunicados da propaganda, isto é, pela mentira, racionalizada, erigida em lei, ou pelo silêncio organizado, obrigatório e os jornalistas estrangeiros serão afastados das audiências. Poder-se-á, assim, caluniar, humilhar e condenar tranquilamente: será a segurança do agressor.

Mas a Alemanha da paz, a Alemanha de Thaelmann, por seu lado, agrupada em torno à sua vanguarda, tirou partido de sua própria experiência e da experiencia1 dimitroviana. É o exemplo de Dmitrov, é a imagem de Dmitrov que têm perante os olhos todos esses heróis que se defendem, acusam, sabem sofrer e sabem morrer pela causa, de fronte erguida..

Augusto Luttgens(2), Marx Mattern, Richard Huttig Hermann Fischer, Johannes Becker, Rudolph Klaus, Toni Waibel, John Scheer, Fiete Schultze, Edgar André e tantos outros reféns nos quais os incendiários do Reichstag e de Madrid, os candidatos ao incêndio do mundo, cevam seu ódio, vingam seu medo, consumam sistematicamente sua política de extermínio, de massacre acelerado ou lento. Ha já três anos que a mesma sorte ameaça o chefe, Ernst Thaelmann, até agora protegido pela vigilância dos povos e cujo processo foi marcado oito vezes, adiado.

Como Dmitrov, Thaelmann soube forçar a ordem de sigilo e dar a conhecer ao mundo os maus tratos de que era vítima. Quando, em junho de 1934, alguns dias antes da noite sangrenta de 30 de junho, uma delegação de mineiros do Sarre conseguiu vê-lo, ele reconheceu neles mensageiros autênticos do proletariado internacional e gritou-lhes, antes de ser arrastado pelos carcereiros: “Camaradas, torturam-me!”

Como Dmitrov, Toni Waibel teve a coragem de defender, de acobertar seus coacusados. Foi em julho de 1935. Era acusado de desordem, por se ter evadido de um campo de concentração:

— “Antes da abertura dos debates, declarou ele, devo afirmar que nada direi que possa, de qualquer maneira, prejudicar meus coacusados. Assumo inteiramente a responsabilidade de receber a agravação da pena que resultar disso”.

O presidente, então, lança-lhe ao rosto: “Sem dúvida destes uns aos outros palavra de honra”?

— “Não, respondeu simplesmente Waibel, isso é para nós coisa muito natural”.

ALBERT KUNTZ

Como Dmitrov, Albert Kuntz proclamou sua fé e sua fidelidade “até o último alento” ao seu Partido.

Foi em junho de 1934. Perante a Corte Criminal de Berlim-Moabit, apresentavam-se 15 acusados, porque, três anos antes, a 9 de agosto de 1931, num dia de eleições, na Bulowplatz, não longe da Casa Karl Liebknecht(3), no decorrer de uma desordem provocada pela polícia, dois policiais tinham encontrado a morte. O caso foi arquivado. Não obstante, ao cabo de três anos, com o auxílio de testemunhas adrede preparadas e de um coacusado espião, eram acusados de assassinato 14 operários, cuja inocência ficou demonstrada depois da audição de testemunhas por uma comissão de juristas reunida em Paris. Mas, em Berlim, cogitava-se de imputar ao Partido Comunista e, mais particularmente, ao deputado comunista Albert Kuntz, a responsabilidade, a provocação da desordem sangrenta.

Um jornalista parisiense, Stefan Priacel, conseguiu acompanhar as audiências e, num livro recente(4), relata com emoção a atitude e a defesa vitoriosa de Kuntz. Mostra-nos o presidente friamente parcial, os advogados silenciosos, as 40 testemunhas de acusação, providas de seus “depoimentos” de uma precisão muitas vezes contraditória e sem verossimilhança, o inquietante espião Klause, “falsa testemunha e falso condenado”, os trabalhadores acusados, quase todos dignos, altivos, rivalizando em abnegação. Dois dentre eles foram condenados à morte e decapitados.

A figura de Kuntz domina esse processo. Operário metalúrgico, membro do Spartakusbund(5) desde 1919, militante comunista particularmente popular, orador sóbrio o preciso, figura, na audiência, como representante de seu Partido.

Um incidente pungente, que Priacel nos conta, basta para mostrar como um combatente, formado na escola de Dmitrov, pode, nas piores condições, utilizar uma tribuna que não escolheu, não apenas para enfrentar o inimigo, mas também para fazer valer e irradiar o prestígio de sua causa e fazer justiça ao nome do seu Partido, às testemunhas corajosas:

Bernard Lueck, de Steglitz, tinha deixado o Partido Comunista em 1932. Ei-lo na audiência, com a insígnia hitlerista na lapela, de braço erguido para saudar o tribunal. E essa testemunha não tergiversa em desfechar um golpe terrível à tese mestra da acusação: afirma a incompatibilidade absoluta do marxismo com o terror individual. Denuncia, como um absurdo, o fato de imputar a Kuntz ou a qualquer outro comunista, o assassínio dos dois policiais e observa que seu testemunho é tanto mais objetivo quanto, durante sua estada no Partido, tinha sido considerado, “muito erradamente, aliás, como provocador”.

Kuntz, então, ergue-se e, como se os juízes, os advogados, o “público” hostil não existissem, interpela essa testemunha sem medo, para desculpá-la aos olhos do Partido, para agradecer sua coragem em nome do Partido.

— “Não, camarada Lueck, ninguém vos considerou jamais como provocador. Esses que hoje vos tentam fazer acreditar nisso têm interesse em que sejais persuadido disso. Mas não é exato, afirmo-o. Ainda uma vez muito obrigado, camarada Lueck”.(6)

O presidente, observa Priacel, fica tão surpreso que se esquece de interromper o acusado. De tal forma é verdade que a grandeza, a nobreza bolchevique impõe respeito, mesmo à baixeza, mesmo à fera parda!

Albert Kuntz não deixa a ninguém o cuidado de sua defesa política. O advogado geral tinha sido levado, “a contragosto”, a requerer, quanto a ele, a suspensão do processo. Mas Kuntz não deixa acusar seu Partido: é o Partido que defende; defende-o com calma, sem alarde, sem efeitos oratórios, mas sem concessão. Refuta vitoriosamente a acusação que pretende que o assassinato dos policiais teria sido objeto de um plano elaborado pelo Comitê Central do Partido:

— “É perfeitamente absurdo e o objetivo dessa acusação é claro: trata-se de comprometer a política do Partido Comunista e de provar, pelo eventual precedente criado desta maneira, que o Partido Comunista é um Partido de terror”.(7)

Depois de ter exposto o programa e a verdadeira tática do Partido, atira-se contra o instrumento principal da acusação, o espião Klause, Este, recitando sua lição sobre o plano insurrecional do Partido, vangloriara-se de ter tido, alguns anos antes, longa entrevista com Manuilski!

— "É certo, Senhores, grita Kuntz, reina no interior do Partido Comunista uma camaradagem tão completa quanto possível; mas, acreditai-me, se tal plano de insurreição tivesse existido, um Klause não teria tido conhecimento dele. E admitis que um dos dirigentes mais importantes da Internacional Comunista tenha falado de terrorismo com o pobre vadio que está ao meu lado..."(8)

As testemunhas de acusação mentiram; mas o tribunal acredita nelas sem discrepar. Quanto às testemunhas cia defesa, que teriam podido apresentar-se em massa, são comunistas: então “como, sendo o que sois, não considerais que mentem?”(9)

Certo do seu direito, Kuntz, que teria podido fugir vinte vezes, permaneceu no país. O que quer não é um adiamento do processo, é sua absolvição e a de todos os seus camaradas. Por que está aqui? Por sua fidelidade para com o Partido; mas nenhuma condenação o fará renegá-lo; se tem que morrer, morrerá como comunista:

— “Só tendes uma acusação a fazer-me: a de ser comunista, um militante consciente, de ter lutado e trabalhado por meu Partido; enquanto houver em mim um alento, nada me impedirá de ser comunista e será em vão que me condenareis à morte, nada podeis alterar em mim. Mas não me contentarei, neste processo, com uma suspensão das diligências em meu favor. Te^o energicamente a absolvição à qual tenho direito. O mesmo peço para todos os meus camaradas”.(10)

Altivas palavras, que lembram Dmitrov e prenunciam Rudolph Klaus, Fiete Schultze, Edgar André.

RUDOLPH KLAUS

A 17 de dezembro de 1935, Rudolph Klaus era executado. Mutilado de guerra 90%, membro do Partido Comunista desde 1920, combatente intrépido em 1921, em 1923, duas vezes condenado a trabalhos forçados, atirado à prisão em 1933, odiosamente martirizado num campo de concentração, tal é o herói que foi condenado à morte pelo único crime de ter permanecido fiel ao seu Partido e de tê-lo servido até o fim.

Nenhum suplício quebrou sua resistência. Esgotado pelas torturas, é ele quem escreve, numa de suas últimas cartas da prisão, poucos dias antes do veredito:

“Tudo é possível suportar por suas ideias”.

Foi ele quem declarou aos oficiais da Reichswehr, seus juízes:

— “Não discutirei convosco a propósito de justiça. Jamais fiz algo de prejudicial à classe operaria e provei mais de uma vez que não temo a morte. Podeis matar-me; mas nem mesmo vossos carrascos terão valia para entravar a vitória da revolução”.

Foi ele quem, ao lhe perguntar o procurador se tinha algo a acrescentar em sua defesa, respondeu:

— “É um assassinato político. É um ato de justiça de classe. O proletariado vingar-me-á”.

Os juízes não lhe perdoaram a constância de suas convicções e, na exposição de motivos, ousaram confessar:

“O que é punido acima de tudo é a vontade criminosa. Por seus atos e durante suas detenções precedentes, o acusado mostrou que não se pode esperar corrigi-lo de suas ideias politicas. Eis porque o tribunal não pode aplicar outra pena a não ser a suprema e pronuncia um veredito de morte”.

Rudolph Klaus morreu como herói. E não foi em vão que apelou para a vingança do proletariado. O martírio de Klaus é uma conta ainda por ajustar: os trabalhadores alemães não o esquecerão.

FIETE SCHULTZE

Aqui temos um dos maiores: Fiete Schultze. Pertence a essa falange de ferro, a essa linhagem de heróis que faz a glória de Hamburgo, a vermelha, a Hamburgo de Thaelmann, de Max Hoeltz, de Augusto Luttgens, de Edgar André.

A 18 de março de 1935, aniversario da Comuna de Berlim (1848) e da Comuna de Paris (1871), era condenado à morte e, algumas semanas depois, decapitado.

Qual era seu crime? Era acusado de ter sido um dos dirigentes da Frente Vermelha de Hamburgo e, como tal, de ser “moralmente responsável” por todas as desordens provocadas pelos nazis, no decorrer das quais um qualquer dentre estes caia perante a legitima defesa dos nossos. “Moralmente responsável” por essas mortes, “moralmente” assassino! Pouco importava que não tivesse participado nesses atos de resistência; pouco importava que nem mesmo tivesse sido um dos chefes da organização. Era comunista; era um militante intrépido, inabalável; isso bastava; sobrava até... Era preciso que se desembaraçassem dele, deixar um exemplo que inspirasse terror, criar um precedente para atingir o chefe “moralmente responsável” de todos os “crimes’' do comunismo alemão, Ernst Thaelmann!

Fiete Schultze não era homem que se apavorasse com sua sorte. A coragem e a lucidez de sua defesa foram tais que a. própria imprensa hitlerista, berrando por morte, rendeu-lhe a mais rabugenta, porém a mais brilhante homenagem. Exigindo sua cabeça, contribuiu para popularizar sua figura

‘‘Um homem, dizia o Hamburger Fremdenblatt, que, sendo comunista, prosseguiu inabalavelmente seu caminho e, cheio de energia defendeu unicamente e apesar de tudo os interessas do comunismo... No curso dos longos debates o acusado foi muitas vezes qualificado de homem inteligente. Não sem razão, de certo... Mas sua inteligência foi obscurecida por seu fanatismo comunista... Uma vontade de ferro, tensa ao extremo... para a conquista do poder na Alemanha”.

Perante o juiz, Fiete Schultze dissera:

— “Sei que o procurador pede minha cabeça. Que corra, senão o comunismo chegará ao poder antes que a tenha obtido!”

O procurador correu. Mas o ódio imbecil que baba, ao requerer, é ainda uma homenagem involuntária ao herói:

“O acusado é inimigo mortal do nosso Estado. Seria uma injustiça clamante deixá-lo viver”. Sua língua é mais perigosa do que as balas dos que atiraram sob sua ordem. “Deve morrer. Exijo sua morte...”

Nada é mais admirável que a profissão de fé de Schultze.: em nome do Partido, condena o terror individual e a aventura; em nome do seu Partido, evoca a mobilização revolucionária das massas contra o fascismo.

Defende também a União Soviética, onde era acusado de ter residido durante 10 anos. Por que voltou? Para ser, na Alemanha, um emissário de Moscou?

— De que quereis viver aqui? — pergunta-lhe o presidente. Deixastes o paraíso russo para propagar aqui uma melhor opinião sobre a Rússia?

— “Um pequeno burguês qualquer, responde Fiete Schultze, teria, certamente, agido de modo muito diverso; eu, porém, sou comunista, e devia cumprir meu dever como tal”.

Tendo-lhe o presidente perguntado se esse dever consistia em voltar para a Alemanha na qualidade de funcionário soviético, para aí preparar a revolução, Fiete Schultze altivamente lança-lhe ao rosto:

— “É certo que tinha a intenção de apressar na Alemanha a realização da revolução comunista; isso, porém, do meu próprio ponto de vista comunista e completamente independente, sem nenhum mandato. Se tivesse tal mandato, di-lo-ia, porque teria orgulho dele”.

Nem por um momento Schultze abandona sua linha ofensiva. E quando, depois do requisitório, o presidenta lhe dá a palavra, para sua declaração final, não é para a clemencia dos juízes que apela:

— “Todo pedido de perdão, diz, desonra um comunista”.

É, então, que pronuncia suas últimas palavras que, entrecortadas de interrupções, são dignas de figurar numa antologia de heroísmo e de serem citadas como exemplo para toda a posteridade revolucionária:

— “Não fui dirigente da Liga dos Combatentes da Frente Vermelha. Se o tivesse sido, não me furtaria certamente à responsabilidade. Mas sei que compareço perante um tribunal de classe e eis porque declarei, desde o início, à Corte, que se devia guiar pelas afirmações do procurador, porque, então, a coisa se tornaria de tal modo patente, que toda a gente compreendem. Sem embargo do que aconteça, somos os vencedores de amanhã!”

Desde que é sentenciada a pena capital, Fiete Schultze levanta-se e grita:

— “Um combatente a menos, mas venceremos mesmo assim!”

E, num gesto que se tornou celebre, apostrofa o auditório – convido-o a vê-lo morrer:

— “Vinde todos à execução e vereis como sabe morrer um comunista!”

Os policiais atiram-se contra ele e força têm de fazer para evacuar a sala, onde um viva abafado provoca borborinho. Mas o povo alemão pôde ver como sabe morrer um comunista.

— “Possa o comunismo, uivara o procurador, morrer com o acusado Fiete Schultze, que é sua perfeita incarnação!”

Mas se Fiete Schultze, perfeita encarnação do comunismo, morreu como morreu, depois de ter defendido seu Partido, como o fez, foi precisamente para que viva e triunfe o comunismo, criador de heróis tais como Fiete Schultze. E não foi por acaso que, no mesmo instante, os operários da Saxônia e do Wurtemberg em greve enfrentavam os mesmos opressores para quem a língua de um Fiete Schultze “era mais perigosa do que balas”.

OS OPERÁRIOS DE WUPPERTAL

Wuppertal e Elberfeld têm, tanto quanto Hamburgo, urna longa tradição revolucionária. Os explorados da indústria têxtil, mal pagos, fizeram do vale do Wupper, desde 1848, uma poderosa linha de defesa contra todos os feudais, os da aristocracia imperial, os da oligarquia financeira. Engels e Lassalle já tinham feito justiça à maturidade política desses operários de Elberfeld e de Wuppertal, que, já então, se batiam em barricadas. Foram seus filhos que lutaram vitoriosamente contra as tropas de Kapp e de Ehrhardt. Mesmo depois do advento da ditadura hitlerista, continuaram a discutir de igual para igual com os patrões e seus homens de confiança. Não era, porventura, um exemplo intolerável e esse proletariado não de todo escravizado não devia ser quebrado?

Foi o que decidiu a Gestapo, que, em 1935, pouco antes das eleições dos conselhos de empresas, conseguiu atrair os operários para uma vasta provocação: 1.200 prisões, 628 acusador!

Durante a instrução, 16 dentre eles sucumbiram às torturas. A viuvá de um deles, Willy Muth, militante digna daquele a quem chora, disse-nos que seu companheiro tinha sido supliciado durante sete dias e seu cadáver estava coberto de queimaduras feitas com ferro em brasa.

De que se acusavam esses trabalhadores, essas três gerações de trabalhadores (velhos, antigos combatentes e jovens operários)? De terem levado a. sério a defesa de suas reivindicações coletivas e de terem querido reconstituir os sindicatos livres.

Como, no Terceiro Reich, não há mais conflitos operários — é a verdade oficial! — todos esses homens eram tratados como comunistas, isto é, como criminosos de direito comum... Ora, entre eles, havia não somente comunistas, ms« também social-democratas, cristãos, sem-partido, até hitleristas arregimentados na Frente do Trabalho.

Perante seus juízes — três oficiais superiores da S. A., dois chefes de grupo da S.S. e um tenente de aviação — a maioria desses trabalhadores torturados deu prova de admirável espírito de classe, de uma dignidade, de uma firmeza revolucionária que merecem ser citados como exemplo.

— “Aqui, nesta sala”, gritou um velho operário social-democrata, “compareceu outrora Augusto Bebel, quando foi acusado em virtude da lei antissocialista. Continuamos a ser o que ele era”.

Depois, é a vez de um jovem operário de 26 anos, que explica com nobre simplicidade como se tornou comunista:

— “Meu irmão era voluntário em 1914. Eu ainda era muito criança. Ele esteve em casa de licença pela primeira vez Mn 1917 e disse-me: Se, algum dia, quando tiveres minha idade, houver uma nova guerra e te alistares, matar-te-ei com minhas próprias mãos. Eis porque, mais tarde, me tornei comunista: sei que a Alemanha soviética, aliada à União Soviética, tornará impossível qualquer guerra na Europa”.

Um pequeno burguês democrata expõe, por sua vez, como se encaminhou para o comunismo:

— “Eu sempre fora democrata. Só por ouvir falar do terror inaudito e das atrocidades que se seguiram ao advento de Hitler é que me tornei comunista”.

E, como o presidente o interrompesse, ameaçasse, dizendo que tais expressões poderiam custar-lhe a vida, retruca altivamente:

— “Estou pronto para sofrer as consequências de meus atos”.

Foi perante o tribunal de Elberfeld que uma criança de 18 anos, Otto Funke, ao ouvir sua condenação a 4 anos de trabalhos forçados, exclamou:

— “Em quatro anos, não estareis mais de cima: nós é que estaremos

Podiam chover as condenações; os oficiais e os carrascos fantasiados de juízes inutilmente distribuíram trabalhos forçados e reclusão, por centenas de anos: tais acusados permaneciam irredutíveis.

Homens do povo, tiravam do povo presente sua audácia, sua força de resistência. E sua força, em compensação, decuplicava a energia do povo que tinha os olhos fixos neles.

Os trabalhadores de Wuppertal, como os de Neukoein, como os de Hamburgo, não esquecem...

EDGAR ANDRÉ

A memória de Fiete Schultze está estreitamente associada à de outro herói, tão puro quanto ele: Edgar André.

Durante o processo de Fiete Schultze, Edgar André compareceu à barra do tribunal como testemunha. À pergunta ritual do presidente:

— Não sois parente ou aliado do acusado?

Respondeu André:

— “Uma grande ideia comum nos aparentou5'.

Depois, fez o elogio do seu camarada Sendo arrastado para fora pelos guardas, voltou-se ainda uma vez para gritar a Schultze:

— “Adeus, Fiete: meus melhores desejos de felicidade!”

— “Obrigado, Edgar; o mesmo para ti”, respondeu Schultze.

Um e outro caíram sob o machado do carrasco. E a grande ideia comum que os aparenta e à qual sua brava energia tão bem serviu está mais viva do que nunca.

Edgar é também um dos militantes mais populares de Hamburgo. Também ele viu-se acusar como chefe da Frente Vermelha. Foi ele quem inventou a linguagem muda, a saudação, a do punho cerrado.

Um homem são, um forte entre os fortes. Sua bondade era proverbial. Ninguém, mais heroicamente do que ele, enfrentou o fascismo opressor. Ninguém opôs ao inimigo mais calma, mais ironia. Ninguém dominou o sofrimento e o suplício com melhor humor. Uma vida, uma morte de bolchevique.

Filho de pequenos artesãos de Aix-la-Chapelle, operário da constrição civil, foi alistado durante a guerra. Feito prisioneiro na frente francesa, adere, de volta, ao Pari ido social-democrata. Julga-o e abandona-o. Em 1922, ei-lo feito comunista. Em 1925 confiam-lhe em Hamburgo a direção da Frente Vermelha dos Antigos Combatentes. Em 1929, para grande alegria dos hitleristas, o ministro social-democrata Sévering interditava essa organização de defesa. André milita, então, no movimento sindical, entre os marinheiros? estivadores, entre i s desempregados. Ninguém é mais temido, mais detestado do inimigo, a quem desfecha rudes golpes.

Em várias ocasiões, os nazis querem acabar com esse a quem apelidam de “general vermelho”. Atraem-no a uma armadilha: ele vai acompanhado de marinheiros e defende-se vitoriosamente. Outros atentados fracassam. Um dia, seu amigo, Ernst Henning, deputado, como ele, no Parlamento de Hamburgo, é atacado por três nazis, que o tomam por André. Henning é morto. Os assassinos são recompensados. Sob as janelas de sua mulher alguém canta: “André! André! Agora é tua vez!”

Recusa esconder-se. Milita. A 3 de março de 1933, é preso. Não se larga um tal refém. Seguram-no, segregam-no. Foi retido por mais de 3 anos e, depois do processo de 2 de maio, suprimiram-no.

— “Nosso Edgar, dizia Thaelmann, que o conhecia e era conhecedor de homens!, que vontade, que espírito claro e são!”

Edgar na prisão. Seu sorriso “claro e são, seu sorriso irônico, seu sorriso forte, que domina o carrasco, reconforta sua mulher, seus companheiros de cadeias, seus irmãos de luta. A tortura não vence seu sorriso, sua fé, sua saúde poética, seu extraordinário equilíbrio. E, não obstante, nada foi poupado para quebrá-lo; seu corpo foi supliciado a tal ponto que esse homem alto, sólido, esportivo, não é senão uma sombra de si mesmo. Ensurdece. Seus cabelos embranquecem. Mas cerra os dentes e cala-se. ‘Vês? — diz à sua mulher sorrindo — olha para isto, é a alegria do vencedor! Mas eu posso suportar muitas coisas, muito mais do que os que me querem abater’”. Longe, porém, de deixar-se abater, alimenta a confiança e a coragem de seus camaradas. Isolado de todos, encontra meio de forçar o silêncio, de romper o isolamento.

Um dia, tem conhecimento de que um espião se infiltrou nas fileiras do Partido, do comité de desempregados: Willy Kaiser. Em sua cela, ergue-se até as grades da claraboia e todos os detidos o ouvem gritar: “Atenção! Atenção! É Edgar André quem vos fala! Camaradas, Willy Kaiser é um espião!” Arrisca-se a um aumento de tortura; mas seus camaradas estão avisados.

Noutro dia, enquadrado por guardas, André, ferido por todo o corpo, apoia-se em muletas no corredor da prisão. Encontra um grupo de novos detidos políticos, alinhados militarmente. Dirige-se a eles coxeando e ordena: — “Alinhamento pela esquerda!” Todos obedecem-lhe à voz de comando. — “Obrigado, camaradas, diz-lhes; vejo que nada foi esquecido”. Os guardas o arrastam. Mas os camaradas compreendem o que significa, sob a forma de brincadeira, a palavra de ordem “alinhamento pela esquerda”. E essa palavra circula por todas as prisões hitleristas.(11)

Como vergar um tal homem? Estava muito libado às massas às quais tanto servira, que hesitaram em fazer-lhe processo político. Pensam em desacreditá-lo portanto, isolá-lo acusando-o de crime comum: será mais fácil para condená-lo à morte.

Assim é que o acusam de “200 anos de terror comunista” cometidos de 1927 a 1932! Acrescenta-se ao assassínio e à tentativa de assassínio a ritual “preparação para alta traição”, punida com a morte por leis aplicadas retroativamente...

A 7 de setembro de 1931, no quarteirão hamburguês de Sternschonze, o chefe do grupo S.A. Dreckmann, era morto no decorrer de uma desordem: apresentam-no como vítima dos comunistas e sua morte é atribuída ao “general vermelho”. Na verdade, nesse dia, os comunistas desfilavam pacificamente, com autorização da polícia. Os nazis atacaram-no e foram eles que provocaram a rixa. Em todo caso, André nada tinha que ver com isso. Testemunhas refugiadas no estrangeiro ofereciam-se para prestar depoimento sob juramento.

Acusava-se André de ter continuado como chefe regional da Associação de Combatentes Vermelhos que tinha sido dissolvida. Não era verdade e as testemunhas emigradas indicaram o nome dos dirigentes verdadeiros, os quais confirmaram.

Acusava-se André de ter tomado parte nos incidentes sangrentos de Altona, que tinham custado a vida de 16 operários e a 2 nazis. Ora, tinha ficado demonstrado por inquérito, que, ainda aí, os nacional-socialistas é que tinham organizado a agressão. Melhor ainda: para vingar suas duas vítimas, os juízes hitleristas já tinham feito executar 4 trabalhadores.

Acusava-se de excitação ao terror o homem que todo Hamburgo conhecia como o adversário mais determinado do terror individual

Na verdade, queria se fazer com que Edgar André pagasse pela justa popularidade que tinha adquirido, defendendo os interesses dos operários, dos desempregados, das classes médias, popularidade que tinha posto ao serviço do comunismo.

Foi a 4 de maio de 1936, que começaram os debates: duraram perto de 10 semanas. Nenhum outro advogado senão o defensor ex-officio. Um defensor escolhido? Nem pensar nisso: seria um adversário a mais..“Diante de um tribunal como este”, disse a sua mulher, '“um advogado não pode defender-nos como o desejaríamos, porquanto não estaria convencido. Isto seria jogar dinheiro pelas janelas. No momento presente, todo comunista deve apresentar sua própria defesa. E eu o farei, pode estar certa disso”.

Na verdade, a defesa de Edgar André classifica-se entre as mais exemplares que já se ouviram. O discípulo de Dmitrov mostrou-se digno do mestre. E o povo de Hamburgo, aglomerado perante o edifício em que funcionava o tribunal não dissimulou sua simpatia ardente, como a testemunha a companheira de André. Até no público, que foi admitido na sala de audiência, escolhido a dedo, não houve quem não manifestasse respeito pelo herói.

Era de supor-se que ele estivesse alquebrado por três anos de isolamento, de torturas, de sofrimentos físicos e morais. Não o estava de modo algum. Os carrascos é que tinham quebrado seus esforços de encontro a ele. Só tinha diminuído quanto ao corpo. Mas tinha conservado o sorriso como a própria imprensa fascista concordava:

“Conhecíamos, diz o Hamburger Tageblatt, pelas manifestações de rua dos últimos anos, esta silhueta de roupas gastas, de cache-nez em volta do pescoço. O aspecto deste homem mudou completamente, porém conserva seu sorriso irônico...”

No interrogatório, Edgar trava o combate político. Afirma com força que o terror individuai é peculiaridade não de seu Partido, que o condena, mas dos nacional-socialistas.

— “O Partido Comunista e seu ‘Comitê Central’ eram hostis ao terror individual, não obstante, esse método tenha sido aplicado por nossos inimigos, os nacional-socialistas. Éramos e somos adversários do terror individual, porque sua aplicação impede de mobilizar as massas, porque isola das massas”.

O presidente Rot interrompe-o porque semelhante tom “é inadmissível por parte de um acusado”. Nesse tom, que André vai levantar cada vez mais, é que refutará, acusará a acusação!

Edgar não diz menos do que deve dizer: relativamente a isso, entre duas interrupções, fala brevemente. As vezes, uma simples pergunta que fere no ponto:

— “Quem matou meu amigo, o deputado Henning? Os comunistas ou os nacional-socialistas?”

Raiva tardia do presidente, que rosna:

— “Advirto-o, pela última vez; não se deve falar, aqui, de coisas que nada têm com o processo”.

Nada intimida Edgar, nada detém seus ataques precisos.

Mostra que a refrega de Sternschonze foi obra de uma agressão nazi.

— “Passai a vista, exclama, com sua voz ardente, pelos jornais dessa época. Percorrei os inquéritos da polícia. Perguntai pelo resultado das buscas efetuadas em casa dos cidadãos de Hamburgo. Quando uma coisa é preta, não é branca!”

Prova que, no dia em que se verificou a desordem de Gastgocht (26 de janeiro de 1931), na qual pretendem implicá-lo, ele estava alhures.

Demonstra que não participou do “domingo vermelho” de Altona, e o procurador é forçado a convir.

Quanto ao seu papel de dirigente na Associação, dissolvida, dos Combatentes Vermelhos, o tribunal recusa-se a tomar em consideração as negativas dirigidas pelas testemunhas refugiadas fora da Alemanha. Recusa-lhes o salvo-conduto indispensável para o seu depoimento. O famoso princípio de “responsabilidade moral” dispensa a justiça hitlerista de toda aparência de objetividade!

Como Dmitrov, como Fiete Schultze, Edgar André pede, em vão: que o chefe de seu Partido Ernst Thaelmann, seja ouvido. Mas o tribunal não quer ouvi-lo.

Um dia, André aparteia o procurador e interpela-o rudemente:

— “Por que não se faz outra coisa senão girar em torno do principal? Sabeis perfeitamente que as acusações lançadas contra mim não têm fundamento. Dizei, então, aonde está fundo da questão! Dizei francamente que me quereis suprimir porque lutei pela causa da classe operária, porque defendi e defenderei o Partido Comunista até a última pota de meu sangue”.

Edgar sabia que, de todos os países, cartas e telegramas afluíam exigindo sua absolvição ao tribunal. Durante o depoimento de sua companheira, ela viu o oficial de justiça levar um pacote ao presidente que, com um gesto de cólera, o afastou.

— “Lancei, diz ela, um olhar rápido para Edgar, vi qui ele sorria pelo canto dos lábios. Estávamos entendidos.(12)

Desde o princípio de sua declaração final, tal como no-la trouxe Marta Berg-André, ele alude a essa intervenção dos povos:

— “Senhores, o poeta alemão Goethe disse que a vitória está garantida para aquele que tem razão e pratica a paciência. Eu pratiquei a paciência: meus quarenta meses de cativeiro testemunham-no, assim como a penosa detenção celular durante a qual fui submetido aos piores tratamentos.(13) Tenho o direito por mim. Esta não é apenas minha opinião; e a do mundo inteiro: as inumeráveis cartas vindas de todos os países e que aqui se amontoam em cima desta mesa são prova disso. Tenho, portanto, que vencer”.

Como esboçasse a evolução de sua vida política e entendesse falar em nome de seu Partido, em primeiro lugar, e, secundariamente, em seu próprio nome, o presidente proíbe-o de defender-se politicamente.

— Inclino-me perante a autoridade, retruca Edgar não sem altivez, porquanto a força prima sobre o direito, mas não tenho absolutamente a intenção de descer as armas e de ceder o terreno sem combate. Não posso, todavia, apresentar minha defesa a sério. A seriedade devo-a a meu Partido. Devo-a a mim mesmo”.

Demole um a um todos os itens da acusação frágil. Protesta energicamente contra o emprego dos espiões como testemunhas de acusação, contra a recusa apresentada pelo tribunal para audição das testemunhas de defesa residentes no estrangeiro, contra a conservação na prisão dos que foram pregos como consequência de seu depoimento.

Podem chover as chamadas à ordem. Ele prossegue, leva para a frente a ofensiva. Se há um complot, onde se deve procurá-lo?

— “Acusam-me de ter tramado um complot e querem fazer-me responsável por ato que não cometi. Se se quer falar de complot, que se traga, em primeiro lugar, ao banco dos acusados, o chefe dos S. A., Bockenhauer, cujos homens mataram Henning”.

E vem, então, a inolvidável conclusão, que todos os trabalhadores de Hamburgo, que todo e povo alemão ouviu e conservará de memória:

— “Senhores, se o procurador-geral vos pediu para mim a degradação cívica, a mim cabe dizer-vos isto. Vosso sentimento de honra não é o meu e meu sentimento de honra não é o vosso. Separa-nos toda uma concepção do mundo. Não pertencemos à mesma classe. Existe um abismo entre nós. Se, para vós, o impossível pode se tornar possível, se, para vós, um militante inocente pode ser enviado ao cepo da execução, estou pronto. Não quero perdão! Militante vivi, militante morrerei, gritando uma última vez: Viva o comunismo!”

Depois de vários dias de deliberação, foi a 10 de junho que o tribunal pronunciou a sentença de morte. Nesse dia, na sala de audiência, havia gente chorando. Edgar nem mesmo obteve permissão de rever, uma última vez, sua mulher. Esta relata que, na rua, desconhecidos apertavam-lhe a mão, arriscando a própria liberdade; um velho operário social-democrata disse-lhe que morreria de boa vontade, no lugar ao Edgar, se fosse possível, assim, salvar-lhe a vida; e um membro dos SS manifestou-lhe sua simpatia ao seu modo.

Nada de perdão! Tal o motivo central das últimas cartas de Edgar “Não quero perdão, o que quero é o meu direito... A morte nunca me fez medo. Nem hoje me apavora. Uns morrem em sua cama, outros no campo de batalha. Não é preciso ser grande filósofo para saber morrer com dignidade”. Recomenda a sua mulher que seja alegre e satisfeita. Continua a estimular a coragem de seus camaradas.

Só resta um recurso: a revisão. O mundo inteiro a espera. Um fato novo, um golpe teatral da corpo imprevisto a essa esperança: uma das principais testemunhas de acusação retrata-se:

— “Não só, declara ela, André não desempenhou o papel provocador na desordem de Sternschonze, como, ao contrário, tudo fez para que o choque fosse evitado”

É possível recusar a revisão? Juristas, professores, os sindicatos da França, da Inglaterra, dos outros países, a solicitam. Depois, ficamos na expectativa... Um belo dia, sabe-se que, a 4 de novembro, Edgar foi decapitado. A política hitlerista do fato consumado. Por todo o mundo se ouviu um grito de dor e de cólera, um grito de angustia por Thaelmann.

Edgar André não existe mais. Mas seu apelo, como três anos antes o apelo de Dmitrov, realizou, em seu nome, sob seu sorriso heroico, a unidade popular.

Edgar André não existe mais. Mas o impulso de solidariedade suscitado por sua defesa e a vaga de indignação que fez se erguerem os povos à notícia de seu assassinato judiciário, não foram perdidos.

Concedendo o Premio Nobel a Karl von Ossietski, foi a Alemanha da paz, foram os inumeráveis mártires da paz, que sofrem e morrem aos golpes dos incendiários e do agressores do III Reich, que o mundo civilizado achou que devia apoiar em sua luta. E foram as cruzadas da cruz gamada que receberam essa bofetada internacional.

Na própria Alemanha, o fascismo hitlerista, cujos cordéis os negociantes e os exportadores de morte manejam à vontade, sente restringir-se sua base: o povo quer comer coisa diferente de judeu ou bolchevique. Exige manteiga: dão-se-lhe festas militares e canhões. E, nas próprias usinas de guerra, os ruídos que se ouvem não são apenas a voz das máquinas!(14)

Edgar André! Fiete Schultze! Rudolph Klaus! August Luttgens! E tantos outros que tombaram obscuramente na frente alemã da liberdade e da paz!

Honra a esses heróis puros entre todos e cuja grandeza não foi ultrapassada. E a Alemanha popular, autêntica, a Alemanha de Goethe e de Beethoven, de Hegel e de Heine, de Marx e de Thaelmann, não se contenta com conservar piedosamente sua memória, medita seu exemplo, desperta ao seu chamado e injeta o sangue deles nos seus muculos.


Notas de rodapé:

(1) Este capítulo foi escrito antes da guerra da Espanha. Convir-se-á que os acontecimentos atuais, particularmente o papel do eixo Roma-Berlim, a assinatura do Pacto Anti-Comitern, a invasão de um país republicano pelas unidades italianas e pelos “técnicos” alemães, só fizeram confirmar, e muito, essa utilização do slogan “guerra ao comunismo!” como instrumento de política externa e de agressão internacional. (retornar ao texto)

(2) Foi Augusto Luttgens, de Hamburgo, que, com a cabeça em cima do cepo, gritou aos seus camaradas presentes à execução: “Morro pela revolução proletária. Frente Vermelha!” (retornar ao texto)

(3) Sede do Partido Comunista alemão em Berlim. (retornar ao texto)

(4) Stefan Priacel: Au nom de la loi..., ps. 47 e segs. E.S.I., 1936. (retornar ao texto)

(5) Liga Espartaco, fundada por Karl Liebknecht. (retornar ao texto)

(6) Idem, p. 54. (retornar ao texto)

(7) Idem, p. 56. (retornar ao texto)

(8) Idem, p. 57. (retornar ao texto)

(9) Idem, p. 58. (retornar ao texto)

(10) Idem, p. 59. (retornar ao texto)

(11) Ao aproximar-se o fim do seu processo, recebe a visita de uma delegação belga. Prescrevem-se-lhe as respostas que deve dar. Vigiam-no de perto. Como Thaelmann, força a ordem e revela aos delegados as torturas infligidas pela Gestapo. Os povos livres, tomados como testemunhas, serão informados, mobilizados. (retornar ao texto)

(12) Edgar André, meu companheiro de vida e de luta. Martha Berg-André. Novembro de 1936. (retornar ao texto)

(13) Nisso o presidente ameaça-o de tirar-lhe a palavra. (retornar ao texto)

(14) O desenvolvimento dessa surda oposição, desse movimento anti-hitlerista nas massas, exerceu, a partir do processo de Leipzig uma influência notável sobre a atitude e a defesa de certos acusados não revolucionários, que, noutras condições, teriam, sem dúvida, como no início do regime, capitulado: assim é que podemos saudar a coragem dos padres católicos, tais como o cônego Rossaint, e protestantes, como o célebre pastor Niemoeller. (retornar ao texto)

Inclusão: 05/06/2020