Resolução sobre o Fascismo
Comitê Executivo da Internacional Comunista

Clara Zetkin

23 de junho de 1923


Primeira Edição: Esta resolução, de autoria de Clara Zetkin, foi adotada dia 23 de Junho de 1923, pelo Terceiro Plenário Geral do Comitê Executivo da Internacional Comunista. Mais tarde, foi reimpresso em língua inglesa na versão editada por Mike Taber e John Riddell do livro “Fighting Fascism: How to Struggle and How to Win” (Heymarket Books, 2017).

Fonte: Como nasce e morre o fascismo, 2019, São Paulo, Editora Usina e Autonomia Literária

Tradução: Eli Moraes

Revisão: Paulo César Carvalho

Transcrição: Aldo Cordeiro Sauda

HTML: Fernando Araújo.


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O fascismo é sintoma característico de decadência deste período, uma expressão da dissolução da economia capitalista que está em andamento e da decomposição do Estado burguês.

O fascismo está enraizado, sobretudo, no impacto da guerra imperialista e da elevada e acelerada desarticulação da economia capitalista por ela causada, sobre amplas camadas da pequena e média burguesia, dos pequenos camponeses e da “intelligentsia”. Esse processo arruinou as esperanças dessas camadas ao demolir suas condições de vida anteriores e o grau de segurança do qual gozavam até então. Muitos estão ainda desiludidos no que diz respeito às suas vagas expectativas de profundas melhorias sociais a serem promovidas pelo socialismo reformista.

Os líderes reformistas dos partidos e sindicatos traíram a revolução, capitularam ao capitalismo e formaram uma coalização com a burguesia no intuito de restaurar a dominação e exploração de classe como no passado. Fizeram tudo isso sob o estandarte da “democracia”. Como resultado, esse tipo de “simpatizante” do proletariado foi levado a duvidar do socialismo em si e de sua capacidade de emancipar e renovar a sociedade. A imensa maioria do proletariado de fora da Rússia soviética tolerou essa traição com um medo apático frente à luta e se submeteu à sua própria exploração e escravidão. Entre as camadas em efervescência no interior da pequena e média burguesia e da intelectualidade, isso despedaçou qualquer confiança na classe trabalhadora como um poderoso sujeito de uma radical transformação social. A eles se juntaram muitas forças proletárias que buscavam e demandavam por ações e estão insatisfeitas com a conduta de todos os partidos políticos. Além disso, o fascismo atraiu uma camada social, os ex-oficiais, que perderam suas carreiras ao fim da guerra. Agora, sem qualquer renda, eles estavam desiludidos, desarraigados, arrancados de suas raízes de classe. Isso é especialmente verdadeiro quando se trata das Potências Centrais derrotados na primeira guerra [Alemanha e Austro-Hungria], nos quais o fascismo assume uma forte coloração antirrepublicana.

Sem entendimento histórico, nem educação política, os bandos fascistas, socialmente heterogêneos e apressadamente reunidos, esperam que tudo seja corrigido pelo Estado que é sua própria criação e ferramenta. Supostamente se elevando acima das classes e partidos, este Estado executaria seu programa confuso e contraditório, seja em acordo ou desacordo com a legalidade burguesa, seja através da “democracia” ou por meio de um ditador.

No período de efervescência revolucionária e insurreição do proletariado, o fascismo flertou em algum grau com as reivindicações do proletariado revolucionário.

As massas que seguiam o fascismo vacilaram entre os dois exércitos que expressam a principal contradição entre classes e a luta entre elas no plano global da história. No entanto, após o capitalismo ter sido reafirmado e a burguesia retomar uma ofensiva geral, o fascismo posicionou-se firmemente ao lado da burguesia, um compromisso mantido por seus líderes desde o início.

O desenvolvimento do fascismo na Itália expressa a inabilidade do partido e dos sindicatos em utilizar as ocupações de fábricas de 1920 para elevar a luta de classe proletária. A vitória fascista obstrui violentamente qualquer movimento dos trabalhadores, mesmo aqueles por reivindicações salariais simples e não-políticas. A vitória fascista na Itália incentiva a burguesia de outros países a imobilizar o proletariado de maneira semelhante. A classe trabalhadora de todo o mundo está ameaçada a ter o mesmo destino de seus irmãos italianos.

Contudo, o desenvolvimento do fascismo na Itália também apresenta algo próprio. O fascismo tem um caráter contraditório e carrega os fortes elementos de sua desarticulação e dissolução ideológica e política dentro de si. Seu objetivo é reformar o velho Estado “democrático” burguês, transformando-o em um Estado fascista baseado na violência. Ele desencadeia conflitos entre a velha burocracia já estabelecida e a nova de tipo fascista; entre o exército permanente com seu corpo de oficiais e a nova milícia com seus líderes; entre as políticas violentas dos fascistas para a economia e o Estado e os remanescentes burgueses liberais e democráticos; entre os monarquistas e os republicanos; entre os verdadeiros fascistas (os camisas negras) e os nacionalistas recrutados ao partido e sua milícia; entre o programa original do fascismo, o qual enganou as massas e conquistou a vitória, e as políticas fascistas do presente, que serviram aos interesses dos capitalistas industriais e, sobretudo, da indústria pesada, que foi sustentada artificialmente.

O que sustenta a esses e outros conflitos, todavia, são conflitos econômicos e sociais insuperáveis e irreconciliáveis entre diferentes camadas sociais capitalistas: entre a grande burguesia e a pequena e média burguesia, assim como os pequenos camponeses e a intelligentsia. E impondo-se sobre todos, encontra-se maior de todos os conflitos econômicos e sociais: o conflito de classes entre burguesia e proletariado.

Os conflitos apontados já encontraram expressão na falência ideológica do fascismo, através da contradição entre o seu programa e a maneira como ele foi executado. A resolução desses conflitos pode ser contida temporariamente por bandos armados organizados e pelo terror sem limites. No entanto, esses embates terminaram por encontrar sua expressão nas forças armadas e esmagarão o fascismo.

A vanguarda revolucionária do proletariado não pode contemplar passivamente a desintegração do fascismo. Ao contrário, seu dever histórico consiste em precipitar e promover esse processo consciente e ativamente. O fascismo agrupa forças revolucionárias confusas e inconscientes, que devem ser levadas a se unir à luta de classe proletária contra a dominação e a exploração violenta da burguesia. A derrota militar do fascismo precisa separada por sua superação ideológica e política.

A vanguarda revolucionária consciente da classe trabalhadora têm a tarefa de tomar para si a luta contra o fascismo vitorioso na Itália e o fascismo que começa a tomar forma em todo o mundo. Ela deve desarmar e sobrepujar o fascismo politicamente e organizar a autodefesa dos trabalhadores contra as suas ações violentas com intensidade e efetividade. Uma estrutura especial para dirigir esta luta deve ser formada em todos os países, constituída pelos partidos e organizações dos trabalhadores, quaisquer que sejam seus pontos de vista.

Com este fim, são propostas as seguintes tarefas:

  1. – Reunir informações sobre o movimento fascista de todos os países.
  2. – Educação metódica da classe trabalhadora sobre o caráter de classe hostil do movimento fascista realizada por meio de artigos na imprensa, panfletos, cartazes, assembleias etc.
  3. – Educação metódica das massas recém-proletarizadas, ou ameaçadas pela inevitável proletarização, a respeito de sua condição e o papel do fascismo de assistente do capitalismo de grande escala;
  4. – Organização de lutas defensivas da classe trabalhadora através da formação e do armamento de contingentes de autodefesa. Dado que os fascistas concentram-se em fazer propaganda entre a juventude e que a juventude trabalhadora deve ser atraída à frente única, jovens maiores de dezessete anos devem estar agrupados nos mesmos contingentes combatentes, baseados em unidades fabris. Comissões de controle dos trabalhadores devem ser organizadas para impedir o transporte dos bandos fascistas e de suas armas. As tentativas fascistas de aterrorizar os trabalhadores e impedir qualquer expressão de sua atividade de classe devem ser impiedosamente derrubadas.
  5. – Trabalhadores de todas as opiniões devem ser atraídos para esta luta. Todos os partidos, sindicatos e organizações de massa proletárias devem ser convocadas para se engajar na defesa comum contra o fascismo.
  6. – É necessária uma luta contra o fascismo no parlamento e em todas as instituições públicas. Deve ser empregada uma forte ênfase na natureza imperialista e arquichauvinista do fascismo, que elevam os riscos de novas guerras internacionais.

II

As forças fascistas estão se organizando internacionalmente, e a luta dos trabalhadores contra o fascismo também deve ser organizada em escala mundial. Para este fim, um comitê internacional dos trabalhadores precisa ser criado. A sua tarefa é trocar experiências e organizar ações internacionais, sobretudo contra o fascismo italiano e seus representantes no estrangeiro. Esta luta inclui as medidas que seguem:

  1. – Uma campanha de educação internacional realizada através de jornais, panfletos, cartazes e comícios sobre a total hostilidade da direção do fascismo italiano em relação aos trabalhadores e a sistemática destruição de todas as suas organizações e instituições.
  2. – A organização de massivos comícios e manifestações internacionais contra o fascismo e contra os representantes do fascismo italiano no estrangeiro.
  3. – A luta parlamentar. Exigir do parlamento, frações parlamentares dos trabalhadores e organizações internacionais dos trabalhadores que enviem comissões para a Itália com a função de averiguar as condições da classe trabalhadora no país.
  4. – Lutar pela imediata libertação de trabalhadores comunistas, socialistas ou sem partido detidos ou encarcerados.
  5. – Organização de um boicote internacional de todos os trabalhadores contra a Itália. Recusar-se a enviar carvão para a Itália. Todos os trabalhadores dos transportes devem se recusar a carregar e transportar bens para a Itália ou oriundos dela, e assim por diante. Para esse fim, criar um comitê internacional de mineiros, marinheiros, ferroviários e trabalhadores do transporte de todos os ramos.
  6. – Apoio material e moral para a perseguida classe trabalhadora italiana por meio de coleta de fundos, acomodação de refugiados, apoio para seu trabalho no estrangeiro, etc. Expandir o Socorro Vermelho Internacional para realizar esse trabalho(1). Envolver as cooperativas de trabalhadores neste trabalho de assistência.

Deve ser trazido à atenção dos trabalhadores que o destino da classe trabalhadora italiana também será o seu, a não ser que o fluxo das forças com menor consciência de classe rumo ao fascismo seja bloqueado por uma vigorosa luta revolucionária contra a classe dominante. As organizações dos trabalhadores, portanto, devem demonstrar grande energia em sua ofensiva contra o capitalismo, na proteção das amplas massas de produtores contra a exploração, a opressão e a usura. Dessa maneira, elas irão contra- por a real luta de massas organizada contra as palavras de ordem revolucionárias falsas e demagógicas do fascismo. Além disso, elas devem derrubar as primeiras tentativas de organização do fascismo em seus próprios países, lembrando que o fascismo na Itália e internacionalmente pode ser melhor resistido através de intensa luta contra ele no seu próprio país.


Notas de rodapé:

(1) O Socorro Vermelho Internacional, estabelecido pela Comintern ao fim de 1922, defendia prisioneiros de guerra membros da classe trabalhadora ao redor do mundo. Clara Zetkin assumiu a sua presidência a partir de 1925. (retornar ao texto)

Inclusão: 01/09/2020