1935: Assim se Conta a História
(A Verdade Sobre 35)

João Amazonas


Fonte: Revista Princípios, nº. 31.
HTML: Fernando A. S. Araújo, Dezembro 2007.
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O movimento libertador antifascista de 1935 tem um lado positivo, e mesmo glorioso. Tem também seu lado negativo. Mas reportagem do Estadão distorce sua história.

No velho e surrado estilo do anticomunismo primário, William Waack, jornalista do Estadão, publicou longa reportagem, que já transformou em livro, de revelações que seria obtido nos arquivos secretos de Moscou. As revelações concentram-se especialmente nos acontecimentos revolucionários de 1935 no Brasil, que teriam sido obra diabólica da Internacional Comunista (IC). Superficial, repete antigos chavões da propaganda reacionária sobre o ouro de Moscou, as ordens de Moscou, a espiononagem soviética, tramando rebeliões comunistas na América Latina. Faltou apenas dizer que havia comprovado também dados reais de que os comunistas comiam criancinhas. . .

A reportagem, com pretensão de pesquisa histórica, peca pela base. Não faz exame da realidade política da época e também do caráter e do papel que jogavam os organizações revolucionárias. Suas conclusões são preconceituosas, adaptadas à campanha que o capitalismo selvagem promove contra o socialismo científico. O jornalista pinça ao acaso fatos isolados e faz deduções estapafúrdias.

Segundo ele, Prestes teria pago verdadeira fortuna para ingressar no movimento comunista internacional. Quem pode acreditar nessa balela? Nem Prestes era pessoa desse gênero, nem a Internacional adotava semelhante procedimento. O movimento comunista nunca foi balcão de negócios, nele ingressavam unicamente revolucionários convictos. Ao afirmar que a rebelião militar de novembro de 35 fora ordenada por Moscou, apresenta como prova um pretenso telegrama com a assinatura dos oito principais dirigentes da IC: É simplesmente irrisório atribuir a uma organização revolucionária experiente como a IC tão estúpida ingenuidade. A veracidade da documentação consultada torna-se suspeita quando o jornalista diz que “Prestes enviou João Amazonas a Moscou, em 1949, com a denúncia de que Ghioldi não se comportara como revolucionário ao ser preso no Brasil”. A informação é inteiramente falsa. Amazonas viajou, pela primeira vez, à União Soviética, em junho de 1953, três meses depois da morte de Stálin. E nunca foi portador de denúncia contra o comunista argentino. Se existe no arquivo secreto tal indicação, quem teria interesse em incluir o nome de Amazonas nesse repositório cekpetho (secreto) matreiramente aberto a investigadores facciosos?

1935 não chega a ser mistério, nem fruto de manipulação estrangeira, como sugere W. Waack. Surge com o formidável ascenso da luta revolucionária no mundo, contrapondo-se ao nazi-facismo. Séria ameaça a todos os povos. A Aliança Nacional Libertadora (ALN), que teve apenas alguns meses de atuação legal, nasceu do sentimento libertador e antifacista do povo brasileiro.

Precocemente derrotado e com graves seqüelas na vida do país, o movimento aliancista merece um exame criterioso. Vale a pena, como contribuição à história, descrever certos fatos que não são ainda do conhecimento público. Neles teve realce a figura legendária de Prestes.

Antigo caudilho militar, obstinado e crente de que seu prestígio influenciava fortemente as Forças Armadas, sem nenhuma experiência de atuação comunista, desempenhou papel de certo modo negativo nos acontecimentos de 35. Seu nome contava com muitas simpatias no Brasil devido à epopéia da grande marcha da Coluna. Merecia o respeito de seus concidadãos. Todavia, suas idéias sobre a luta revolucionária deixavam muito a desejar. Era voluntarista ao extremo.

Desde 1931 na União Soviética, Prestes trabalhava como engenheiro civil na construção de casas populares e tratava de compreender o socialismo. Queixava-se de que seus interlocutores dificultavam sua aproximação dos altos dirigentes soviéticos. Em 1934, com o vigoroso crescimento da luta antifascista, sobretudo na Europa, julgou ser chegado o momento de regressar ao Brasil e pôr em prática um projeto revolucionário.

Acalentado esse ideal, pediu e conseguiu uma audiência com o secretário da IC, Manuilsky. Após longa exposição de que tinha todas as condições para fazer vitoriosa a revolução no Brasil, logrou convencê-lo. Seus argumentos e seu passado de lutas impressionaram favoravelmente. Como não contava com base de apoio organizado no Brasil — o Partido Comunista era pequeno e não lhe inspirava suficiente confiança — solicitou ajuda do movimento internacional para viajar e instalar-se no Rio de Janeiro. Reivindicou, também, uma assessoria política.

A IC ajudou-o no que pôde. São verdadeiros os nomes de estrangeiros citados por W. Waack que estiveram no Brasil. De resto, bastante conhecidos, amplamente divulgados pela polícia e pela imprensa brasileira. Não eram mercenários ou espiões. Aqui chegaram com o nobre objetivo de ajudar a luta do nosso povo para libertar-se da espoliação imperialista. Entre outros destaca-se Arthur Ewert (Harry Berger), antigo deputado alemão, com bastante experiência política, inclusive no movimento revolucionário da China, onde estivera durante certo tempo.

O plano de Prestes, idealista, calcado nas melhores intenções, era frágil e inconseqüente. Apresentava lacunas indesculpáveis. A começar por sua própria instalação no Rio, realizada por adventícios que desconheciam o País, nem ao menos falavam o português. As relações com o PCB eram precárias, o Partido não chegava a influir na orientação do caudilho.

Muitos erros foram cometidos. Prestes, na época, tinha uma visão puramente militar do movimento revolucionário, confiava acima de tudo no seu prestígio pessoal e na experiência da Coluna. Isso levava a uma compreensão sectária e voluntarista, que se manifestou repetidamente. A Aliança Nacional Libertadora havia lançado, desde sua fundação, a palavra-de-ordem: “Governo Popular Revolucionário”. Sob influência do prestismo, acrescentou-se a esse slogan: “Com Prestes à frente”. Importantes personalidades políticas, descontentes com o adendo, abandonaram a Aliança que, no entanto, continuou crescendo porque o nome de Prestes era popular.

Em agosto de 1935, Getúlio Vargas, induzido por fontes estrangeiras, pôs a ANL na ilegalidade. Discutiu-se em círculos estreitos o rumo que devia tomar movimento. Prestes defendeu que a ANL, a partir da ilegalidade, devia orientar-se para a preparação da luta armada, em curto prazo, com apoio nos quartéis. Essa orientação foi contestada por Arthur Ewert, representante da IC. Ele era de opinião que o movimento aliancista precisava voltar-se para o campo, ganhar as massas camponesas, sem o que a insurreição fracassaria. O documento que continha essa opinião de Ewert foi publicado, mais tarde, no Brasil.

Em novembro de 35, espontaneamente, e sem maior preparação, deu-se a sublevação de Natal, vitoriosa durante poucos dias. Em Pernambuco, repetiu-se o levante militar, façanha que celebrizou Gregório Bezerra, também de curta duração. Tudo indicava, após as duas derrotas, uma retirada em ordem. A precipitação comprometera irremediavelmente o êxito de operações em maior escala. Mas Prestes insistiu (a ordem foi sua, e não de Moscou) no levante do 3º RI, da Praia Vermelha, no Rio.

Nessa ocasião, o quartel já estava cercado pelas forças do governo, e os oficiais comprometidos com o levante, encarcerados. Ainda assim cumpriu-se a ordem. Heroicamente, o quartel do 3º RI foi dominado. Mas os insurretos, entre os quais o capitão Agildo Barata, não conseguiram sequer sair à rua. Malogro inevitável. Não houve, em todo o País, nenhuma manifestação revolucionária de massas em apoio aos quartéis sublevados. O Partido ficou à margem do movimento insurrecional. Não estava preparado politicamente para isso, embora tivesse sido o grande impulsionador da Aliança Nacional Libertadora.

Com o fracasso, abateu-se feroz repressão sobre o País que durou quase uma década, atingindo seriamente o Partido. A direção nacional foi aniquilada por vários anos. Somente reconstituiu-se em 1943, na Conferência da Mantiqueira.

Assim se conta a história de 35. Apesar dos erros, nosso Partido não condena as lutas heróicas daquela época. As rebeliões militares foram o primeiro pronunciamento das forças revolucionárias do País. Tampouco nega a atuação de Prestes em prol da revolução. Honramos a memória dos estrangeiros que vieram ao Brasil num gesto de internacionalismo proletário. Muitos deles sofreram terríveis castigos nos cárceres fascistas de Vargas e Filinto Muller. Arthur Ewert (Harry Berger) enlouqueceu, vítima de cruéis torturas. Realçamos a figura de Olga Benário, jovem combatente de vanguarda que dedicou sua vida por inteiro à causa da revolução proletária. Fiel aos seus ideais, morreu nos fornos a gás da Alemanha hitlerista, enviada do Brasil, grávida, pelos carrascos do nosso povo.

Herdeiro das tradições combativas do velho Partido da classe operária, o PCdoB avalia a história do movimento revolucionário brasileiro, destacando a luta heróica e abnegada de milhares e milhares de militantes em favor da causa do socialismo. Ao mesmo tempo, examina os erros cometidos por falta de experiência, de maior conhecimento da doutrina marxista, por tendências alheias à concepção do proletariado revolucionário. 1935 tem seu lado positivo, até mesmo glorioso. E tem também seu lado negativo — graves equívocos que causaram prejuízos ao movimento revolucionário.

A reportagem de William Waack, distorcendo propositadamente a história do movimento libertador e antifascista de 35, precisa ser desmascarada. É mais uma tentativa de confundir a opinião pública e de isolar os comunistas, apresentados falsamente como instrumentos servis de potências estrangeiras. Toda a atividade dos comunistas brasileiros está indissoluvelmente ligada aos interesses do nosso povo e da nossa Pátria. Lutam por um Brasil independente, democrático e progressista. E visam a conquista do socialismo, que é o ideal supremo da classe operária e o futuro esplendoroso da humanidade.


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Inclusão 10/01/2008