Teses de Lyon

Projeto de teses apresentado pela Esquerda ao III Congresso do Partido Comunista da Itália

Amadeo Bordiga

1926


Fonte: Fio Vermelho — Grupo de Investigação do Comunismo Subterrâneo.

Tradução: Fio Vermelho, a partir da tradução em inglês, disponível em sinistra.net; cotejada com o original em italiano, disponível em quinterna.org.

HTML: Lucas Schweppenstette.


Nota introdutória

O texto abaixo reproduzido foi apresentado ao III Congresso do Partido Comunista da Itália, ocorrido em 1926, em Lyon, na França. Seu principal redator, Amadeo Bordiga, havia sido o primeiro secretário do Comitê Central do partido, desde a fundação deste em 1921 até o início da assim-chamada “bolchevização”, em 1924. Neste ano, a Internacional Comunista promoveu uma intervenção, ordenando que a liderança fosse entregue a Antonio Gramsci, representante da ala centrista, não obstante a ala esquerda deter uma maioria absoluta no partido: 35 das 45 secretarias federais e 4 das 5 secretarias interregionais do partido apoiaram as teses da esquerda na conferência de 1924; foi também ordenada pela Comintern uma fusão com um grupo direitista liderado por Giacinto Serrati, recém-expulso do Partido Socialista. Entre 1924 e 1926, a nova direção do partido conduziu uma violenta campanha para desalojar a ala esquerda de quaisquer cargos de direção. Tentativas da esquerda de se reorganizar, como o Comitato d’Intesa, montado em 1925 por iniciativa de Onorato Damen e Ottorino Perrone, foram esmagadas com ameaças de expulsão. Enfim, em 1926, sob condições de clandestinidade, que tornaram difícil uma grande parte dos delegados irem ao congresso, foram apresentados dois projetos de tese, um da esquerda e outro do centro, este com apoio da ala direita. Um dispositivo curioso foi aplicado: todos os delegados ausentes foram contados como votos a favor do projeto da ala centrista, que acabou aprovado.

Uma gama de importantes questões são abordadas pelos textos de Bordiga e Gramsci: a caracterização do fascismo, a avaliação da formação social italiana, a forma correta de estabelecer relações com outros partidos, como se devem organizar as células do partido, e assim por diante. Para evitar entrar em detalhes que os próprios textos esclarecem, podemos resumir a divergência com uma frase usada pelo próprio Gramsci: “Amadeo se põe do ponto de vista da minoria internacional, nós devemos nos colocar no ponto de vista da maioria nacional”. Em outras palavras, defrontam-se uma posição de classe internacionalista e uma posição de frentismo nacional, seja em nome do antifascismo, seja em nome da revolução burguesa que Gramsci julgava incompleta.

I. — Questões gerais

1. Princípios do comunismo

Os fundamentos doutrinários do partido comunista baseiam-se no marxismo, restabelecido e consolidado, por meio da luta contra os desvios oportunistas, como a pedra angular da Terceira Internacional. Tais fundamentos consistem: no materialismo dialético, como sistema de concepção do mundo e da história humana; nas doutrinas econômicas fundamentais contidas n’O Capital de Marx, como método de interpretação da economia capitalista na atualidade; e nas formulações programáticas do Manifesto Comunista, como percurso histórico e político de emancipação da classe operária mundial. A experiência magnífica e vitoriosa da revolução russa e o trabalho de Lênin como seu dirigente, na liderança do comunismo internacional, são a confirmação, a restauração e o consequente desenvolvimento desse sistema de princípios e métodos. Quem rejeita isso, mesmo que apenas em parte, não é comunista nem pode militar nas fileiras da Internacional.

Desse modo, o partido comunista rejeita e condena as doutrinas da classe dominante, desde as espiritualistas e religiosas, idealistas na filosofia e reacionárias na política, até as positivistas, do livre-pensamento voltairiano, maçônicas, anticlericais e democráticas na política.

Do mesmo modo, o partido condena certas doutrinas políticas com segmentos na classe trabalhadora, tais como: o reformismo social-democrata, que concebe uma transição pacífica e sem luta armada do poder capitalista ao poder operário, apelando à colaboração de classe; o sindicalismo, que desvaloriza a ação política da classe operária e a necessidade do partido como organização revolucionária suprema; o anarquismo, que nega a necessidade histórica do Estado e da ditadura proletária como meio de transformação da ordem social e supressão das divisões de classe. De modo igual, o partido comunista opõe-se às diversas manifestações de revolucionarismo espúrio, que tendem a garantir que essas tendências errôneas sobrevivam através de sua combinação com teses aparentemente comunistas — um perigo designado pelo então famoso termo “centrismo”.

2. — A natureza do Partido

O processo histórico de emancipação do proletariado e fundação de uma nova ordem social deriva da realidade da luta de classes. Toda luta de classes é uma luta política; isto é, tende a desembocar na luta pela conquista do poder político e pelo controle da nova organização estatal. Por consequência, a organização que conduz a luta de classes à sua vitória final é o partido político de classe, o único instrumento possível, primeiro de insurreição revolucionária e depois de governo. Dessas afirmações elementares e brilhantes de Marx, expostas por Lênin com as maiores evidências, vem a definição do partido como uma organização de todas as pessoas conscientes do sistema de opiniões em que se resume a tarefa histórica da classe revolucionária, e determinadas a agir por sua vitória. Graças ao partido, a classe operária adquire o conhecimento de seu caminho e a vontade de percorrê-lo. Portanto, nas fases sucessivas da luta, o partido historicamente representa a classe, mesmo contando com apenas uma parcela mais ou menos significativa desta em suas fileiras. Isso equivale à definição de partido apresentada por Lênin no II Congresso Mundial.

Esse conceito de Marx e Lênin contrapõe-se fortemente ao conceito requintadamente oportunista do partido trabalhista ou operário, na qual participam por direito todos os indivíduos que, por condição social, são proletários. Deixando claro que em tal partido, mesmo com uma aparência numericamente mais forte, pode — e em certas condições deve — prevalecer uma influência contrarrevolucionária direta da classe dominante (representada pela ditadura dos organizadores e dirigentes que, como indivíduos, provêm tanto do proletariado como de outras classes), Marx e Lênin não apenas lutaram contra esse erro teórico fatal, mas nunca hesitaram em romper na prática com a falsa unidade proletária — mesmo nos momentos de eclipse da atividade social do proletariado, ainda que em pequenos grupos políticos de adeptos ao programa revolucionário — para assegurarem a continuidade da função política do partido na preparação das tarefas sucessivas do proletariado. Essa é a única forma possível de se obter, no futuro, a concentração da maior parte possível dos trabalhadores em torno da direção, e sob a bandeira, de um partido comunista capacitado para a batalha e a vitória.

Uma organização imediata de todos os trabalhadores, economicamente como tais, não pode ascender às tarefas políticas, isto é, revolucionárias, uma vez que os grupos profissionais e locais, separados, sentem-se impelidos a satisfazer apenas suas necessidades parciais, determinadas por consequência direta da exploração capitalista. Somente à frente da classe operária, pode a intervenção de um partido político — definido pela adesão política dos seus membros — realizar a síntese progressiva desses impulsos particulares em uma visão e ação comuns, nas quais indivíduos e grupos conseguem superar todo particularismo, aceitando dificuldades e sacrifícios em prol do triunfo final e geral da causa da classe operária. A definição do partido como partido da classe operária tem, para Marx e Lênin, uma finalidade e um valor histórico — e não vulgarmente estatístico e constitucional.

Toda concepção dos problemas organizativos internos do partido que nos conduz de volta ao erro da concepção trabalhista revela um grave desvio teórico, na medida em que substitui uma visão revolucionária por uma visão democrática, atribuindo mais importância a esquemas utópicos de concepções organizativas do que à realidade dialética, de colisão entre as forças de duas classes opostas; isso sinaliza o perigo de uma recaída no oportunismo. Quanto à degeneração do movimento revolucionário, e aos meios de se garantir a continuidade da direção política necessária de seus membros e dirigentes, não é possível eliminar esse perigo com fórmulas organizativas; muito menos com a fórmula segundo a qual apenas os trabalhadores autênticos podem ser comunistas, o que contradiz a grande maioria dos exemplos fornecidos por nossa própria experiência, em relação tanto a indivíduos como a partidos. A garantia que mencionamos deve ser procurada em outro lugar, se não quisermos contradizer este postulado marxista fundamental: “a revolução não é uma questão de formas de organização”; o que resume todas as conquistas alcançadas pelo socialismo científico, em oposição aos principais delírios do utopismo.

A partir dessas concepções sobre a natureza do partido de classe, temos que dar uma resposta aos problemas atuais e contingentes, relativos à organização interna da Internacional e do partido.

3. — Ação e tática do partido

A questão de como o partido atua em cada situação e sobre outros grupos, órgãos e instituições da sociedade constitui a questão geral da tática, cujos elementos gerais devem ser estabelecidos em relação ao conjunto dos nossos princípios; em seguida, as diretrizes para a ação concreta devem ser definidas em relação a um conjunto de problemas práticos, particulares às fases sucessivas do desenvolvimento histórico.

Ao atribuir ao partido revolucionário seu lugar e sua tarefa na regeneração da sociedade, a doutrina marxista fornece a mais brilhante das resoluções ao problema da liberdade e da determinação na atividade humana. Referindo-se à abstração do “indivíduo”, esse problema continuará fornecendo, por muito tempo, material às elucubrações metafísicas dos filósofos da classe dominante e decadente. O marxismo situa o problema corretamente sob a luz de uma concepção científica e objetiva da sociedade e da história. Assim como está muitíssimo distante de nossa concepção a opinião de que o indivíduo é um sujeito atuante sobre o ambiente externo, deformando-o e moldando-o a seu bel-prazer, com o poder de iniciativa que lhe foi transmitido por uma virtude de tipo divino, também condenamos a concepção voluntarista do partido, segundo a qual um pequeno grupo de homens, ao forjarem uma profissão de fé, passam a difundi-la e impô-la ao mundo por meio de um esforço gigantesco de vontade, atividade e heroísmo. Por outro lado, seria aberrante e tolo ao marxismo conceber que, se o processo histórico e a revolução se desenrolam de acordo com leis fixas, só nos restaria investigar quais são objetivamente essas leis, tentando formular previsões do futuro, sem arriscar nada no campo da ação: uma concepção fatalista que equivale a negar a necessidade da existência e do papel do partido.

Com poderosa originalidade, o determinismo marxista busca não um meio termo entre essas duas concepções, mas sim superá-las. A solução dada ao problema é dialética e histórica, precisamente por não ser apriorística, mas isenta da pretensão de que uma única resposta abstrata seria suficiente para explicar todas as épocas e todos os grupos. Se o atual desenvolvimento das ciências não permite uma investigação completa das causas que levam à ação do indivíduo, a partir dos fatos físicos e biológicos que remontam a uma ciência das atividades psicológicas, ainda assim resolvemos o problema no campo da sociologia com a aplicação, como fez Marx, dos métodos de investigação próprios à ciência moderna, positiva e experimental, plenamente herdada pelo socialismo, distinta da filosofia positivista e autoproclamada materialista adotada pela classe burguesa em seu avanço histórico. Desse modo, em certo sentido, eliminamos a indeterminação do processo desenvolvido no interior de cada indivíduo, quando racionalmente consideramos as influências recíprocas entre os indivíduos, pelo estudo crítico da economia e da história, limpando o terreno de todo preconceito das ideologias tradicionais. Partindo disso, o marxismo consegue estabelecer um sistema de noções, não um evangelho imutável e fixo, mas um instrumento vivo para acompanhar e reconhecer as leis do processo histórico. Esse sistema tem como base as descobertas de Marx sobre o determinismo econômico, em que o estudo das formas e relações econômicas e do desenvolvimento dos meios técnicos de produção oferece a plataforma objetiva sobre a qual se pode basear solidamente a descrição das leis da vida social e, até certo ponto, a previsão de seu desenvolvimento seguinte. Tendo recordado isso tudo, convém reforçar que a solução não é uma fórmula imanente segundo a qual, uma vez descoberta a chave universal, seria possível dizer que, deixando os fenômenos econômicos evoluírem, disso resultaria uma série prevista e já estabelecida de fatos políticos.

Pois, se nossa crítica equivale a uma desvalorização completa e definitiva do que seriam, para indivíduos isolados, mesmo que apresentados como protagonistas dos fatos históricos, não tanto suas ações, mas as intenções e perspectivas com que se iludiram para coordená-las, isso não significa negar que um organismo coletivo, como o partido de classe, tem e deve ter uma iniciativa e vontade próprias. A solução a que chegamos encontra-se formulada reiteradamente em nossos textos fundamentais.

A humanidade e mesmo seus grupos mais poderosos, como as classes, os partidos e os Estados, movem-se quase como brinquedos nas mãos de leis econômicas que até então lhes passavam desconhecidas. Esses grupos foram simultaneamente privados da consciência teórica do processo econômico e da possibilidade de dirigi-lo e governá-lo. Porém, para a classe que surge na era histórica presente, o proletariado, e para seus grupos políticos, o partido e o Estado, que dele devem emanar, o problema é outro. Essa é a primeira classe que não foi impelida a basear seu advento na consolidação de privilégios sociais e na divisão de classes, a fim de subjugar e explorar uma nova classe. Ao mesmo tempo, é a primeira classe que consegue forjar uma doutrina de desenvolvimento econômico, histórico e social, justamente no comunismo marxista.

Portanto, pela primeira vez, uma classe está lutando pela supressão das classes em geral, assim como da propriedade privada dos meios econômicos em geral, e não somente por uma transformação das formas sociais dessa propriedade.

O programa do proletariado consiste, junto à sua emancipação da atual classe dominante e privilegiada, na emancipação da comunidade humana da escravidão das leis econômicas, que dominamos ao compreendê-las, em uma economia finalmente racional e científica, sujeita à intervenção direta do trabalho humano. Por isso e nesse sentido, Engels escreveu que a revolução proletária assinala a passagem do reino da necessidade para o da liberdade.

Isso não significa ressuscitar o mito ilusório do individualismo, que quer libertar o “eu” humano de suas influências externas. Pelo contrário, o entrelaçamento dessas influências tende a se tornar cada vez mais complexo; e a vida do indivíduo, uma parte cada vez mais indistinguível da vida coletiva. Longe disso, o problema é elevado a outro patamar: a liberdade e a vontade são atribuídas a uma classe destinada a se tornar o mesmo agrupamento humano unitário, que ainda há de lutar somente contra as forças adversas do mundo físico e externo.

Embora apenas a humanidade proletária, da qual ainda estamos distantes, será livre e capaz de uma vontade que corresponde não a ilusões sentimentais, mas à capacidade de organizar e controlar a economia no sentido mais amplo da palavra; mesmo que hoje a classe proletária ainda seja determinada, embora menos que outras classes, nos limites de suas próprias ações por influências externas, em contrapartida, o órgão em que se encontra resumida a máxima possibilidade de vontade e iniciativa, em todo seu escopo de atuação, é o partido político. Não um partido qualquer, de fato, mas o partido da classe proletária, o partido comunista, ligado, por assim dizer, por um fio ininterrupto aos objetivos finais dos processos que estão por vir. Essa faculdade volitiva do partido, assim como sua consciência e preparação teórica, são funções partidárias destacadamente coletivas, e a explicação marxista sobre a tarefa atribuída no seio do partido aos seus dirigentes consiste na consideração destes como instrumentos e operadores através dos quais se manifestam melhor as capacidades de compreender e explicar os fatos, de dirigir e demandar as ações, conservando sempre a origem dessa capacidade na existência e nas características coletivas da organização. Por essas considerações, o conceito marxista de partido e de sua ação evita, como afirmamos, tanto o fatalismo, segundo o qual seríamos servidores passivos de fenômenos que nos sentimos incapazes de influenciar diretamente, assim como qualquer concepção voluntarista, no sentido individual, segundo a qual as qualidades de preparação teórica, força de vontade, espírito de sacrifício, em suma, um tipo especial de figura moral e uma exigência de “pureza” devem ser exigidas indistintamente de cada um dos militantes, reduzidos a uma elite distinta e superior aos demais elementos sociais que compõem a classe operária; ao passo que o erro fatalista e passivo certamente levaria, se não a negar a função e a utilidade do partido, pelo menos a adaptá-lo à classe proletária meramente compreendida no sentido econômico e estatístico. Reiteramos as conclusões mencionadas na tese anterior sobre a natureza do partido, condenando tanto o conceito trabalhista como o de uma elite intelectual e moral, ambos são aberrantes ao marxismo e acabam desembocando na via oportunista.

Ao resolver a questão geral da tática no mesmo campo que o da natureza partidária, a solução marxista deve se distinguir do distanciamento doutrinário da realidade da luta de classes, satisfeito com elucubrações abstratas e ignorar a atividade concreta; assim como do esteticismo sentimental, desejoso de determinar novas situações e movimentos históricos com gestos clamorosos e atitudes heróicas de exíguos grupos minoritários; bem como do oportunismo, que esquece a ligação com os princípios, isto é, com os objetivos gerais do movimento e, visando apenas um aparente sucesso imediato das ações, contenta-se com a agitação de reivindicações limitadas e isoladas, sem se importar se elas contradizem as necessidades de preparação das conquistas supremas da classe operária. O erro da política anarquista ressente-se ao mesmo tempo de esterilidade doutrinária, sendo incapaz de compreender as etapas dialéticas da evolução histórica real, e de uma ilusão voluntarista que se ilude em antecipar processos sociais com a suposta eficiência dos exemplos e do sacrifício de um ou de poucos. O erro da política social-democrata remonta teoricamente tanto a uma falsa concepção fatalista do marxismo, segundo a qual a revolução amadurecerá lentamente e por conta própria, sem uma intervenção insurrecional da vontade proletária, assim como a um pragmatismo voluntarista que, não sabendo como renunciar aos efeitos imediatos da sua iniciativa e intervenção quotidiana, contenta-se em lutar por objetivos que apenas aparentemente interessam a grupos do proletariado, mas cuja realização satisfaz o jogo conservador da classe dominante, em vez de servir para a preparação da vitória proletária; referimo-nos às reformas, concessões e vantagens econômicas e políticas parcialmente obtidas dos patrões e do Estado burguês.

Uma introdução artificial, no movimento classista, de ditames teóricos da “moderna” filosofia voluntarista e pragmatista, de base idealista (Bergson, Gentile, Croce), não pode se passar por uma reação ao reformismo, pois isso mostra certas simpatias superficiais com o positivismo burguês, e apenas prepara a reivindicação oportunista por novas fases reformistas.

A atividade do partido não pode nem deve se limitar somente à preservação da pureza dos princípios teóricos e da estrutura organizativa, nem apenas à obtenção de sucessos imediatos e de popularidade numérica a qualquer custo. Em todos os momentos e situações, devem ser reunidos estes três pontos:

  1. a defesa e o esclarecimento dos postulados programáticos fundamentais frente aos novos conjuntos de fatos que se apresentam, ou seja, à consciência teórica do movimento da classe trabalhadora;
  2. a garantia da continuidade da estrutura organizativa do partido e de sua eficiência, e sua defesa contra a contaminação por influências estranhas e opostas ao interesse revolucionário do proletariado;
  3. a participação ativa em todas as lutas da classe operária, mesmo aquelas suscitadas por interesses parciais e limitados, a fim de encorajar seu desenvolvimento, mas trazendo constantemente o fator da sua conexão com os objetivos revolucionários finais, apresentando as conquistas da luta de classes como passagens às lutas futuras indispensáveis, denunciando o perigo de se contentar com conquistas parciais como se fossem finais, barganhando para isso as condições da atividade classista e a combatividade do proletariado, como a autonomia e independência de sua ideologia e de suas organizações, dentre as quais há principalmente o partido.

O objetivo supremo dessa complexa atividade partidária é a organização das condições subjetivas de preparação do proletariado, no sentido de capacitá-lo para aproveitar as possibilidades revolucionárias objetivas que serão apresentadas pela história, assim que elas aparecerem, de modo a sair da luta como vencedor e não como vencido.

Partimos disso tudo para responder as questões referentes à relação entre o partido e as massas proletárias, o partido e outros partidos políticos, e o proletariado e outras classes sociais. Devemos considerar incorreta esta formulação tática: todos os verdadeiros partidos comunistas deveriam se esforçar, em todas as situações, para se tornarem partidos de massa, isto é, organizações com um número de membros sempre grande e uma influência muito difundida sobre o proletariado, de modo a exceder pelo menos os demais autodenominados partidos operários. Essa formulação é a caricatura de uma tese de Lênin, que estabeleceu em 1921 esta palavra de ordem prática, relevante e justíssima: para conquistar o poder, não basta formar partidos comunistas “genuínos” e lançá-los à ofensiva insurrecional, pois o necessário são partidos numericamente poderosos e com influência predominante sobre o proletariado. Em outras palavras, antes da conquista do poder, no período que a antecede, o partido deve ter as massas ao seu lado, devendo antes de tudo conquistá-las. A menção à maioria das massas é perigosa, apenas em certo sentido, pois essa fórmula expõe — e tem exposto aos “leninistas literalistas” — o perigo de uma interpretação teórica e tática social-democrata; ao não especificar onde se mede tal maioria, se nos partidos, nos sindicatos ou em outras organizações, ao mesmo tempo que a fórmula exprime um conceito muito correto e evita o perigo prático de se envolver em ações “desesperadas”, com forças insuficientes e em momentos imaturos, ela dá espaço a outro perigo: o desvio da ação quando esta é, pelo contrário, possível e necessária, quando se enfrenta uma decisão e iniciativa verdadeiramente “leninista”. Essa fórmula, a de que o partido deve ter as massas consigo às vésperas da luta pelo poder, na tola interpretação dos pseudo-leninistas de hoje, tornou-se uma fórmula com um requintado sabor oportunista, quando se afirma que “em todas as situações” o partido deve ser um partido de massas.

Há situações objetivamente desfavoráveis à revolução, distantes dela em termos de relações de poder (embora possam estar menos distantes em outros momentos, pois a evolução histórica apresenta velocidades muito diversas — isso é o marxismo), nas quais o desejo de sermos um partido de massas e da maioria, e de exercer uma influência política proeminente a todo custo, só pode ser alcançado pela renúncia dos princípios e métodos comunistas, pela adoção de uma política social-democrata e pequeno-burguesa. É preciso dizer em alto e bom tom: em certas situações passadas, presentes e futuras, a maioria do proletariado esteve, está e estará necessariamente em uma posição não revolucionária, de inércia e colaboração com o inimigo, a depender do caso; entretanto, apesar de tudo, o proletariado permanece em todo caso e sempre como a classe potencialmente revolucionária e detentora da retomada revolucionária, na medida em que o partido comunista, sem renunciar a todas as possibilidades coerentes de reivindicação e manifestação, discernir como não se envolver em caminhos aparentemente mais fáceis em termos de popularidade imediata, mas que desviariam o proletariado de sua tarefa, retirando dele o ponto de apoio indispensável para sua recuperação. A bestial expressão oportunista de que um partido comunista é livre para adotar todos os meios e métodos deve ser deslocada em direção a esse campo dialético e marxista, e nunca a um campo estético e sentimental. Dizem que, precisamente porque o partido é verdadeiramente comunista, isto é, com princípios e uma organização sólidas, todas as acrobacias de manobras políticas seriam permitidas, mas essa afirmação esquece que para nós o partido é, ao mesmo tempo, um fator e um produto do desenvolvimento histórico e, diante de tais forças, o proletariado comporta-se como um material ainda mais maleável. O proletariado não será influenciado por justificativas distorcidas e apresentadas por dirigentes partidários para certas “manobras”, mas sim pelos efeitos reais, que devemos ser capazes de prever, sobretudo recorrendo à experiência dos erros passados. O partido somente se garante contra degenerações quando sabe agir no campo da tática, fechando-se energicamente diante das falsas vias, com diretrizes de ação precisas e respeitadas, e nunca somente com crenças teóricas e sanções organizativas.

Outro erro relativo à questão geral da tática, que nitidamente nos levaria de volta à clássica posição oportunista desmantelada por Marx e Lênin, é a formulação segundo a qual o partido — salvo para representar no momento certo o fator da revolução proletária total e final, sabendo que as condições para tal só estarão maduras através de uma evolução das formas políticas e sociais, quando surgirem lutas de classe e partidárias que ainda não são as do seu campo específico — deve escolher, entre as duas forças em disputa, aquela que representa o desenvolvimento da situação mais favorável à evolução histórica geral, devendo apoiá-la mais ou menos abertamente, coligando-se a ela.

Antes de tudo, falta o pressuposto por trás dessa política: o esquema típico de uma evolução social e política fixada em todos os seus detalhes, equivalendo à melhor preparação para o advento final do comunismo, é um conceito que apenas os oportunistas quiseram atribuir ao marxismo, é a base da difamação de Kautsky a respeito da revolução russa e do atual movimento comunista. Tampouco se pode estabelecer, como tese geral, que as condições mais propícias a um trabalho fecundo do partido comunista encontram-se em certos tipos de regime burguês, por exemplo nos mais democráticos. Se é verdade que as medidas reacionárias e “direitistas” dos governos burgueses têm repetidamente atado o proletariado, não é menos verdade, e assim tem sido muito mais frequente, que as políticas liberais e de esquerda dos governos burgueses têm muitas vezes amortecido a luta de classes, desviando a classe operária de ações decisivas. Uma avaliação mais exata, e verdadeiramente condizente com a quebra do encantamento democrático, evolutivo e progressista transposta ao marxismo, é que a burguesia tenta, e muitas vezes consegue, alternar seus métodos e partidos no governo de acordo com seus interesses contrarrevolucionários: toda nossa experiência mostra que o triunfo do oportunismo sempre atravessou a paixão do proletariado pelos eventos que sucederam às políticas burguesas.

Em segundo lugar, mesmo se fosse verdade que certas transformações governamentais no âmbito do atual regime facilitariam o posterior desenvolvimento da ação do proletariado, a experiência apresenta evidências de que isso está sujeito a uma condição expressa: a existência de um partido que há tempos vem alertando as massas sobre a decepção que sucede ao que se apresentava como um sucesso imediato; não apenas a simples existência do partido, mas sua capacidade de agir, mesmo antes da luta a que nos referimos, de modo evidentemente autônomo aos olhos do proletariado, que o segue de acordo com sua atitude concreta e não simplesmente segundo esquemas que lhe convêm serem adotados oficialmente. Portanto, na presença de lutas que ainda não podem ocorrer, como a luta definitiva pela vitória proletária, o partido comunista não atuará como gestor de transições e conquistas que não dizem respeito diretamente à classe à qual isso se oferece, nem negociará seu caráter e sua atividade autônoma como uma espécie de companhia de seguros para todos os movimentos políticos autodenominados “renovadores”, ou para todos os sistemas políticos e governos ameaçados por um suposto “pior governo”.

Muitas vezes, os argumentos contra a necessidade dessa linha de atuação vêm acompanhados da formulação de Marx na qual “os comunistas apoiam todos os movimentos dirigidos contra as condições sociais existentes”, assim como de toda a doutrina de Lênin contra “a doença infantil do comunismo”. As tentativas de especulação sobre essas declarações no seio do nosso movimento não diferem, em sua natureza íntima, de especulações semelhantes sempre levadas a cabo pelos revisionistas e centristas que — em nome de Marx e Lênin, embora Bernstein ou Nenni os chamassem de guias — pretenderam zombar dos revolucionários marxistas.

Antes de tudo, duas observações devem ser feitas sobre essa argumentação, cujo valor histórico é contingente: para Marx, ela diz respeito à Alemanha que ainda não era burguesa; já para a experiência bolchevique, é ilustrada por Lênin em seu livro sobre a Rússia czarista. Essas não são as únicas bases sobre as quais a resolução da questão tática deve se basear, nas condições clássicas de um proletariado em luta contra uma burguesia capitalista plenamente delineada. Em segundo lugar, o “apoio” tratado por Marx e os “compromissos” debatidos por Lênin (termo com o qual Lênin mais gostava de “flertar”, por ser um magnífico marxista dialético, o campeão da intransigência firme, verdadeira e não-formal, orientada a um objetivo imutável) consistem em “apoios e compromissos” com movimentos ainda forçados, mesmo contra as ideologias e a possível vontade dos seus líderes, a abrir os caminhos da insurreição contra as formas passadas, e a intervenção do partido comunista apresenta-se como uma intervenção no terreno da guerra civil, assim como na formulação leninista sobre a questão dos camponeses e das nacionalidades, no episódio de Kornilov e em uma centena de outros exemplos. Mas, mesmo à parte dessas duas observações substanciais, o significado da crítica de Lênin ao infantilismo, e de todos os textos marxistas sobre a flexibilidade da política revolucionária, não contradizem de modo algum a barreira deliberadamente levantada por eles contra o oportunismo, definido por Engels, e depois por Lênin, como a “ausência de princípios”, ou seja, o esquecimento do objetivo final.

Seria contra Lênin e Marx construir a tática comunistas com um método não dialético, mas formalista. Seria um grande erro afirmar que os meios devem corresponder aos fins, não de acordo com sua sucessão histórica e dialética em processo de desenvolvimento, mas com uma semelhança e analogia em relação aos aspectos que os meios e os fins podem assumir imediatamente de um ponto de vista quase ético, psicológico e estético. Em matéria de tática, não devemos cometer o erro que os anarquistas e reformistas cometem em matéria de princípios, quando lhes parece um absurdo que a supressão das classes e do poder estatal deve ser preparada através do domínio de classe e do Estado ditatorial pelo proletariado, e que a abolição de toda violência social se realiza pelo uso da violência ofensiva e defensiva, revolucionando o poder atual e conservando o poder proletário. Da mesma forma, estaria errado qualquer um ao afirmar que um partido revolucionário sempre deve estar preparado para lutar, sem levar em conta as forças amigas e inimigas; ou no caso de uma greve, por exemplo, que um comunista só pode defender sua continuação até as últimas consequências; ou que um comunista deve evitar certos meios como a dissimulação, a astúcia, a espionagem, etc. porque não são meios nobres ou legalizados. A crítica do marxismo e de Lênin ao superficialismo pseudo-revolucionário, que assola o caminho do proletariado, constitui o esforço para eliminar esses critérios tolos e sentimentais na resolução dos problemas táticos. Essa crítica é definitivamente adquirida a partir da experiência do movimento comunista.

Nesse sentido, um exemplo dos erros de dedução táctica que devem ser evitadas é aquele segundo o qual, visto que realizamos a ruptura política dos comunistas com os oportunistas, também deveríamos defender a cisão dos sindicatos liderados pelos amarelos. Foi apenas pela organização de um truque polêmico que passaram a afirmar, por certo tempo, que a Esquerda italiana havia baseado suas conclusões em argumentos como o de que se aproximar pessoalmente dos líderes dos partidos oportunistas seria indecoroso, e coisas semelhantes.

Porém, essa crítica ao infantilismo não significa que, em questões de tática, a indeterminação, o caos e a arbitrariedade devam reinar soberanos, e que “todos os meios” sejam adequados para atingir nossos objetivos. Dizer que a garantia da coordenação dos meios com os fins reside na natureza revolucionária adquirida pelo partido, na contribuição dada às suas decisões por pessoas ou grupos eminentes com uma tradição brilhante, é um jogo de palavras não-marxista, pois se ignora as repercussões que os próprios meios dessas ações têm sobre o partido, no jogo dialético de causas e efeitos, e nossa negação de qualquer valor às “intenções” que ditam as iniciativas de indivíduos e grupos; além da “suspeita”, não no sentido pejorativo, de tais intenções que, como mostram as experiências sangrentas do passado, nunca poderiam ser ignoradas.

Lênin diz em seu livro sobre o infantilismo que os meios táticos devem ser escolhidos de modo a alcançar o objetivo revolucionário final, através de uma visão histórica clara da luta do proletariado e de seu resultado, e que seria um absurdo descartar certo expediente tático apenas por parecer “mau” ou merecer a definição de “compromisso”: em vez disso, seria necessário estabelecer se tal meio corresponde ou não aos objetivos finais. Esse problema está e sempre estará em aberto, como uma tarefa formidável diante da atividade coletiva do partido e da Internacional Comunista. Sobre o problema dos princípios teóricos depois de Marx e Lênin, se podemos dizer que possuímos certo legado, sem querer dizer com isso que toda nova tarefa de investigação teórica para o comunismo já estaria concluída, o mesmo não pode ser dito no campo tático, nem mesmo depois da revolução russa e da experiência dos primeiros anos de vida da nova Internacional, para a qual Lênin faleceu cedo demais. O problema da tática, muito mais amplo do que as respostas sentimentais e simplistas sobre os “infantis”, deve ser melhor iluminado com a contribuição de todo o movimento comunista internacional, e de toda sua experiência antiga e recente. Não é contra Marx e Lênin afirmar que, para resolvê-lo, devem ser seguidas diretrizes de ação, não vitais e fundamentais como os princípios, mas obrigatórias tanto aos membros como aos órgãos dirigentes do movimento, que analisam as diferentes possibilidades de desenvolvimento das situações, para traçar com o maior grau de precisão possível em que direção o partido deverá se mover quando se apresentarem determinados aspectos.

O exame e a compreensão das situações devem ser elementos necessários às decisões táticas, não porque podem levar, segundo o arbítrio dos dirigentes, a “improvisações” e “surpresas”, mas porque sinalizarão ao movimento que chegou a hora de uma ação programada na medida do possível. Negar a possibilidade de prever as grandes linhas táticas — não de prever situações, o que é possível com ainda menos certeza, mas de prever o que teremos de fazer em várias hipóteses possíveis conforme o andamento das situações objetivas — significa negar a tarefa do partido, e negar a única garantia que podemos dar ao cumprimento, em todas as eventualidades, dos membros do partido e das massas às ordens do centro dirigente. Nesse sentido, o partido não é um exército nem mesmo um mecanismo estatal, isto é, um órgão em que o papel da autoridade hierárquica é proeminente e o da adesão voluntária é nulo; seria óbvio notar que um membro do partido sempre tem um meio para não cumprir ordens, contra a qual não se impõem sanções materiais, que é simplesmente sair do partido. A boa tática é aquela que, nas circunstâncias em que o centro dirigente não tem tempo para consultar o partido e ainda menos as massas, não conduz ao seio do próprio partido e do proletariado as repercussões inesperadas que poderiam ir na direção oposta à afirmação da campanha revolucionária. A arte de prever como o partido reagirá às ordens, e quais ordens receberão uma boa reação, é a arte da tática revolucionária, que deve ser confiada apenas ao uso coletivo de experiências de ações passadas, resumidas em diretrizes de ação claras; ao submetê-la à execução dos dirigentes, os membros garantem que não trairão seu mandato e comprometem-se substancialmente, e não aparentemente, com uma execução criativa e decisiva das ordens do movimento. Não hesitamos em dizer que, sendo o próprio partido aperfeiçoável e não perfeito, muito deve ser sacrificado em nome da clareza e capacidade de persuasão das diretrizes táticas, mesmo que isso implique uma certa esquematização: quando as situações rompem forçosamente com os esquemas táticos que preparamos, elas não serão remediadas caindo no oportunismo e no ecletismo, mas deve haver um novo esforço para adaptar a linha tática às tarefas do partido. Não é o bom partido que faz boas táticas, mas são as boas táticas que fazem um bom partido, e as boas táticas só podem ser aquelas compreendidas e escolhidas por todos, em suas linhas fundamentais.

Negamos substancialmente que o esforço coletivo e o trabalho partidário na definição das diretrizes táticas possam ser silenciados pedindo obediência tão somente a um homem, ou a um comitê, ou a um único partido da Internacional e seu aparato dirigente tradicional.

A ação do partido assume um aspecto estratégico nos momentos culminantes da luta pelo poder, em que sua parte substancial assume um carácter militar. Nas situações que antecedem esse momento, porém, a ação do partido não se reduz simplesmente à função ideológica, propagandística e organizativa, mas consiste, como foi dito, em participar e atuar nas lutas individuais suscitadas no proletariado. O sistema de diretrizes táticas deve, portanto, ser edificado precisamente com o objetivo de estabelecer em que condições a intervenção do partido e sua atividade em movimentos similares, sua agitação no seio das lutas proletárias, estão coordenadas em relação ao objetivo final e revolucionário, garantindo simultaneamente o progresso útil da preparação ideológica, organizativa e tática.

Nos pontos seguintes, em relação a problemas particulares, será esclarecido como se apresenta a elaboração de cada uma das diretrizes da ação comunista no atual estágio de desenvolvimento do movimento revolucionário.

II. — Questões Internacionais

1. — A formação da Terceira Internacional

A crise da Segunda Internacional, determinada pela guerra, teve uma solução completa e definitiva com a formação da Internacional Comunista, do ponto de vista da restauração de uma doutrina revolucionária. Embora do ponto de vista tático e organizativo a formação da Comintern constitua uma imensa conquista histórica, esta não deu uma solução igualmente completa à crise do movimento proletário.

Um fator fundamental para a formação da nova Internacional foi a revolução russa, a primeira vitória gloriosa do proletariado mundial. Devido às condições sociais da Rússia, a revolução russa não concebeu o tipo histórico geral para as revoluções em outros países, no aspecto dos problemas táticos. Nesse caso, na transição do poder feudal autocrático à ditadura proletária, não se inseriu uma época de domínio político da classe burguesa organizada em um aparelho estatal exclusivo e estável.

Precisamente por isso, a confirmação histórica da concepção do programa marxista teve seu maior impacto com a revolução russa, servindo principalmente para a derrota do revisionismo social-democrata no campo dos princípios. Porém, a nível organizativo, a luta contra a Segunda Internacional, como parte integrante da luta contra o capitalismo mundial, não obteve o mesmo sucesso decisivo e foram cometidos muitos erros, por meio dos quais os partidos comunistas não atingiram a eficiência possível naquelas condições objetivas.

O mesmo deve ser dito sobre o terreno tático, em que foram e ainda são resolvidos de forma ineficiente muitos dos problemas próprios ao tabuleiro no qual figuram, como peças de xadrez, a burguesia, o Estado burguês moderno e parlamentar, com um aparato historicamente estável, e o proletariado; nem sempre os partidos comunistas obtiveram o que era possível em termos de avanço do proletariado contra o capitalismo e de liquidação dos partidos social-democratas, órgãos políticos da contrarrevolução burguesa.

2. — Situação econômica e política mundial

A situação internacional hoje parece menos favorável ao proletariado do que nos anos imediatos ao pós-guerra. Do ponto de vista econômico, assistimos a uma restabilização parcial do capitalismo, o que compreendemos apenas como a remediação das perturbações de certas partes da estrutura econômica, e não o surgimento de um estado de coisas que excluiria a possibilidade, em um futuro próximo, de se apresentarem novas perturbações.

A crise do capitalismo permanece aberta e seu agravamento definitivo é inevitável. Na esfera política, assistimos a um enfraquecimento do movimento revolucionário operário em quase todos os países mais avançados, contrabalanceado felizmente pela consolidação da Rússia soviética e pelas ações das populações nos países colonizados contra as potências capitalistas.

No entanto, tal situação apresenta um duplo perigo. Em primeiro lugar, ao perseguir o método errôneo do situacionismo, está se desenhando uma certa tendência, ainda que apenas insinuada, ao menchevismo na forma como os problemas da ação proletária são avaliados. Em segundo lugar, diminuindo-se a pressão das ações genuinamente classistas, há o perigo de faltar na política geral da Comintern as condições preconizadas por Lênin para uma aplicação correta da tática na questão nacional e camponesa.

A ofensiva proletária do pós-guerra foi seguida por uma ofensiva patronal contra as posições proletárias, à qual a Comintern respondeu com a palavra de ordem da Frente Única. Então o problema do surgimento de situações democrático-pacifistas expressou-se em vários países, o que o camarada Trotsky denunciou corretamente como um perigo de degeneração do nosso movimento. Há de se evitar a interpretação da situação que apresente, como uma questão vital ao proletariado, a luta entre duas partes da burguesia, uma à direita e outra à esquerda, identificadas muito estreitamente como grupos socialmente distintos.

A interpretação correta é que a classe dominante possui múltiplos métodos de governo e defesa que são, em essência, redutíveis a dois: o método reacionário e fascista e o método liberal-democrático.

Partindo de uma análise econômica, as teses de Lênin têm provado que os estratos mais modernos da burguesia tendem a unificar não apenas o mecanismo produtivo, mas também suas defesas políticas nas formas mais decisivas.

Portanto, é falso afirmar, como regra geral, que a passagem ao comunismo deve atravessar uma fase de governo burguês de esquerda. Nos casos particulares em que isso ocorresse, as condições para a vitória proletária residiriam em uma tática por meio da qual o partido se mobilizaria contra as ilusões com o advento de tal governo de esquerda, sem atenuar sua oposição às formas políticas correspondentes, mesmo nos períodos reacionários.

3. — O método de trabalho da Internacional

Uma das tarefas mais importantes da Internacional Comunista tem sido liquidar a desconfiança do proletariado em relação à ação política, derivada das degenerações parlamentares do oportunismo.

O marxismo não se refere à política como a arte ou técnica que comumente consiste nos métodos de intriga parlamentar e diplomática, adotados por cada partido de acordo com seus próprios fins. A política proletária se opõe ao método da política burguesa, antecipando formas superiores de relações que culminam na arte da insurreição revolucionária. Essa distinção, sobre a qual deixaremos de lado uma vasta apresentação teórica, é uma condição vital para a ligação vantajosa entre o proletariado revolucionário e seu Estado-Maior comunista, ou para a garantia de uma seleção vantajosa do pessoal para este último.

Os métodos de trabalho da Internacional vêm contradizendo essa necessidade revolucionária. Nas relações entre os órgãos do movimento comunista, muitas vezes prevalece uma política dúbia de subordinação das motivações teóricas aos motivos ocasionais, e um sistema de acordos e pactos entre pessoas cujos resultados, por não ter conseguido transmitir com sucesso as relações entre os partidos e as massas, levaram a graves desilusões.

Muito facilmente, nas grandes decisões fundamentais da Internacional, entram elementos de improvisação, surpresa e mudanças de cena, desorientando camaradas e o proletariado.

Tudo isso ocorre, por exemplo, na maior parte das questões internas dos partidos, resolvidas em órgãos e congressos internacionais por meio de uma série de sistematizações sucessivas e dificultosas, elaboradas para serem aprovadas por vários grupos dirigentes, mas que se mostram inúteis ao movimento real dos partidos.

4. — Questões organizativas

Quando a Comintern foi fundada, a consideração de que era urgente estabelecer uma vasta concentração de forças revolucionárias teve grande peso, pois se esperava então que haveria um desenvolvimento muito mais rápido das condições objetivas. Contudo, constatou-se que teria sido mais conveniente proceder com critérios organizativos mais rigorosos. A formação de partidos e a conquista das massas não foram favorecidas nem por concessões a grupos sindicalistas e anarquistas, nem pelos pequenos compromissos com os centristas, permitidos nas 21 condições; nem mesmo por fusões orgânicas com partidos ou frações partidárias, como resultado de “infiltrações” políticas, nem por tolerar a duplicidade de organizações comunistas em certos países com partidos simpatizantes. A palavra de ordem, lançada após o V Congresso, de organização do partido com base em células, não atingiu seu objetivo de sanar os defeitos notados por todos nas várias seções da Internacional.

Em sua generalização, sobretudo na interpretação dada pela Central italiana, essa palavra de ordem presta-se a erros graves e a um desvio tanto do postulado marxista, de que a revolução não é uma questão de formas de organização, quanto da tese leninista de que uma solução orgânica nunca pode ser válida para todos os momentos e todos os lugares.

Em relação aos partidos que operam atualmente nos países burgueses com um regime parlamentar estável, o tipo de organização em células é menos adequado do que o de base territorial, ao passo que é um erro teórico afirmar que os partidos de base territorial seriam partidos social-democratas, e os baseados em células seriam verdadeiros partidos comunistas. Na prática, o segundo tipo torna ainda mais difícil o desempenho do partido em sua tarefa de unificação com o proletariado, entre seus setores e na indústria; uma tarefa que se torna mais séria quanto mais desfavorável for a situação e mais limitadas forem as possibilidades de organização proletária. Vários inconvenientes de natureza prática estão relacionados à consideração da organização por células como a base exclusiva do partido. Na Rússia czarista, pelo contrário, as coisas se expressavam em um contexto diferente, devido às relações diferentes entre o patronato industrial e o Estado, ao passo que o perigo corporativo era menos grave devido à iminência de imposição da questão central do poder.

O sistema de células não aumenta a influência dos operários no partido, tendo em todos os elos superiores uma rede de elementos não-operários ou ex-operários, constituindo o aparato de funcionários. Em relação aos defeitos do método de trabalho da Internacional, a palavra de ordem da “bolchevização”, do ponto de vista organizativo, corresponde a uma aplicação rebaixada e inadequada da experiência russa, tendendo já em muitos países a um sistema imobilizante, embora não intencional, das iniciativas espontâneas e da energia proletária e classista, por meio de um aparelho cuja seleção e função são realizadas com critérios em grande parte artificiais.

Manter a organização do partido segundo uma base territorial não significa ter que renunciar aos órgãos do partido nas fábricas: estes devem ser os grupos comunistas vinculados ao partido e por ele dirigidos, incluídos em sua estrutura sindical. Esse sistema resolve muito mais o contato com as massas e mantém de forma menos exposta a organização fundamental do partido.

5. — Disciplina e frações

Outro aspecto ligado à palavra de ordem da “bolchevização” consiste em assegurar que a garantia de eficiência do partido corresponde à centralização completa da disciplina e na proibição rigorosa do fracionismo. Nesse sentido, a última instância de todas as questões controversas estaria no órgão central internacional, cuja hegemonia é atribuída — se não hierarquicamente, pelo menos politicamente — ao Partido Comunista Russo.

Essa garantia não existe na realidade e toda essa abordagem do problema é inadequada. De fato, em vez de se ter conseguido evitá-lo, o alastramento do fracionismo na Internacional foi encorajado de formas dissimuladas e hipócritas. Do ponto de vista histórico, a superação das frações no partido russo não tem sido um expediente, nem uma receita mágica aplicada no âmbito estatutário, mas sim o resultado e a expressão de uma formulação correta sobre os problemas da doutrina e da ação política.

As sanções disciplinares constituem um elemento de garantia contra as degenerações, mas apenas na condição em que se mantenha sua aplicação dentro dos limites dos casos excepcionais, e não se torne a normalidade e praticamente o ideal de funcionamento do partido.

A solução não está em um recrudescimento inútil do autoritarismo hierárquico (vazio de investidura inicial, seja pela incompletude da grandiosa experiência histórica na Rússia, seja porque, mesmo na velha guarda das tradições bolcheviques, de fato surgiram divergências cujas soluções não devem ser consideradas a princípio como as melhores), assim como não está em uma aplicação sistemática dos princípios da democracia formal, que para o marxismo têm apenas a função de uma prática organizativa que pode ser conveniente.

Os partidos comunistas devem realizar um centralismo orgânico que, por meio da máxima consulta possível com a base, garanta a eliminação espontânea de qualquer agrupamento que tenda a se diferenciar. Não se alcança isso por meio de prescrições hierárquicas, formais e mecânicas, como Lênin observou, mas sim com uma política revolucionária correta.

A repressão ao fracionismo não é um aspecto fundamental para a evolução do partido, mas a sua prevenção sim.

É inútil e um absurdo, além de perigosíssimo, fingir que o partido e a Internacional sejam misteriosamente protegidos contra qualquer recaída ou tendência de recaída no oportunismo, o que pode depender das mudanças de situação, ou do papel residual das tradições social-democratas na resolução dos nossos problemas. Deve-se admitir que toda divergência de opiniões, que não se reduz a casos de consciência ou derrotismo pessoais, pode ser desenvolvida de modo a preservar o partido e o proletariado em geral contra graves perigos.

Se as divergências se acentuassem, elas assumiriam inevitavelmente, mas de forma vantajosa, uma forma fracionista que pode levar a cisões, não pelo motivo infantil de uma falta de energia repressiva por parte dos dirigentes, mas apenas pela maldita hipótese de falência do partido e sua submissão às influências contrarrevolucionárias.

Vemos um exemplo do falso método nas soluções artificiais para a situação do partido alemão após a crise oportunista de 1923, que foram mal sucedidas em eliminar o fracionismo, assim como impediram a determinação espontânea, nas fileiras de um proletariado tão avançado como o alemão, de uma reação corretamente classista e revolucionária contra a degeneração do partido.

O perigo da influência burguesa sobre o partido de classe não se apresenta historicamente pela organização de frações, mas sim por uma ardilosa penetração de agitações demagógicas por unidade, que opera como uma ditadura de cima para baixo, imobilizando as iniciativas da vanguarda proletária.

É possível identificar e atacar esse fator derrotista, não pela imposição do problema da disciplina contra as tentativas fracionistas, mas sim conseguindo orientar com sucesso o partido e o proletariado contra essa ameaça, no momento em que esta assume a forma não apenas de uma revisão doutrinária, mas de uma proposta positiva de uma importante manobra política com consequências anticlassistas.

Um efeito negativo da assim chamada bolchevização consiste na substituição da elaboração política consciente e completa dentro do partido, correspondendo a um progresso efetivo em direção a um centralismo mais compacto, por uma agitação superficial e clamorosa por fórmulas mecânicas em nome da unidade pela unidade, e da disciplina pela disciplina.

Os resultados desses métodos prejudicam o partido e o proletariado, atrasando a realização do “verdadeiro” partido comunista. A aplicação desse método em várias seções da Internacional é por si só um grave sintoma de oportunismo latente. Na situação atual da Comintern, não está delineada a formação de uma oposição de esquerda internacional, mas com a persistência dos fatores desfavoráveis indicados até agora, a formação dessa oposição será ao mesmo tempo uma necessidade revolucionária e um reflexo espontâneo da situação.

6. — Questões táticas até o V Congresso

Ao postular as soluções táticas dos problemas apresentados pela situação internacional supracitada, foram cometidos erros em geral semelhantes aos erros no âmbito da organização, ambos derivados da ideia de que tudo poderia ser deduzido a partir dos problemas já enfrentados pelo Partido Comunista Russo.

A tática da frente única não deve ser entendida como uma coalizão política com outros partidos considerados operários, mas como o uso das reivindicações imediatas de certa situação para aumentar a influência do partido comunista sobre as massas, sem comprometer sua autonomia.

Portanto, a base da frente única deve ser composta pelos organismos proletários em que os trabalhadores entram em virtude de sua posição social, independente de sua crença política ou filiação partidária. São dois os objetivos: primeiro, não excluir completamente nem a crítica dos comunistas a outros partidos nem a organização, nas fileiras do partido comunista, de novos membros anteriormente dependentes de outros partidos; segundo, para assegurar a compreensão das massas no momento em que forem chamadas à ação pelo partido, sob seu programa e liderança exclusiva.

A experiência demonstrou muitas vezes que o único modo de assegurar a aplicação revolucionária da frente única está na rejeição do método das coalizões políticas permanentes ou temporárias e dos comitês de direção da luta compostos por representantes de vários partidos políticos. Deve também ser rejeitado o método das negociações, propostas ou cartas abertas a outros partidos por parte do partido comunista.

A prática demonstrou o quão estéreis são esses métodos, cujo abuso desacreditou quaisquer efeitos, mesmo os que inicialmente se apresentaram.

A frente única política, que se baseia em uma reivindicação central advinda do confronto com o problema do Estado, torna-se a tática do governo operário. Aqui não temos apenas uma tática incorreta, mas uma contradição aberta com os princípios do comunismo. Se o partido lança uma palavra de ordem que clama pela tomada do poder por parte do proletariado através de organismos do próprio aparato estatal burguês, ou se vacila em condenar explicitamente tal possibilidade, então ele abandonou e recusou o programa comunista, não só pelas consequências danosas à ideologia proletária trazidas por tal posição, mas pela própria formulação ideológica que o partido anuncia e à qual adere. A revisão a que o V Congresso submeteu essa tática após a derrota alemã não foi satisfatória, e os desenvolvimentos posteriores da experiência tática justificam a reivindicação do abandono até mesmo da simples palavra de ordem do governo operário.

Quanto ao problema central do Estado, o partido só pode lançar a palavra de ordem da ditadura do proletariado, não havendo outro “governo operário”.

Partindo dessa posição, chegamos somente no oportunismo; ou seja, no apoio ou participação em governos burgueses autoproclamados pró-operários.

Tudo isso não contradiz em nada a palavra de ordem “Todo poder aos sovietes” e aos organismos de tipo soviético (representações eleitas apenas por trabalhadores), mesmo quando neles prevalecem partidos oportunistas. Tais partidos são contrários à tomada do poder por órgãos proletários, pois isso significa a própria ditadura do proletariado (exclusão dos não trabalhadores dos órgãos eletivos e de poder), que só o partido comunista poderá gerir.

Não é necessário, nem é nossa proposta, apresentar a expressão “ditadura do proletariado” apenas como um sinônimo de “governo do partido comunista”.

7. — Questões sobre a “nova tática”

A frente única e o governo operário costumavam ser justificados nestes termos: “para nossa vitória, não é suficiente haver partidos comunistas, mas é necessário conquistar as massas. Para conquistá-las, é preciso combater a influência dos social-democratas no terreno daquelas reivindicações compreensíveis por todos os trabalhadores”.

Hoje se dá mais um passo e se põe o perigoso problema: “para nossa vitória, é preciso primeiro garantir que a burguesia governe de forma mais generosa e permissiva, ou que governem as classes intermediárias, entre a burguesia e o proletariado, de modo a permitir nossa preparação”. A segunda concepção, admitindo um possível governo original da classe média, recai por inteiro no revisionismo da doutrina de Marx e equivale à plataforma contrarrevolucionária do reformismo.

A primeira concepção busca referir-se somente à utilidade objetiva das condições, na medida em que nos permitem realizar melhor a propaganda, a agitação e a organização. No entanto, já discorremos sobre essa posição, que não é menos perigosa, sob o ponto de vista da avaliação da situação.

Tudo nos leva a crer que o liberalismo e a democracia burguesa, seja em antítese ou síntese com o método “fascista”, caminharão no sentido de excluir de suas garantias legais, pelo pouco que valham, o partido comunista, como aquele que, negando-lhes programaticamente, se coloca fora delas; isso não é contrário aos princípios da democracia burguesa e, de qualquer forma, há precedentes no trabalho de todos os autodeterminados governos de esquerda e, por exemplo, no programa dos Aventinos. A “liberdade” dada ao proletariado significará uma liberdade substancialmente maior para que os agentes contrarrevolucionários agitem e se organizem. A única liberdade para o proletariado está em sua ditadura.

Além disso, mesmo que um governo de esquerda possa apresentar condições vantajosas, já foi dito que elas podem ser aproveitadas somente mediante a prévia, contínua e clara autonomia de posição do partido. Isso não equivale a atribuir uma habilidade diabólica à burguesia, mas a ter a certeza, sem a qual não é de direito se dizer comunista, de que a luta final colocará contra a conquista do proletariado uma frente única das forças burguesas, sejam elas de Hindenburg ou Mac Donald, Mussolini ou Noske.

Qualquer tentativa de preparar o proletariado para distinguir nessa frente seus apoiadores, ainda que contra sua vontade, será um fator de derrota, mesmo que quaisquer fraquezas intrínsecas por parte dessa frente sejam um fator evidente de vitória.

Por essas considerações, devem ser declarados inaceitáveis os métodos táticos preconizados na Alemanha após a eleição de Hindenburg, de aliança eleitoral com a social-democracia e com outros partidos “republicanos”, isto é, burgueses; o mesmo deve ser dito sobre a aliança no parlamento prussiano para evitar um governo de direita e sobre a tática de ajudar e cooperar com o Cartel des Gauches(1) na França, nas eleições administrativas (tática de Clichy). Ademais, como consequência direta das teses do II Congresso(2) sobre o parlamentarismo revolucionário, o partido comunista não pode descer ao terreno eleitoral e parlamentar se não com posições rigorosamente independentes.

As recentes manifestações táticas acima mencionadas apresentam uma afinidade histórica, decerto incompleta, mas de indubitável evidência, com os métodos tradicionais de coalizão e colaboracionismo adotado na II Internacional, que também pretendiam se justificar ao nível de uma interpretação marxista.

Esses métodos representam um perigo real à demarcação ideológica e organizativa da Internacional; além disso, não são autorizados por nenhuma deliberação dos congressos internacionais, muito menos pelas teses táticas do V Congresso.(3)

8. — Questão sindical

A Internacional mudou sucessivamente sua concepção da relação entre os organismos políticos e econômicos no quadro mundial, o que constitui um exemplo importante do método que, em vez de derivar dos princípios as ações contingentes, improvisa teorias novas e distintas para justificar medidas propostas em razão de sua aparente conveniência, facilidade de execução e sucesso imediato.

Se inicialmente a Internacional apoiou a entrada de sindicatos na Internacional Comunista, logo se constituiu um Sindicato Internacional Vermelho. Foi defendido que, como os sindicatos eram o melhor ponto de contato com as massas, cada partido comunista deveria lutar pela unidade sindical e, assim, não criar seus próprios sindicatos através de cisões com os sindicatos liderados pelos amarelos, embora no nível internacional o Bureau da Internacional de Amsterdam deveria ser considerado e tratado não como uma organização das massas proletárias, mas como um órgão político contrarrevolucionário das Nações Unidas.

Em dado momento, baseado em considerações certamente muito importantes, mas limitadas principalmente ao projeto de utilizar a esquerda do movimento sindical inglês, anunciou-se que o Sindicato Internacional Vermelho deveria ser abandonado com o objetivo de estabelecer uma união orgânica, a nível internacional, com o Bureau de Amsterdam.

Nenhuma conjectura sobre a mudança das circunstâncias pode justificar uma mudança política tão grave, já que a questão da relação entre organizações políticas internacionais e os sindicatos é uma questão de princípio, pois se trata da relação entre o partido e a classe em vista da mobilização revolucionária.

Acresce ainda que não foram respeitadas nem mesmo as garantias estatutárias internacionais, pois essa decisão foi apresentada aos órgãos internacionais relevantes como um fato consumado.

A manutenção de “Moscou contra Amsterdam” como nossa palavra de ordem não impediu, nem impedirá, a disputa pela unidade sindical em cada nação: na verdade, a liquidação de tendências separatistas nos sindicatos (Alemanha e Itália) só foi possível pelo tratamento do argumento separatista de que o proletariado estava sendo impedido de se libertar da influência da Internacional de Amsterdam.

Por outro lado, o aparente entusiasmo com o qual nosso partido na França aderiu à proposta da união sindical mundial não o preveniu de demonstrar uma incapacidade absoluta de lidar de fato, de uma maneira não cisionista, com o problema da unidade sindical a nível nacional.

Contudo, a utilidade de uma frente única tática a nível mundial não pode ser descartada, ainda que com organizações sindicais que pertencem à Internacional de Amsterdam.

A Esquerda do partido italiano sempre apoiou a disputa pela unidade proletária nos sindicatos, uma atitude que contribui para distingui-la da pseudo-esquerda, de base sindicalista e voluntarista, que foi combatida por Lênin. Ademais, a Esquerda italiana tem uma concepção exatamente leninista do problema das relações entre os sindicatos e os conselhos de fábrica. Baseado na experiência russa e nas teses relevantes do II Congresso, a Esquerda rejeita os sérios desvios de princípio que consistem em retirar qualquer importância revolucionária dos sindicatos, baseados na filiação voluntária, e substituí-la pela utópica e reacionária concepção de um aparato constitucional com filiação obrigatória, que se estende organicamente sobre toda a área do sistema de produção capitalista. Na prática, esse erro se expressa na superestimação do papel dos conselhos de fábrica a ponto de efetivamente boicotar o sindicato.

9. — Questão agrária

A questão agrária foi definida no II Congresso da Internacional pelas teses de Lênin, cuja linha fundamental consistia sobretudo na retificação histórica do problema da produção agrícola no sistema marxista. Faltavam à economia agrícola as premissas para a socialização das empresas, no momento em que elas já estavam maduras na economia industrial.

Isso não só não conduz ao atraso da revolução proletária (somente com base nela essas premissas serão colocadas de uma forma geral), mas torna impossível a resolução dos problemas dos camponeses pobres dentro da estrutura da economia industrial e do poder burguês. Isso permite ao proletariado vincular sua própria luta com a libertação dos camponeses pobres de um sistema de exploração pelos proprietários de terra e pela burguesia, mesmo que essa libertação não coincida com uma transformação geral da economia produtiva rural.

A grande propriedade fundiária, considerada como tal pela lei, é composta tecnicamente por pequenos empreendimentos produtivos. Quando a estrutura legal que os mantém unificados for destruída, veremos uma redivisão da terra entre os camponeses. Na verdade, isso não passa da libertação desses pequenos empreendimentos, já retirados da exploração coletiva. Isso só pode acontecer se as relações de propriedade forem rompidas de uma maneira revolucionária, mas somente o proletariado industrial pode ser o protagonista dessa ruptura, já que ele, diferente dos camponeses, não é somente uma vítima das relações de produção burguesas, mas é o produto histórico de sua maturidade, que abrirá caminho para um novo e distinto sistema de produção. Portanto, o proletariado encontrará reforços preciosos na revolta dos camponeses pobres. O essencial da confusão presente na conclusão tática de Lênin é, em primeiro lugar, que deve haver uma distinção entre a relação do proletariado com o campesinato e suas relações com o estrato médio reacionário da economia urbana (representado principalmente pelos partidos social democratas); em segundo lugar, o conceito da proeminência e hegemonia intangível da classe operária na condução da revolução.

Assim, o camponês aparece no momento da conquista do poder como um fator revolucionário, porém se durante a revolução sua ideologia em relação às formas antigas de autoridade e legalidade se modifica, as relações produtivas não sofrem grandes mudanças, permanecendo nos moldes tradicionais de empreendimentos familiares isolados em competição mútua. Desse modo, o camponês permanece uma ameaça grave à constituição da economia socialista, ao qual somente poderia interessar o desenvolvimento em larga escala da capacidade produtiva e da tecnologia agrícola.

Segundo Lênin, no plano tático e organizacional, o proletariado agrícola sem terra (diaristas) deve ser considerado e inserido na mesma estrutura que o restante do proletariado. Enquanto isso, a aliança com os camponeses pobres, que trabalham sozinhos em seu lote independente de sua capacidade de subsistir, se torna uma política de mera neutralização do camponês médio, caracterizado como vítima de certas relações capitalistas e explorador da mão de obra. Finalmente, há o camponês rico, que é, no geral, um explorador do trabalho e inimigo frontal da revolução.

A Internacional deve evitar os erros de aplicar as táticas agrárias já delineadas, por exemplo, no partido francês, que tende à concepção de uma revolução camponesa original no mesmo nível da revolução operária. Deve evitar também a crença de que o movimento revolucionário dos operários pode ser determinado por uma insurreição no campo, pois, na verdade, a relação real é inversa.

O camponês, uma vez consciente do programa comunista e suscetível à organização política, deve se tornar membro do partido comunista; só assim se combaterá o surgimento de partidos exclusivamente camponeses, inevitavelmente influenciáveis pela contrarrevolução.

A Krestintern (Internacional Camponesa) deve incorporar as organizações camponesas de todos os países, definidas (como o são os sindicatos proletários) pela aceitação como membros de todos que possuam os mesmos interesses econômicos imediatos. As táticas de negociação política, frente única ou constituição de frações internas em partidos camponeses, mesmo que o objetivo seja desagregá-los, devem ser rejeitadas.

Essa diretriz tática não contraria as relações estabelecidas entre os bolcheviques e os socialistas revolucionários durante o período da guerra civil, quando já existiam as novas organizações representativas do proletariado e dos camponeses.

10. — Questão nacional

Também para a teoria do movimento das populações nos países coloniais e em certos países excepcionalmente atrasados, Lênin trouxe um esclarecimento fundamental. Mesmo antes de estarem maduras as relações da moderna luta de classes, desenvolvidas por fatores tanto econômicos quanto importados da expansão do capitalismo, são feitas reivindicações que só podem ser resolvidas com uma luta insurrecional e a derrota do imperialismo mundial.

Quando essas duas condições se verificam integralmente, na época da luta pela revolução proletária nas metrópoles, pode ser desencadeada uma luta que, no entanto, assumirá localmente os aspectos de um conflito não classista, mas de raça e nacionalidade.

Na concepção leninista, todavia, continuam fundamentais os conceitos da direção da luta mundial pelos órgãos do proletariado revolucionário e do despertar, nunca do atraso ou da obliteração, da luta de classes nos ambientes indígenas, da constituição e do desenvolvimento independente do partido comunista local.

A extensão dessas avaliações a países em que o regime capitalista e o aparato estatal burguês estão já há tempos constituídos representa um perigo, na medida em que sob tal aspecto a questão nacional e a ideologia patriótica são expedientes frontalmente contrarrevolucionários, que tendem a desarmar o proletariado como classe. Por exemplo, podem ser vistos tais desvios nas conhecidas concessões de Radek aos nacionalistas alemães em luta contra a ocupação inter-aliada.

Na Tchecoslováquia, a orientação da Internacional deve ser, inclusive, de supressão de todo reflexo organizativo, no campo do proletariado, do dualismo nacional, estando os dois povos no mesmo nível histórico e o comum ambiente econômico, completamente desenvolvido.

Elevar ao estatuto de princípio a luta das minorias nacionais por si mesma é, portanto, uma deformação da concepção comunista. Depende de critérios muito diferentes o discernimento se tais lutas apresentam uma possibilidade revolucionária ou desenvolvimentos reacionários.

11. — Questões russas

É pacífica na Internacional Comunista a importância da nova política econômica do Estado russo, a qual resulta sobretudo do discurso de Lênin de 1921 sobre o imposto em espécie e do relatório de Trótski ao IV Congresso Mundial. Dadas as premissas da economia russa e o fato de que nos outros países a burguesia permanece no poder, não se podia colocar de outro modo, marxisticamente, a perspectiva do desenvolvimento da revolução mundial e da construção da economia socialista.

A grave dificuldade da política estatal russa nas relações internas entre as forças sociais, nos problemas da técnica produtiva e nas relações com o estrangeiro, deu lugar a sucessivas divergências no seio do Partido Comunista Russo. Sobre tais divergências, deve-se antes de tudo deplorar que o movimento comunista internacional não tenha tido modo de se pronunciar com mais fundamento e autoridade.

Na primeira discussão com Trótski, eram indubitavelmente justas as suas considerações sobre a vida interna do partido e sobre o novo curso, assim como eram claramente proletárias e revolucionárias suas considerações sobre o desenrolar da política econômica do Estado, tomadas em conjunto. Na segunda discussão, as considerações de Trótski sobre os erros da Internacional e a demonstração de que a melhor tradição bolchevique não milita a favor dos critérios prevalentes na direção da Comintern não eram menos justificadas.

As repercussões do debate no seio do partido foram inadequadas e artificiais em virtude do conhecido método de colocar em primeiro plano uma intimidação antifracionista — pior ainda, antibonapartista — assentada em absolutamente nada. Quanto à recentíssima discussão, deve-se advertir, em primeiro lugar, que ela versa sobre problemas de natureza internacional; e que o fato da maioria do Partido Comunista Russo já ter se pronunciado sobre ela não pode ser alegado como argumento contra a discussão e um pronunciamento sobre o assunto pela Internacional, sendo de todo indiferente que a tal exigência se resigne a Oposição derrotada.

Como em outros casos, a questão de procedimento e de disciplina sufoca a do conteúdo. Não se trata de uma defesa dos direitos violados de uma minoria, a qual ao menos por meio de seus líderes partilha a mesma responsabilidade pelos muitos erros internacionais, mas sim de questões vitais do movimento mundial.

A questão russa deve ser trazida à Internacional para um estudo completo. Os termos básicos da nossa concepção devem ser os seguintes: na atual economia russa se encontram, segundo Lênin, elementos pré-burgueses, burgueses, de capitalismo de Estado e de socialismo. A grande indústria estatizada é socialista apenas na medida em que se reporta ao planejamento produtivo que se encontra nas mãos do Estado politicamente proletário. A distribuição de seus produtos ocorre, contudo, de forma capitalista, isto é, pelo mecanismo do livre mercado concorrencial.

Não se pode negar em princípio que esse sistema não apenas mantém, de fato, os operários em uma condição econômica pouco próspera, mesmo que aceita por eles em razão da consciência revolucionária adquirida, mas também evolui no sentido de um crescimento da subtração de mais-valor, que pode vir a ocorrer por meio do preço pago pelos operários pelos gêneros alimentícios e do preço pago pelo Estado e das condições obtidas por ele nas aquisições, nas concessões, no comércio e em todas as relações com o capitalismo estrangeiro. É assim que deve ser posta a questão de saber se há uma progressão ou um recuo dos elementos socialistas da economia russa, e esse problema se põe ainda como problema do rendimento técnico e da boa organização da indústria estatal.

Ainda que se deva manter que é impossível a construção integral do socialismo em um só país, estendido à produção e à distribuição, à indústria e à agricultura, deve se considerar possível, no entanto, desenvolver progressivamente dos elementos socialistas da economia russa, ou seja, frustrar o plano contrarrevolucionário que tem como fatores internos os camponeses ricos, a nova burguesia e a pequena-burguesia, e como fatores externos as potências imperialistas. Tome esse plano a forma de uma agressão interna e externa, tome a de uma progressiva sabotagem e influência sobre a vida social e estatal russa, para constrangê-la a uma involução progressiva e a uma desproletarização de suas características, é condição fundamental do sucesso a estreita colaboração e a contribuição de todos os partidos da Internacional.

Trata-se sobretudo de assegurar à Rússia proletária e ao Partido Comunista Russo o apoio ativo e enérgico da vanguarda proletária, sobretudo nos países imperialistas, não apenas no sentido de impedir as agressões e exercitar uma pressão em matéria das relações dos Estados burgueses com a Rússia, mas sobretudo para que o partido russo seja assistido na resolução de seus problemas pelos partidos irmãos, os quais não possuem, é verdade, uma experiência direta dos problemas de governo, mas poderão, não obstante, contribuir para a resolução destes trazendo um coeficiente classista e revolucionário derivado diretamente da realidade da luta de classes em curso em seus países.

À luz de tudo que foi dito acima, as relações internas da Internacional Comunista mostram-se inadequadas para essas tarefas e exigem modificações urgentes, sobretudo no sentido contrário aos excessos organizativos, táticos e políticos da assim chamada bolchevização.

III. Questões Italianas

1. — A situação italiana

São errôneas as avaliações da situação italiana que atribuem um valor decisivo às considerações sobre o insuficiente desenvolvimento do capitalismo industrial. À pequena extensão deste em termos quantitativos e a um relativo atraso histórico de seu aparecimento, contrapõem-se uma série de outras circunstâncias, em força das quais o poder político à época do Risorgimento pôde passar de forma completa e sólida às mãos da burguesia, e sua tradição de governo é muitíssimo rica e complexa.

Não é possível uma identificação sistemática da diferença social entre proprietários de terras e capitalistas, e entre grande e pequena burguesia, com as antíteses políticas sobre as quais se alinharam historicamente os partidos em luta — direita e esquerda históricas(4), o clericalismo e a maçonaria, a democracia e o fascismo.

O movimento fascista deve ser interpretado como uma tentativa de unificação política dos interesses contrastantes dos vários grupos burgueses com fins contrarrevolucionários. Com esse objetivo, o fascismo — diretamente alimentado e desejado por todas as classes elevadas, fundiários, industriais comerciais e banqueiros, ao mesmo tempo apoiado sobretudo pelo aparelho estatal tradicional, pela família real, pela Igreja e pela maçonaria — mobilizou os elementos sociais desagregados das classes médias, lançadas a uma aliança estreita com todos os elementos burgueses contra o proletariado.

O que se passou na Itália não deve ser explicado como a chegada de um novo estrato social ao poder, nem como a formação de um novo aparelho de Estado com ideologia e programa originais, nem como a derrota de uma parte da burguesia cujos interesses se identificariam melhor com a adoção do método liberal e parlamentar. Os liberais, os democratas, Giolitti e Nitti são os protagonistas de uma fase de luta contrarrevolucionária dialeticamente ligada àquela fascista, decisiva para efeitos da derrota do proletariado. De fato, a política das concessões, com a cumplicidade dos reformistas e maximalistas(5), permitiu a resistência burguesa e o desvio da pressão proletária no período posterior à guerra e à desmobilização, quando a classe dominante e todos os seus órgãos não estavam prontos para uma resistência frontal.

O fascismo, favorecido diretamente neste período por governos, burocracia, polícia, magistratura, exército etc, efetuou, pois, uma substituição completa dos velhos funcionários políticos burgueses, mas esse fato não deve enganar e muito menos servir para reabilitar partidos e grupos que foram derrotados, não porque realizaram condições mais favoráveis para a classe operária, mas apenas por ter se exaurido por ora toda uma fase de sua tarefa anti-proletária.

2. — Orientação política da Esquerda Comunista

No desenrolar das situações mencionadas acima, o agrupamento que deu lugar à formação do partido comunista se movia com estes critérios: a ruptura com os dualismos ilusórios presentes no cenário político burguês e parlamentar e a afirmação do dualismo classista revolucionário; destruição no seio do proletariado da ilusão de que as classes médias seriam capazes de produzir um Estado-maior político, de assumir o poder e de encaminhar o proletariado às suas próprias conquistas; confiança da classe operária em sua própria tarefa histórica, conquistada em uma preparação com base em sucessivas posições críticas, políticas e táticas originais e autônomas, solidamente conexas entre si no suceder-se das situações.

As tradições dessa política já são reconhecidas antes da guerra na esquerda do Partido Socialista. Desde os congressos de Reggio Emilia (1912) e Ancona (1914), não apenas se formara uma maioria capaz de se contrapor ao mesmo tempo tanto ao erro reformista quanto ao sindicalista, que havia até então personificado a esquerda proletária, mas também se delineia dentro dessa maioria uma extrema-esquerda, que tende a soluções sempre mais radicais e classistas. Assim se resolveram corretamente os problemas importantes para a classe operária a propósito da tática eleitoral, das relações com os sindicatos, da guerra colonial e da maçonaria.

Durante a Guerra Mundial, se todo, ou quase todo, o partido se colocou contra uma política de união sagrada, ainda melhor se reconhece em seu seio o trabalho de uma bem demarcada extrema-esquerda que, nas reuniões de Bolonha (maio de 1915), de Roma (fevereiro de 1917), de Florença (novembro de 1917) e no Congresso de Roma de 1918, defendeu as diretrizes leninistas, tais como a negação da defesa nacional e do derrotismo, a utilização da derrota para pautar o problema do poder, a luta incessante e o pedido para que fossem expulsos do partido os líderes oportunistas, sindicais e parlamentares.

Imediatamente após a guerra, a orientação da extrema-esquerda foi expressa no jornal Il Soviet, o primeiro a pautar e defender as diretrizes da revolução russa, rejeitando as interpretações antimarxistas, oportunistas, sindicalistas e anarcoides, colocando corretamente os problemas essenciais da ditadura proletária e da tarefa do partido, propondo desde o primeiro momento a cisão do partido socialista.

Esse grupo defendia o abstencionismo eleitoral e suas conclusões foram rejeitadas pelo II Congresso da Internacional; mas o abstencionismo não partia de erros teóricos antimarxistas de tipo anarcossindicalista, como fazem ver as resolutas polêmicas conduzidas contra a imprensa anarquista. A tática abstencionista era preconizada, em primeiro lugar, no ambiente político da completa democracia parlamentar, a qual cria particular dificuldade à conquista das massas para a correta consciência da palavra de ordem da ditadura, dificuldade esta que acreditamos ainda hoje insuficientemente avaliada pela Internacional.

Em segundo lugar, o abstencionismo era proposto não como tática para todos os momentos, mas para a situação geral, hoje infelizmente superada, da iminência de grandes lutas e da movimentação de enormes massas proletárias.

Com as eleições de 1919, o governo burguês de Nitti abriu uma imensa válvula de escape para a pressão revolucionária, desviou o impulso do proletariado e a atenção do partido explorando suas tradições de desenfreado eleitoralismo. O abstencionismo do Il Soviet foi então a única reação justa contra as verdadeiras causas do subsequente desastre proletário.

No seguinte Congresso de Bolonha (outubro de 1919) a solitária minoria abstencionista colocou corretamente o problema da cisão com os reformistas, e procurou em vão por um acordo com parte dos maximalistas, renunciando a levantar a questão preliminar do abstencionismo. Derrotada essa tentativa, a fração abstencionista continuou a única que até o II Congresso Mundial trabalhou em escala nacional para a formação do partido comunista.

Foi, então, esse grupo que representou a adesão espontânea, segundo suas próprias experiências e tradições da esquerda do proletariado italiano, às diretrizes que, simultaneamente, triunfaram com a vitória de Lênin e do bolchevismo na Rússia.

3. — O trabalho da direção central da Esquerda

Dentro do novo partido comunista, fundado em Livorno em janeiro de 1921, os abstencionistas têm feito todo o esforço possível para fazer ligações sólidas com outros grupos do partido. Mas, enquanto para alguns desses grupos eram somente as relações internacionais que nos impeliam à cisão com os oportunistas, para os abstencionistas (que, em nome da disciplina, tinham renunciado às suas posições sobre as eleições) e para muitos outros elementos, a cisão se deu porque as teses sobre a Internacional e as lições das recentes lutas políticas eram completamente consistentes entre si.

No seu trabalho, a interpretação da situação italiana e as tarefas do proletariado mencionadas anteriormente inspiraram a liderança do partido. Vendo de forma retrospectiva, fica claro que a demora na formação de um partido revolucionário (pela qual outros grupos foram responsáveis) tornou inevitável o recuo seguinte do proletariado.

Para colocar o proletariado em posições melhores nos próximos combates, a direção assumiu que, por mais que deveriam ser feitos os maiores esforços para usar o aparato tradicional das organizações Vermelhas, também era necessário alertar o proletariado a não contar com nada vindo dos maximalistas e reformistas, que chegaram ao ponto de aceitar um tratado de paz com o partido fascista.

Desde o começo, o partido defendeu o princípio de unidade sindical, avançando a proposta central de uma frente única que culminou na formação da Aliança do Trabalho. Qualquer que seja a opinião que se tenha sobre a frente única política, é um fato que a situação na Itália de 1921–22 a fez uma impossibilidade; na verdade, o partido nunca recebeu nenhum convite para participar de qualquer reunião com o objetivo de criar uma aliança entre partidos. O partido não interviu na reunião para fundar a aliança sindical convocada pelos ferroviários porque não se queria prestar a qualquer manobra que poderia ter comprometido a aliança em si, e que poderiam colocar a culpa no partido; o partido já tinha mostrado, entretanto, que aprovava a iniciativa dizendo que todos os trabalhadores comunistas dentro da nova organização a deviam disciplina.

Certos contatos entre grupos políticos eventualmente aconteceram, nos quais o partido comunista não se recusava a participar, mas nunca levavam a lugar nenhum, demonstrando a impossibilidade de se chegar num entendimento na área de ação política e o derrotismo de todos os outros grupos políticos. Durante o recuo, a direção ainda pôde manter a confiança nos trabalhadores e na própria classe, e aumentar a consciência política da vanguarda, desviando-se das manobras tradicionais dos grupos e partidos pseudo-revolucionários dentro do proletariado. Apesar dos esforços do partido, foi só depois, em agosto de 1922, que uma mobilização generalizada aconteceu; mas a derrota do proletariado era inevitável e, desde então, o fascismo, apoiado abertamente nas suas violentas campanhas pelas forças de um Estado declaradamente liberal e democrático, se tornou o dono do país. A Marcha sobre Roma, que aconteceu depois, só legitimou a dominação do fascismo num sentido formal.

Mesmo atualmente, apesar da atividade reduzida do proletariado, a influência do partido ainda predominava sobre os maximalistas e reformistas, seu progresso já havia sido demonstrado pelos resultados da eleição de 1921 e das extensas consultas ocorridas na Confederação do Trabalho.

4. — Relações entre a Esquerda Italiana e a Internacional Comunista

O Congresso de Roma, realizado em março de 1922, evidenciou uma divergência teórica entre a Esquerda Italiana e a maior parte da Internacional; uma divergência antes expressa, de maneira um tanto ruim, pelas nossas delegações no III Congresso Mundial e no Executivo Ampliado de fevereiro de 1922, onde, principalmente na primeira ocasião, foram cometidos erros de natureza esquerdista. Felizmente as Teses de Roma representaram a liquidação teórica e política de qualquer perigo de oportunismo de esquerda no Partido Italiano.

Na prática, a única diferença entre o partido e a Internacional dizia respeito a quais táticas deveriam ser adotadas em relação aos maximalistas, mas a vitória unitária no Congresso Socialista em outubro de 1921 parece ter resolvido isso.

As Teses de Roma foram adotadas como uma contribuição à tomada de decisão da Internacional, não como uma linha de atuação imediata; isso foi confirmado pelo diretório do partido no Executivo Ampliado de 1922 e, se nenhuma discussão teórica foi feita por lá, isso se deu por conta de uma decisão da Internacional, que o partido obedeceu em nome da disciplina.

Em agosto de 1922, entretanto, a Internacional não interpretou a situação italiana da mesma forma que o diretório do partido, concluindo que a situação na Itália era instável no sentido de um enfraquecimento da resistência do Estado. A Internacional então pensou que uma fusão com os maximalistas daria força ao partido, considerando a cisão entre maximalistas e unitários como decisiva, em oposição ao diretório do partido, que queria aplicar as lições aprendidas durante a grande manobra da greve em agosto.

É desse momento em diante que as duas linhas políticas divergem de forma definitiva. No IV Congresso Mundial, em dezembro de 1922, a antiga liderança se opôs à tese majoritária e, voltando à Itália, os delegados passaram a questão a uma Comissão, que unanimemente recusou-se a assumir qualquer responsabilidade pela decisão, apesar de, é claro, manter suas funções administrativas.

Então vieram as prisões em fevereiro de 1923 e a grande ofensiva contra o partido. Por último, o Executivo Ampliado de junho de 1923 depôs o antigo executivo e o substituiu por um completamente diferente e, diante dessa situação, a renúncia de parte dos dirigentes do partido foi uma simples consequência lógica. Em maio de 1924, uma conferência consultiva do Partido ainda deu à Esquerda a maioria esmagadora em relação ao Centro e à Direita, e assim se chegava ao V Congresso Mundial.

5. — A tradição Ordinovista da atual liderança

O grupo L’Ordine Nuovo foi formado em Turim por um grupo de intelectuais, que estabeleceram contato com as massas proletárias na indústria, quando a fração abstencionista em Turim já tinha um apoio considerável. A ideologia volátil desse grupo deriva em grande parte de concepções filosóficas de natureza burguesa e idealista parcialmente herdadas de Benedetto Croce. Esse grupo se alinhou ao comunismo tardiamente, e sempre demonstrava erros residuais ligados à sua origem. O grupo entendeu a importância da revolução russa muito tarde para poder aplicar seus ensinamentos na luta proletária da Itália. Em novembro de 1917, o camarada Gramsci publicou um artigo no Avanti! afirmando que a revolução russa havia traído o materialismo histórico de Marx e as teorias d’O Capital, dando uma explicação essencialmente idealista. A corrente de extrema-esquerda à qual pertencia a federação da juventude respondeu imediatamente a esse artigo.

O desenvolvimento ideológico subsequente do grupo Ordinovista, como seu jornal L’Ordine Nuovo mostra, levou a uma interpretação não-marxista e não-leninista do movimento dos trabalhadores. As questões sobre o papel dos sindicatos e do partido, da luta armada e conquista do poder e da construção do socialismo não são colocadas corretamente em sua teoria, e eles desenvolveram, em vez disso, uma concepção de organização sistemática da classe trabalhadora que era necessária ao invés de voluntária, e estritamente ligada ao mecanismo de produção industrial capitalista.

Começando pelas comissões internas, esse sistema supostamente chegaria de forma simultânea na Internacional Comunista e proletária, nos Sovietes e no Estado operário por meio dos conselhos de fábrica, que deveriam encarnar esse último mesmo antes do colapso do poder capitalista.

Além disso, mesmo durante a era burguesa, esse sistema deveria assumir a função de construir uma nova economia exigindo e exercendo o controle sobre a produção.

Depois disso, todos os aspectos não-marxistas da ideologia Ordinovista — utopismo, sindicalismo inspirado em Proudhon, e gradualismo econômico antes da conquista do poder, ou seja, reformismo — foram aparentemente deixados para trás em favor de sua substituição gradual pelas teorias completamente distintas do Leninismo. Entretanto, o fato dessa substituição ter sido apenas superficial e fictícia só poderia ser evitado se os Ordinovistas não tivessem rompido com a Esquerda; um grupo cujas tradições, em vez de convergir com os bolcheviques de forma impulsiva, representava uma contribuição verdadeira, derivada não de dissertações acadêmicas em tomos burgueses, mas da experiência de classe do proletariado. Certamente os Ordinovistas não estavam impedidos de aprender e aprimorar [suas teorias] dentro da estrutura estritamente colaborativa que lhes faltava mais para frente. No fim, recebemos o anúncio dos líderes Ordinovistas com uma certa dose de ironia, quando anunciaram que eles estavam bolchevizando justamente as pessoas que tinham os colocado no caminho para posições bolcheviques por meios sérios e marxistas, em vez de tagarelar sobre processos mecânicos e burocráticos.

Até pouco antes do Congresso Mundial de 1920, os Ordinovistas eram contrários a uma cisão no antigo partido, e colocavam todas as questões sindicais de forma errônea. O representante da Internacional na Itália precisou polemizar contra o grupo nas questões dos conselhos de fábrica e da situação prematura dos Sovietes.

Em abril de 1920, a seção de Turim aprovou as famigeradas teses do L’Ordine Nuovo, escritas pelo camarada Gramsci e adotadas por um comitê composto por Ordinovistas e Abstencionistas. Essas teses, citadas na segunda resolução do Congresso, expressaram de fato, apesar das discordâncias acerca das eleições, o pensamento comum na nascente fração comunista; não eram posições distintamente Ordinovistas, mas pontos já esclarecidos e aceitos pela Esquerda do partido muito antes.

Os Ordinovistas subscreveram as posições da Esquerda na Internacional por um tempo, mas as ideias expressas na Teses de Roma eram essencialmente diferentes das do grupo, mesmo se considerassem oportuno votar por elas.

O verdadeiro precursor da atual adesão do Ordinovismo às táticas e linha geral da Internacional foi, de fato, o camarada Tasca e sua oposição à Esquerda no Congresso de Roma.

Considerando, por um lado, o particularismo característico do grupo Ordinovista e seu gosto pelo concreto derivado de posições idealistas e burguesas e, do outro, suas adesões superficiais e incompletas permitidas pela direção da Internacional, somos forçados a concluir que, apesar de seus barulhentos protestos de ortodoxia, a adesão teórica (de importância decisiva no sentido de fornecer uma base para a política) dos Ordinovistas ao Leninismo é tão sem valor como sua adesão às Teses de Roma.

6. — O trabalho político da atual direção do partido

De 1923 até hoje, mesmo considerando as difíceis condições em que o trabalho do Partido teve de ser desenvolvido, conduziu-se a erros essencialmente relacionados aos que apontamos a respeito da questão internacional, mas que se tornaram em parte muito mais graves devido aos desvios que se originaram da construção ordinovista.

A participação nas eleições de 1924 foi um ato político muito oportuno, mas não se pode dizer o mesmo da proposta de ação conjunta — ou, conforme o rótulo adotado, de “união proletária” — apresentada inicialmente aos partidos socialistas, tão deplorável quanto a tolerância exagerada demonstrada por algumas das manobras eleitorais adotadas pela terzini(6). Problemas mais graves manifestaram-se com a crise após o assassinato de Matteotti.

As políticas da direção eram baseadas na visão absurda de que o enfraquecimento do fascismo poria em marcha primeiro a classe média, depois o proletariado. Isso aponta, por um lado, para uma desconfiança na capacidade classista do proletariado, que permaneceu vigilante mesmo sob as estruturas sufocantes do fascismo; por outro lado, para uma superestimação da iniciativa da classe média. Em vez disso, para além da clareza das posições teóricas marxistas a esse respeito, a lição central a ser extraída da experiência italiana é a demonstração de que as classes intermediárias se deixam levar e seguem passivamente os mais fortes: em 1919–1920, seguiram o proletariado; entre 1921–23, o fascismo; e agora, depois de um período de emoções ruidosas e importantes, em 1924–25, estão apoiando o fascismo novamente.

A direção errou ao abandonar o parlamento para participar das primeiras reuniões do bloco de Aventino(7), quando deveriam ter continuado no parlamento, com uma declaração de ataque político ao governo, assumindo imediatamente a oposição aos preconceitos constitucionais e morais do Aventino; isso representou o efeito determinando para o fim da crise a favor do fascismo. Não se pode negar que convém mais aos comunistas o abandono do parlamento, mas com apenas com fisionomia própria e quando a situação permitisse o apelo à ação direta das massas. Foi um momento decisivo para o desdobramento das situações seguintes; portanto, o erro foi fundamental e decisivo para efeitos de julgamento das capacidades de um grupo dirigente, e determinou um aproveitamento muitíssimo desfavorável pela classe operária da situação de enfraquecimento do fascismo, assim como do fracasso retumbante do Aventino.

O regresso ao parlamento em novembro de 1924 e a declaração de Repossi foram benéficos, como demonstrou a onda de consenso proletário, mas vieram muito tarde. A direção vacilou por muito tempo e foi decidida apenas pela pressão do partido e da Esquerda. A preparação do Partido foi feita com base em diretivas nebulosas e um balanço fantasticamente errôneo das perspectivas da situação (vide o relatório de Gramsci ao Comitê Central, de agosto de 1924). A preparação das massas — visando não o colapso do Aventino, mas sua vitória — foi a pior, para todos os efeitos, pela proposta do partido para que a oposição formasse um antiparlamento. Essa tática desviava sobretudo das decisões da Internacional, que nunca contemplou propostas a partidos claramente burgueses; além disso, estava totalmente alheio ao campo dos princípios da política comunistas, assim como da concepção histórica marxista. Independentemente de qualquer explicação que a direção desse para os objetivos e intenções que inspiraram essa proposta — explicações fadadas a repercussões limitadíssimas — não há dúvidas de que isso apresentou às massas a ilusão de um anti-Estado que se opunha ao tradicional aparelho de Estado, em guerra contra este; enquanto, de acordo com a perspectiva histórica do nosso programa, a única base possível de um anti-Estado só poderia ser a representação da única classe produtora, ou seja, o soviete.

A palavra de ordem de um antiparlamento no país, com base em comitês de trabalhadores e camponeses, significava confiar o Estado-Maior do proletariado a expoentes de grupos sociais capitalistas, como Amendola, Agnelli, Albertini etc.

Além da certeza de não atingir essa situação de fato, que só poderia ser chamada de traição, apenas apresentá-la como uma proposta de perspectiva comunista significa uma traição de princípios e o enfraquecimento da preparação proletária.

Os detalhes do trabalho da direção também suscitam outras críticas. Muitas vezes criaram palavras de ordem que não correspondem a nenhuma realização, nem sequer a uma agitação seriamente visível para fora do aparelho partido. A palavra de ordem central dos comitês de trabalhadores e camponeses, explicada de forma sinuosa e confusa, não foi compreendida nem seguida.

7. — A atividade sindical do partido

Durante a greve dos metalúrgicos de março de 1925, outro grave erro foi cometido. A direção não compreendeu que a desilusão do proletariado com o Aventino levava à previsão de um impulso geral às ações classistas na forma de uma onda de greves. Se a direção tivesse previsto isso, uma vez que a F.I.O.M. (Federação dos Operários Metalúrgicos [Federazione Impiegati Operai Metallurgici]) foi arrastada a intervir na greve iniciada pelos fascistas, teria sido possível levá-la decididamente adiante, ao ponto de uma greve nacional, por meio da criação de um comité de agitação metalúrgica baseado em organizações locais, dispostas a sustentar a greve em todo o país.

A orientação sindical da direção do partido não correspondia claramente à palavra de ordem de unidade sindical da Confederação, apesar da decomposição organizacional desta última. As diretivas sindicais do partido foram afetadas por erros ordinovistas relativos à ação nas fábricas, onde não só foram criados ou propostos órgãos múltiplos e contraditórios, mas frequentemente foram ditas palavras que desvalorizaram o sindicato e a concepção da sua necessidade como órgão da luta proletária.

Uma consequência desse erro foi o acordo infeliz com a FIAT em Turim; assim como a orientação sobre as eleições nas fábricas, em que não se estabeleceu corretamente, no campo sindical, o critério de escolha entre a tática da lista classista ou do partido.

8. — A atividade do partido em questões agrárias e nacionais

Na questão agrária, a palavra de ordem de associações de defesa dos agricultores era justificada, mas isso foi muito identificado com um trabalho exclusivamente conduzido de cima para baixo por meio de um gabinete do partido.

Apesar das dificuldades da situação, é necessário denunciar o perigo da visão burocrática de nossas tarefas nessa questão e também no que se refere às outras atividades do partido.

As relações corretas entre as associações de agricultores e os sindicatos operários devem claramente se estabelecer no sentido de que os assalariados agrícolas formem uma federação filiada à Confederação do Trabalho, enquanto entre esta e a associação de defesa deve haver uma estreita aliança central e local.

Na questão agrária, deve ser evitada uma concepção regionalista ou meridionalista, para a qual algumas tendências já se manifestaram. Isso também se refere a questões de autonomias regionais reivindicadas por certos novos partidos que deveriam ser abertamente combatidos como reacionários, ao invés de nos envolvermos em negociações falaciosas com eles.

A tática de buscar aliança com a esquerda do Partido Popular (Miglioli) e com o Partido dos Agricultores teve resultados desfavoráveis.

Mais uma vez, foram feitas concessões a políticos estranhos a qualquer tradição de classe, sem obter o movimento desejado das massas e, muitas vezes, desorientando partes da organização do partido. Também é errôneo superestimar a manobra entre os camponeses para fins de uma hipotética campanha política contra a influência do Vaticano, um problema que certamente se coloca, mas que é inadequadamente resolvido dessa maneira.

9. — O trabalho organizativo da direção

O trabalho de reorganização do partido após a investida fascista foi indubitavelmente repleto de bons resultados. Porém, o trabalho de organização manteve seu caráter excessivamente técnico, em vez de assegurar a centralização por meio da implementação de normas estatutárias claras e uniformes aplicáveis a cada camarada ou comitê local, e não apenas através da intervenção do aparato central. Poderiam ter sido dados passos mais significativos para permitir que as organizações de base voltassem a eleger seus próprios comitês, especialmente no período mais favorável da situação.

No que diz respeito ao aumento do número de militantes do partido e sua consequente diminuição, bem como à facilidade com que elementos que vieram durante a crise de Matteotti, que com igual facilidade são agora descartados, mostra-se que esses fatos dependem da virada das situações e não dos hipotéticos benefícios de uma mudança da orientação geral.

Exagerou-se na avaliação dos efeitos do mês de recrutamento e nas vantagens de uma campanha desse tipo. Quanto à organização em células, a Central evidentemente deveria implementar as disposições gerais do Comintern, como é mencionado em outro lugar. Mas, isso foi feito com falta de uniformidade, descontinuidade e múltiplas contradições, e somente após pressões repetidas da periferia se obteve uma certa sistematização.

Seria desejável substituir o sistema de secretários inter-regionais por um corpo de inspetores, estabelecendo uma ligação direta, se não técnica, entre a Central e os organismos tradicionais de base do partido, as Federações provinciais. A função dos inspetores deveria sobretudo ser a intervenção ativa onde fosse necessário reconstruir a organização fundamental do partido, acompanhando-a e apoiando-a até que se torne capaz de funcionar normalmente.

10. — Atuação da direção na questão do fracionismo

A campanha que culminou na preparação do congresso foi deliberadamente planejada após o V Congresso Mundial, não como um trabalho de propaganda e elaboração em todo o partido das diretrizes da Internacional com o objetivo de criar uma consciência coletiva mais avançada, verdadeira e útil, mas sim como uma agitação com o intuito de obter, da maneira mais simples e com o mínimo esforço, a renúncia dos camaradas de aderir às opiniões da Esquerda. Não se preocupou se tal método era útil ou prejudicial ao partido em termos de eficiência contra os inimigos externos, mas buscou-se, por todos os meios, alcançar esse objetivo interno.

É dita em outro lugar a crítica, do ponto de vista histórico e teórico, ao método ilusório da repressão de cima para baixo do fraccionismo. No caso italiano, o V Congresso havia aceitado o pedido da Esquerda de renunciar a imposições de cima para baixo e reconhecer o compromisso de não realizar oposição e participar de todo o trabalho do partido, exceto na direção política. Este acordo foi quebrado pela Central com uma campanha não de postulados ideológicos e táticos, mas de acusações disciplinares individuais apresentadas nos congressos federais sob uma luz unilateral.

A formação do Comitê de Entente no anúncio do congresso foi um ato espontâneo que tendia a evitar reações individuais e de grupos no sentido da desintegração, canalizando a ação de todos os camaradas da Esquerda em uma linha comum e responsável dentro dos limites estreitos da disciplina e com a garantia do respeito aos direitos de todos os camaradas na consulta do partido. Esse fato foi captado pela Central e inserido no plano de agitação ao apresentar os membros da Esquerda sob a luz de fracionistas e cisionistas, através da campanha na qual foi proibido que se defendessem antes de obter, por imposição de cima, votos contrários à esquerda dos Comitês Federais.

O plano de agitação desenvolveu-se com uma revisão fracionista do aparato do partido e dos cargos locais, com a forma de apresentar os escritos de contribuição à discussão, com a recusa da Esquerda em intervir com representantes nos Congressos Federais, culminando no sistema de votação inaudito que atribui automaticamente os votos dos ausentes à consulta às teses da Central.

Qualquer que seja o resultado desse trabalho em termos de efeito numérico majoritário, ele não avançou, mas prejudicou a consciência ideológica do partido e seu prestígio entre as massas. Se consequências piores foram evitadas, deve-se à moderação dos camaradas da Esquerda, que suportaram tal martelamento não porque o considerassem minimamente justificado, mas apenas por devoção aos destinos do partido.

11. — Esboço de programa de trabalho do partido

Nos pontos anteriores estão contidas as premissas das quais, segundo a Esquerda, deveriam surgir as tarefas gerais e específicas do partido. Mas é preliminarmente evidente, desde o início, que esse problema só pode ser abordado com base nas decisões internacionais. A Esquerda, portanto, só pode apresentar um esquema de programa de ação a ser proposto à Internacional para a realização da tarefa da sua Seção italiana.

O partido deve preparar o proletariado para retomar a atividade classista e a luta contra o fascismo, utilizando as experiências severas vividas pelo proletariado nos últimos tempos; ao mesmo tempo, deve prepará-lo para não se iludir com as mudanças na política burguesa e desiludi-lo a respeito da possibilidade de ajuda das classes médias urbanas, utilizando as experiências do período liberal-democrático para evitar a repetição de ilusões pacifistas.

O partido não apresentará propostas de ação comum aos partidos da oposição antifascista, nem realizará uma política de desbloqueio à esquerda da própria oposição, ou de desbloqueio dos partidos individuais ditos de esquerda.

Para a mobilização das massas em torno de seu programa, o partido adotará uma tática de frente única desde baixo, acompanhando de perto as situações econômicas a fim de formular reivindicações imediatas. Como reivindicação política central, o partido evitará propor a chegada de um governo que garanta liberdades e não colocará como objetivo das conquistas de classe a necessidade de liberdade para todos, mas trará postulados que tornem evidente como a liberdade aos trabalhadores consiste na restrição da liberdade aos exploradores e burgueses.

Colocado atualmente o problema do enfraquecimento dos sindicatos de classe e de outros órgãos imediatos do proletariado, o partido, em primeiro lugar, promoverá a defesa dos sindicatos vermelhos tradicionais e a necessidade de ressurgi-los. O trabalho nas fábricas evitará criar órgãos que possam esvaziar de eficácia as palavras sobre a reconstrução sindical. Levando em consideração a situação atual, o partido atuará para o funcionamento dos sindicatos nas “seções sindicais de fábrica”, as quais, representando a forte tradição sindical, se apresentam como os organismos adequados para liderar as lutas operárias, já que a defesa destas é hoje possível nas fábricas. Buscar-se-á eleger a comissão interna ilegal pela seção sindical de fábrica, reservando-se a transformação, o mais breve possível, da comissão interna em um organismo eleito pelo conjunto dos empregados da fábrica.

Quanto à organização nas áreas rurais, aplicam-se as considerações feitas sobre a questão agrária.

Utilizando ao máximo todas as possibilidades de organização dos grupos proletários, será necessário utilizar a palavra dos comitês operários e camponeses observando os seguintes critérios:

  1. A palavra de ordem para criar os Comitês operários e camponeses não será lançada com periodicidade intermitente e casual, mas será imposta com uma vigorosa campanha, diante de uma virada de situação que evidencie para as massas a necessidade de uma nova estrutura, ou seja, podendo identificá-la com uma palavra de ordem clara, não apenas de pura organização, mas de ação do proletariado;
  2. O núcleo dos Comitês deverá ser composto por representantes de organismos tradicionalmente conhecidos pela massa, mesmo que mutilados pela reação, como os sindicatos e organismos análogos, mas não por convocação de delegados políticos;
  3. Poderá ser posteriormente concedida a palavra sobre a eleição dos Comitês, mas no primeiro período deverá ser claro que eles não são os Sovietes, ou seja, os órgãos de governo do proletariado, mas a expressão de uma aliança local e nacional de todos os explorados para a defesa comum.

Quanto às relações com os sindicatos fascistas, especialmente hoje que eles não aparecem nem mesmo formalmente como associações voluntárias das massas, mas sim como verdadeiros órgãos oficiais da aliança entre patronato e fascismo, deve-se rejeitar, em geral, a palavra da penetração em seu interior para desagregá-los. A palavra de reconstrução dos sindicatos vermelhos deve ser simultânea à palavra contra os sindicatos fascistas.

As medidas organizacionais a serem adotadas dentro do partido foram em parte indicadas. Em relação à situação atual, é necessário coordená-las com necessidades a serem discutidas em outro local (clandestino). Também é urgente que elas sejam sistematizadas e formuladas em claras normas estatutárias obrigatórias para todos, a fim de evitar a confusão do centralismo saudável com a obediência cega a disposições arbitrárias e desuniformes, um método perigoso para a coesão efetiva do partido.

12. — Perspectivas da situação interna do partido

A situação política e organizativa interna do nosso partido não pode ter uma resolução definitiva no quadro nacional, mas depende do desenvolvimento da situação interna e da política de toda a Internacional. Será um erro grave, de responsabilidade dos líderes nacionais e internacionais, se persistirem contra a Esquerda o método insensato de pressões de cima para baixo e a simplificação do complexo problema da ideologia e da política do partido a casos de conduta pessoal.

Sendo a Esquerda sempre firme em suas opiniões, deve-se permitir a todos os camaradas que não pretendem renunciar a essas opiniões que ofereçam, em uma atmosfera livre de barganhas e ameaças recíprocas, o compromisso mais leal com a execução das disposições dos órgãos do partido e a renúncia a qualquer atividade de oposição, porém sem exigir a participação deles na direção central do partido. É evidente que essa proposta não corresponde a uma situação abstratamente perfeita, mas seria perigoso iludir o partido com a possibilidade de eliminação dos inconvenientes da situação interna por simples medidas organizativas e de posições pessoais. Aquele que fizer isso será responsável por um grave atentado ao partido.

Somente levantando o problema dessa abordagem mesquinha e colocando-o diante do partido e da Internacional em toda a sua amplitude, realmente alcançaremos o objetivo de evitar a deterioração do ambiente do partido e de iniciar o caminho para superar todas as dificuldades que ele enfrenta hoje.