Contra a corrente do comunismo

Octávio Brandão

12 de julho de 1926


Fonte: Documentos microfilmados da participação do Brasil (1922-1939) nos fundos da Internacional Comunista, vol. 3, págs. 354-356.
HTML: Lucas Schweppenstette.


No fim de 5 annos de lutas, somos apenas 600. Porque?

Na partilha do mundo, coube ao Partido Communista do Brazil um dos peores trechos. Em regra geral, no Brazil, o que não é pedra, é piri-piri. Na pedra, a semente não vinga por falta de humus e agua. No meio do piri-piri (uma cyperacea) nada vinga: é o paul, a agua podre, a lama. Assim, perde-se grande parte do nosso esforço.

Innumeros obstaculos se antepõem á nossa obra.

Ha o atrazo industrial do paiz: são 300 mil trabalhadores fabris para uns 8 milhões de trabalhadores ruraes numa população de 30 milhões. Ha a monocultura cafeeira, de base feudal, absorvendo um proletariado numeroso, entregue ao peor arbitrio.

Ha as grandes distancias: é mais facil ir do Rio de Janeiro a Moscou do que viajar do Rio de Janeiro ao territorio do Acre.

Ha os vestigios da escravidão: abolida ha 38 annos apenas, deixou fundas raizes, principalmente no interior.

Ha o immigrante. Em regra geral, não pensa em ficar aqui; só pensa em enriquecer e voltar, como oppressor, á terra de onde partiu como opprimido: o sul e o sudoeste da Europa. Com esse fim, sujeita-se a todas as imposições, trabalha 12 e 14 horas sob condições hygienicas deploraveis, contanto que a paga seja avultada e permitta accumular; come mal, dorme aos magotes em quartos de ar viciado; não traz a familia e vive em relações duvidosas constituindo um fóco de desmoralização social. Se traz a familia, não póde accumular nem voltar á Europa e ficha chumbado á mais negra miseria. Além disto, em regra geral, o immigrante vem dos campos do sul e sudoeste da Europa, batido pelas privações e, muitas vezes, vem aprender as primeiras letras no Brazil. Uma tragedia! E não pode ser de outra forma porque o operario industrial europeu não se sujeitaria a vir para aqui, trabalhar sob taes condições. O proletariado brazileiro - ainda impregnado dos vicios da escravidão; o proletariado não brazileiro - elemento de regresso, de involução. Terrivel herança para o Partido Communista!

Ha a falta de partidos politicos: antes do nosso, só havia no Brazil o partido governamental, o partido dos fazendeiros de café.

Ha as leis de excepção: opprimem a vanguarda revolucionaria não brazileira, sujeitando-a ás deportações summarias.

Ha a difficuldade em naturalizar-se: só os ricos poderão conseguil-o.

Ha o apoio insignificante do proletariado internacional e da propria Internacional Communista; esta, preoccupada com a Europa e a Asia, só ultimamente é que começou a comprehender o perigo que representa, para a Revolução Mundial, uma America do Sul dominada pelo imperialismo. Era com tristeza que liamos os relatorios de Zinoviev sem uma referencia sequer á America do Sul. E nossos artigos e informações, enviados aos jornaes europeus, ou não chegavam lá, porque os Correios os confiscavam, ou, se chegavam, não eram traduzidos; e se o eram, davam-se cousas interessantes como “A Classe Operaria” apparecer em “L’Humanité”, como um jornal escripto em castelhano.

Ha a quantidade enorme de artezãos e de intermediarios economicos, politicos, ethnicos e religiosos.

Ha a facilidade que tem o trabalhador em renegar a classe operaria, estabelecendo-se, aburguezando-se.

Ha o obstaculo de uma lingua que é um tumulo. Escrever em portuguez é o mesmo que não escrever. Ninguem lê.

Ha a censura postal. Confisca a nossa correspondencia a torto e a direito, provocando incidentes desagradaveis. Fornece cópia á policia, provocando prisões de communistas. Quando a correspondencia escapa a censura, não escapa ao relaxamento administrativo; os pacotes de folhetos e jornaes são chamados “miúdos” e jogados no “cocho”, isto é, refugiados para ser queimados; e, assim, perde-se grande parte do nosso esforço.

Ha um estado de sitio de 4 annos - fonte de arbitrariedades systematicas.

Ha, na capital do paiz, os seguintes obstaculos: a dispersão da massa, o confusionismo, os syndicatos entregues a policiaes, a preoccupação do carnaval, a burocracia brazileira, e a pequena e média burguezia portugueza.

Ha as numerosas secções operarias dos jornaes burguezes e, em troca, os obstaculos economicos, e a opposição policial e governamental á creação de uma imprensa proletaria.

Ha o corporativismo predominante na immensa maioria do proletariado.

Ha a colligação socialista, anarchista, anarcho-syndicalista, amarella, capitalista e policial, contra os communistas.

Ha as derrotas e perseguições de 1919-1920 creando uma athmosphera de pessimismo.

Ha a tactica das bombas que originou no proletariado uma athmosphera de pavor a tudo quanto se refere á revolução.

Ha o pouco habito de ler: o trabalhador, em regra geral, não lê, não sabe ler; quando lê, não digere; quando algum militante lhe explica o que leu, não é capaz de repetir.

Ha a pobreza do Partido Communista, vivendo das quotas mensaes pagas irregularmente devido á situação ilegal.

Ha as nossas proprias faltas provenientes do auto-didacticismo.

Ha a incomprehensão das massas que não gostam de polemicas.

Ha a desorganização syndical e o esforço da policia em reduzir a zero as nossas tentativas de reorganização.

Ha a difficuldade em encontrar typographias que acceitem nossa literatura; estando sujeitas a violencias policiaes, não querem arcar com as responsabilidades.

Ha esses obstaculos e ha dezenas de outros. Todos elles pesam desmesuradamente num dos pratos da balança, emquanto no outro prato só existe o rythmo dialectico da historia empurrando a sociedade brazileira para a revolução proletaria.

O que está ahi não é pessimismo. É a realidade. Somos objectivistas; por isto, não desanimamos. Acompanhamos a luta revolucionaria mundial e sabemos que ella decidirá da situação brazileira. Lenta, mas firmemente, avançamos. Tão grandes obstaculos não nos lançam no desespero; encaramol-os com serenidade. Serenidade fria, mas tragica…

Pensamos nas palavras de Lenine: bloco massiço, galgamos um caminho escarpado e difficil, agarrando-nos uns aos outros. Vivemos cercados de inimigos por todos os lados e, caindo e reerguendo-nos, temos de caminhar quasi constantemente debaixo de um fogo curado. Unimo-nos como resultado de uma decisão que tomámos livremente, afim de combatermos os inimigos do proletariado e não rolarmos no pantano vizinho, onde as rãs do opportunismo nos injuriam por desafinarmos o coaxar capitalista. E, grupo compacto, iremos até ao fim, cumprindo o nosso dever historico, despedaçando os obstaculos e marchando para a victoria e para a revolução!

12 de Julho de 1926

(As) OCTAVIO BRANDÃO


Inclusão: 23/12/2023