Política de Quadros

Octávio Brandão

27 de outubro de 1956


Primeira Edição: Edição 01949, 1956 do jornal Imprensa Popular, publicado no Rio de Janeiro, em 26 e 27 de outubro de 1956. Nesse artigo, Brandão registra sua última intervenção na política interna do Partido, a qual exige uma política para os velhos quadros comunistas.

Fonte: Hemeroteca Digital - BN digital Brasil - https://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=108081&pasta=ano%20195&pesq=%22Pol%C3%ADtica%20de%20Quadros%22&pagfis=12128

Transcrição: Vinícius Azevedo

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


O atual projeto de Resolução do Comitê Central do P.C. é um primeiro marco, documento da maior importância que abre vastas perspectivas.

Esperei dez anos – tenaz, pacientemente, sempre lutando, como um cabôclo do Nordeste. A discussão está aberta. Hoje, tenho o direito incontestável de travar o debate público, denunciar as violações clamorosas dos princípios mais elementares da verdadeira política de quadros e protestar mais uma vez, com veemência e indignação. Faço um Apêlo ao Comitê Central, a todos os membros do P.C e à classe operária, para que me assegurem plenamente esse direito e não permitam absolutamente novas violações.

Todo o P.C. e a classe operária precisam conhecer a fundo a verdade. O proletariado só pode viver da verdade!

O Projeto de Resolução do Comitê Central acentua: em nosso P.C.; predominava “uma falsa e injusta política de quadros”. É a pura verdade!

Essa falsa e injusta política de quadros manifestava-se sob duas formas principais, para uns, era o culto à personalidade até o delírio, para outros, era o mais profundo desprêzo pela personalidade humana. Vivi dez anos nesse ambiente de desprêzo. Analisemos suas manifestações. Os fatos são às centenas. Tratarei de resumi-los.

A vida de um intelectual. Tenho 60 anos, duros e difíceis, pelo menos desde 1900, quando minha mãe faleceu. Tenho 44 anos de lutas: a partir de 1912, pela libertação espiritual do povo brasileiro, contra o atraso e o obscurantismo; a partir de 1917, no selo do movimento operário e popular; a partir de 1922, sob a bandeira gloriosa do P.C. Sempre procedi com fidelidade e dedicação à causa da libertação da classe operária e de todo o povo brasileiro.

Sou um dos raríssimos intelectuais que aderiram ao P.C. no ambiente brasileiro dos quatro anos de estados de sítio sucessivos e no ambiente internacional da estabilização relativa do capitalismo, de seu reforçamento, embora temporário. Em razão de tudo isso, multiplicaram-se, no Brasil, os obstáculos e as dificuldades.

Sou um dos raríssimos militantes que se mantiveram na luta, sem interrupção, durante todos os anos de existência do P.C. Tenho, pois, 34 anos de P.C., sendo, porém, mais de 15 anos de ostracismo político: de 1930 a 1935, de 1946 a 1950 e de 1950 a 1956. Mais de 15 anos perdidos em grande parte!

O problema que aqui levanto não é absolutamente de caráter pessoal. Sua essência é política, social e ideológica. o problema da política de quadros-questão decisiva, determinante. Vou traçar a pálida miniatura das imensas desgraças de todo o P. C.

O Primeiro ostracismo. Fui relegado ao ostracismo político durante 5 1/2 anos, de abril-maio de 1930 a janeiro de 1936. Fui golpeado por uma linha política e ideológica absolutamente falsa.

Em 1930-1934, o nosso P.C. atravessou um período trágico e terrível. Em 1930, em Buenos Aires, realizou-se uma desgraçada conferência dos P.C. Nela, o Birô Sul-americano da Internacional Comunista impôs ao nosso P.C. uma linha política absolutamente falsa: a Revolução Soviética Imediata. Por imposição do Birô, a Comissão Central Executiva, que dirigiu o nosso P.C. desde o nascimento, durante oito longos e duros anos, foi liquidada em cinco minutos. O P.C. ficou sem direção durante quinze anos.

Por ocasião da conferência de Buenos Aires, tentei resistir. Estava sozinho. Fui ameaçado de expulsão e relegado ao ostracismo. Tive de suportar 16 discursos de ataques, inclusive pessoais. Voltei ao Brasil. Tive de comparecer a mais de 50 reuniões, para fazer a “autocrítica” de erros imaginários, em lugar dos erros reais que cometi em 1924-1928 – a incompreensão do caráter da revolução, de suas forças motrizes e do papel dos camponeses. Fui prêso mais uma vez e deportado do Brasil com Laura e três crianças.

Em Moscou, em 1931-1935, levei uma vida de contrastes. De um lado, vivi apaixonadamente a grandiosa realidade da revolução, acompanhei com entusiasmo o primeiro plano qüinqüenal, a construção dos fundamentos do socialismo, a industrialização, a coletivização da agricultura e a revolução cultural. Mas, de outro lado, em Moscou, em 1931-1935, vencido mas não convencido da linha de Revolução Soviética imediata, passei muita penúria e continuei no mesmo ostracismo trágico e injusto. Laura e as quatro crianças sofreram as consequências dolorosas.

Em janeiro de 1936, houve um ato de justiça política e moral. Terminou o ostracismo. Meu trabalho passou a ser aproveitado.

Era no fim do período do segundo plano qüinqüenal. A vida melhorou extraordinariamente. Havia a fartura, o bem-estar, a arte e a cultura, ao alcance de todos os homens e mulheres. Maravilhas!

Em contraste, porém, tive de suportar quatro anos de terríveis expurgos, no ambiente de terror, cuja simples denúncia, hoje, transtorna os camaradas mais frios.

Finalmente, terminaram os expurgos. Íamos respirar, livres do pesadêlo. Mas, em 1939, a guerra estourou no Ocidente. A vida começou a piorar na União Soviética. Em 1941, veio a invasão dos exércitos da Alemanha nazista. Resisti aos quatro anos da guerra mais terrível de toda a história universal. Terminou a hecatombe. A vida foi melhorando. Mas parti com a família.

Durante tantos anos de exilio, o nosso P.C. nunca levantou sequer uma palha para que eu voltasse ao Brasil. Em 1945, escrevi, telegrafei várias vezes. Em vão! Voltei por conta própria.

O meio-ostracismo. De volta ao Brasil, fui relegado ao meio-ostracismo político durante 3 1/2 anos, de novembro de 1946 a maio de 1950, sem nenhuma razão de princípios nem de tática que o justificasse. Fui golpeado por uma falsa e injusta política de quadros, conforme o Projeto de Resolução do Comitê Central hoje a denuncia e condena.

Logo ao chegar, encontrei um ambiente de contrastes. De um lado, calor e simpatia, apoio e estímulo, justiça e compreensão no selo da grande massa trabalhadora. Mas, de outro lado, a indiferença ou a surda hostilidade no seio da direção do P.C. Seis dias depois da chegada, “A Classe Operária”, o órgão do P.C., fechou-me as portas, esquecendo que fui o fundador do jornal em 1925, há mais de trinta anos.

Pensava que a direção do P.C. me enviaria a percorrer o Brasil, fazendo conferências e sabatinas sobre os acontecimentos grandiosos que vivi na Europa durante mais de quinze anos. Não consegui sair do Distrito Federal. Nem se quer permitiram que visitasse Alagoas. Há 37 anos, não vejo a terra natal.

No leito de agonia, Laura pediu: – Viva ou morta, voltar ao Brasil! Ao chegar de volta à Pátria, fiz um apêlo ao povo. Surgiram imediatamente uma campanha e um movimento pela repatriação dos restos mortais de Laura. Mas a direção do P.C. torpedeou a campanha e o movimento. Laura não encontrou justiça em vida, nem também depois da morte.

Escrevi a biografia de Laura. Encontrei editor – José Olímpio. Pronto o livro, a direção do P.C. o proibiu, sôbre a “base” das alegações mais negativistas. O livro foi desfeito. O editor nunca mais quis relações comigo.

Em 1947, fui eleito vereador, em terceiro lugar, depois de mais de quinze anos de ausência. Era uma surpresa desagradável para a direção do P.C. Vieram, logo, as represálias: nas teses para o Congresso do P.C., em 1947, cobraram-me os erros de 1924-1928. Em tôda a história do P.C., ninguém mais cometêra erros.

Na Câmara Municipal, vivi todo o tempo manietado. Apesar de tudo, tomei uma série de iniciativas. Acumulei muitos novos materiais e iniciei uma campanha contra o imperialismo norte-americano. Seria irradiada pelo Brasil afora. Era uma particularidade importantíssima. Mas só pude fazer um único discurso. Sua divulgação foi impedida. Os outros discursos, saboteados. E a campanha contra o inimigo principal fracassou.

Também na Câmara Municipal, pretendia fazer uma campanha de esclarecimento sobre a União Soviética e a acontecimentos de 1931-1946, de magnitude histórica mundial. A campanha também seria irradiada. Mas foi proibida. Tomei muitas outras iniciativas. Anunciei uma conferência, na ABI, sobre a batalha de Moscou, em 1941, contra a invasão dos exércitos de Hitler. A conferência foi proibida pela direção do P.C.

Solicitei que me permitissem ir à Gávea, trabalhar pela formação de quadros operários. O pedido foi recusado pela direção do P.C.

Em 1948, acumulei muitos novos materiais e, pela segunda vez, iniciei uma campanha contra o imperialismo norte-americano, seus “filósofos”, “sociólogos”, etc. Só pude publicar alguns artigos. Quando ia mostrar a impotência militar estratégica dos Estados Unidos antes mesmo da guerra da Coréia, os artigos foram suspensos. Apesar de todos os meus esforços e protestos, fracassou a segunda campanha Iniciada contra o imperialismo norte-americano.

Publiquei o poema Jundiá. Enviei-o aos camponeses do Estado do Rio. Fizeram-me observações sobre a primeira parte, mas ficaram satisfeitos com a segunda parte, sôbre a vida dos camponeses. A direção do P.C. não se interessou absolutamente por esse poema.

Durante longos meses, traduzi do russo o que existia de melhor sobre problemas políticos, sociais e filosóficos. O esforço, perdido. A quase totalidade das traduções foi parar nos gavetões da burocracia.

Já em 1916, saí pelo mundo a procurar petróleo. Em 1917, mencionei 14 lugares de Alagoas com indícios desse combustível. Em 1934, pela primeira vez no Brasil, o petróleo jorrou no Riacho Doce – exatamente um dos lugares que assinalei 17 anos antes. Em 1948, publiquei a segunda edição do livro Canais e Lagoas, insistindo, mais uma vez, nesses problemas nacionais. Mas a direção do P.C. jamais quis reconhecer-me como pioneiro do petróleo no Brasil.

Tal a política falsa e injusta da direção do P.C. para com os intelectuais e velhos militantes.

O ostracismo total. Na vida clandestina, fui relegado ao ostracismo total durante mais de seis anos, de maio de 1950 a outubro de 1956, sem nenhuma razão de princípios nem de tática que o justificasse. Fui golpeado por uma falsa e injusta política de quadros, conforme o Projeto de Resolução do Comitê Central hoje a denuncia e condena.

Em janeiro de 1948, o mandato dos vereadores e deputados foi cassado. O P.C. lançou o manifesto de janeiro. Fui prêso e barbaramente espancado. Instauraram um processo político por idéias e não por delitos. Cometêra o “crime” de ser solidário com os amigos. Esse processo vem rolando há mais de oito anos. Em maio de 1950, tive de desaparecer. O tribunal reacionário ordenou a prisão preventiva. Passei, então, a ser caçado pela polícia política.

Em 1950-1956, estudei muito e acompanhei os acontecimentos. Rolei por uns trinta lugares diferentes. Morei num telheiro na Penha, num pobre barraco em Vilar dos Teles em lugarejos perdidos no interior. Dormi muitas vezes ne chão.

Há mais de cinco anos, nem sequer posso ir ao próprio lar, ver as filhas pequeninas. Há mais de seis anos, vivo das esmolas dos amigos, sem tarefa nem ligação com P.C., completamente abandonado, num desconforto atroz – físico, moral e intelectual.

27.10.1956

★ ★ ★

Reclamei muitas vêzes. Protestei. Em vão!

Em várias ocasiões, fui obrigado a partir às pressas, mas sem ter para onde ir. Numa noite de julho de 1950, com fome e frio, não tinha sequer onde dormir. Solicitei o auxílio da direção do P.C. para encontrar um local onde pudesse refugiar-me e trabalhar. Esperei a resposta durante semanas. Em vão!

Num ambiente de perseguições, fiquei muitas vêzes ora sem almoço ora sem jantar. Não tinha dinheiro. Pela 2ª vez, solicitei o auxílio da direção do P.C. Esperei várias semanas. Não obtive resposta. Rolei novamente, abaixo e acima.

Em outubro de 1950, refugiei-me na casa de um amigo. Não havia espaço. Dormia

no soalho. Marquei um encontro com um dirigente do P.C. Apesar de tudo combinado, esperei o inutilmente.

Afrontando inúmeros obstáculos, tomei uma série de iniciativas. Em 1950, publiquei O CAMINHO – epopéia nacional. Procurei dar um quadro da insurreição dos marinheiros, dirigida por João Cândido, em 1910. Participantes da insurreição leram o livro e afirmaram:

– É a pura verdade! Mas a direção do P.C. ignorou o livro. A edição encalhou. A obra foi boicotada por todos os lados.

Em 1956, publiquei o livro OS INTELECTUAIS PROGRESSISTAS. Mas a direção do P.C. também o ignorou.

Numa noite de fevereiro de 1951, caí ao saltar de um bonde. Sofri fratura completa do femur direito, com arrancamento dos trocanteres. Dei um grito e fiquei estirado na rua. Juntou gente. Queriam levar-me para a Assistência Pública. Recusei. Evitei, assim, ser reconhecido e preso. Colocaram-me num automóvel de praça. Desci adiante. Dei alguns saltos com um pé só. Arrastei-me no meio de dores espantosas. Engatinhei. Subi dois lances de degraus de pedra e, com a coxa fraturada e pendurada, cheguei à casa de um amigo. Dias depois, fui carregado nos braços, para um hospital. Seis meses aleijado.

No hospital, por duas vezes, esperei a visita de um dirigente do P.C. Em vão! Era obrigado a partir de qualquer forma, mas não tinha para onde ir. Pela 3ª vez, solicitei auxílio, a fim de encontrar algum local. Recebi a resposta: – “Procure os amigos”. Mas, como? Não podia caminhar, a perna pendurada, as dores tremendas.

Em maio de 1951, fui carregado para um sítio perdido no interior. Aí fiquei largado. Uma noite, tive de partir sem destino. Aleijado e traumatizado. andei rolando abaixo e acima.

Afinal, depois de vários anos de boicote, fui chamado a uma pequena reunião, em outubro de 1951. Falei sobre o enorme perigo da espionagem e da provocação nas fileiras do P. C. Chamei todo o P.C. à luta pela mais rigorosa vigilância de classe. Meses depois, os provocadores infiltrados entregaram à polícia mais de 1.500 patriotas. O grito de alerta chegara em tempo. Mas recebi um castigo: não fui chamado a nenhuma reunião durante mais de dois anos!

Em novembro de 1951, pela 4ª vez, solicitei o auxílio da direção do P.C., numa longa carta, levantando com energia o problema da política de quadros. Nem sequer acusaram o simples recebimento da carta!

No fim de 1951, fui parar num casebre, num pobre lugarejo do interior. Aí fiquei mais de oito meses. Tinha muito pouco dinheiro. Tomava café com pão sem manteiga pela manhã, almoçava feijão com arroz e, para variar, jantava arroz com feijão. Nada mais. Enfraqueci. Aguentei cinco gripes.

Em malo de 1952, pela 5ª vez, solicitei à direção do P.C. que me auxiliasse a conseguir um local onde pudesse refugiar-me e trabalhar. Em vão! Enviei à direção o folheto ABECEDARIO DOS TRABALHADORES, destinado às massas. Nem sequer acusaram o recebimento. O folheto nunca foi publicado.

Em agosto de 1952, tive de partir às pressas. Bati na pequena casa de um camarada. Não havia espaço. Dormia no chão, numa esteira de táboa.

Depois, fui morar, sozinho, num pobre barraco de madeira em Vilar dos Teles, Estado do Rio, entre morros e alagadiços. A alimentação, pobre. A saúde, de mal a pior. As gripes, contínuas. Então, pela 6ª vez, apelei para a direção do P.C. Esperei pela resposta, no barraco, em profunda solidão. Inutilmente! E, de novo, rolei abaixo e acima.

Nesse meio tempo, fiz a 7ª tentativa para ligar-me direção do P.C. Compareci dez vêzes ao mesmo local, esperando um enviado. Em vão!

Em janeiro de 1953, pela 11ª vez, compareci ao local de sempre. Soube que tinham marcado um encontro. Finalmente! Levaram-me à noite através de caminhos desertos, por dentro do mato perdido. Que queriam de mim? Com a maior surpresa minha, iniciaram um longo interrogatório sobre um interminável “disse que disse”. Eram mexericos. Tinham de cair pela base.

Nesse momento, fiz várias solicitações. Nenhuma foi atendida. Fracassou, pois, a 8ª tentativa para ligar-me à direção do P.C.

Por ocasião do falecimento de Stálin, a direção lançou um apelo a todos os membros. Escrevi imediatamente uma carta, atendendo ao apêlo. Esperei a resposta. Em vão! E, assim, fracassou a 9ª tentativa para ligar-me à direção do P.C. Em maio de 1953, enviei mais uma carta à direção, com um estudo sobre Tobias Barreto. Nenhuma resposta. E, assim, fracassou a 10ª tentativa para ligar-me à direção do P.C.

Dias depois, fui atropelado e derrubado por um automóvel. Sofri dores tremendas. Um mês inteiro a escarrar sangue. Três meses aleijado.

Em agosto de 1953, melhorei. Triste, arrastando a perna doente, parti sem destino. Atravessei meses muito penosos.

Em outubro, fui morar na Penha, num telheiro estreito, húmido e sombrio. Como no barraco de Vilar dos Teles, a friagem da noite tornava-se insuportável. O vento rodopiava e bramia violentamente no corredor do telheiro. À noite, acordava molhado pela chuva.

Em dezembro de 1953, depois de dois anos de afastamento, fui chamado. Falei sôbre o novo programa do P.C. Prometeram-me um local para trabalhar, ligação e tarefa partidárias. Em vão!

No sombrio telheiro da Penha, escrevi um estudo sobre OS ACONTECIMENTOS DE 1930 e a linha política do P.C. em 1930-1934. Enviei-o à direção com uma carta. Nem sequer acusaram o recebimento!

Depois, tive de partir. Tomei iniciativas. Acumulei muitos novos materiais e, pela terceira vez nos últimos anos, iniciei uma campanha contra o imperialismo norte-americano. Só pude publicar dois artigos.

No segundo, em março de 1954, assinalei várias debilidades do trabalho de agitação e propaganda do P.C. Esse trabalho não era concreto, nem específico, nem planificado, perdia-se em generalidades, assuntos momentâneos, aspectos superficiais, deixava-se arrastar pelo imediatismo e o sensacionalismo, não travava a batalha na frente ideológica, repetia as mesmas chapas, fórmulas e expressões padronizadas.

Nesse mesmo artigo, acentuei a necessidade de realizar uma série de tarefas. Quais? Fazer uma campanha planificada de esclarecimento de milhões de brasileiros sobre as características fundamentais do imperialismo. Publicar folhetos específicos, pequenos artigos diários e estudos profundos, explicando o que é o imperialismo, e sua penetração no Brasil. Organizar movimentos econômicos e políticos planificados nas empresas que produzem e transportam os minérios do Brasil para as fábricas de armamentos e munições dos Estados Unidos. Escrever, nos muros e paredes, em todo o Brasil, as duas palavras de ordem permanentes e estratégicas: Libertação Nacional! Abaixo o imperialismo norte-americano!

Em resposta, vieram logo as represálias: publicaram um artigo personalista, de chalaça e menosprezo, contra mim. Enviei uma carta à direção do P.C., rebatendo e protestando. Nem sequer acusaram o recebimento! A campanha iniciada contra o imperialismo norte-americano fracassou pela terceira vez. Dois anos e meio depois, ainda não foi realizada uma única das tarefas levantadas em março de 1954. O trabalho de agitação e propaganda continua até hoje com as mesmas chapas, fórmulas e expressões padronizadas.

Inaugurou-se o IV Congresso do nosso P.C. Era a 7 de novembro de 1954. Nesse dia, completei 32 anos de partido, sem interrupção. Recebi, logo, o “prêmio”: a direção do P.C. exigiu que, mais uma vez, eu fizesse a auto-crítica dos erros cometidos em 1924-1928. Trinta anos depois, a direção continuava a cobrar-me os velhos erros de 1924-1928.

Recebi também outro “prêmio”: no IV Congresso, mandaram-me embora como um pobre velho que “não progride”. Um mês depois, provei o contrário. Então, tiveram de reconhecer: – “O camarada Brandão é um caso de rejuvenescimento político e ideológico”.

Diante disto, prometeram aproveitar-me. Esperei dois anos. Em vão!

Tal a política falsa e injusta da direção do P.C. para com os intelectuais e velhos militantes.

Conclusão. Os quadros precisam encontrar educação e orientação, calor e simpatia, apoio e estímulo, justiça compreensão. Neste sentido, faço um Apêlo ao Comitê Central, a todo o P.C., à Classe operária e ao povo brasileiro.

Para começar, considero imprescindível a Rutura total, violenta e definitiva com a falsa e injusta política de quadros, até hoje dominante.

Coragem, energia e decisão!


Inclusão: 13/09/2023