O Partido e as massas

Antonio Gramsci

25 de setembro de 1921


Primeira Edição: L’Ordine Nuovo, 25 de setembro de 1921, artigo não assinado.

Tradução: Elita de Medeiros - da versão disponível em https://www.marxists.org/archive/gramsci/1921/09/parties-masses.htm

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A crise constitucional fortemente debatida pelo Partido Socialista interessa ao Partido Comunista, pois é um reflexo mais profundo da crise constitucional que é discutida pelo povo italiano. Deste ponto de vista, a crise do Partido Socialista não pode ser considerada isolada: faz parte de um quadro mais amplo e abrangente, que também está vinculado ao Partido Popular e ao fascismo.

As massas não existem politicamente, se não estiverem enquadradas em partidos políticos: as mudanças de opinião verificadas nas massas sob a pressão de determinadas forças econômicas são interpretadas pelos partidos que primeiro se dividem por tendência, e então se dividem em uma multiplicidade de novos partidos orgânicos - através deste processo de desarticulação, novas associações e fusão entre homogêneos, revela-se um processo mais profundo e íntimo de decomposição da sociedade democrática pelo desvio definitivo de classes na luta pela conservação ou pela conquista do poder do Estado e seu poder sobre as funções de produção.

Durante o período de armistício e de ocupação de fábricas, o Partido Socialista representou a maioria dos trabalhadores, constituída a partir das três classes fundamentais: o proletariado, a pequena burguesia e os camponeses pobres. Destas três classes, apenas o proletariado era essencialmente e permanentemente revolucionário: as outras duas classes eram de revolucionários ocasionais. Eles eram socialistas de guerra, e aceitavam a ideia da revolução em geral devido aos sentimentos antigovernamentais que se acumularam durante a guerra. Como o Partido Socialista tinha uma maioria de elementos pequeno-burgueses e camponeses, ele poderia fazer a revolução apenas nos primeiros períodos do armistício, quando os sentimentos de revolta antigovernamental ainda eram vivazes e ativos. Além do mais, já que o Partido Socialista era predominantemente composto por elementos pequeno-burgueses e camponeses (cuja mentalidade não é muito diferente da dos pequenos burgueses urbanos), não poderia deixar de vacilar e hesitar, sem nenhum programa claro e preciso, sem endereço e, principalmente, sem uma consciência internacionalista. A ocupação de fábricas, essencialmente proletária, já havia encontrado o socialista despreparado, pois estava em crise de consciência devido aos primeiros golpes do fascismo. O fim das ocupações de fábrica fez desaparecer completamente o Partido Socialista, e os sentimentos revolucionários e as crenças infantis caíram completamente; as dores da guerra foram parcialmente implementadas (uma revolução não pode ser feita apenas com memórias do passado); o governo burguês ainda parecia forte no período de Giolitti(1) e na atividade fascista; os líderes reformistas afirmaram que pensar em uma revolução era uma loucura; e Serrati(2) afirmou que pensar sobre a revolução comunista na Itália era uma loucura. Durante aquele período, apenas a minoria do Partido, formada pelo que havia de mais avançado do proletariado industrial, não silenciou seu ponto de vista comunista e internacionalista, não se desmoralizou com os acontecimentos do dia a dia, e não se deixou enganar pelas aparências de robustez e energia do Estado burguês. Nesse sentido que o Partido foi formado; a primeira organização autônoma e independente do proletariado industrial, da única classe essencialmente e permanentemente revolucionária. O Partido Comunista não se tornou o partido das massas imediatamente. E isto prova uma coisa: as condições de grande desmoralização e grande desânimo em que as massas foram seladas como resultado do fracasso político da ocupação das fábricas. A confiança na maioria dos funcionários foi perdida, e isto significa que aqueles que haviam sido exaltados são agora olhados com escárnio: os sentimentos mais íntimos e delicados da consciência do proletariado foram brutalmente maculados por esses funcionários. O oficialismo subalterno tornou-se cético e corrompido no arrependimento de seu passado maximalista.(3) Imediatamente após as massas se desviarem do Partido Socialista, tornaram-se segmentadas, liquefeitas e dispersas. O pequeno burguês, que simpatizava com o socialismo, agora simpatiza com o fascismo; os camponeses, agora sem apoio no Partido Socialista, têm simpatia pelo Partido Popular. Mas isso não passa sem que haja consequência: esta confusão dos velhos efeitos do Partido Socialista de um lado, dos fascistas do outro, e dos populares de outro.

O Partido Popular chegou perto do Partido Socialista nas eleições parlamentares durante aquelas eleições. As listas populares abertas em todas as circunscrições reuniram centenas de milhares de nomes de candidatos socialistas. Durante as eleições municipais, em algumas comunidades rurais, desde as eleições políticas até agora, muitas vezes os socialistas apresentavam listas de minorias e consultavam seus adeptos para reverter seus votos na lista popular. Em Bergamo, esse fenômeno teve uma manifestação clamorosa. Os extremistas populares se separaram da organização branca, fundiram-se com os socialistas e fundaram uma Liga Trabalhista e um jornal semanal escrito por populares e socialistas juntos. Objetivamente, o processo de reaproximação socialista e popular representa um progresso. A classe camponesa se une e adquire a consciência e a noção de sua solidariedade difusa, rompendo a cobertura religiosa no campo popular, rompendo a cobertura da cultura anticlerical da pequena burguesia no campo socialista. Devido a essas tendências causadas pelos efeitos rurais, o Partido Socialista afastou-se ainda mais do proletariado industrial, e assim quebrou o forte vínculo unificador que o campo socialista parecia ter criado entre a cidade e o campo. Uma vez que essa ligação não era uma realidade, não emergiu nenhum efeito negativo da situação. Uma verdadeira vantagem parece ser evidente: o Partido Popular sofreu forte oscilação para a esquerda e tornou-se mais secular. Assim, acabará por romper com a direita e entrará decisivamente no campo da luta de classes com um enfraquecimento formidável para o governo burguês.

O mesmo fenômeno é perfilado no campo fascista. O pequeno burguês urbano, reforçado por todos os desertores do Partido Socialista, havia tentado, após o armistício, tirar proveito da capacidade organizacional e da ação militar adquirida durante a guerra. A guerra italiana foi dirigida na ausência de um Estado importante e eficiente; do oficialismo subalterno, isto é, da pequena burguesia. Os delírios de sofrimento durante a guerra criaram fortes sentimentos de rebelião antigovernamental nessa classe, aquela que perdeu, após o armistício, a unidade militar em sua formação. Eles se dispersaram nas várias festas de massa, levando consigo fermentações de rebelião, mas também incertezas, oscilações e demagogia. Como a força do Partido Socialista caiu após as ocupações de fábricas, essa classe se reorganizou rapidamente e reconstruiu suas formações militares, e se organizou nacionalmente sob a pressão do mesmo grande Estado que a explorou durante a guerra. Foi uma maturidade rápida com a rápida crise de constituição. O pequeno burguês urbano, um brinquedo nas mãos do grande Estado e das mais retrógradas forças do governo, aliou-se aos agrários e rompeu-se às custas dos agrários e das organizações dos camponeses. O pacto de Roma com fascistas e socialistas sinalizava o ponto de parada dessa política cega e desastrosa para a pequena burguesia urbana, o que consistia na venda de sua primogenitura por um prato de lentilhas. Se o fascismo continuasse em suas expedições punitivas através de Treviso, Sarzana e Roccastrada, a população seria inserida em massa na hipótese de derrota popular. A pequena burguesia definitivamente não ganharia o poder, mas o grande Estado e os grandes proprietários de terras. O fascismo voltou a se aproximar do socialismo, enquanto a pequena burguesia tentava romper seus laços com os grandes proprietários e tentava ter um programa político que acabou estranhamente parecido com o de Turati e D’Aragona.

E esta é a situação das massas italianas, uma grande confusão criada pela unidade superficial que surgiu com a guerra e foi personificada no Partido Socialista, que está em grande confusão e encontra pontos de polarização dialética no Partido Comunista, uma organização independente do proletariado industrial, uma organização de camponeses no Partido Popular, e uma organização da pequena burguesia no fascismo. O Partido Socialista, que durante as ocupações de fábricas representou a demagogia dessas três classes de trabalhadores, hoje a mais exposta é a mais meritória vítima do processo de desarticulação (para um novo ativo definitivo) que as massas italianas estão empreendendo como consequência da decomposição da democracia.


Notas da tradução inglesa:

(1) Giovanni Giolitti: Primeiro-Ministro da Itália 1892-1921. (retornar ao texto)

(2) Serrati foi um líder central do Partido Socialista da Itália. (retornar ao texto)

(3) Os maximalistas eram um grupo de reformadores socialistas que propagaram a revolução, mas se limitaram apenas às eleições parlamentares e outras ações legais. (retornar ao texto)

Inclusão: 20/12/2021