Carta a Karl Marx
[em Bonn]

Jenny von Westphalen Marx

10 de Agosto de 1841


Fonte: Mouro - Revista Marxista. Núcleo de Estudos d'O Capital.
Tradução: Ligia Kimie Yamasato
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.

capa

Trier, 10 de agosto de 1841

Meu pequeno negro selvagem,

Estou tão feliz por você estar feliz e por saber que minha carta te alegra, que está torcendo por mim, que está morando em quartos de papel de parede, que bebeu champanhe em Colônia, que existem sociedades de Hegel aí, que você vem sonhando e que, resumindo, você é meu, meu amor, meu querido negro selvagem. Mas apesar de tudo isso, de uma coisa eu senti falta: você poderia ter elogiado um pouco o meu grego e dedicado um pequeno artigo louvando a minha erudição. Mas vocês são assim mesmo, vocês, cavalheiros hegelianos, não reconhecem coisa alguma, é o cúmulo da superioridade, tudo tem de ser exatamente como vocês pensam, e por isso mesmo eu devo ser modesta e descansar sobre meus próprios louros. Sim, querido, eu ainda tenho de repousar, infelizmente, e na verdade em uma cama com travesseiros de plumas, e até mesmo esta pequena carta será enviada ao mundo da minha pequena cama.

No domingo, aventurei-me em uma audaciosa excursão nos quartos da frente, mas isso não me fez bem e agora tenho de fazer nova penitência por isso. Schleicher disse-me há pouco que vem se correspondendo com um jovem revolucionário, mas o jovem está muito enganado a respeito de seus compatriotas. Ele não acredita que possa conseguir um quinhão ou qualquer outra coisa. Ah, querido, meu querido amor, você agora também está envolvido com política. Realmente essa é a atividade mais arriscada de todas. Querido Karl, lembre-se sempre que aqui você tem uma namorada que o espera e está sofrendo, e depende totalmente do seu destino. Querido, meu querido amor, como eu desejaria poder ver-te novamente.

Infelizmente, não devo e ainda não posso marcar um dia. Antes de me sentir bem novamente, não vou pedir permissão para viajar. Mas estou me restabelecendo esta semana. E por outro lado, nosso querido sinopsista poderá finalmente partir e não devo mais ver este estimado senhor. Esta manhã, bem cedo, li no jornal de Augsburgo três artigos hegelianos e o anúncio do livro do Bruno!

Francamente falando, meu querido, eu deveria agora dizer adeus, pois você só me pediu um par de linhas e já preenchi quase a página inteira. Mas hoje eu não quero seguir tudo ao pé da letra e pretendo esticar as linhas que você pediu para muitas páginas. E é verdade, não é mesmo, meu querido, que você não vai ficar zangado com sua pequena Jenny por causa disso e pelo conteúdo em si? Você deve saber que só um criado oferece mais do que ele tem. Hoje o meu zumbido, sussurrando em minha pequena cabeça, está se esvaindo e já não percebo quase nada, apenas rodas, sinos e moinhos. Os pensamentos se foram, mas, por outro lado, meu pequeno coração está tão cheio, transbordando de amor e de saudades e desejo ardente por ti, meu infinito amor.

A propósito, você recebeu uma carta escrita a lápis enviada por Vauban? Talvez um intermediário já não seja tão bom, e no futuro devo endereçar as correspondências diretamente ao meu amo e senhor.

O Comodoro Napier acabou de passar com seu manto branco. Os pobres sentidos falham. Eles me atacam como se fosse o desfiladeiro de lobos no Freischuz, quando de repente surgem o exército selvagem e todas as formas fantásticas e curiosas. Somente sobre o pequeno palco do nosso teatro alguém sempre vê as armadilhas nas quais águias, corujas e crocodilos são capturados — só que neste caso, o mecanismo é um pouco diferente.

Amanhã, pela primeira vez, o pai poderá sair de sua posição constrangedora e poderá se sentar à cadeira. Ele anda um pouco desanimado com o progresso lento de sua recuperação, mas ele continua dando suas ordens sem parar, e em breve ele receberá a Grã-Cruz da Ordem dos Comandantes.

Se eu não estivesse aqui tão miseravelmente deitada, logo estaria arrumando minhas malas. Está tudo pronto. Vestidos, colares e tiaras estão em ordem, só mesmo sua dona não está em plenas condições. Oh, meu querido, fico pensando em você e no seu amor durante minhas noites sem sono, quantas vezes orei, abençoei e pedi bênçãos a você, e como é bom sonhar tantas vezes com toda a felicidade que foi e que será. — Esta noite Haizinger estará atuando em Bonn. Você irá vê-la? Eu a vi como Donna Diana.

Meu mais amado Karl, eu gostaria de dizer muito mais, tudo o que resta a ser dito — mas minha mãe não vai tolerar por muito mais tempo — ela vai arrancar a caneta de minhas mãos e eu não poderei sequer expressar as minhas saudações mais ardentes e carinhosas. Apenas um beijo em cada dedo e, depois, a distância. Voem, voem para o meu Karl, e apertem seus lábios tão calorosamente como se fossem quentes e carinhosos quando forem de encontro a eles e, então, não sejam mais os tolos mensageiros de amor e sussurrem todas as minúsculas, doces e secretas expressões do amor, o amor que lhe darei — contem-lhe tudo — mas, nem tudo, deixem um pouco para a sua amada.

Adeus, meu primeiro e único amor. Eu não posso escrever mais, ou minha cabeça vai virar um turbilhão [...] você sabe, e quadrupedanteputrem sonitu, etc. etc. — Adeus, meu querido senhor das ferrovias. Adeus, meu querido pequeno homem — É certo, não é, que me casarei com você?

Adeus, adeus, meu querido.


Inclusão 08/05/2013