Duas Tácticas da Social-Democracia na Revolução Democrática

V. I. Lénine

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Prólogo


capa

Nos momentos de revolução é muito difícil conseguir acompanhar os acontecimentos, que fornecem uma prodigiosa quantidade de material novo para apreciar as palavras de ordem tácticas dos partidos revolucionários. A presente brochura foi escrita antes dos acontecimentos de Odessa(1*). Indicámos já em Proletári[N230] (n.° 9, A Revolução Ensina)(2*) que esses acontecimentos obrigaram, mesmo aqueles sociais-democratas que criaram a teoria da insurreição-processo e negavam a propaganda a favor de um governo provisório revolucionário, a passar ou começar a passar de facto para o lado dos seus contraditores. A revolução ensina, indubitavelmente, com uma rapidez e uma profundidade que parecem incríveis nos períodos pacíficos de desenvolvimento político. E, o que é particularmente importante, ensina não só os dirigentes, mas também as massas.

Não há a menor dúvida de que a revolução ensinará o espírito social-democrata às massas operárias da Rússia. A revolução confirmará na prática o programa e a táctica da social-democracia, mostrando a verdadeira natureza das diversas classes sociais, mostrando o carácter burguês da nossa democracia e as verdadeiras aspirações do campesinato, revolucionário no sentido democrático-burguês, mas portador não da ideia da «socialização» mas de uma nova luta de classes entre a burguesia camponesa e o proletariado rural. As velhas ilusões do velho populismo, que se manifestam de modo tão evidente, por exemplo, no projecto de programa do «partido dos socialistas-revolucionários», na questão do desenvolvimento do capitalismo na Rússia, na questão do espírito democrático da nossa «comunidade rural» e na questão do significado da vitória completa da insurreição camponesa, todas essas ilusões serão dissipadas implacável e definitivamente pela revolução. Esta dará pela primeira vez o autêntico baptismo político às diferentes classes. Estas classes sairão da revolução com uma fisionomia política definida, porque se terão revelado não só nos programas e palavras de ordem tácticas dos seus ideólogos, mas também através da acção política aberta das massas.

É indubitável que a revolução nos ensinará, que ensinará as massas populares. Mas a questão, para o partido político em luta, consiste agora em ver se saberemos nós ensinar alguma coisa à revolução, se saberemos aproveitar-nos da justeza da nossa doutrina social-democrata, da nossa ligação com o proletariado, a única classe consequentemente revolucionária, para imprimir à revolução a marca proletária, para levar a revolução até à verdadeira vitória, decisiva, efectiva e não verbal, para paralisar a instabilidade, a ambiguidade e a traição da burguesia democrática.

Devemos dirigir todos os nossos esforços para este fim. E consegui-lo depende, por um lado, do acerto com que avaliemos a situação política, de que sejam justas as nossas palavras de ordem tácticas, e, por outro, de que essas palavras de ordem sejam apoiadas pela força combativa real das massas operárias. Todo o trabalho habitual, regular, corrente de todas as organizações e grupos do nosso partido, o trabalho de propaganda, agitação e organização, está orientado no sentido de fortalecer e ampliar a ligação com as massas. Este trabalho é sempre necessário, mas nos momentos revolucionários menos que nunca pode ser considerado suficiente. Nestes momentos, a classe operária sente-se instintivamente impelida para a acção revolucionária aberta e nós devemos saber colocar acertadamente os objectivos dessa acção, com o objectivo de os difundir depois do modo mais amplo possível e de fazer com que sejam compreendidos. É preciso não esquecer que o pessimismo corrente sobre a nossa ligação com as massas encobre agora com especial frequência as ideias burguesas relativas ao papel do proletariado na revolução. É indubitável que temos de trabalhar ainda muitíssimo para educar e organizar a classe operária, mas actualmente toda a questão consiste em saber onde deve residir o centro de gravidade político principal desta educação e desta organização. Nos sindicatos e nas associações legais ou na insurreição armada, no trabalho de criação de um exército revolucionário e de um governo revolucionário? A classe operária educa-se e organiza-se tanto num como noutro. Tanto um como outro são, naturalmente, necessários. Toda a questão, na revolução actual, se reduz, entretanto, a saber onde deve residir o centro de gravidade da educação e da organização da classe operária, se no primeiro ou no segundo.

O desenlace da revolução depende do seguinte: desempenhará a classe operária o papel de auxiliar da burguesia, embora seja um auxiliar poderoso pela intensidade do seu ataque contra a autocracia, mas politicamente impotente, ou assumirá o papel de dirigente da revolução popular. Os representantes conscientes da burguesia apercebem-se perfeitamente disso. É por essa razão que a Osvobojdénie exalta o akimovismo[N231], o «economismo» na social-democracia, o qual coloca actualmente em primeiro plano os sindicatos e as associações legais. Por isso é que o Sr. Struve aplaude (n.° 72 da Osvobojdénie) o aparecimento das tendências de princípios do akimovismo no neo-iskrismo. É por isso que arremete também contra a odiada estreiteza revolucionária das resoluções do III Congresso do Partido Operário Social-Democrata da Rússia[N232].

As acertadas palavras de ordem tácticas da social-democracia têm agora importância particular para a direcção das massas. Não há nada mais perigoso do que subestimar a importância das palavras de ordem tácticas conformes com os princípios nas épocas revolucionárias. Por exemplo, o Iskra [N233], no n.° 104, passa-se de facto para o lado dos seus contraditores na social-democracia, mas, ao mesmo tempo, fala com desdém da importância das palavras de ordem e resoluções tácticas que se adiantam à vida, que indicam o caminho pelo qual avança o movimento com uma série de reveses, erros, etc. Pelo contrário, a elaboração de resoluções tácticas acertadas tem uma importância gigantesca para o partido que pretende dirigir o proletariado no espírito dos firmes princípios do marxismo e não simplesmente deixar-se arrastar na cauda dos acontecimentos. Nas resoluções do III congresso do Partido Operário Social-Democrata da Rússia e da conferência da parte que se separou do partido(3*), temos a expressão mais precisa, mais meditada, mais completa das concepções tácticas, não expostas por alguns autores de modo casual, mas sim aprovadas pelos representantes responsáveis do proletariado social-democrata. O nosso partido está à frente de todos os outros com um programa preciso e aceite por todos. Ele deve também dar aos outros partidos exemplo de uma atitude rigorosa em relação às suas resoluções tácticas, contrariamente ao oportunismo da burguesia democrática da Osvobojdénie e à fraseologia revolucionária dos socialistas-revolucionários, os quais só durante a revolução se lembraram de apresentar um «projecto» de programa e se ocuparam pela primeira vez da questão de saber se a revolução que se processa ante os seus olhos é burguesa.

Eis porque consideramos que a tarefa mais urgente da social-democracia revolucionária é estudar cuidadosamente as resoluções tácticas do III congresso do Partido Operário Social-Democrata da Rússia e da conferência, assinalar os desvios dos princípios do marxismo que as mesmas contêm, esclarecer as tarefas concretas do proletariado social-democrata na revolução democrática. A este trabalho é consagrada a presente brochura. Comprovar a nossa táctica do ponto de vista dos princípios do marxismo e dos ensinamentos da revolução é necessário também para todo aquele que queira preparar realmente a unidade de táctica como base da futura unificação completa de todo o Partido Operário Social-Democrata da Rússia, e não limitar-se unicamente a palavras de exortação.

Julho de 1905.

N. Lénine


Notas de Rodapé:

(1*) Refere-se a sublevação do couraçado Príncipe Pottómkine[N229]. (Nota de Lénine para a edição de 1907. - N. Ed.) (retornar ao texto)

(2*) Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5.a ed. em russo, t. 11, p. 136. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(3*) No III Congresso do POSDR (realizado em Londres em Maio de 1905) apenas tomaram parte os bolcheviques. Na "conferência" em Genebra na mesma altura, apenas tomaram parte os mencheviques, frequentemente chamados neste folheto neo-iskristas, porque, tendo continuado eles a publicar o Iskra, declararam através de Trótski, então seu correligionário, que entre o velho e o novo Iskra mediava um abismo. (Nota de Lénine para a edição de 1907. - N. Ed.) (retornar ao texto)

Notas de Fim de Tomo:

[N229] A sublevação no couraçado «Potiómkine» começou a 14 (27) de Junho de 1905. O couraçado sublevado chegou a Odessa, onde naquela altura tinha lugar uma greve geral. Mas as condições favoráveis que se tinham criado para uma acção conjunta dos operários de Odessa e dos marinheiros não foram aproveitadas. Depois de errar pelo mar durante onze dias, o couraçado Potiómkine, privado de víveres e de combustível, foi obrigado a dirigir-se às costas da Roménia e a entregar-se às autoridades romenas. A maioria dos marinheiros ficou no estrangeiro. Os que regressaram à Rússia foram presos e entregues aos tribunais.

A sublevação no couraçado Potiómkine fracassou, mas a passagem da tripulação do maior navio militar para o lado da revolução marcou um importante passo em frente no desenvolvimento da luta contra a autocracia. (retornar ao texto)

[N230] (O Proletário): jornal semanal bolchevique, clandestino. Órgão centrai do POSDR, criado de acordo com a resolução do III Congresso do partido. Por decisão da reunião plenária do Comité Central do partido, a 27 de Abril (10 de Maio) V. I. Lénine foi nomeado redactor responsável do Órgão Central. O jornal editou-se em Genebra de 14 (27) de Maio a 12 (25) de Novembro de 1905. Ao todo saíram 26 números. (retornar ao texto)

[N231] Akimovismo: do nome de V. P. Akímov (Makhnóvets), eminente representante do
«economismo», um dos oportunistas mais extremos. (retornar ao texto)

[N232] O III Congresso do POSDR realizou-se em Londres de 12 a 27 de Abril (25 de Abril - 10 de Maio) de 1905. Foi preparado pelos bolcheviques e decorreu sob a direcção de Lénine. Os mencheviques negaram-se a participar no congresso e reuniram em Genebra a sua própria conferência.

Estiveram presentes ao congresso 38 delegados: 24 com voto deliberativo e 14 com voto consultivo.

O congresso examinou questões fundamentais da revolução que se desenrolava na Rússia e determinou as tarefas do proletariado e do seu partido. Foram debatidas no congresso as questões seguintes: relatório do Comité de Organização; insurreição armada; atitude para com a política do governo nas vésperas da revolução; sobre o governo revolucionário provisório; atitude para com o movimento camponês; estatutos do partido; atitude para com a parte que se separou do POSDR; atitude para com organizações sociais-democratas nacionais; atitude para com os liberais; acordos práticos com os socialistas-revolucionários; propaganda e agitação; relatórios do CC e dos delegados dos comités locais, e outras.

Lénine redigiu os projectos de resoluções para todas as questões fundamentais debatidas pelo congresso. Pronunciou no congresso discursos sobre a participação da social-democracía no governo revolucionário provisório, sobre a resolução quanto ao apoio ao movimento camponês, e interveio também com discursos sobre a insurreição armada, sobre as relações entre operários e intelectuais nas organizações sociais-democratas, sobre os estatutos do partido, sobre o relatório de actividade do CC e outras questões. O congresso traçou um plano estratégico e a linha táctica do partido na revolução democrática burguesa. O congresso apresentou, como tarefa fundamental e inadiável do partido na revolução democrático-burguesa, a tarefa de organizar a insurreição armada. O congresso assinalou que como resultado da vitória da insurreição popular armada devia ser criado o governo revolucionário provisório que teria de esmagar a resistência da contra-revolução, realizar o programa mínimo do POSDR, preparar as condições para passar à revolução socialista.

O congresso reviu os estatutos do partido e adoptou o primeiro parágrafo dos mesmos, sobre a filiação no partido, segundo a formulação de Lénine; eliminou o sistema de dois centros no partido (Comité Central e Órgão Central) e criou um único centro dirigente do partido: o Comitê Central; determinou com nitidez os direitos do CC e as suas relações com os comités locais.

O congresso censurou as acções dos mencheviques, o seu oportunismo nas questões de organização e de táctica. Visto que o Iskra caíra nas mãos dos mencheviques e seguia uma linha oportunista, o III Congresso encarregou o CC de criar um novo Órgão Central, o jornal Proletári. Na sessão plenária do CC de 27 de Abril (10 de Maio) de 1905 V. I. Lénine foi nomeado redactor do Proletári. (retornar ao texto)

[N233] Trata-se do Iskra menchevíque (a partir do n.° 52 os mencheviques transformaram o Iskra em seu órgão; começou a sair o Iskra «novo», menchevique). (retornar ao texto)

Inclusão 17/04/2007