Rosa Luxemburgo
Reforma ou Revolução

Parte I


1. O Método Oportunista

Se é verdade que as teorias são as imagens dos fenómenos do mundo exterior reflectidas no cérebro humano, é necessário acrescentar que, no concernente às teses de Bernstein, são imagens invertidas. A tese da instauração do socialismo por meio de reformas sociais – depois do abandono definitivo das reformas na Alemanha! A tese do controlo da produção pelos sindicatos –depois do faIhanço dos construtores de máquinas ingleses! A tese de uma maioria parlamentar socialista – depois da revisão da constituição saxónica e dos atentados no Reichstag ao sufrágio universal(1). Entretanto, o essencial da teoria de Bernstein não é a sua concepção das tarefas práticas da social-democracia, o que interessa é a tendência objectiva da evolução da sociedade capitalista que decorre paralela a essa concepção. Segundo Bernstein, um desmoronamento total do capitalismo é cada vez mais improvável porque, por um lado, o sistema capitalista demonstra uma capacidade de adaptação cada vez maior e, por outro lado, a produção é cada vez mais diferenciada. Ainda na opinião de Bernstein, a capacidade de adaptação do capitalismo manifesta-se primeiro no facto de já não existir crise generalizada, o que se deve à evolução do crédito das organizações patronais, das comunicações e dos serviços de informação; segundo, na tenaz sobrevivência das classes médias, resultado da diferenciação crescente dos ramos da produção e da elevação de largas camadas do proletariado ao nível das classes médias; terceiro, finalmente, melhoria económica e política do proletariado, através da acção sindical.

Essas observações conduzem a consequências gerais para a luta prática da social-democracia que, na óptica de Bernstein, não deve visar a conquista do poder político, mas melhorar a situação da classe trabalhadora e instaurar o socialismo não na sequência de uma crise social e política, mas por uma extensão gradual do controlo social da economia e pelo estabelecimento progressivo de um sistema de cooperativas.

O próprio Bernstein não vê nada de novo nessas teses. Pensa, muito pelo contrário, que estão em conformidade tanto com algumas declarações de Marx e Engels como com a orientação geral até agora seguida pela social-democracia.

No entanto é incontestável que a teoria de Bernstein está em absoluta contradição com os princípios do socialismo científico. Se o revisionismo se limitasse à previsão de uma evolução do capitalismo muito mais lenta do que é normal atribuir-se-Ihe, poder-se-ia ùnicamente inferir um espaçamento da conquista do poder pelo proletariado, o que na prática resultaria simplesmente num abrandamento da luta.

Mas não se trata disso. O que Bernstein põe em causa não é a rapidez dessa evolução. mas a evolução do capitalismo em si mesma e, por conseqüência, a passagem ao socialismo. Na tese socialista, na afirmação que o ponto de partida da revolução socialista será uma crise geral e catastrófica, é preciso, em minha opinião, distinguir duas coisas: a ideia fundamental e a sua forma exterior.

A ideia é, supõe-se, que o regime capitalista fará nascer de si próprio, a partir das suas contradições internas, o momento em que o seu equilíbrio será rompido e onde se tornará pròpriamente impossível. Que se imaginava esse momento com a forma de uma crise comercial geral e catastrófica, havia fortes razões para o fazer, mas é, em última análise, um detalhe acessório da ideia fundamental. Com efeito, o socialismo científico apoia-se, é sabido, em três dados fundamentais do capitalismo: 1º, na anarquia crescente da economia capitalista que conduzirá fatalmente ao seu afundamento; 2º, sobre a socialização crescente do processo de produção que cria os primeiros fundamentos positivos da ordem social futura; 3º, finalmente, na organização e na consciência de classe cada vez maiores do proletariado e que constituem o elemento activo da revolução iminente.

Bernstein elimina o primeiro desses fundamentos do socialismo científico: pretende que a evolução do capitalismo não se orienta para um afundamento económico geral. Por isso não é uma determinada forma de desmoronamento do capitalismo que rejeita, mas o próprio desmoronamento. Escreve textualmente: "Pode-se objectar que quando se fala da derrocada da sociedade actual, visa-se outra coisa que não uma crise comercial geral e mais forte que as outras, a saber, um desmoronamento completo do sistema capitalista em consequência das suas contradições".

E refuta essa objecção nestes termos:

"Uma derrocada completa e mais ou menos geral do sistema de produção actual é a consequência do desenvolvimento crescente, não o mais provável, mas o mais improvável, porque este aumenta, por um lado, a sua capacidade de adaptação e por outro lado – ou melhor, simultaneamente – a diferenciação da indústria". (Neue Zeit, 1897-1898, V, 18, p. 555).

Mas então uma questão fundamental se põe: esperaremos pelo objectivo final para onde tendem as nossas aspirações e, se sim, porquê e como? Para o socialismo científico a necessidade histórica da revolução socialista é sobretudo demonstrada pela anarquia crescente do sistema capitalista que o envolve num impasse. Mas, se se admite a hipótese de Bernstein: a evolução do capitalismo não se orienta para uma derrocada – e o socialismo deixa de ser uma necessidade objectiva. Aos fundamentos científicos do socialismo restam os dois outros lados do sistema capitalista: a socialização do processo de produção e a consciência de classe do proletariado. Era ao que Bernstein aludia na passagem seguinte: [Recusar a tese do desmoronamento do capitalismo] não enfraquece de modo algum a força de convicção do pensamento socialista. Porque, examinando de mais perto todos os factores de eliminação ou de modificação das crises anteriores, constatamos que são simplesmente premissas ou mesmos germens da socialização da produção e da troca". (Neue Zeit, 1897-1898, V, 18, p. 554).

Num relance, apercebemo-nos da inexactidão destas conclusões. Os fenómenos apontados por Bernstein como sinais de adaptação do capitalismo: as fusões, o crédito, o aperfeiçoamento dos meios de comunicação, a elevação do nível de vida da classe operária, significam simplesmente isto: anulam, ou pelo menos atenuam, as contradições internas da economia capitalista; impedem que se desenvolvam e se exasperem. Assim, a desaparição das crises significa a abolição do antagonismo entre a produção e a troca numa base capitalista; assim, a elevação do nível de vida da classe operária, seja qual for, mesmo quando uma parte desses operários passa a pertencer à classe média, significa atenuação do antagonismo entre o capital e o trabalho. Se as fusões, o sistema de crédito, os sindicatos, etc., anulam as contradições do capitalismo, salvando por esse meio o sistema capitalista da catástrofe (por isso Bernstein chama-Ihes "factores de adaptação") como podem constituir, ao mesmo tempo, as "premissas ou mesmo os germens" do socialismo? É indubitàvelmente necessário compreender que fazem ressaltar mais claramente o carácter social da produção. Mas, conservando-lhe a forma capitalista, tornam supérflua a passagem dessa produção socializada a produção socialista. Assim, podem ser as premissas e os germens do socialismo no sentido teórico e não no sentido histórico do termo, fenómenos que sabemos, pela nossa concepção do socialismo, serem-lhe aparentados mas não suficientes para o instaurar e muito menos para o tornar supérfluo. Só resta, como fundamento do socialismo, a consciência de classe do proletariado. Mas mesmo esta não reflecte no plano intelectual as cada vez mais flagrantes contradições internas do capitalismo ou a eminência do seu desmoronamento, porque os "factores de adaptação" impedem que se produza, reduzindo-se portanto a um ideal, cuja força de convicção repousa nas perfeições que se lhe atribuem.

Numa palavra: esta teoria fundamenta o socialismo num "conhecimento puro", ou para usar uma terminologia clara, é o fundamento idealista do socialismo. Excluindo a necessidade histórica, não deixa de se enraizar no desenvolvimento material da sociedade. A teoria revisionista é obrigada a uma alternativa: ou a transformação socialista da sociedade é consequência, como anteriormente, das contradições internas do sistema capitalista e, então, a evolução do sistema inclui também o acerbamento das suas contradições, acabando necessàriamente um dia ou outro na derrocada sob uma ou outra forma e, nesse caso, os "factores de adaptação" são ineficazes e a teoria da catástrofe é justa. Ou os "factores de adaptação" são capazes de evitar realmente o desmoronamento do sistema capitalista e assegurar a sua sobrevivência, portanto, anular essas contradições e, nesse caso. o socialismo deixa de ser uma necessidade histórica e, a partir daí, é tudo o que se queira, excepto o resultado do desenvolvimento material da sociedade. Este dilema engendra um outro: ou o revisionismo tem razão quanto à evolução do capitalismo – e nesse caso a transformação socialista da sociedade é uma utopia – ou o socialismo não é uma utopia e. nesse caso, a teoria dos "factores de adaptação" perde a sua base.

That is the question: este é o problema.

2. A Adaptação do Capitalismo

Os mais eficazes meios de adaptação da economia capitalista são a instituição do crédito, a melhoria dos meios de comunicação e as organizações patronais(2).

Comecemos pelo crédito. Das suas múltiplas funções na economia capitalista, a mais importante é a de aumentar a capacidade extensiva da produção e a de facilitar a troca. No caso em que a tendência interna da produção capitalista para um crescimento ilimitado ultrapassa os limites da propriedade privada, as dimensões restritas do capital privado, o crédito aparece como o meio de ultrapassar esses limites no quadro do capitalismo, intervém para concentrar um grande número de capitais privados num só – é o sistema das sociedades por acções – e para assegurar aos capitalistas a utilização de capitais estrangeiros – é o sistema de crédito industrial. Por outro lado, o crédito industrial acelera a troca das mercadorias, por conseguinte o refluxo do capital no circuito de produção. Percebe-se fàcilmente a influência que exercem essas duas funções essenciais do crédito na formação das crises. Sabe-se que as crises resultam da contradição entre a capacidade de extensão, a tendência expansionista da produção por um lado, e a capacidade restrita de consumo do mercado por outro lado, nesse caso o crédito é precisamente, vimo-lo já, o meio especifico de destruir essa contradição tantas quantas as vezes possíveis. Em primeiro lugar, aumenta a capacidade de extensão da produção em proporções gigantescas; é a força motriz interna que a leva a ultrapassar constantemente os limites do mercado. Mas é uma faca de dois gumes. Na sua qualidade de factor de produção, contribui para provocar a superprodução, na sua qualidade de factor de troca só pode, durante a crise, ajudar na destruição radical das forças produtivas que por ele foram movimentadas. Desde os primeiros sintomas de estrangulamento do mercado, o crédito funde-se, abandona a sua função de troca precisamente no momento em que seria indispensável; revela a sua ineficácia e inutilidade quando ainda existe, e contribui, no decurso da crise, para reduzir ao mínimo a capacidade de consumo do mercado. Citámos os dois efeitos principais do crédito, actuando diversamente na formação das crises. Não somente oferece aos capitalistas a possibilidade de recorrer aos capitais estrangeiros, mas encoraja-os a utilizarem activamente e sem escrúpulos a propriedade alheia, ou, dito de outra maneira, incita a especulações arrojadas. Assim, na qualidade de factor secreto da troca de mercadorias, não só agrava a crise, mas ainda facilita a sua aparição e extensão, fazendo da troca um mecanismo extremamente complexo e artificial, tendo por base real um mínimo de dinheiro-metal, facto que, na primeira ocasião, provoca perturbações nesse mecanismo. Desta forma, o crédito em vez de contribuir para destruir ou mesmo atenuar as crises é, pelo contrário, um seu agente poderoso. Não pode ser de outra maneira. A função específica do crédito consiste – exposta muito esquematicamente – em corrigir tudo o que o sistema capitalista pode ter de rigidez, introduzindo-lhe a elasticidade possível, em tornar todas as forças capitalistas extensíveis, relativas e sensíveis. Só consegue, evidentemente e por isso mesmo, facilitar e agudizar as crises que se definem como o choque periódico entre as forças contraditórias da economia capitalista.

Isto conduz-nos a um outro problema: como pode aparecer o crédito como um "factor de adaptação" do capitalismo? Qualquer que seja a forma sob a qual se imagine essa adaptação, a sua função só pode consistir na redução de um qualquer antagonismo do capitalismo, resolvendo ou atenuando uma contradição, desbloqueando as forças gripadas em tal e tal ponto do mecanismo. Ora, se existe um meio para agudizar no mais alto grau as contradições do capitalismo actual, esse meio é exactamente o crédito. Agrava a contradição entre a produção e a troca, favorecendo no máximo a tendência expansionista da produção, paralisando a troca na primeira ocasião. Agrava a contradição entre a apropriação e a propriedade, separando a produção da propriedade, transformando o capital em capital social, mas por outro lado, dá a uma parte do lucro a forma de interesse do capital, reduzindo-a a um simples título de propriedade. Agrava a contradição entre as relações de propriedade e as relações de produção, expropriando um grande número de pequenos capitalistas e concentrando forças produtivas consideráveis nas mãos de alguns. Agrava a contradição entre o carácter social da produção e o carácter privado da propriedade capitalista, tornando necessária a intervenção do Estado na produção (criação de sociedades por acções) .

Numa palavra, o crédito só consegue reproduzir as contradições polares do capitalismo, agudiza-as, acelera a produção que o precipitará no enfraquecimento, no desmoronamento. O primeiro meio de adaptação do capitalismo quanto ao crédito devia ser a supressão do crédito, a abolição dos seus efeitos. Tal como é, não constitui de modo algum um meio de adaptação, mas um factor de destruição com consequências profundamente revolucionárias. Esse carácter revolucionário que conduz o crédito a ultrapassar o capitalismo não terá ido ao ponto de inspirar planos de reforma, de espírito mais ou menos socialista? Basta olhar para esse grande representante do crédito que foi em França um Isaac Péreire cujos planos de reformas fizeram surgir, segundo Marx, como meio-profeta, meio-canalha.

Com esta mesma fragilidade aparece, quando o examinamos de mais perto, o segundo factor de adaptação da produção – as organizações patronais. Pela teoria de Bernstein deviam, regulamentando a produção, pôr fim à anarquia e prever a aparição das crises. Sem dúvida que o desenvolvimento das fusões e dos monopólios é um fenómeno que ainda não foi estudado em todas as suas diversas consequências económicas. É um problema que só se pode resolver recorrendo à doutrina marxista. De qualquer modo, uma coisa é certa: as associações patronais não conseguiram deter a anarquia capitalista, na medida em que as fusões, os monopólios, etc., se tornariam, mais ou menos aproximadamente, uma forma de produção generalizada ou dominante. Ora a própria natureza das fusões a torna impossível. O objectivo económico final e a acção das organizações é, excluindo a concorrência no interior de um sector da produção, influenciar a repartição do lucro bruto realizado no mercado, de maneira a aumentar a parte desse sector da indústria à custa de outros, precisamente por estar generalizada Prolongada a todos os sectores industriais importantes, anula por si própria o seu efeito.

Mesmo nos limites da sua aplicação prática, as associações patronais estão muito longe de suprimir a anarquia, bem pelo contrário. Normalmente as concentrações só obtêm esse aumento de lucro no mercado interno relacionando-o com o estrangeiro, com uma taxa de lucro muito inferior à parte do capital excedentário que não podem utilizar para as necessidades internas, quer dizer. vendendo as suas mercadorias no estrangeiro a melhor preço que no interior do país. Dai resulta um agravamento da concorrência no estrangeiro, um reforço da anarquia no mercado mundial, exactamente o contrário do que se propunham conseguir. É o que prova, entre outras, a história mundial da indústria do açúcar.

Finalmente, e generalizando a sua qualidade de fenómenos ligados ao modo de produção capitalista, as associações patronais podem apenas ser consideradas como uma fase precisa da evolução capitalista. De facto, as concentrações não passam de um paliativo para a baixa fatal da taxa de lucro em certos sectores da produção. Quais os métodos utilizados pelas concentrações para obterem esse efeito? No fundo não se trata de pôr em pousio uma parte do capital acumulado, quer dizer, o mesmo método utilizado sob outra forma em períodos de crise. Ora, do remédio à doença só existe uma diferença de grau e o remédio só pode passar por um mal menor durante um certo tempo. No dia em que as saídas tendam a estreitar-se, com o mercado mundial desenvolvido ao máximo e esgotado pela concorrência dos países capitalistas, – e não se pode negar que esse dia chegará mais tarde ou mais cedo – a imobilização parcial ou forçada do capital terá dimensões consideráveis: o remédio transformar-se-á no próprio mal e o capital, fortemente socializado pela organização e concentração, transformar-se-á novamente em capital privado. Enfrentando as dificuldades crescentes para encontrar um lugar no mercado, cada parte privada do capital preferirá tentar isoladamente a sua oportunidade. Nesse momento, as organizações rebentam como balões, dando lugar a um agravamento da concorrência(3).

No conjunto, as fusões, tal como o crédito, aparecem como fases bem determinadas do desenvolvimento que, em última análise, apenas contribuem para aumentar a anarquia do mundo capitalista, manifestando em si próprias e levando à exaustão todas as suas contradições internas. Agravam o antagonismo existente entre o modo de produção e o modo de troca, agudizando a luta entre produtores e consumidores; temos um exemplo nos Estados Unidos da América. Agravam, por outro lado, a contradição entre o modo de produção e o modo de apropriação, opondo à classe operária, da maneira mais brutal, a força superior do capital organizado, conduzindo assim ao extremo o antagonismo entre o capital e o trabalho. Por fim, agravam a contradição entre o carácter internacional da economia capitalista mundial e o carácter nacional do Estado capitalista, porque sempre se fazem acompanhar de uma guerra alfandegária generalizada, exasperando assim os antagonismos entre os diferentes Estados capitalistas. A tudo isto acresce a influência revolucionária exercida pelas fusões na concentração da produção, no seu aperfeiçoamento técnico, etc.

Assim, quanto à acção exercida na economia capitalista, as concentrações industriais, os monopólios, não aparecem como "factor de adaptação" apropriado para lhe atenuar as contradições, mas antes como um dos meios que inventa para agravar a sua própria anarquia, desenvolver as suas contradições internas, acelerar a sua própria ruína.

Entretanto, se o sistema de crédito, se as concentrações, etc., não eliminam a anarquia do mundo capitalista, como se explica que, durante dois decénios, desde 1873, não se tenha produzido nenhuma grande crise comercial? Não será isso um sinal de que o modo de produção capitalista se adaptou – pelo menos nas suas linhas fundamentais – às necessidades da sociedade, contràriamente à análise feita por Marx? A resposta não se fez esperar. Mal Bernstein arrumara, em 1898. a teoria marxista das crises entre as ideias antigas, rebentou uma violenta crise geral em 1900; sete anos depois uma nova crise abalou os Estados Unidos, atingindo todo o mercado mundial. Assim, a teoria da "adaptação" do capitalismo foi desmentida por factos eloqüentes. O próprio desmentido demonstrou que aqueles que abandonavam a teoria marxista das crises, pela única razão que nenhuma crise tinha rebentado no "prazo" previsto para que isso sucedesse, tinham confundido a essência dessa teoria com um dos seus aspectos exteriores secundários: o ciclo dos dez anos. Ora, a fórmula do período decenal, fechando todo o ciclo da indústria capitalista, era para Marx e Engels, nos anos 60 e 70, uma simples constatação dos factos: esses factos não correspondiam a uma lei natural, mas a uma série de circunstâncias históricas determinadas; estavam ligados à extensão por saltos, da esfera de influência do jovem capitalismo.

A crise de 1825 foi de facto o resultado dos grandes investimentos de capitais para a construção de estradas, canais e fábricas de gás que se realizaram no decurso do precedente decénio e principalmente em Inglaterra onde rebentou a crise. Da mesma maneira, a crise seguinte, de 1836 a 1839, foi consequência de investimentos formidáveis na construção de meios de transporte. É sabido que a crise de 1847 foi provocada pelo impulso febril da construção dos caminhos de ferro ingleses (de 1844 a 1847, quer dizer, em somente três anos, o Parlamento inglês cedeu concessões das linhas de caminho de ferro por um valor de quase 15 biliões de taleres). Por consequência, nesses três casos, são as diferentes e novas formas de expansão da economia capitalista, a criação das novas bases do desenvolvimento capitalista que estão na origem das crises. Em 1857, assiste-se à brusca abertura de novos mercados para a indústria europeia na América e na Austrália, logo a seguir à descoberta das minas de ouro: depois foi, sobretudo em França, na esteira do exemplo inglês, a construção de numerosas linhas de caminho de ferro (de 1852 a 1856 construíram-se, em França, por 250.000 francos, novas linhas de caminho de ferro). Finalmente, a grande crise de 1873 foi, como se sabe, uma consequência directa da criação e expansão brutal da grande indústria na Alemanha e na Áustria, que se seguiram aos acontecimentos políticos de 1866 e 1871.

De cada vez, isso aconteceu pela expansão brusca da economia capitalista que esteve na origem dessas crises comerciais, e não em consequência de limitações do seu âmbito nem do seu esgotamento. A periodicidade decenal dessas crises internacionais é um facto puramente exterior, um acaso. O esquema marxista da formação das crises, tal como Engels e Marx o expuseram, o primeiro no Anti-Dühring, o segundo no livro I e livro III do Capital, só se explica de maneira ajustável a essas crises na medida em que revela o seu mecanismo interno e as suas causas gerais e profundas; pouco importa que essas crises se repitam todos os dez anos ou todos os cinco, ou ainda, em alternância; todos os vinte e todos os oito anos. Mas o que melhor demonstra a inexactidão da teoria bernsteiniana, é o facto de terem sido precisamente os países onde os famosos "factores de adaptação" capitalistas (o crédito, os meios de informação e os monopólios) estão mais desenvolvidos, que se ressentiram com maior violência dos efeitos da crise de 1907-1908.

A ideia de que a produção capitalista poderia "adaptar-se" à troca implica uma de duas coisas: ou o mercado mundial cresce sem limites, até ao infinito, ou, pelo contrário, trava o desenvolvimento das forças produtivas para que não ultrapassem os limites do mercado. A primeira hipótese esbarra com uma impossibilidade material, à segunda opõe-se os progressos constantes da técnica em todos os sectores da produção, originando todos os dias novas forças produtivas.

Fica um fenómeno que, segundo Bernstein, contrariaria a tendência indicada do desenvolvimento capitalista: é a "falange invulnerável" das empresas médias. Vê-se na sua existência uma indicação minimizadora da influência revolucionária do desenvolvimento da grande indústria na concentração das empresas, que não é acreditável para os defensores da "teoria da catástrofe". É ainda aqui vítima de um mal entendido que ele próprio engendrou. Na realidade, seria compreender muito mal o desenvolvimento da grande indústria se se imaginasse que conduziria necessàriamente à progressiva desaparição das empresas médias.

No curso geral do desenvolvimento capitalista, os pequenos capitais desempenham o papel, na teoria marxista, de pioneiros da revolução técnica, e isso de maneira dupla: em primeiro lugar no respeitante a novos métodos de produção nos sectores antigos fortemente enraizados, depois pela criação de novos sectores de produção inexplorados pelos grandes capitais.

Ter-se-ia procedido mal ao pensar a história das empresas médias como uma linha recta descendente que iria do declínio progressivo à desaparição total. A evolução real é ainda aqui dialéctica; oscila constantemente entre as contradições. As classes médias capitalistas encontram-se, como a classe operária, sob a influência de duas tendências antagónicas, uma ascendente, outra descendente. A tendência descendente é o crescimento contínuo da escala de produção que ultrapassa periodicamente o quadro dos capitais médios, desviando-os regularmente do campo da concorrência mundial. A tendência ascendente é constituída pela depreciação periódica do capital existente, o que faz baixar por um certo tempo a escala da produção segundo o valor do capital mínimo necessário, tal como a penetração da produção capitalista em novas empresas. É preciso não encarar a luta das empresas médias contra o grande capital como uma batalha em forma, onde a parte mais fraca veria diminuir cada vez mais e fundir as suas tropas em número absoluto: é principalmente como se os pequenos capitais fossem periodicamente ceifados para apressar o seu florescimento a fim de serem novamente ceifados pela grande indústria. Entre as duas tendências que disputam a sorte das classes médias capitalistas, a tendência descendente é, em última análise, a dominante. A evolução é, neste caso, a inversa da classe operária. Não se manifesta necessàriamente por uma diminuição absoluta das empresas médias; pode haver: 1º, um aumento progressivo do capital mínimo necessário para o funcionamento das empresas dos anteriores sectores de produção; 2º, uma diminuição constante do intervalo de tempo durante o qual os pequenos capitais detêm a exploração dos sectores de produção. Daí resulta, para o pequeno capital individual, uma transformação cada vez mais rápida dos métodos de produção e da natureza dos investimentos. Para a classe média no seu conjunto resulta uma aceleração do metabolismo social.

Bernstein sabe-o muito bem e constata-o. Mas o que parece esquecer é ser ela a própria lei do movimento das empresas médias capitalistas. Se se admitir que os pequenos capitais são os pioneiros do progresso técnico, o motor essencial da economia capitalista, deve concluir-se que os pequenos capitais acompanham necessàriamente o desenvolvimento do capitalismo, porque fazem parte integrante dele e apenas com ele desaparecerão. A desaparição progressiva das empresas médias – na estreita acepção estatística de que fala Bernstein – só significaria não a tendência revolucionária do desenvolvimento capitalista, como pensa, mas, pelo contrário, uma paragem, a letargia desse desenvolvimento. "Taxa de lucro, isto é, o incremento proporcional do capital, diz Marx, é o mais importante para todos os novos investidores de capitais agrupados independentemente. Assim que a formação do capital caísse totalmente nas mãos de um grupo de grandes capitais totalmente constituídos, o fogo vivificador da produção extinguir-se-ia – entraria em torpor". (Capital, livro III, cap. 15, 2, tomo X, p. 202, tradução Molitor).

3. A Realização do Socialismo Pelas Reformas Sociais

Ao recusar a teoria da catástrofe, Bernstein recusa-se a encarar a derrocada do capitalismo como via histórica conduzindo à realização da sociedade socialista. Qual é a via para os teóricos da "adaptação do capitalismo"? Bernstein faz apenas breves alusões a essa questão a que Conrad Schmidt procurou responder detalhadamente, dentro do espírito de Bernstein (ver o Vorwästs de 20 de Fevereiro de 1898, revista dos livros) .Na óptica de Conrad Schmidt "a luta sindical e a luta política pelas reformas teriam como resultado um controlo social cada vez mais directo sobre as condições de produção" e chegariam a "restringir cada vez mais, por meio da legislação, os direitos do proprietário do capital, reduzindo-o à condição de simples administrador" até ao dia em que finalmente "levará ao capitalista, no limite da sua resistência, vendo a sua propriedade perder progressivamente o valor para si, a direcção e a administração da exploração" até se introduzir finalmente a exploração colectiva.

Em resumo, os sindicatos, as reformas sociais e, acrescenta Bernstein, a democratização política do Estado, são os meios para realizar progressivamente o socialismo.

Comecemos pelos sindicatos: a sua função principal – ninguém a expôs melhor que o próprio Bernstein, em 18911 na Neue Zeit – consiste em permitir aos operários a realização da lei capitalista dos salários, quer dizer a venda da força de trabalho ao preço conjuntural do mercado. Os sindicatos servem o proletariado utilizando no seu próprio interesse, a cada instante, essas conjunturas do mercado. Mas as próprias conjunturas, isto é, por um lado a procura da força de trabalho determinada pelo estado da produção e, por outro, a oferta da força de trabalho criada pela proletarização da classe operária, enfim, o grau de produtividade do trabalho, estão situadas fora da esfera de influência dos sindicatos. Assim, esses elementos não podem suprimir a lei dos salários. Podem, na melhor das hipóteses, manter a exploração capitalista no interior dos limites "normais" determinados em cada momento pela conjuntura, mas estão longe do processo de suprimir a exploração em si-mesma, mesmo que progressivamente.

É verdade que Conrad Schmidt considera o sindicalismo actual como estando "num fraco estado inicial", e espera que, no futuro, o "movimento sindical exerça uma influência reguladora progressiva na produção". Mas essa influência reguladora na produção só pode ser entendida de duas maneiras: trata-se de intervir no domínio técnico do processo, ou de fixar as próprias dimensões da produção. De que natureza poderá ser, rios dois campos, a influência dos sindicatos? É evidente que no concernente à técnica da produção, o interesse do capitalismo coincide até certo ponto com o progresso e o desenvolvimento da economia capitalista. É a necessidade vital que o impele a aperfeiçoar-se tecnicamente. Mas a situação do operário individual é absolutamente inversa: toda a transformação técnica se opõe aos interesses dos operários directamente implicados e agrava a sua situação imediata, depreciando a força do trabalho, tornando o trabalho mais intensivo, mais monótono, mais penoso. Na medida em que o sindicato pode intervir na técnica de produção, só o pode evidentemente fazer nesse sentido, quer dizer, ordenando a atitude de cada grupo operário directamente interessado, por consequência opondo-se necessàriamente às inovações. Nesse caso. não se trata do interesse global da classe operária nem da sua emancipação, que coincide sobretudo com o progresso técnico, quer dizer, com o interesse de cada capitalista, mas, muito pelo contrário, de uma defesa de interesses orientada no sentido da reacção. Com efeito, tais intervenções no domínio técnico reencontram-se não no futuro, onde os procura Conrad Schmidt, mas no passado do movimento sindical. São característicos da mais antiga fase do trade-unionismo inglês (até metade dos anos de 1860), onde se encontram sobrevivências corporativas da Idade Média, que se inspiravam no princípio caduco do "direito adquirido num trabalho conveniente", segundo a expressão de Webb, na sua teoria e prática dos sindicatos ingleses (t. II, p. 100 e seguintes). A tentativa dos sindicatos para fixar as dimensões da produção e dos preços das mercadorias é, muito pelo contrário, um fenómeno recente. Só que a vimos aparecer nos últimos tempos, mais uma vez e somente em Inglaterra (ibid., t. II, p. 115 e seg.). É de inspiração e tendência análogas às precedentes. A que se reduz com efeito a participação activa dos sindicatos na fixação das dimensões e do custo de produção das mercadorias? A uma concentração, reunindo os operários e os empresários contra o consumidor, a utilizar contra os empresários concorrentes medidas coercivas que nada devem aos métodos da associação patronal ordinária. Já não se trata aí de um conflito entre o trabalho e o capital, mas de uma luta travada solidàriamente pelo capital e pela força do trabalho contra a sociedade consumidora. Se ajuizarmos do seu valor social, é um empreendimento reaccionário, não se pode constituir como um estádio da luta para a emancipação do proletariado, porque é o oposto de uma luta de classes; se ajuizarmos do seu valor prático, é uma utopia: basta um relance para se ver que não pode ser alargada a grandes sectores da produção, trabalhando para o mercado mundial.

A actividade dos sindicatos reduz-se, essencialmente, à luta para aumento dos salários e para a redução do tempo de trabalho, procura unicamente ter uma influência reguladora sobre a exploração capitalista, segundo as flutuações do mercado; toda a intervenção no processo de produção é-Ihe, pela própria natureza das coisas, interdita. Mas, além do mais, o movimento sindical desenvolve-se num sentido oposto ao da hipótese de Conrad Schmidt: tende a cortar totalmente o mercado de trabalho de qualquer contacto directo com o resto do mercado. Citemos um exemplo característico dessa tendência: toda a tentativa para ligar directamente o contrato de trabalho com a situação geral da produção, pelo sistema de escala móvel de salários, é ultrapassada pela evolução histórica, e as trade-unions afastam-se cada vez mais dela (Webb, ibid., p. 115). Mesmo no interior dos limites da sua esfera de influência, o movimento sindical não aumenta indefinidamente a sua expansão, como o suponha a teoria da adaptação do capitalismo. Muito pelo contrário. Se se examinarem vários longos períodos de desenvolvimento social, é-se obrigado a constatar que, no conjunto, vamos enfrentar uma época não de expansão triunfante, mas de dificuldades crescentes para o movimento sindical. As reformas chocam-se algures com os limites dos interesses do capital. Claro que Bernstein e Conrad Schmidt consideram que o movimento sindical actual é um "fraco estádio inicial"; esperam, para o futuro, reformas que se desenvolvam até ao infinito, para maior bem da classe operária. Aí, cedem à mesma ilusão em que acreditam, quando consideram a expansão ilimitada do sindicalismo. Quando o desenvolvimento da indústria atingir o seu apogeu e o mercado mundial iniciar a fase descedente, a luta sindical tornar-se-á difícil: 1º, porque as conjunturas objectivas do mercado serão desfavoráveis à força do trabalho, a procura da força de trabalho aumentará mais lentamente e a oferta mais ràpidamente, o que não é o caso actual; 2º, porque o próprio capital para se compensar das perdas sofridas no mercado mundial, se esforçará por reduzir a parte do produto pertencente aos operários. A redução dos salários não é, em resumo, segundo Marx, um dos principais meios de travar a baixa das taxas de lucro? (ver Marx, Capital, livro III, cap. XIV, 2, Tomo X, p, 162). A Inglaterra oferece-nos o exemplo do princípio do segundo estádio do movimento sindical. Nessa fase, a luta reduz-se necessàriamente e cada vez mais à simples defesa dos direitos adquiridos e mesmo isso é cada vez mais difícil. Esta é a tendência geral da evolução cuja contrapartida deve ser o desenvolvimento da luta de classe política e social.

Conrad Schmidt comete o mesmo erro de perspectiva histórica no referente à reforma social: espera que "obrigue a classe capitalista com a ajuda das coalizões operárias sindicais, às condições em que possa adquirir a força de trabalho". É à reforma social assim compreendida, que Bernstein assimila a legislação social, considerando-a um bocado de "controlo social" e como tal um bocado de socialismo. Da mesma maneira, Conrad Schmidt chama ao falar das leis de protecção operária: "controlo social"; depois de ter transformado, do mesmo modo e com felicidade, o Estado em sociedade, acrescenta. com uma confiança magnífica: "quer dizer a classe operária". São vítimas da mesma ilusão, quando acreditam fervorosamente numa expansão ilimitada do sindicalismo.

A teoria da realização progressiva do socialismo por intermédio de reformas sociais implica – e é aí que se encontra o seu fundamento – um certo desenvolvimento objectivo tanto da propriedade capitalista como do Estado. No referente à primeira, o esquema do desenvolvimento futuro tende, segundo Conrad Schmidt, a "restringir progressivamente os direitos do proprietário do capital, reduzindo-o a um papel de simples administrador". Para compensar a pretensa impossibilidade de destruir de uma só vez a propriedade dos meios de produção, Conrad Schmidt inventa uma teoria de expropriação progressiva. Imagina que o direito de propriedade se divide em "direito supremo de propriedade" atribuído à "sociedade" e obrigado, segundo ele, a alargar-se sempre mais, e direito de usufruto que, nas mãos do capitalismo, se reduzirá cada vez mais à simples gestão da empresa. Ora, de duas coisas, uma: ou essa construção teórica não passa de uma inocente figura de retórica a que não se dá a mínima importância e então a teoria da expropriação progressiva perde todo o fundamento; ou representa, a seus olhos, o verdadeiro esquema de evolução jurídica; mas, neste caso, engana-se de uma ponta à outra. A decomposição do direito de propriedade em diversas competências jurídicas, a que Conrad Schmidt recorre para engendrar a sua teoria da "expropriação progressiva" do capital, caracteriza a sociedade feudal baseada na economia natural: a repartição do produto social entre as diferentes classes da sociedade praticava-se naturalmente e fundamentava-se nas relações pessoais do senhor feudal com os seus vassalos. Em compensação, a passagem à produção mercantil e a dissolução de todas as ligações pessoais entre os diversos participantes no processo de produção reforçou as relações entre o homem e a coisa, quer dizer. a propriedade privada. A partir desse momento, a repartição já não se fundamentava em relações pessoais, mas realizava-se através dos meios de troca; os diferentes direitos de participação na riqueza social não se mediam em fracções do direito de participação à riqueza social, não se medindo em fracções do direito de propriedade de um objecto, mas pelo valor conferido a cada um no mercado. De facto, a primeira grande transformação introduzida nas relações jurídicas na sequência do aparecimento da produção mercantil nas comunas urbanas da Idade Média foi a criação da propriedade privada absoluta no próprio núcleo das relações jurídicas feudais, a criação do regime de propriedade parcelada. Mas na produção capitalista essa evolução não parou. Por acréscimo, quanto mais o processo de produção é socializado, mais se fundamenta exclusivamente na troca e mais a propriedade privada capitalista adquire um carácter absoluto e sagrado. A propriedade capitalista, que era um direito sobre os produtos do seu próprio trabalho, transforma-se crescentemente num direito de apropriação do trabalho dos outros. Enquanto o capitalista gerava ele próprio a fábrica, a repartição contínua estava ligada, em certa medida, a uma participação pessoal no processo de produção. Mas, na medida em que se pode ultrapassar o capitalista para dirigir a fábrica – que é o caso das sociedades por acções – a propriedade do capital, enquanto participação na repartição, liberta-se completamente de qualquer relação pessoal com a produção, surge na sua forma mais pura e absoluta. É no capital-acção e no capital de crédito industrial que o direito de propriedade capitalista atinge a sua forma mais acabada.

O esquema histórico de Conrad Schmidt que mostra o proprietário passando da função de "proprietário a simples administrador" não corresponde de modo algum à tendência real da evolução; esta mostra-nos, pelo contrário, a passagem do proprietário e administrador a simples proprietário.

Aqui, encontra-se um paralelo entre Conrad Schmidt e Goethe: "o que se possui vê-o como longínquo, o que não existe torna-se, a seus olhos, a realidade".

O seu esquema histórico apresenta-nos uma evolução económica .que retrogradaria o estádio moderno da sociedade por acções para a manufactura ou mesmo oficina artesanal; mesmo juridicamente pretende levar o mundo capitalista para o seu berço, para o mundo feudal da economia natural.

Nessa perspectiva, o "controlo social", tal como é apresentado por Conrad Schmidt, aparece sobre outra focagem. O que hoje é a acção de "controlo social" – a legislação operária, controlo das sociedades por acções, etc., – não tem, de facto, nenhuma relação com uma participação no direito de propriedade, com uma "propriedade suprema" da sociedade. A sua função não é limitar a propriedade capitalista, mas, pelo contrário, protegê-la. Ou ainda – economicamente falando – não constitui um ataque à exploração capitalista, mas uma tentativa de a normalizar. Quando Bernstein põe a questão de saber se esta ou aquela lei de protecção operária é mais ou menos socialista, podemos responder-lhe que a melhor das leis de protecção operária tem mais ou menos tanto socialismo como as disposições municipais de limpeza das ruas e o acendimento dos bicos de gás – que também revelam o "controlo social".


Notas:

(1) Cada Estado (Land) do Império Alemão tinha a sua Constituição e o seu Parlamento (Landstag) . Depois da considerável expansão do movimento socialista, e desde a abolição da lei de excepção, o Saxe instaurou um sistema eleitoral análogo ao existente na Prússia baseado nas categorias do rendimento (Drelklassenwahl). (retornar ao texto)

(2) Rosa Luxemburg dá esta designação às diversas formas modernas de concentração do capital: trusts, concentrações, etc. –(N. T.). (retornar ao texto)

(3) Numa nota ao ,livro III do Capital, F. Engels escreveu em 1894: "Desde que estas linhas foram escritas (1865), a concorrência aumentou consideràvelmente no mercado mundial, devido ao rápido desenvolvimento industrial de todos os países civilizados. especialmente na América e na Alemanha. A constatação do rápido e gigantesco crescimento das forças produtivas modernas ultrapassa em cada dia e cada vez mais as leis da troca capitalista das mercadorias, no quadro das quais essas forças se devem movimentar, e esta constatação impõe-se na hora actual com uma evidência progressivamente crescente, mesmo perante a consciência dos capitalistas. Esta constatação verifica-se sobretudo através de dois sintomas. Em primeiro lugar, na mania proteccionista que se generalizou e difere do anterior sistema .proteccionista principalmente por proteger em particular os artigos mais aptos para a exportação. Depois, nos monopólios através dos quais os fabricantes de grandes grupos totais de produção regulamentam a produção e, por consequência, os preços e os lucros. Note-se que essas experiências só são possíveis quando a situação económica é relativamente favorável. A primeira perturbação reduzi-Ias-á a nada e demonstrará que, embora a produção precise de ser regulamentada, não é certamente a classe capitalista que será chamada a fazê-Io. Enquanto esperam, esses monopólios em concentração só têm um objectivo: tomar todas as medidas para que os mais pequenos sejam engolidos pelos maiores e ainda mais ràpidamente que no passado". (Capital III, tomo IX, 'PP. 204- -205, tradução Molitor, ed. Costes). (retornar ao texto)

Inclusão 15/01/2005