Problemas Estratégicos da Guerra Revolucionária na China

Mao Tsetung


Capítulo III - Secção 3. Dessas Características Específicas Decorre a Nossa Estratégia e a Nossa Táctica


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Um grande país semi-colonial que viveu uma grande revolução e que se desenvolve duma maneira desigual nos planos politico e económico, um inimigo possante, um Exército Vermelho fraco e pequeno, uma revolução agrária, tais são as quatro principais características específicas da guerra revolucionária na China. Essas características determinam a linha directriz e os numerosos princípios estratégicos e tácticos que presidem à condução da guerra revolucionária na China. A primeira e a quarta dessas características específicas dão ao Exercito Vermelho chinês a possibilidade de desenvolver-se e vencer os seus inimigos. A segunda e a terceira explicam a impossibilidade em que se encontra o Exército Vermelho chinês de desenvolver-se e vencer rapidamente os seus inimigos; por outras palavras, elas determinam o carácter prolongado da guerra e a possibilidade desta terminar numa derrota, se não for correctamente conduzida.

Tais são os dois aspectos da guerra revolucionária na China. Esses dois aspectos coexistem, o que quer dizer que, ao lado de condições favoráveis, existem também dificuldades. Tal é a lei fundamental da guerra revolucionária na China, lei de que resultam muitas outras. A história dos dez anos de guerra demonstrou a validade dessa lei. Aquele que não quiser ter em conta essa lei fundamental não será capaz de dirigir a guerra revolucionária na China, nem de conduzir o Exército Vermelho à vitória.

Como é evidente, determinar correctamente a nossa orientação estratégica, lutar contra o espírito de aventura na ofensiva, contra o espírito conservador na defensiva e contra a tendência para a fuga nas deslocações; lutar contra o espírito de guerrilhas no Exército Vermelho, muito embora reconhecendo a este o seu carácter de exército de guerrilhas; opor-se às campanhas de longa duração e à estratégia de decisão rápida, e pronunciar-se por uma estratégia de guerra prolongada e campanhas de decisão rápida; lutar contra as linhas de operações fixas e contra a guerra de posições, e pronunciar-se pelas linhas de operações móveis e pela guerra de movimento; lutar contra a acção que visa simplesmente derrotar o inimigo, e pronunciar-se por aquela que visa o seu aniquilamento; lutar contra a estratégia que visa bater com dois punhos simultaneamente e em duas direcções, e pronunciar-se pela estratégia que visa bater com um só punho e em uma só direcção; lutar contra a manutenção dum serviço de retaguarda embaraçante, e pronunciar-se por um serviço de retaguarda ligeiro(1N); lutar contra a centralização absoluta do comando, e pronunciar-se pela centralização relativa do comando; lutar contra o ponto de vista puramente militar, contra a mentalidade de bando rebelde errante(11), e reconhecer que o Exército Vermelho desempenha o papel de propagandista e de organizador da revolução chinesa; lutar contra o banditismo(12), e pronunciar-se por uma estrita disciplina política; lutar contra as tendências militaristas, e pronunciar-se, simultaneamente, pela democracia, dentro de certos limites, no seio do exército, e por uma disciplina militar fundada na autoridade; lutar contra a política incorrecta, sectária, no que respeita ao problema dos quadros, e pronunciar-se pela política justa nesse domínio; lutar contra a política de auto-isoíamento, e reconhecer a necessidade de ganhar todos os aliados possíveis para o nosso lado; lutar, enfim, contra os que pretendem que o Exército Vermelho permaneça no seu antigo estádio de desenvolvimento, e bater-se por que ele passe a um novo estádio são todas questões de princípio que exigem uma solução correcta. Ao abordarmos aqui os problemas da estratégia, nós propomo-nos expor em detalhe essas questões, à luz da experiência adquirida nos dez anos de guerra revolucionária e sangrenta na China.


Notas do tradutor:

(1N) por "um serviço de retaguarda embaraçante" entende-se o serviço de retaguarda bastante complicado e inadequado à situação de guerra. Por "um serviço de retaguarda ligeiro entende-se um serviço de retaguarda simplificado, eficaz e combativo. (retornar ao texto)

Notas:

(11) Huam Tchao, nascido em Iuantchiu, Tsaodjou (distrito de Hotse, província de Pim-iuan), dirigiu o levantamento camponês do fim da dinastia dos Tans. No ano 875, Huam Tchao, que reunira à sua volta um grande número de camponeses, aderiu ao levantamento provocado por Vam Sien-tchi. Depois que este último foi morto durante uma das batalhas, Huam Tchao juntou às suas forças a parte que restava dos destacamentos de Vam Sien-tchi, e proclamou-se "O grande capitão subindo ao assalto do céu". À testa das forças insurrectas, Huam Tchao realizou duas campanhas para além das fronteiras do Xantum. Durante a primeira, passou primeiro por Honan, depois por Anghuei e Hupei e regressou em seguida ao Xantum. Na segunda, atravessando o Honan, passou do Xantum para o Quiansi, cruzando em seguida o este de Tchequiam, e entrando no Fuquien e no Cuantum, depois no Cuansi e no Hunan e, por fim, no Hupei; de lá ele voltou-se para leste, e penetrou em Anghuei e Tchequiam. Em seguida, cruzando o rio Huai, penetrou na província de Honan, apoderou-se de Luoiam e tomou de assalto a passagem de Tonquan, entrando por fim na cidade de Tcham-an. Huam Tchao criou então o Império dos Tsis, e proclamou-se Imperador. Em consequência de querelas intestinas (o seu general Tchu Uen rendera-se ao Imperador dos Tans), e em virtude da ofensiva das tropas de Li Quei-iom, chefe da tribo dos Chatuos, Huam Tchao perdeu Tcham-an, retirando-se para o Honan e, finalmente, para o Xantum. Vencido, suicidou-se. A guerra que empreendera durou dez anos e é uma das guerras camponesas mais célebres da História da China. Nas crónicas oficiais, cujos autores pertenciam às classes dirigentes, diz-se de Huam que "todas as pessoas que sofriam em razão do fardo dos impostos corriam para junto dele". Como Huam Tchao se limitou a acções móveis e não criou bases de apoio, nem sequer bases pouco sólidas, foi qualificado de "rebelde errante".
Li Tchuam, Li Tse-tchem, originário do distrito de Mitche, no Xensi, dirigiu o levantamento camponês que ocorreu no fim da dinastia dos Mins. Em 1628, primeiro ano do reinado do Imperador Setsum, toda uma vaga de levantamentos camponeses varreu o norte de Xensi. Li Tse-tchem juntou-se ao destacamento insurrecto conduzido por Cao Im-siam que, vindo do Xensi, tinha penetrado no Honan e depois no Anghuei, para regressar finalmente ao Xensi. Em 1636, Cao Im-siam morreu e Li Tse-tchem foi proclamado rei, sob o nome de Tchuam-vam. A principal palavra de ordem de Li Tse-tchem com relação às massas populares era: "Os que estão a favor de Tchuam-vam não pagam a talha". Li Tse-tchem fez reinar uma severa disciplina entre as suas tropas. Ele declarava: "O que mata um homem, eu considero-o como assassino do meu próprio pai. O que viola uma mulher, eu considero-o como se tivesse violado a minha própria mãe". Por essa razão ele conquistou muitos partidários e os seus destacamentos tornaram-se a força principal das insurreições camponesas dessa época. Contudo, ele não criou bases de apoio, por mais frágeis que fossem, e deslocava-se continuadamente, para aqui e para ali. Após ter sido proclamado rei, dirigiu-se com as suas tropas sobre o Setchuan, depois ganhou o sul do Xensi, atravessou o Hupei, e entrou no Honan. Então, apoderou-se de Siam-iam, no Hupei, e, atravessando o Honan, regressou ao Xensi, onde se apoderou de Si-an. Em 1644, atravessou o Xansi e tomou Pequim, sendo pouco depois vencido pelas forças conjugadas do general dos Mins, Vu San-cuei, e dos Tsins que este último chamara em seu socorro. (retornar ao texto)

(12) Actos de pilhagem cometidos por falta de disciplina, de organização e de objectivo político definido. (retornar ao texto)

Inclusão 14/04/2010