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O Capital
Crítica da Economia Política
Karl Marx

Livro Primeiro: O processo de produção do capital

Primeira Seção: Mercadoria e dinheiro

Terceiro capítulo. O dinheiro ou a circulação de mercadorias


2. Meio de circulação


a) A metamorfose das mercadorias

capa

Viu-se que o processo de troca das mercadorias encerra relações contraditórias e mutuamente exclusivas. O desenvolvimento da mercadoria não suprime estas contradições, mas cria a forma em que elas se podem mover. Este é, em geral, o método através do qual as contradições reais se resolvem. É, p. ex., uma contradição que um corpo constantemente caia sobre outro e também constantemente fuja dele. A elipse é uma das formas de movimento em que esta contradição tanto se realiza como se resolve.

Na medida em que o processo de troca transfere mercadorias de mãos em que elas são não-valores de uso para mãos em que são valores de uso, ele é troca material social. O produto de um modo de trabalho útil substitui o de um outro. Uma vez chegada ao lugar em que serve como valor de uso, a mercadoria sai da esfera da troca e cai na esfera do consumo. Aqui, só a primeira nos interessa. Temos, pois, de considerar todo o processo pelo lado da forma, portanto, apenas a mudança de forma ou a metamorfose das mercadorias que medeia a troca material social.

A muito deficiente compreensão desta mudança de forma deve-se, independentemente da falta de clareza acerca do próprio conceito de valor, à circunstância de que cada mudança de forma de uma mercadoria se consuma na troca de duas mercadorias, de uma mercadoria comum e da mercadoria-dinheiro. Se só nos ativermos a este momento material, à troca da mercadoria por ouro, deixaremos de ver aquilo que deveríamos ver, a saber, aquilo que acontece à forma. Deixaremos de ver que o ouro, como mera mercadoria, não é dinheiro e que as outras mercadorias se relacionam elas próprias, pelos seus preços, com o ouro como sua figura-dinheiro própria.

As mercadorias começam por entrar no processo de troca sem dourados, sem açúcar, tal como vêm ao mundo. Ele produz uma duplicação da mercadoria em mercadoria e dinheiro, uma oposição exterior em que as mercadorias manifestam a sua oposição imanente de valor de uso e valor. Nesta oposição, as mercadorias como valores de uso contrapõem-se ao dinheiro como valor de troca. Por outra parte, ambos os lados da oposição são mercadorias, ou seja, unidades de valor de uso e valor. Mas esta unidade de diferenças manifesta-se de modo inverso em cada um dos dois pólos e, desse modo, manifesta simultaneamente a sua relação recíproca. A mercadoria é realmente valor de uso, o seu ser-valor aparece apenas idealmente no preço, o qual a relaciona com o ouro que se lhe contrapõe como sua figura de valor real. Inversamente, o material ouro apenas vigora como materialização de valor, como dinheiro. Por isso, ele é realmente valor de troca. O seu valor de uso já só aparece idealmente na série das expressões de valor relativas, nas quais ele se relaciona com as mercadorias que se lhe contrapõem como círculo das suas figuras de uso reais. Estas formas opostas das mercadorias são as formas de movimento reais do seu processo de troca.

Acompanhemos agora qualquer possuidor de mercadorias, p. ex., o nosso velho conhecido tecelão de linho, à cena do processo de troca, ao mercado. A sua mercadoria, 20 côvados de tecido de linho, tem preço determinado. O seu preço é de 2 lib. esterl. Ele troca-a por 2 lib. esterl. e, sendo um homem de velha cepa, troca de novo as 2 lib. esterl. por uma Bíblia de família do mesmo preço. O tecido de linho, para ele apenas mercadoria, portador de valor, é alienado contra ouro, a sua figura de valor, e, a partir desta figura, realienado contra uma outra mercadoria, a Bíblia, a qual, porém, como objecto de uso, deverá mudar-se para a casa do tecelão e aí satisfazer necessidades de edificação. O processo de troca da mercadoria consuma-se, assim, em duas metamorfoses opostas e complementares — transformação da mercadoria em dinheiro e sua retransformção de dinheiro em mercadoria(1*). Os momentos da metamorfose das mercadorias são simultaneamente transacções do possuidor de mercadorias — venda, troca da mercadoria por dinheiro; compra, troca do dinheiro por mercadoria, e unidade de ambos os actos: vender para comprar.

Se o tecelão de linho reparar, agora, no resultado final da transacção, ele possui uma Bíblia em vez de tecido de linho, em vez da sua mercadoria original uma outra do mesmo valor mas de utilidade diversa. Ele obtém de modo igual os seus outros meios de vida e de produção. Do seu ponto de vista, o processo todo apenas medeia a troca do seu produto de trabalho por produto de trabalho alheio, a troca de produtos.

Portanto, o processo de troca da mercadoria consuma-se na seguinte mudança de forma:

Mercadoria — Dinheiro — Mercadoria.
M — D — M.

Segundo o seu conteúdo material, o movimento é M — M, troca de mercadoria por mercadoria, troca material do trabalho social, em cujo resultado o próprio processo se extingue.

M — D. Primeira metamorfose da mercadoria ou venda. O salto do valor da mercadoria do corpo da mercadoria para o corpo do ouro é, como o designo noutro local[N47], o salto mortale(2*) da mercadoria. Se ele falha, não é a mercadoria que estoira, mas é-o certamente o possuidor da mercadoria. A divisão social do trabalho torna o seu trabalho tão unilateral quanto multilaterais são as suas necessidades. Precisamente por isso, o seu produto apenas lhe serve como valor de troca. Mas ele só adquire a sua forma de equivalente universal, socialmente válida, no dinheiro, e o dinheiro encontra-se em bolso alheio. Para o sacar, a mercadoria tem, antes de tudo, de ser valor de uso para o possuidor de dinheiro, ou seja, o trabalho nela despendido tem de ter sido despendido de forma socialmente útil ou tem de se afirmar como membro da divisão social do trabalho. Mas a divisão do trabalho é um organismo natural de produção cujas malhas foram tecidas e continuam a tecer-se nas costas dos produtores de mercadorias. Talvez a mercadoria seja produto de um novo modo de trabalho que pretende satisfazer uma necessidade recém-surgida ou que quer provocar por iniciativa própria uma necessidade. Uma actividade laboral particular, ontem ainda uma função entre as muitas funções de um dado produtor de mercadorias, pode hoje libertar-se dessa conexão, autonomizar-se e, precisamente por isso, enviar o seu produto parcelar para o mercado como mercadoria autónoma. As circunstâncias podem ou não estar maduras para esse processo de separação. Hoje, o produto satisfaz uma necessidade social. Amanhã, talvez seja afastado total ou parcialmente do seu lugar por uma espécie de produtos semelhante. Mesmo que um trabalho, como o do nosso tecelão de linho, seja um membro patenteado da divisão social do trabalho, isso não garante de modo nenhum o valor de uso dos seus 20 côvados de tecido de linho. Se a necessidade social de tecido de linho — e ela tem a sua medida, como todas as outras coisas — já estiver satisfeita por tecelões de linho concorrentes, o produto do nosso amigo torna-se excedentário, supérfluo e, desse modo, inútil. A cavalo dado não se olha o dente, mas o nosso amigo não vai para o mercado para fazer ofertas. Suponhamos, porém, que o valor de uso do seu produto se afirma e que, portanto, o dinheiro é atraído pela mercadoria. Mas então pergunta-se: quanto dinheiro? A resposta está, decerto, já antecipada no preço da mercadoria, expoente da sua magnitude de valor. Abstraímos aqui de eventuais erros de contas puramente subjectivos do possuidor da mercadoria, que são de pronto objectivamente corrigidos no mercado. No seu produto ele apenas deverá ter despendido a média de tempo de trabalho socialmente necessário. Assim, o preço da mercadoria é apenas o nome monetário do quantum de trabalho social nela objectivado. Mas, sem autorização e nas costas do nosso tecelão de linho, as condições de produção há muito estabelecidas da tecelagem de linho entraram em efervescência. Aquilo que ontem era sem qualquer dúvida tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de um côvado de tecido de linho, hoje deixa de o ser, como o possuidor do dinheiro solicitamente demonstra pelas cotações de diversos concorrentes do nosso amigo. Para seu azar, há muitos tecelões no mundo. Suponhamos finalmente que todas as peças de tecido de linho disponíveis no mercado contêm apenas tempo de trabalho socialmente necessário. Apesar disso, a soma total dessas peças pode conter tempo de trabalho despendido superfluamente. Se o estômago do mercado não consegue absorver o quantum total de tecido de linho ao preço normal de 2 sh. por côvado, isso demonstra que foi despendida uma parte demasiado grande do tempo de trabalho social total sob a forma de tecelagem de linho. O efeito é o mesmo do que se cada tecelão de linho singular tivesse aplicado ao seu produto individual mais do que o tempo de trabalho socialmente necessário. Aqui vale o ditado: presos juntos, juntos enforcados. Todo o tecido de linho no mercado vigora apenas como um só artigo comercial, sendo cada peça apenas uma parte alíquota. E, de facto, o valor de cada côvado individual também é apenas a materialização do mesmo quantum socialmente determinado de trabalho humano da mesma espécie(3*).

Como vemos, a mercadoria ama o dinheiro, mas «the course of true love never does run smooth»[N48]. Tão naturalmente casual quanto a qualitativa é a articulação quantitativa do organismo social de produção, que manifesta os seus membra disjecta[N49] no sistema de divisão do trabalho. Os nossos possuidores de mercadorias descobrem, por isso, que a mesma divisão do trabalho que os torna produtores privados independentes torna independente deles próprios o processo social de produção e as suas relações neste processo, e que a independência das pessoas entre si se completa num sistema omnilateral de dependência coisal.

A divisão do trabalho transforma o produto de trabalho em mercadoria, e, desse modo, torna necessária a sua transformação em dinheiro. Simultaneamente, ela torna casual o facto de essa transubstanciação ser levada a cabo ou não. Aqui, no entanto, o fenómeno deve ser observado no seu estado puro, ou seja, pressupondo o seu processo normal. De resto, quando ele enfim se processa, portanto, quando a mercadoria não é invendável, a sua mudança de forma verifica-se sempre, embora nesta mudança de forma se possa, anormalmente, perder ou acrescentar substância — magnitude de valor.

Para um possuidor de mercadorias, o ouro substitui a sua mercadoria, e para outro a mercadoria substitui o seu ouro. O fenómeno tangível é a mudança de mãos ou de lugar da mercadoria e do ouro, de 20 côvados de tecido de linho e 2 lib. esterl., i. é, a sua troca. Mas por que se troca a mercadoria? Pela sua figura de valor universal própria. E o ouro? Por uma figura particular do seu valor de uso. Porque surge o ouro face ao tecido de linho como dinheiro? Porque o preço do tecido de linho de 2 lib. esterl. ou o seu nome monetário já o relaciona com o ouro como dinheiro. O desapossamento [Entäßerung] da forma-mercadoria original consuma-se pela alienação [Veräußerung] da mercadoria, i. é, no momento em que o seu valor de uso realmente atrai o ouro, no seu preço apenas representado. A realização do preço ou da forma-valor apenas ideal da mercadoria é, assim, ao mesmo tempo, inversamente, realização do valor de uso apenas ideal do dinheiro; a transformação de mercadoria em dinheiro é ao mesmo tempo transformação de dinheiro em mercadoria. O processo uno é processo com dois lados: venda no pólo do possuidor de mercadorias, compra no pólo oposto do possuidor de dinheiro. Ou: venda é compra, M — D é simultaneamente D — M(4*).

Até aqui não conhecemos nenhuma relação económica entre as pessoas para além da relação entre possuidores de mercadorias, uma relação em que eles apenas se apropriam do produto de trabalho alheio na medida em que se alienam [entfremden] do próprio. Assim, para um possuidor de mercadorias, o outro apenas pode surgir como possuidor de dinheiro, ou porque o produto do seu trabalho possui por natureza a forma-dinheiro, sendo portanto, material-dinheiro, ouro, etc, ou porque a sua própria mercadoria já mudou a pele e se libertou da sua forma de uso original. Para funcionar como dinheiro, o ouro tem naturalmente de, num ponto qualquer, entrar no mercado de mercadorias. Este ponto situa-se na sua fonte de produção, onde o ouro, como produto imediato de trabalho, se troca por outro produto de trabalho do mesmo valor. Mas, a partir desse momento, ele representa constantemente preços de mercadorias realizados(5*). Abstraindo da troca do ouro por mercadoria na sua fonte de produção, o ouro, na mão de cada possuidor de mercadorias, é a figura desapossada da sua mercadoria alienada, produto da venda ou da primeira metamorfose da mercadoria, M — D(6*). O ouro tornou-se dinheiro ideal ou medida de valor porque todas as mercadorias nele mediram os seus valores e o tornaram no contrário representado da figura de uso delas, o tornaram na figura de valor delas. Ele torna-se dinheiro real porque as mercadorias, através da sua alienação omnilateral, fazem dele a figura de uso delas realmente desapossada ou transformada e, por isso, a figura de valor real delas. Na sua figura de valor, a mercadoria liberta-se de todo o vestígio do seu valor de uso natural e do trabalho útil particular a que deve a origem, para se crisalidar na materialização social uniforme de trabalho humano indiferenciado. Assim, não se divisa no dinheiro de que jaez é a mercadoria nele transformada. Na sua forma-dinheiro, uma [mercadoria] tem exactamente o aspecto de outra. Por isso, o dinheiro pode ser lixo, embora o lixo não seja dinheiro. Vamos admitir que as duas peças de ouro contra as quais o nosso tecelão aliena a sua mercadoria são a figura transformada de um quarter de trigo. A venda do tecido de linho, M — D, é simultaneamente a sua compra, D — M. Mas, como venda do tecido de linho, este processo inicia um movimento que termina com o seu contrário, com a compra da Bíblia; como compra do tecido de linho, ele termina um movimento que se iniciou com o seu contrário, com a venda do trigo. M — D (tecido de linho — dinheiro), essa primeira fase de M — D — M (tecido de linho — dinheiro — Bíblia), é simultaneamente D — M (dinheiro — tecido de linho), a última fase de um outro movimento M — D — M (trigo — dinheiro — tecido de linho). A primeira metamorfose de uma mercadoria, a sua transformação da forma-mercadoria em dinheiro, é sempre, simultaneamente, segunda metamorfose oposta de outra mercadoria, a sua retransformação da forma-dinheiro em mercadoria(7*).

D — M. Segunda metamorfose ou metamorfose final da mercadoria: compra. — Porque figura desapossada de todas as outras mercadorias ou o produto da sua alienação universal, o dinheiro é a mercadoria absolutamente alienável. O dinheiro lê todos os preços de trás para a frente, espelha-se assim em todos os corpos de mercadorias como o material que se oferece ao seu próprio devir-mercadoria [Warenwerdung]. Simultaneamente, os preços, os olhinhos amorosos que as mercadorias lhe fazem, mostram o limite da sua capacidade de transformação, a saber, a sua própria quantidade. Como a mercadoria desaparece no seu devir-dinheiro, não se divisa no dinheiro como chegou às mãos do seu possuidor ou o que é que nele está transformado. Non olet[N51], qualquer que seja a sua origem. Se ele representa, por um lado, mercadoria vendida, também representa, por outro, mercadorias compráveis(8*).

D — M, a compra, é simultaneamente venda, M — D; a última metamorfose de uma mercadoria é, pois, simultaneamente, a primeira metamorfose de uma outra mercadoria. Para o nosso tecelão de linho, a vida da sua mercadoria termina com a Bíblia na qual ele retransforma as 2 lib. esterl. Mas o vendedor da Bíblia converte as 2 lib. esterl. entregues pelo tecelão em aguardente. D — M, fase final de M — D — M (tecido de linho — dinheiro — Bíblia), é simultaneamente M — D, a primeira fase de M — D — M (Bíblia — dinheiro — aguardente). Uma vez que o produtor de mercadorias apenas fornece um produto unilateral, ele vende-o frequentemente em maiores quantidades, enquanto as suas necessidades multilaterais o obrigarem a dispersar constantemente por numerosas compras o preço realizado ou a soma de dinheiro recebida. Assim, uma venda desemboca em muitas compras de diversas mercadorias. A metamorfose final de uma mercadoria constitui, assim, uma soma de primeiras metamorfoses de outras mercadorias.

Se consideramos agora a metamorfose total de uma mercadoria, p. ex., do tecido de linho, começaremos por ver que ela consiste em dois movimentos opostos e que se completam mutuamente, M — D e D — M. Estas duas mutações opostas consumam-se em dois processos sociais opostos do possuidor de mercadorias e reflectem-se em dois caracteres económicos opostos do mesmo. Como agente da venda, ele torna-se vendedor, como agente da compra, comprador. Como, porém, em cada mutação da mercadoria, as suas duas formas, forma-mercadoria e forma-dinheiro, existem simultaneamente, só que em pólos opostos, então o mesmo possuidor de mercadorias enfrenta-se como vendedor com um outro comprador e como comprador com um outro vendedor. Tal como a mesma mercadoria percorre sucessivamente as duas mutações inversas, tornando-se de mercadoria em dinheiro e de dinheiro em mercadoria, assim também o nosso possuidor de mercadoria troca os papéis de vendedor e comprador. Estes não são pois caracteres fixos, mas sim caracteres que constantemente trocam as personagens no interior da circulação de mercadorias.

A metamorfose total de uma mercadoria, na sua forma mais simples, supõe quatro extremos e três personae dramatis(9*). Primeiro, à mercadoria opõe-se o dinheiro como sua figura de valor, que possui do lado de lá, em bolso alheio, a sua realidade coisalmente sonante. Assim, ao possuidor de mercadorias opõe-se um possuidor de dinheiro. Logo que a mercadoria se transforma em dinheiro, este último torna-se na sua forma de equivalente evanescente, cujo valor de uso ou conteúdo existe, do lado de cá, em outros corpos de mercadorias. Como ponto final da primeira mutação da mercadoria, o dinheiro é simultaneamente ponto de partida da segunda. Assim, o vendedor do primeiro acto torna-se comprador no segundo, onde se lhe opõe, como vendedor, um terceiro possuidor de mercadorias(10*).

As duas fases inversas de movimento da metamorfose da mercadoria formam um circuito: forma-mercadoria, despojamento da forma-mercadoria, regresso à forma-mercadoria. Certamente que a própria mercadoria está aqui determinada opositivamente. No ponto de partida, ela é não-valor de uso para o seu possuidor; no ponto final, é valor de uso para o seu possuidor. Assim, o dinheiro aparece primeiro como o rígido cristal de valor em que a mercadoria se transforma para posteriormente se dissolver como sua mera forma de equivalente.

As duas metamorfoses que formam o circuito de uma mercadoria formam ao mesmo tempo as metamorfoses parciais inversas de duas outras mercadorias. A mesma mercadoria (tecido de linho) abre a série das suas próprias metamorfoses e fecha a metamorfose total de uma outra mercadoria (o trigo). Durante a sua primeira mutação, a venda, desempenha estes dois papéis na sua própria personagem. Pelo contrário, como crisálida de ouro, em que ela própria segue o caminho de toda a carne, conclui simultaneamente a primeira metamorfose de uma terceira mercadoria. O circuito que a série de metamorfoses de cada mercadoria descreve entrelaça-se, pois, inextricavelmente com os circuitos de outras mercadorias. O processo total manifesta-se como circulação de mercadorias.

A circulação de mercadorias é não apenas formalmente mas essencialmente distinta da troca imediata de produtos. Lancemos apenas um olhar rectrospectivo sobre o processo. O tecelão de linho trocou incondicionalmente o tecido de linho pela Bíblia, mercadoria própria por alheia. Mas este fenómeno só é verdadeiro para ele. O revendedor de Bíblias, que ao frio prefere o ardente, não pensava trocar a Bíblia por tecido de linho, tal como o tecelão de linho ignora que contra o seu tecido de linho foi trocado trigo, etc. A mercadoria de B substitui a mercadoria de A, mas A e B não trocam reciprocamente as suas mercadorias. De facto pode acontecer que A e B comprem um ao outro reciprocamente, mas tal relação particular não é de modo algum condicionada pelas relações universais da circulação de mercadorias. Por um lado, vê-se aqui como a troca de mercadorias rompe os limites individuais e locais da troca imediata de produtos e desenvolve a troca material do trabalho humano. Por outro lado, desenvolve-se todo um círculo de conexões naturais sociais, incontroláveis pelas personagens actuantes. O tecelão só pode vender tecido de linho porque o camponês já vendeu trigo, Heifisporn(11*)só pode vender a Bíblia porque o tecelão já vendeu o tecido de linho, o destilador só pode vender a aguardente porque o outro já vendeu a água da vida eterna, etc.

Por isso, o processo de circulação também não se extingue, como a troca imediata de produtos, na mudança de lugares ou de mãos dos valores de uso. O dinheiro não desaparece por finalmente ficar fora da série de metamorfoses de uma mercadoria. Ele precipita-se sempre num lugar da circulação deixado livre pelas mercadorias. P. ex., na metamorfose total do tecido de linho: tecido de linho — dinheiro — Bíblia, primeiro sai da circulação o tecido de linho, o dinheiro entra para o seu lugar, depois sai da circulação a Bíblia, o dinheiro entra para o seu lugar. A substituição de mercadoria por mercadoria deixa simultaneamente a mercadoria-dinheiro numa terceira mão(12*). A circulação exsuda constantemente dinheiro.

Nada pode ser mais disparatado do que o dogma de que a circulação de mercadorias implicaria um equilíbrio necessário das vendas e compras por cada venda ser compra e vice versa(14*). Se isto quer dizer que o número das vendas realmente efectuadas é igual ao mesmo número de compras, então é tautologia chã. Mas o que isso pretende provar é que o vendedor leva o seu próprio comprador ao mercado. Venda e compra são um acto idêntico como relação recíproca entre duas personagens polarmente contrapostas: o possuidor de mercadorias e o possuidor de dinheiro. Elas formam dois actos polarmente contrapostos como acções da mesma personagem. Assim, a identidade de venda e compra inclui que a mercadoria se torna inútil quando, lançada na retorta alquímica da circulação, não sai dela como dinheiro, não é vendida pelo possuidor de mercadorias, ou seja, não é comprada pelo possuidor de dinheiro. Aquela identidade encerra além disso que o processo, quando resulta, constitui um ponto de repouso, um capítulo da vida da mercadoria que pode durar mais ou menos tempo. Como a primeira metamorfose da mercadoria é simultaneamente venda e compra, este processo parcial é simultaneamente processo autónomo. O comprador tem a mercadoria, o vendedor tem o dinheiro, i. é, uma mercadoria que conserva uma forma capaz de circular, quer apareça de novo no mercado mais cedo quer mais tarde. Ninguém pode vender sem que um outro compre. Mas ninguém precisa imediatamente de comprar por ele próprio ter vendido. A circulação rebenta com os limites temporais, locais e individuais da troca de produtos precisamente pelo facto de cindir a identidade imediata aqui existente entre o dar em troca o produto de trabalho próprio e o receber em troca o produto de trabalho alheio na oposição de venda e compra. Dizer que os processos que autonomamente se confrontam entre si formam uma unidade interna é o mesmo que dizer que a sua unidade interna se move em oposições externas. Se a autonomização externa dos internamente não-autónomos, porque mutuamente complementares, prossegue até um certo ponto, então a unidade impõe-se violentamente através de uma — crise. A oposição imanente à mercadoria entre valor de uso e valor, entre trabalho privado que tem de se apresentar simultaneamente como trabalho imediatamente social, entre trabalho concreto particular que simultaneamente apenas vale como trabalho universal em abstracto, entre a personificação das coisas e a coisificação das pessoas — esta contradição imanente adquire nas oposições da metamorfose das mercadorias as suas formas de movimento desenvolvidas. Por isso, essas formas incluem a possibilidade, mas também só a possibilidade, de crises. O desenvolvimento desta possibilidade em realidade exige todo um âmbito de relações que, do ponto de vista da circulação simples de mercadorias, ainda não existem de modo algum(15*).

Como mediador da circulação de mercadorias, o dinheiro adquire a função de meio de circulação.

b) A rotação do dinheiro

A mudança de forma em que se consuma a troca material dos produtos de trabalho, M — D — M, implica que o mesmo valor forme, como mercadoria, o ponto de partida do processo e regresse, como mercadoria, ao mesmo ponto. Este movimento das mercadorias é, pois, circuito. Por outro lado, a mesma forma exclui o circuito do dinheiro. O seu resultado é: o constante afastamento do dinheiro do seu ponto de partida, não regresso ao mesmo. Enquanto o vendedor retém a figura transformada da sua mercadoria, o dinheiro, a mercadoria encontra-se no estádio da primeira metamorfose ou apenas deixou para trás a primeira metade da sua circulação. Se o processo de vender para comprar estiver completado, então também o dinheiro se afastou de novo da mão do seu possuidor original. É certo que quando o tecelão de linho, depois de comprar a Bíblia, vende novamente tecido de linho, o dinheiro também regressa de novo à sua mão. Mas não regressa através da circulação dos primeiros 20 côvados de tecido de linho, pela qual ele, pelo contrário, se afastou das mãos do tecelão de linho para as do vendedor de Bíblias. Ele só regressa através da renovação ou repetição do mesmo processo de circulação com nova mercadoria e termina, aqui tal como ali, com o mesmo resultado. A forma de movimento imediatamente transmitida ao dinheiro pela circulação de mercadorias é, pois, o seu constante afastamento do ponto de partida, o seu curso das mãos de um possuidor de mercadorias para as de um outro, ou a sua rotação (currency, cours de la monnaie).

A rotação do dinheiro mostra uma repetição constante e monótona do mesmo processo. A mercadoria está sempre do lado do vendedor, o dinheiro sempre do lado do comprador, como meio de compra. Funciona como meio de compra na medida em que realiza o preço da mercadoria. Na medida em que o realiza, transfere a mercadoria da mão do vendedor para a mão do comprador, enquanto, simultaneamente, se afasta da mão do comprador para a do vendedor, para repetir o mesmo processo com uma outra mercadoria. O facto de esta forma unilateral do movimento do dinheiro brotar do movimento formal bilateral da mercadoria fica encoberto. A natureza da própria circulação das mercadorias gera a aparência oposta. A primeira metamorfose da mercadoria é visível não apenas como movimento do dinheiro, mas como o seu movimento próprio; porém, a sua segunda metamorfose apenas é visível como movimento do dinheiro. Na primeira metade da sua circulação, a mercadoria troca de lugar com o dinheiro. Com isso, a sua figura de uso sai simultaneamente também da circulação para o consumo(17*). A sua figura de valor ou larva-dinheiro toma o seu lugar. Ela já não percorre a segunda metade da circulação com a sua pele natural própria, mas com a sua pele de ouro. Deste modo, a continuidade do movimento recai totalmente sobre o lado do dinheiro e o mesmo movimento que, para a mercadoria, inclui dois processos contrapostos inclui, como movimento próprio do dinheiro, sempre o mesmo processo, a sua troca de lugar com uma mercadoria sempre outra. O resultado da circulação de mercadorias — substituição de mercadoria por outra mercadoria — aparece, por isso, mediado não pela sua própria mudança de forma, mas pela função do dinheiro como meio de circulação, o qual faz circular as mercadorias que, em si e por si, não têm movimento, transferindo-as da mão em que são não-valores de uso para a mão em que são valores de uso, sempre em sentido oposto ao seu próprio curso. O dinheiro afasta constantemente as mercadorias da esfera da circulação, na medida em que entra constantemente para o lugar de circulação delas, afastando-se desse modo do seu próprio ponto de partida. Assim, embora o movimento de dinheiro seja apenas expressão da circulação de mercadorias, a circulação de mercadorias aparece, inversamente, apenas como resultado do movimento de dinheiro(18*).

Por outro lado, ao dinheiro apenas cabe a função de meio de circulação por ser o valor autonomizado das mercadorias. Por isso, o seu movimento como meio de circulação é, de facto, apenas o próprio movimento de forma delas. Portanto, este tem também de se reflectir sensivelmente na rotação do dinheiro. Assim, o tecido de linho, p. ex., começa por transformar a sua forma-mercadoria na sua forma-dinheiro. O último extremo da sua primeira metamorfose, M — D, a forma-dinheiro, torna-se então no primeiro extremo da sua última metamorfose, D — M, a sua retransformação em Bíblia. Mas cada uma destas duas mudanças de forma consuma-se por meio de uma troca entre mercadoria e dinheiro, por meio da sua troca recíproca de lugares. As mesmas moedas [Geldstücke] chegam à mão do vendedor como figura desapossada da mercadoria e deixam-na como figura absolutamente alienável da mercadoria. Elas trocam duas vezes de lugar. A primeira metamorfose do tecido de linho traz essas moedas para o bolso do tecelão, a segunda retira-as de novo. As duas mudanças de forma contrapostas da mesma mercadoria reflectem-se, pois, na dupla troca de lugares do dinheiro em sentidos opostos.

Se, pelo contrário, se verificarem apenas metamorfoses unilaterais das mercadorias, meras vendas ou meras compras, conforme se quiser, então o mesmo dinheiro também só troca uma vez de lugar. A sua segunda troca de lugar exprime sempre a segunda metamorfose da mercadoria, a sua retransformação a partir de dinheiro. Na frequente repetição da troca de lugar das mesmas moedas reflecte-se não só a série de metamorfoses de uma única mercadoria, mas também o entrelaçamento das inúmeras metamorfoses do mundo das mercadorias em geral. De resto, é totalmente evidente que tudo isto apenas vigora para a forma aqui considerada da circulação simples de mercadorias.

Toda a mercadoria, no seu primeiro passo na circulação, na sua primeira mudança de forma, sai da circulação, na qual entra sempre uma nova mercadoria. Em contrapartida, o dinheiro, como meio de circulação, está constantemente alojado na esfera da circulação e nela constantemente gira. Surge, pois, a questão de quanto dinheiro essa esfera constantemente absorve.

Num país, cada dia processam-se numerosas metamorfoses unilaterais de mercadorias, simultâneas e por isso decorrendo em contiguidade espacial, ou, por outras palavras, meras vendas de um lado, meras compras do outro. Nos seus preços, as mercadorias estão já igualadas a determinados quanta de dinheiro representados. Como a lorma de circulação imediata aqui considerada contrapõe sempre corporeamente mercadoria e dinheiro uma ao outro — uma no pólo da venda, outro no pólo oposto da compra —, a massa de meios de circulação requerida para o processo de circulação do mundo das mercadorias está determinada já pela soma de preços das mercadorias. De facto, o dinheiro manifesta apenas realmente a soma de ouro já idealmente expressa na soma de preços das mercadorias. Assim, a igualdade destas somas é evidente. Sabemos, no entanto, que, mantendo-se iguais os valores das mercadorias, os seus preços mudam com o valor do próprio ouro (material-dinheiro), subindo proporcionalmente se este desce e descendo se este sobe. Conforme a soma de preços das mercadorias suba ou desça, assim a massa do dinheiro circulante tem de subir ou descer em medida igual. E certo que, aqui, a mudança na massa dos meios de circulação brota do próprio dinheiro, porém não da sua função como meio de circulação, mas da sua função como medida de valor. O preço das mercadorias muda, primeiro, na razão inversa do valor do dinheiro e, depois, a massa dos meios de circulação muda na razão directa do preço das mercadorias. O mesmíssimo fenómeno aconteceria se, p. ex., não fosse o valor do ouro a descer mas sim a prata a substituí-lo como medida de valor, ou se não fosse o valor da prata a subir mas sim o ouro a desalojá-la da função de medida de valor. Num caso teria de circular mais prata do que anteriormente ouro; no outro, menos ouro do que anteriormente prata. Em ambos os casos ter-se-ia alterado o valor do material-dinheiro, i. é, da mercadoria que funciona como medida dos valores, portanto, a expressão-preço dos valores de mercadorias, portanto, a massa do dinheiro circulante que serve para a realização desses preços. Vimos que a esfera da circulação das mercadorias tem um buraco por onde ouro (prata, em suma, o material-dinheiro) nela entra como mercadoria com valor dado. Este valor está pressuposto na função do dinheiro como medida de valor, ou seja, na determinação do preço. Se então descer, p. ex., o valor da própria medida de valor, isto aparece primeiro na mudança de preço das mercadorias que, nas fontes de produção dos metais nobres, são por eles imediatamente trocadas como mercadorias. Nomeadamente em estados menos desenvolvidos da sociedade burguesa, uma grande parte das outras mercadorias continuará ainda durante algum tempo mais a ser avaliada com o valor da medida de valor agora tornado ilusório, antiquado. Entretanto, uma mercadoria contagia a outra pela sua relação de valor com ela, os preços em ouro ou em prata das mercadorias igualizam-se gradualmente nas proporções determinadas pelos seus próprios valores até finalmente todos os valores das mercadorias serem estimados em correspondência com o novo valor do metal-dinheiro. Este processo de igualização é acompanhado pelo crescimento contínuo dos metais nobres, os quais afluem em substituição das mercadorias por eles directamente trocadas. Assim, na mesma medida em que se generaliza a corrigida atribuição de preços às mercadorias ou em que os seus valores são estimados em conformidade com o novo valor do metal — mais baixo e que, até um certo ponto, continua a descer —, também já existe a sobremassa desse metal necessária para a realização desses preços. Uma observação unilateral dos factos que se seguiram à descoberta das novas fontes de ouro e prata conduziu no século XVII e, sobretudo, no século XVIII à conclusão enganadora de que os preços das mercadorias teriam subido porque mais ouro e prata funcionavam como meios de circulação. No que se segue, o valor do ouro estará pressuposto como dado, tal como de facto está dado no momento da estimação de um preço.

Neste pressuposto, portanto, a massa dos meios de circulação é determinada pela soma de preços a realizar das mercadorias. Se supusermos ainda como dado o preço de cada espécie de mercadorias, então a soma de preços das mercadorias depende manifestamente da massa de mercadorias que se encontram em circulação. Não é preciso quebrar muito a cabeça para compreender que, se um quarter de trigo custa 2 lib. esterl., 100 quarters 200, 200 quarters 400, etc, então com a massa de trigo tem de crescer a massa de dinheiro que na venda com ele troca de lugar.

Supondo como dada a massa das mercadorias, a massa do dinheiro circulante flutua num sentido e no outro com as oscilações de preço das mercadorias. Ela sobe e desce porque a soma de preços das mercadorias aumenta ou diminui em virtude da mudança de preços. Para isso, não é de modo nenhum preciso que os preços de todas as mercadorias subam ou desçam simultaneamente. A subida de preços de um certo número de artigos influentes, num caso, ou a descida desses preços, no outro, é suficiente para elevar ou baixar a soma de preços a realizar por todas as mercadorias circulantes, ou seja, para colocar também mais ou menos dinheiro em circulação. Quer a mudança de preço das mercadorias reflicta uma real mudança de valor ou meras oscilações dos preços de mercado, o efeito sobre a massa dos meios de circulação permanece o mesmo.

Suponhamos um certo número de vendas ou de metamorfoses Parciais desconexas, simultâneas e, por isso, decorrendo em contiguidade espacial, p. ex., de um quarter de trigo, 20 côvados de tecido de linho, 1 Bíblia, 4 galões de aguardente. Se o preço de cada artigo for 2 lib. esterl. e, por isso, a soma de preços a realizar for de 8 lib. esterl., tem de entrar em circulação uma massa de dinheiro de 8 lib. esterl. Se, em contrapartida, as mesmas mercadorias constitui-rem membros da série de metamorfoses nossa conhecida: 1 quarter de trigo — 2 lib. esterl. — 20 côvados de tecido de linho — 2 lib. esterl. — 1 Bíblia — 2 lib. esterl. — 4 galões de aguardente — 2 lib. esterl., então 2 lib. esterl. fazem circular as diversas mercadorias uma a seguir à outra, ao realizarem os seus preços um a seguir ao outro — portanto, ao realizarem também a soma de preços de 8 lib. esterl. —, para finalmente virem a repousar nas mãos do destilador. Elas completam quatro rotações. Esta repetida troca de lugar das mesmas moedas patenteia a dupla mudança de forma da mercadoria, o seu movimento através de dois estádios de circulação contrapostos e o entrelaçamento das metamorfoses de diversas mercadorias(19*). As fases opostas e mutuamente complementares através das quais este processo decorre não podem ocorrer de modo espacialmente contíguo mas apenas seguir-se umas às outras temporalmente. Os períodos de tempo constituem, assim, a medida daquela duração, ou o número das rotações das mesmas moedas num tempo dado mede a velocidade da rotação de dinheiro. Suponhamos que o processo de circulação daquelas quatro mercadorias dura, p. ex., um dia. Então, a soma de preços a realizar ascende a 8 lib. esterl., o número de rotações das mesmas moedas durante o dia a 4 e a massa do dinheiro circulante a 2 lib. esterl., ou, para um dado período de tempo do processo de circulação

Soma de preços das mercadorias
= massa do dinheiro funcionando como meio de circulação

Número de rotações das moedas de nome igual

Esta lei vigora universalmente. O processo de circulação de um país num dado período de tempo abrange, por um lado, muitas vendas (ou compras) ou metamorfoses parciais dispersas, simultâneas e ocorrendo em contiguidade espacial, nas quais as mesmas moedas apenas trocam uma vez de lugar ou apenas completam uma rotação; e, por outro lado, muitas séries de metamorfoses, mais ou menos ricas de elementos, em parte decorrendo contiguamente, em parte entrelaçando-se umas nas outras, séries nas quais as mesmas moedas perfazem rotações mais ou menos numerosas. No entanto, o número total das rotações de todas as moedas homónimas que se encontram em circulação fornece o número médio das rotações de uma moeda singular ou a velocidade média da rotação de dinheiro. A massa de dinheiro que, no início, p. ex., do processo diário de circulação nele é lançada é naturalmente de terminada pela soma de preços das mercadorias circulando simultaneamente e em contiguidade espacial. Porém, no interior do processo, uma moeda torna-se, por assim dizer, responsável pela outra. Se uma acelera a sua velocidade de rotação, a de outra afrouxa ou foge totalmente da esfera da circulação, pois esta apenas pode absorver uma massa de ouro que, multiplicada pelo número médio de rotações do elemento isolado daquela, seja igual à soma de preços a realizar. Assim, se o número de rotações das moedas crescer, a sua massa circulante diminui. Se o número das suas rotações diminuir, a sua massa cresce. Porque a massa do dinheiro que pode funcionar como meio de circulação, a dada velocidade média, está dada, apenas se tem de lançar em circulação uma determinada quantidade de notas de uma libra para retirar a mesma quantidade de soberanos, uma habilidade bem conhecida de todos os bancos.

Assim como na rotação de dinheiro, em geral, apenas aparece o processo de circulação das mercadorias, i. é, o seu circuito através de metamorfoses contrapostas, também na velocidade da rotação de dinheiro apenas aparece a velocidade da sua mudança de forma, o contínuo encadear-se das séries de metamorfoses umas nas outras, a celeridade da troca material, o rápido desaparecimento das mercadorias da esfera da circulação e a sua igualmente rápida substituição por novas mercadorias. Portanto, na velocidade da rotação de dinheiro aparece a fluida unidade das fases contrapostas e complementares, transformação da figura de uso em figura de valor e retransformação da figura de valor em figura de uso, ou a unidade de ambos os processos de venda e compra. Inversamente, no retardamento da rotação de dinheiro aparece a separação e autonomização opositiva desses processos, a paralisação da mudança de forma e, por isso, da troca material. Naturalmente, na própria circulação não se divisa de onde é que essa paralisação brota. Aquela apenas mostra o próprio fenómeno. Na visão popular — que vê o dinheiro aparecer e desaparecer menos frequentemente em todos os pontos da periferia da circulação quando a rotação de dinheiro é retardada — é óbvio interpretar-se o fenómeno a partir de uma insuficiente quantidade dos meios de circulação(20*).

O quantum total do dinheiro que funciona em cada período de tempo como meio de circulação é, assim, determinado, por um lado, pela soma de preços do mundo das mercadorias circulantes e, por outro lado, pelo fluxo mais lento ou mais rápido dos seus processos de circulação opositivos, do qual depende a parte dessa soma de preços que pode ser realizada pelas mesmas moedas. Mas a soma de preços das mercadorias depende tanto da massa como dos preços de cada espécie de mercadorias. Os três factores — movimento de preços, massa circulante de mercadorias e, finalmente, velocidade de rotação do dinheiro — podem, porém, variar em sentido diverso e diversas proporções, e a soma de preços a realizar e, por conseguinte, a massa de meios de circulação, por ela condicionada, podem, pois, passar por numerosas combinações. Vamos aqui enumerar apenas as mais importantes na história dos preços das mercadorias.

Permanecendo os preços das mercadorias iguais, a massa dos meios de circulação pode crescer porque a massa das mercadorias circulantes aumenta ou a velocidade da rotação do dinheiro diminui ou ambas as coisas actuam conjuntamente. Inversamente, a massa dos meios de circulação pode diminuir quando a massa de mercadorias diminui ou quando a velocidade de circulação aumenta.

Quando há uma subida geral dos preços das mercadorias, a massa de meios de circulação pode permanecer igual se a massa das mercadorias circulantes diminui na mesma proporção em que o seu preço aumenta ou se a velocidade de rotação do dinheiro aumenta tão rapidamente como a elevação dos preços, permanecendo constante a massa circulante de mercadorias. A massa dos meios de circulação pode baixar porque a massa de mercadorias diminui mais rapidamente, ou a velocidade de rotação aumenta mais rapidamente, do que os preços.

Quando há uma baixa geral dos preços das mercadorias, a massa de meios de circulação pode permanecer igual se a massa de mercadorias crescer na mesma proporção em que o seu preço baixa ou a velocidade de rotação do dinheiro diminuir na mesma proporção que os preços. Ela pode crescer se a massa de mercadorias crescer mais rapidamente ou se a velocidade de circulação diminuir mais rapidamente do que os preços das mercadorias baixam.

As variações dos diversos factores podem compensar-se reciprocamente, de maneira que, apesar da sua contínua instabilidade, a soma total a realizar dos preços das mercadorias e, portanto, também a massa circulante de dinheiro, permaneça constante. Verifica-se, portanto, nomeadamente quando se observa períodos algo mais longos, um muito mais constante nível médio da massa de dinheiro circulante em cada país e, com excepção de fortes perturbações (que brotam periodicamente das crises de produção e de comércio, e mais raramente de uma mudança no próprio valor do dinheiro), desvios desse nível médio muito menores do que o que, à primeira vista, se deveria esperar.

A lei de que a quantidade dos meios de circulação é determinada pela soma de preços das mercadorias circulantes e pela velocidade média de rotação do dinheiro(22*), também pode ser expressa dizendo-se que, a dada soma de valor das mercadorias e a dada velocidade média das suas metamorfoses, a quantidade do dinheiro em rotação ou do material-dinheiro depende do seu próprio valor. A ilusão de que, inversamente, os preços das mercadorias são determinados pela massa dos meios de circulação e estes últimos, por sua vez, pela massa do material-dinheiro que se encontra num país(25*) radica, entre os seus defensores originários, na absurda hipótese de que no processo de circulação entram mercadorias sem preço e dinheiro sem valor, onde então uma parte alíquota da amálgama de mercadorias se troca por uma parte alíquota do amontoado de metal(26*).

c) A moeda. O signo de valor

Da função do dinheiro como meio de circulação brota a sua figura-moeda. A parte de peso em ouro representada no preço ou no nome monetário das mercadorias tem de se lhes confrontar, na circulação, como peça de ouro homónima ou moeda. Tal como a fixação do padrão dos preços, o negócio da cunhagem de moeda cabe ao Estado. Nos diversos uniformes nacionais que o ouro e a prata envergam como moedas, mas que despem de novo no mercado mundial, aparece a separação entre as esferas internas ou nacionais da circulação de mercadorias e a sua esfera universal no mercado mundial.

À partida, a moeda de ouro e o ouro em barra diferenciam-se assim apenas pela figura, e o ouro é permanentemente transformável de uma forma na outra(27*). Porém, o caminho que sai da casa da moeda é simultaneamente a passagem para o cadinho de fusão. Com efeito, na rotação as moedas de ouro desgastam-se, umas mais outras menos. Título do ouro e substância do ouro, teor nominal e teor real, começam o seu processo de separação. Moedas de ouro homónimas tornam-se de valor desigual, porque de peso diverso. O ouro como meio de circulação desvia-se do ouro como padrão dos preços e, desse modo, deixa também de ser um equivalente real das mercadorias cujos preços realiza. A história destas confusões é a história da moeda desde a Idade Média e os tempos modernos até ao século XVIII. A tendência natural do processo de circulação para transformar o ser-ouro da moeda em aparência de ouro ou para transformar a moeda num símbolo do seu teor metálico oficial é reconhecida mesmo pelas mais modernas leis sobre o grau da perda de metal que desmonetariza uma moeda de ouro ou a torna inapta para circular.

Se a própria rotação de dinheiro separa o teor real do teor nominal da moeda, a sua existência metálica da sua existência funcional, então encerra a possibilidade latente de substituir o dinheiro metálico, na sua função monetária, por marcas de outro material ou por símbolos. Os impedimentos técnicos à cunhagem de partes muito diminutas de peso em ouro ou prata e a circunstância de metais inferiores servirem originariamente em vez dos mais nobres — a prata em vez do ouro, o cobre em vez da prata — como medida de valor e, por isso, circularem como dinheiro no momento em que o metal mais nobre os destrona, explicam historicamente o papel das marcas de prata e de cobre como substitutos da moeda de ouro. Elas substituem o ouro nos círculos da circulação de mercadorias em que a moeda circula da maneira mais rápida e, assim, da maneira mais rápida se desgasta, i. é, onde compras e vendas se renovam ininterruptamente à escala mais pequena. Para impedir o estabelecimento destes satélites no lugar do próprio ouro são determinadas legalmente as proporções muito baixas em que só eles têm de ser aceites em pagamento em vez do ouro. Os círculos particulares que as diversas espécies de moeda percorrem desembocam naturalmente uns nos outros. A moeda divisionária aparece ao lado do ouro para pagamento de fracções da moeda de ouro mais pequena; o ouro entra constantemente na circulação de retalho, mas é também constantemente de lá expulso por troca com moeda divisionária(28*).

O teor metálico das marcas de prata ou cobre é determinado arbitrariamente pela lei. Na rotação, elas desgastam-se ainda mais rapidamente do que a moeda de ouro. Por isso, a sua função como moeda torna-se, efectivamente, completamente independente do seu peso, i. é, de todo o valor. A existência monetária do ouro separa-se completamente da sua substância de valor. Coisas relativamente sem valor, notas de papel, podem, pois, funcionar em seu lugar como moeda. Nas marcas de dinheiro metálicas, o carácter puramente simbólico está ainda de algum modo escondido. No papel-moeda, ele salta à vista. Como se vê, ce nest que le premier pas qui coute.(29*)

Trata-se aqui apenas de papel-moeda do Estado com curso forçado. Ele provém imediatamente da circulação metálica. O dinheiro creditício supõe, pelo contrário, relações que, do ponto de vista da circulação simples de mercadorias, nos são ainda completamente desconhecidas. Note-se de passagem que, tal como o papel-moeda propriamente dito brota da função do dinheiro como meio de circulação, o dinheiro creditício possui a sua raiz natural na função do dinheiro como meio de pagamento(30*).

Notas de papel sobre as quais estão impressos nomes monetários, como 1 lib. esterl., 5 lib. esterl., etc, são de fora lançadas pelo Estado para dentro do processo de circulação. Enquanto realmente circulam no lugar da soma de ouro homónima, só as leis da própria rotação de dinheiro se reflectem no seu movimento. Uma lei específica da circulação de papel apenas pode brotar da sua relação de representação com o ouro. E essa lei é simplesmente a de que há que limitar a emissão de papel-moeda à quantidade em que o ouro (ou a prata) nele simbolicamente manifestado realmente teria de circular. Ora, é certo que o quantum de ouro que a esfera da circulação pode absorver oscila constantemente para cima e para baixo de um certo nível médio. No entanto, a massa do meio circulante num dado país nunca desce abaixo de um certo mínimo, que se estabelece em conformidade com a experiência. O facto de esta massa mínima mudar continuamente as suas partes integrantes, i. é, de ela consistir em moedas de ouro sempre diferentes, em nada altera, naturalmente, o seu volume ou o seu constante giro na esfera da circulação. Ela pode, assim, ser substituída por símbolos de papel. Se, pelo contrário, todos os canais de circulação forem hoje cheios com papel-moeda até ao grau máximo da sua capacidade de absorção de dinheiro, eles podem amanhã ficar inundados na sequência das oscilações da circulação de mercadorias. Toda a medida se perderia. Mas, se o papel ultrapassar a sua medida, i. é, a quantidade de moeda de ouro da mesma denominação que poderia circular, então, abstraindo do perigo de descrédito geral, ele mesmo assim representaria apenas, dentro do mundo das mercadorias, a quantidade de ouro determinada pelas suas leis imanentes, portanto também a única quantidade de ouro representável. Se, por ex., a massa de notas de papel representa por cada nota de papel 2 onças de ouro em vez de 1 onça, então 1 lib. esterl., p. ex., torna-se efectivamente no nome monetário, digamos, de 1/8 de onça em vez de 1/4 de onça. O efeito é o mesmo do que se o ouro tivesse sido alterado na sua função como medida dos preços. Assim, os mesmos valores que antes se expressavam no preço de 1 lib. esterl. expressam-se agora no preço de 2 lib. esterl.

O papel-moeda é signo de ouro ou signo de dinheiro. A sua relação com os valores das mercadorias consiste apenas em que estes estão idealmente expressos nos mesmos quanta de ouro que são manifestados simbólica e sensivelmente por papel. Só na medida em que o papel-moeda representa quanta de ouro, que, como todos os outros quanta de mercadorias, são também quanta de valor, é que ele é signo de valor(35*).

Pergunta-se, finalmente, porque pode o ouro ser substituído por meros signos de si próprio sem valor. Porém, como vimos, ele só é substituível na medida em que seja isolado ou autonomizado na sua função como moeda ou meio de circulação. Ora, é certo que a autonomização desta função não tem lugar para as moedas de ouro singulares, ainda que se manifeste no facto de moedas de ouro desgastadas continuarem a circular. As moedas de ouro só são meras moedas ou meio de circulação desde que realmente se encontrem em rotação. Mas aquilo que não vigora para a moeda de ouro singular vigora para a massa mínima de ouro substituível por papel-moeda. Ela habita continuamente na esfera da circulação, funciona constantemente como meio de circulação e, por isso, existe exclusivamente como portador dessa função. Assim, o seu movimento apenas representa a constante conversão mútua dos processos contrapostos da metamorfose das mercadorias M — D — M, em que a sua figura de valor apenas se confronta com a mercadoria para logo desaparecer de novo. A manifestação autónoma do valor de troca da mercadoria é aqui apenas momento passageiro. Ela é logo de novo substituída por outra mercadoria. Por isso, é também suficiente a existência meramente simbólica do dinheiro num processo que constantemente o afasta de umas mãos para outras. A sua existência funcional absorve, por assim dizer, a sua existência material. Reflexo evanescentemente objectivado dos preços das mercadorias, ele já só funciona como signo de si próprio e, por isso, pode ser substituído também por signos(36*). Só que o signo do dinheiro precisa de ter a sua validade própria objectivamente social, e esta adquire-a o símbolo de papel através do curso forçado. Esta coerção estatal apenas vigora dentro da esfera da circulação circunscrita às fronteiras de uma comunidade, ou esfera de circulação interna, mas também só aí o dinheiro se manifesta plenamente na sua função como meio de circulação ou moeda e pode, por isso, obter no papel-moeda um modo de existência meramente funcional e exteriormente separado da sua substância metálica.


Notas de rodapé:

(1*) «Do... fogo, porém, todas as coisas saem, disse Heraclito, e o fogo de todas as coisas, tal como as mercadorias do ouro e o ouro das mercadorias.» (F. Lassalle, Die Philosophie Herakleitos des Dunkeln, Berlin, 1858, vol. I, p. 222.) A nota de Lassalle sobre esta passagem, p. 224, n. 3, dá incorrectamente o ouro como mero signo do valor. (retornar ao texto)

(2*) Em italiano no texto: salto mortal. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(3*) Numa carta de 28 de Novembro de 1878 a N. F. Danielson, tradutor russo do Capital Marx altera a última frase como segue: «E, de facto, o valor de cada covado individual também é apenas a materialização de uma parte do quantum de trabalho social despendido no quantum total dos côvados.» A mesma correcção encontra-se também no exemplar pessoal de Marx da segunda edição alemã do volume I do Capital, mas não escrita pela sua mão. (Nota da edição alemã.) (retornar ao texto)

(4*) «Toda a venda é compra.» (Dr. Quesnay, Dialogues sur le commerce et sur les travaux des artisans, [in] Physiocrates, éd. Daire, I. partie, Paris, 1846, p. 170), ou, como diz Quesnay nas suas Maximes générales: «Vender é comprar.»[N50] (retornar ao texto)

(5*) «Não podendo o preço de uma mercadoria ser pago senão pelo preço de uma outra mercadoria.» (Mercier de la Rivière, L'Ordre naturel et essentiel des sociétés politiques, [in] Physiocrates, éd. Daire, II. partie, p. 554.) (retornar ao texto)

(6*) «Para ter esse dinheiro, é preciso ter vendido.» (L. c, p. 543.) (retornar ao texto)

(7*) Conforme já antes se notou, constitui excepção o produtor de ouro, ou de prata, que troca o seu produto sem antes o ter vendido. (retornar ao texto)

(8*) «Se o dinheiro representa, nas nossas mãos, as coisas que podemos desejar comprar, ele representa aí também as coisas que vendemos para ter esse dinheiro.» (Mercier de la Rivière, 1. c, p. 586.) (retornar ao texto)

(9*) Em latim no texto: personagens do drama. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(10*) «Há pois [...] quatro termos e três contratantes, um dos quais intervém duas vezes.» (Le Trosne, 1. c, p. 909.) (retornar ao texto)

(11*) Literalmente: espora ardente, isto é, pessoa impetuosa, inflamada. Trata-se porventura, de uma evocação irónica de Hotspur, que em inglês tem o mesmo significado, nome por que era conhecido sir Henry Percy, a cuja «ardência» Shakespeare no Henrique IV (Parte I, acto II, cena IV) alude num contexto em que se associam o ímpeto guerreiro e o apreço por bebidas fortes. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(12*) Nota à 2.ª ed. Por muito palpável que este fenómeno seja, ele não é, no entanto, na maior parte das vezes, notado por economistas políticos, nomeadamente pelo livre-cambista vulgaris(13*). (retornar ao texto)

(13*) Em latim no texto: vulgar (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(14*) Em latim no texto: vice-versa. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(15*) Comparem-se as minhas observações sobre James Mill em Zur Kritik, etc., pp. 74-76. Dois pontos são aqui característicos do método da apologética economista. Em primeiro lugar, a identificação de circulação de mercadorias e troca imediata de produtos através da simples abstracção das suas diferenças. Em segundo lugar, a tentativa de negar, afastando-as, as contradições do processo de produção capitalista dissolvendo as relações dos seus agentes de produção nas relações simples que resultam da circulação de mercadorias. Porém, produção de mercadorias e circulação de mercadorias são fenómenos que pertencem aos mais diversos modos de produção, embora com diverso âmbito e alcance. Portanto, se se conhece apenas as categorias abstractas da circulação de mercadorias, comuns a esses modos de produção, ainda não se sabe nada da sua differentia specifica(16*) e não se pode, pois, julgá-los. Em nenhuma ciência para além da economia política reina uma tão grande jactância com lugares comuns elementares. J.-B. Say, p. ex., por saber que a mercadoria é um produto, permite-se sentenciar acerca das crises. (retornar ao texto)

(16*) Em latim no texto: diferença específica. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(17*) Mesmo quando a mercadoria é repetidamente vendida, fenómeno que aqui não existe ainda para nós, ela sai, com a última venda definitiva, da esfera da circulação para a do consumo, para aí servir como meio de vida ou como meio de produção. (retornar ao texto)

(18*) «Ele» (o dinheiro) «não tem outro movimento senão o que lhe é imprimido pelas produções.» (Le Trosne, 1. c, p. 885.) (retornar ao texto)

(19*) «São as produções que o» (ao dinheiro) «põem em movimento e o fazem circular... A celeridade do seu movimento» (i. é, do dinheiro) «supre a sua quantidade. Quando é preciso, ele limita-se a passar de uma mão para outra sem parar um instante.» (Le Trosne, 1. c, pp. 915, 916.) (retornar ao texto)

(20*) «Sendo o dinheiro... a medida comum da compra e da venda, todo aquele que tenha qualquer coisa para vender mas não consiga encontrar compradores para ela, é logo levado a pensar que a falta de dinheiro no reino, ou no país, é a causa pela qual as suas mercadorias não se escoam; e, assim, a falta de dinheiro é o grito comum; o que é um grande erro... O que querem essas pessoas que gritam por dinheiro?... O rendeiro queixa-se... ele pensa que, se houvesse mais dinheiro no país, teria um preço para as suas mercadorias. Assim, o que parece faltar-lhe não é dinheiro mas sim um preço para o seu cereal e gado, que ele queria vender mas não pode... Porque não consegue ele um preço?... (1) Ou há demasiado cereal e gado no país, de modo que a maioria dos que vêm ao mercado têm necessidade de vender, como ele, e poucos de comprar; ou (2) Falta a habitual vazão para o estrangeiro, por exportação...; ou (3) Falha o consumo, como quando as pessoas, devido à pobreza, não gastam tanto nas suas casas como faziam anteriormente; pelo que aquilo que promoveria as mercadorias do rendeiro não é o aumento de dinheiro metálico, mas sim a remoção de uma dessas três causas, que verdadeiramente mantêm o mercado em baixo... O mercador e o logista querem dinheiro da mesma maneira, isto é, querem vazão para as mercadorias em que negoceiam, pelo facto de os mercados falharem»... [Uma nação] «nunca prospera melhor do que quando as riquezas passam rapidamente de mão em mão.» (Sir Dudley North, Discourses upon Trade, Lond., 1691, pp. 11-15 passim.) As trapaças de Herrenschwand resumem-se todas a que as contradições que brotam da natureza da mercadoria e que, por isso, aparecem na circulação das mercadorias, poderiam ser eliminadas através do aumento dos meios de circulação. Aliás, da ilusão popular que atribui as paralisações do processo de produção e de circulação a uma falta de meios de circulação não resulta de modo nenhum, inversamente, que uma falta real de meios de circulação, na sequência, p. ex., de trafulhices oficiais com a regulation of currency(21*)*, não possa por seu lado provocar paralisações». (retornar ao texto)

(21*) Em inglês no texto: regulamentação da rotação (do dinheiro). (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(22*) «Há uma certa medida e proporção de dinheiro requerida para conduzir o comércio de uma nação, podendo esta ser prejudicada se essa medida for a mais ou a menos. Tal como, num pequeno comércio a retalho, é necessária uma certa proporção de farthings para trocar moedas de prata e para facilitar pagamentos que não possam ser acertados com as moedas de prata mais pequenas... Ora, assim como a proporção do número de farthings requeridos pelo comércio é de calcular a partir do número de pessoas, da frequência das suas trocas, e também, e principalmente, a partir do valor das moedas de prata mais pequenas, de igual modo a proporção de dinheiro» (em moedas de ouro e prata) «requerida para o nosso comércio é igualmente de calcular a partir da frequência das permutas e da dimensão dos pagamentos.» (William Petty, A Treatise on Taxes and Contributions, Lond., 1667, p. 17.) A teoria de Hume foi defendida contra J. Steuart e outros por A. Young na sua Politicai Arithmetic, Lond., 1774, onde existe um capítulo próprio: «Prices depend on quantity of money»(23*), p. 112 sqq. Em Zur Kritik, etc, p. 149, eu observo: «Ele» (A. Smith) «elimina silenciando-a a questão acerca da quantidade das moedas circulantes ao tratar de um modo totalmente falso o dinheiro como mera mercadoria.» Isto vigora apenas na medida em que A. Smith trata do dinheiro ex officio(24*). Ocasionalmente, porém, como, p. ex., na crítica dos sistemas anteriores da economia política, ele exprime-se correctamente: «A quantidade de moeda em cada país é regulada pelo valor das mercadorias que ela faz circular... O valor das mercadorias compradas e vendidas anualmente em qualquer país requer uma certa quantidade de dinheiro para as fazer circular e distribuir pelos próprios consumidores, mas não pode dar emprego a mais. O canal de circulação puxa necessariamente para si uma soma suficiente para o encher, e nunca admite mais.» (Wealth of Nations, [vol. III,] 1. IV, cap. I [, pp. 87, 89].) De modo semelhante, A. Smith abre a sua obra ex officio com uma apoteose da divisão do trabalho. Posteriormente, no último livro sobre as fontes da receita do Estado, reproduz ocasionalmente a denúncia da divisão do trabalho feita por A. Ferguson, seu professor. (retornar ao texto)

(23*) Em inglês no texto: «Os preços dependem da quantidade de dinheiro». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(24*) Em latim no texto: por dever de ofício. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(25*) «Os preços das coisas subirão certamente em todas as nações à medida que o ouro e a prata aumentarem entre as pessoas; e, consequentemente, em qualquer país onde o ouro e a prata diminuam, os preços de todas as coisas têm de cair proporcionalmente a tal decréscimo do dinheiro.» (Jacob Vanderlint, Money Answers All Things, Lond., 1734, p. 5.) Uma comparação mais pormenorizada entre Vanderlint e os Essays de Hume não me deixa a mínima dúvida de que Hume conhecia e utilizava a obra, de resto significativa, de V[anderlint]. A ideia de que a massa dos meios de circulação determina os preços aparece também em Barbon e escritores ainda muito mais antigos. «Nenhum inconveniente», diz Vanderlint, «mas sim uma muito grande vantagem pode surgir de um comércio irrestrito, uma vez que, se o numerário da nação ficar diminuído por ele, o que as proibições visam impedir, as nações que receberem o numerário certamente verificarão que tudo aumenta de preço à medida que o numerário aumenta entre elas. E... as nossas manufacturas, e tudo o mais, em breve se tornarão tão moderadas que virarão a balança de comércio a nosso favor, desse modo recuperando de novo o dinhei- ro.» (L. c, pp. 43, 44.) (retornar ao texto)

(26*) É evidente que cada espécie singular de mercadorias, pelo seu preço, constitui um elemento da soma de preços de todas as mercadorias circulantes. Porém, é completamente incompreensível como valores de uso incomensuráveis entre si se haveriam de trocar, en masse *, pela massa de ouro ou de prata que se encontra num país. Se por um truque se fizesse do mundo das mercadorias uma única mer- cadoria total da qual cada mercadoria apenas constitui uma parte alíquota, resul- taria daí este lindo exemplo de cálculo: mercadoria total = x quintais de ouro. Mercadoria A = parte alíquota da mercadoria total = mesma parte alíquota de x quintais de ouro. Isto é expresso com toda a seriedade em Montesquieu: «Se se comparar a massa do ouro e da prata que existe no mundo com a soma das mer- cadorias que aí existem, é certo que cada género ou mercadoria, em particular, poderá ser comparado a uma certa porção da massa inteira do ouro e da prata. Suponhamos que não existe senão um único género ou mercadoria no mundo ou que não existe aí senão uma que se compra e que ela se divide como o dinheiro: esta parte desta mercadoria corresponderá a uma parte da massa do dinheiro; a metade do total de uma à metade do total da outra, etc. ... O estabelecimento do preço das coisas depende sempre fundamentalmente da razão do total das coisas com o total dos signos.» (Montesquieu, 1. c, t. III, pp. 12, 13.) Sobre o ulterior desenvolvimento desta teoria por Ricardo, o seu discípulo James Mill, Lord Overstone, etc, cf. Zur Kritik, etc, pp. 140-146, e pp. 150 sqq. O senhor J. St. Mill consegue, com a lógica ecléctica que lhe é habitual, ser da opinião de seu pai J. Mill e, simultaneamente, da oposta. Se compararmos o texto do seu compêndio Princ. of Pol. Econ. com o prefácio (primeira edição) em que ele se anuncia a si próprio como o Adam Smith do presente, ficamos sem saber o que mais admirar, se a ingenuidade do homem se a do público que em boa fé o aceitou como Adam Smith, para quem ele está como o general Williams Kars de Kars para o duque de Wellington. As investigações originais do senhor J. St. Mill na área da ec pol., que nem são extensas nem têm muito conteúdo, podem-se encontrar, todas muito alinhadas, no seu opúsculo publicado em 1844 Some Unsettled Questions of Politicai Economy. Locke exprime directamente a conexão entre a ausência de valor no ouro e na prata e a determinação do seu valor pela quantidade. «Tendo a humanidade concordado em atribuir ao ouro e à prata um valor imaginário... o valor intrínseco que se nota nesses metais nada mais é que a sua quantidade.» (Some Considerations, etc, 1691, [in] Works, ed. 1777, vol. II, p. 15.) (retornar ao texto)

(27*) Naturalmente que vai muito além do meu objectivo tratar de pormenores como o direito de moedagem e outros. No entanto, face ao sicofanta romântico Adam Müller, que admira «a grandiosa liberalidade» com que o «governo inglês cunha gratuitamente»[N52]], cito a seguinte opinião de Sir Dudley North: «Prata e ouro, como outras mercadorias, têm as suas marés baixas e altas. Quando chegam quantidades de Espanha... são levadas para a Torre e cunhadas. Não muito tempo depois sobrevirá uma procura para que barras sejam de novo exportadas. Se não houver nenhumas mas acontecer que tudo está em moeda, que fazer? Funde-se de novo; nada se perde com isso, pois a cunhagem nada custa ao possuidor. Mas assim a nação foi lesada e obrigada a pagar o trilhar da palha para os burros comerem. Se o mercador» (North era ele próprio um dos maiores mercadores no tempo de Carlos II) «fosse obrigado a pagar o preço da cunhagem, ele não leria enviado a sua prata para a Torre inconsideradamente; e o dinheiro cunhado manteria sempre um valor superior ao da prata não cunhada.» (North, 1. c, P. 18.) (retornar ao texto)

(28*) «Se a prata nunca exceder o que é necessário para os pagamentos mais pequenos, ela nunca se poderá juntar em quantidades suficientes para os pagamentos maiores... o uso do ouro nos pagamentos principais implica necessariamente também o seu uso no comércio a retalho: aqueles que têm moeda de ouro oferecem-na para pequenas compras, recebendo de volta, com a mercadoria comprada, o troco em prata; por este meio, o excesso de prata que de outro modo estorvaria o retalhista é retirado e disperso pela circulação geral. Mas, se houver tanta prata que chegue para transaccionar os pequenos pagamentos independentemente do ouro, o retalhista tem então de receber prata por pequenas compras; e ela tem necessariamente de acumular-se nas suas mãos.» (David Buchanan, Inquiry into the Taxation and Commercial Policy of Great Britain, Edinburgh, 1844, pp. 248, 249.) (retornar ao texto)

(29*) Em francês no texto: só o primeiro passo é que custa. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(30*) O mandarim das finanças Wan-mao-in lembrou-se de submeter ao Filho do Céu um projecto que ocultamente visava a transformação dos assinados imperiais chineses em notas de banco convertíveis. No relatório do Comité dos assinados de Abril de 1854, ele leva a devida ensaboadela. Não se diz se ele apanhou as tradicionais vergastadas de bambu. «O Comité», diz-se no final do relatório, «considerou atentamente o seu projecto e acha que tudo nele resulta em vantagem dos comerciantes e em nada é vantajoso para a coroa.» (Arbeiten der Kaiserlich Russischen Gesandtschaft zu Peking über China. Traduzido do russo pelo Dr. K. Abel e F. A. Mecklenburg. Primeiro volume, Berlin, 1858, p. 54.) Sobre a constante desmetalização das moedas de ouro ao longo da sua rotação, um «governor»(31*) do Bank of England(32*), na qualidade de testemunha perante o «House of Lords' Committee»(33*) (acerca das Bank Acts(34*)), diz: «Todos os anos uma nova classe de soberanos» (não no sentido político, mas porque soberano é o nome da lib. esterl.[N53]) «torna-se demasiado leve. A classe que circula um ano com o peso todo perde, com o uso, o suficiente para no ano seguinte fazer o prato da balança pender contra si.» (H. o. Lords Committee, 1848, n. 429.) (retornar ao texto)

(31*) Em inglês no texto: «governador» (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(32*) Em inglês no texto: Banco de Inglaterra. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(33*) Em inglês no texto: «Comité da Câmara dos Lordes». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(34*) Em inglês no texto: Leis Bancárias. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(35*) Nota à 2.ª edição. A seguinte passagem de Fullarton, p. ex., mostra como é pouco clara a forma como até os melhores escritores acerca do sistema monetário entendem as diversas funções do dinheiro: «Que, no que respeita às nossas trocas domésticas, todas as funções monetárias que são habitualmente desempenhadas por moedas de ouro e de prata podem ser desempenhadas com igual eficácia por uma circulação de notas inconvertíveis que não têm nenhum valor a não ser o seu valor factício e convencional que retiram da lei, é um facto que, penso eu, não admite contestação. Valor deste tipo pode ser feito corresponder a todas as finalidades do valor intrínseco e suprimir mesmo a necessidade de um padrão, desde que a quantidade de emissões seja mantida nos devidos limites.» (Fullarton, Regulation of Currencies, 2.ª ed., London, 1845, p. 21.) Portanto, como a mercadoria-dinheiro pode ser substituída na circulação por meros signos de valor, ela é supérflua como medida dos valores e padrão dos preços! (retornar ao texto)

(36*) Do facto de o ouro e a prata como moedas ou na função exclusiva como meio de circulação se poderem tornar em signos de si próprios, Nicholas Barbon deduz o direito dos governos «to rise money»(37*), i. é, p. ex., de dar a um quantum de prata que se chamava Groschen o nome de um quantum de prata maior, como táler, e, assim, de pagar aos credores Groschen em vez de táleres. «O dinheiro desgasta-se e fica mais leve por ser contado frequentemente... Aquilo a que as pessoas atendem no comércio é à denominação e curso do dinheiro e não à quantidade de prata... É a autoridade pública sobre o metal que faz dele dinheiro.» (N. Barbon, 1. c, pp. 29, 30, 25.) (retornar ao texto)

(37*) Em inglês no texto: «aumentar [o valor do] dinheiro». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N47] Karl Marx, Zur Kritik der Politischen Oekonomie, MEW, Bd. 13, S. 71. (retornar ao texto)

[N48] «The course of true love never does run smooth» («O caminho do verdadeiro amor nunca está isento de obstáculos») — Shakespeare, Um Sonho de Uma Noite de Verão, acto I, cena 1. (retornar ao texto)

[N49] Disjecta membra poetae (os membros dispersos do poeta) — palavras das Sátiras de Horácio, livro I, sátira 4. (retornar ao texto)

[N50] Marx cita aqui a obra de Dupont de Nemours Maximes du docteur Quesnay, ou résumé de ses príncipes d'économie sociale; in Physiocrates. Avec une introduction et des commentaires par E. Daire. Partie I, Paris, 1846, p. 392. (retornar ao texto)

[N51] Non olet (não tem cheiro) — estas palavras foram proferidas pelo imperador romano Vespasiano (69-79) ao seu filho, que o censurava pela introdução de um imposto especial sobre as latrinas. (retornar ao texto)

[N52] Adam Heinrich Müller, Die Elemente der Staatskunst. Theil II, Berlin, 1809, S. 280. (retornar ao texto)

[N53] Jogo de palavras: a palavra inglesa sovereign significa «soberano, monarca» e também «soberano», designação da libra esterlina de ouro. (retornar ao texto)

Inclusão 07/12/2011
Última atualização 14/11/2012