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O Capital
Crítica da Economia Política
Karl Marx

Livro Primeiro: O processo de produção do capital

Quarta Secção: A produção da mais-valia relativa
Décimo terceiro capítulo. Maquinaria e grande indústria


1. Desenvolvimento da maquinaria


capa

John Stuart Mill nos seus Princípios de Economia Política diz:

«É questionável se todas as invenções mecânicas já feitas aliviaram a labuta diária de algum ser humano.»(1*)

Esse também não é, de modo algum, o objectivo da maquinaria empregue de modo capitalista. Tal como qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, ela há-de embaratecer mercadorias e encurtar a parte do dia de trabalho de que o operário precisa para si mesmo, para prolongar aquela outra parte do seu dia de trabalho que ele dá gratuitamente ao capitalista. Ela é meio para a produção de mais-valia.

O revolucionamento do modo de produção tem como ponto de partida, na manufactura, a força de trabalho; na grande indústria, o meio de trabalho. Há, pois, primeiramente que investigar através do quê o meio de trabalho se transforma de uma ferramenta em uma máquina ou através do quê a máquina se distingue do instrumento artesanal. Trata-se aqui apenas de grandes traços característicos gerais, pois linhas fronteiriças, abstractamente rigorosas, separam tão pouco as épocas da história da sociedade como as da história da Terra.

Matemáticos e mecânicos — e isto acha-se repetido, aqui e ali, por economistas ingleses — definem a ferramenta como uma máquina simples e a máquina como uma ferramenta composta. Eles não vêem aqui qualquer diferença essencial e até chamam máquinas(3*) às potências mecânicas simples, como alavanca, plano inclinado, parafuso, cunha, etc. De facto, toda a máquina consiste naquelas potências simples, estejam elas disfarçadas e combinadas como estiverem. Todavia, do ponto de vista económico, a definição não colhe, pois falta-lhe o elemento histórico. Por outro lado, procura-se a diferença entre ferramenta e máquina no facto de, na ferramenta, ser o homem a força de movimento, na máquina, uma força natural, diversa da humana, como animal, água, vento, etc.(4*) De acordo com isto, um arado atrelado a bois, que pertence às mais diversas épocas de produção, seria uma máquina; o circular loom(5*) de Claussen, que é movido pela mão de um único operário e faz 96 000 malhas em um minuto, uma mera ferramenta. Sim, o mesmo loom seria ferramenta se movido com a mão e máquina se movido a vapor. Uma vez que o emprego de força animal é uma das mais antigas invenções da humanidade, a produção com máquinas precederia, de facto, a produção artesanal. Quando John Wyatt em 1735 anunciou a sua máquina de fiar e, com ela, a revolução industrial do século XVIII, não disse palavra acerca de que em vez de um homem seria um burro a fazer andar a máquina; e, no entanto, coube ao burro esse papel. Uma máquina «para fiar sem dedos», assim rezava o seu programa(6*).

Toda a maquinaria desenvolvida consiste em três partes essencialmente diversas, a máquina de movimento, o mecanismo de transmisssão, por fim a máquina-ferramenta ou máquina de trabalho. A máquina de movimento opera como força impulsionadora de todo o mecanismo. Ela gera a sua própria força de movimento, como a máquina a vapor, a máquina calórica[N129], a máquina electromagnética, etc, ou recebe o impulso de uma força natural já pronta, fora dela, como a roda hidráulica o recebe da queda de água, a asa do moinho do vento, etc. O mecanismo de transmissão, composto de volantes, árvores de transmissão, rodas dentadas, tambores, cabos, cordas, correias, pinhão e engrenagens da mais diversa espécie, regula o movimento, transforma — onde é preciso — a sua forma, p. ex., de uma perpendicular em uma circular, reparte-o e transfere-o para a maquinaria-ferramenta. Ambas as partes do mecanismo estão apenas presentes para comunicar à máquina-ferramenta o movimento pelo qual ela ataca o objecto de trabalho e o modifica em conformidade a um fim. Desta parte da maquinaria, da máquina-ferramenta, é donde parte a revolução industrial no século XVIII. Ela forma ainda, de novo cada dia, o ponto de partida, sempre que funcionamento artesanal ou manufactureiro passam a funcionamento com máquinas.

Se virmos agora mais de perto a máquina-ferramenta ou máquina de trabalho propriamente dita, voltam a aparecer-nos genericamente, ainda que frequentemente em forma muito modificada, os aparelhos e as ferramentas com que trabalha o artesão e o operário manufactureiro, mas em vez de aparecerem como ferramentas do homem aparecem agora como ferramentas de um mecanismo ou como ferramentas mecânicas. Ou a máquina toda é apenas uma edição mecânica, mais ou menos modificada, do antigo instrumento artesanal, como no caso do tear mecânico(7*), ou os órgãos activos empregues na armação da máquina de trabalho são velhos conhecidos nossos, como fusos na máquina de fiar, agulhas no tear do fabricante de meias, folhas de serra na máquina de serrar, facas na máquina de cortar, etc. A diferença entre estas ferramentas e o corpo propriamente dito da máquina de trabalho estende-se até ao seu nascimento. É que continuam ainda a ser produzidos em grande parte artesanal ou manufactureiramente e só mais tarde são fixados no corpo, produzido à máquina, da máquina de trabalho(8*). A máquina-ferramenta é, pois, um mecanismo que, após comunicação do movimento correspondente, executa com as suas ferramentas as mesmas operações que dantes o operário executava com ferramentas semelhantes. Se a força motriz parte agora do homem ou mesmo por sua vez de uma máquina, isso em nada altera a essência da coisa. Após transferência da ferramenta propriamente dita do homem para um mecanismo, uma máquina passa para o lugar de uma mera ferramenta. A diferença salta logo à vista, mesmo se o próprio homem continua a ser ainda o primeiro motor. A quantidade de instrumentos de trabalho com que ele pode simultaneamente operar está limitada pela quantidade dos seus instrumentos naturais de produção, os seus órgãos corpóreos próprios. Na Alemanha tentou-se pela primeira vez fazer um fiandeiro accionar duas rodas de fiar, portanto, trabalhar simultaneamente com duas mãos e dois pés. Isto era demasiado cansativo. Mais tarde, inventou-se uma roda de fiar a pedal com dois fusos, mas os virtuosos da fiação, que podiam fiar duas linhas simultaneamente, eram quase tão raros como homens com duas cabeças. A jenny[N130], pelo contrário, fia desde o princípio com 12-18 fusos, o tear do fabricante de meias tricota com muitas 1000 agulhas duma vez, etc. A quantidade das ferramentas com que a mesma máquina-ferramenta simultaneamente funciona está desde o princípio emancipada das barreiras orgânicas que restringem o utensílio artesanal de um operário.

Em muito utensílio artesanal, a diferença entre o homem como mera força motriz e como operário [que trabalha] com o operador propriamente dito possui uma existência sensivelmente particularizada. P. ex., na roda de fiar, o pé actua somente como força motriz, enquanto a mão — que trabalha no fuso, desfia e torce — executa a operação de fiar propriamente dita. É precisamente esta última parte do instrumento artesanal que a revolução industrial atinge primeiro e deixa ao homem, a par do novo trabalho de vigiar a máquina com os olhos e corrigir os erros desta com a mão, antes de mais e ainda o papel puramente mecânico de força motriz. Pelo contrário, ferramentas sobre as quais o homem opera desde o princípio apenas como força motriz simples, como, p. ex., no girar da manivela de um moinho(11*), no bombear, no mover para cima e para baixo os braços de um fole, no moer de um almofariz, etc, são as primeiras a suscitar de facto o emprego de animais, água, vento(12*) como forças de movimento. Elas vêm a tornar-se em parte dentro do período manufactureiro, esporadicamente já muito antes, em máquinas, mas não revolucionam o modo de produção. É no período da grande indústria que se mostra que elas próprias já são máquinas na sua forma artesanal. P. ex., as bombas com que os holandeses em 1836/37 bombearam o mar de Harlem, foram construídas segundo o princípio das bombas habituais, só que ciclópicas máquinas a vapor, em vez de mãos de homens, accionavam os seus êmbolos. Em Inglaterra, o fole habitual e muito imperfeito do ferreiro é ainda por vezes transformado numa bomba de ar mecânica através de mera ligação do seu braço a uma máquina a vapor. A própria máquina a vapor, tal como foi inventada nos finais do século XVII durante o período manufactureiro e continuou a existir até ao começo dos anos oitenta do século XVIII(13*), não provocou qualquer revolução industrial. Inversamente, foi antes a criação das máquinas-ferramenta que tornou necessária a máquina a vapor revolucionada. Logo que o homem opera apenas como força motriz sobre uma máquina-ferramenta, em vez de operar com a ferramenta sobre o objecto de trabalho, o disfarce da força motriz em músculo humano torna-se contingente e vento, água, vapor, etc, podem entrar para o seu lugar. Isto não exclui naturalmente que tal mudança frequentemente condicione grandes modificações técnicas do mecanismo originariamente só construído para força motriz humana. Hoje em dia, todas as máquinas que têm primeiro de impor — como máquinas de costura, máquinas de fazer pão, etc. —, quando não excluem de antemão pela sua determinação a pequena escada, são construídas simultaneamente para força motriz humana e força motriz puramente mecânica.

A máquina, de que a revolução industrial parte, substitui o operário que maneja uma ferramenta singular por um mecanismo que opera, duma só vez, com uma massa das mesmas ferramentas ou de ferramentas da mesma espécie e é movido(14*) por uma única força motriz, qualquer que seja a forma desta. Temos aqui a máquina, mas só como elemento simples da produção com máquinas.

O alargamento do volume da máquina de trabalho e do número das suas ferramentas que operam simultaneamente requer um mecanismo de movimento mais massivo; e este mecanismo, para vencer a sua própria resistência, requer uma força motriz mais potente do que a humana — independentemente do facto de o homem, para movimento uniforme e contínuo, ser um instrumento de produção muito imperfeito. Pressupondo que ele opera apenas como força motriz simples, e que portanto para o lugar da sua ferramenta entrou uma máquina-ferramenta, também agora forças naturais o podem substituir como força motriz. De todas as grandes forças de movimento, transmitidas pelo período manufactureiro, a força do cavalo era a pior, em parte porque um cavalo tem as suas manias, em parte devido à sua dispendiosidade e ao âmbito limitado em que, em fábricas apenas, é utilizável(15*). Todavia, o cavalo foi frequentemente utilizado na infância da grande indústria, como já o testemunha, para além do lamento de agrónomos coevos, a expressão até hoje transmitida da força mecânica em força de cavalos. O vento era demasiado instável e incontrolável, e o emprego da força da água preponderava além disso em Inglaterra, lugar de nascimento da grande indústria, já durante o período manufactureiro. Já no século XVII se tinha tentado pôr em movimento duas corredouras e portanto também dois jogos de mós com uma roda hidráulica. O volume acrescido do mecanismo de transmissão entrou agora, porém, em conflito com a força hidráulica ora insuficiente e foi esta uma das circunstâncias que levou a uma investigação mais exacta das leis do atrito. Do mesmo modo, o operar não uniforme da força do movimento em moinhos que foram postos em movimento pelo empurrar e puxar de alavancas conduziu à teoria e aplicação do volante(17*), que mais tarde desempenharia um papel tão importante na grande indústria. Desta maneira, o período manufactureiro desenvolveu os primeiros elementos científicos e técnicos da grande indústria. A fiação throstle de Arkwright era accionada, desde o princípio, por água. Entretanto, também o uso da força hidráulica como força motriz dominante estava ligado a circunstâncias que dificultavam [as coisas]. Não podia ser aumentada à discrição nem a sua falta ser remediada; ela falhava por vezes, e era sobretudo de natureza puramente local(18*). Só com a segunda máquina a vapor de Watt, chamada de efeito duplo, se achou um primeiro motor que gera a sua própria força de movimento a partir do consumo de carvão e água, cuja potência está totalmente sob controlo humano; é móvel e um meio de locomoção; citadino e não rural como a roda hidráulica; permitindo a concentração da produção em cidades, em vez de a dispersar(19*) pelo campo como a roda hidráulica; universal na sua aplicação tecnológica; relativamente menos condicionada na sua residência por circunstâncias locais. O grande génio de Watt mostra-se na especificação da patente que ele tirou, em Abril de 1784, e em que a sua máquina a vapor não é descrita como uma invenção para fins particulares, mas como agente universal da grande indústria. Ele alude aqui a aplicações, algumas das quais, como p. ex. o martelo a vapor, só foram introduzidas mais de meio século depois. Todavia ele duvidava da aplicabilidade da máquina a vapor na navegação marítima. Os seus sucessores, Boulton e Watt, expuseram em 1851 a mais colossal máquina a vapor para ocean steamers(20*) na exposição industrial de Londres.

Só depois das ferramentas serem transformadas de ferramentas do organismo humano em ferramentas de um aparelho mecânico, a máquina-ferramenta, é que a máquina de movimento adquiriu uma forma autónoma, plenamente emancipada das barreiras da força humana. Com isso, a máquina-ferramenta singular que até aqui considerámos vai decaindo para um mero elemento da produção com máquinas. Uma máquina de movimento podia agora accionar muitas máquinas de trabalho simultaneamente. Com a quantidade das máquinas de trabalho simultaneamente movidas cresce a máquina de movimento e o mecanismo de transmissão alarga-se num extenso aparelho.

Há agora duas coisas a distinguir, cooperação de muitas máquinas da mesma espécie e sistema de máquinas.

Num caso, a obra toda é executada pela mesma máquina de trabalho. Ela efectua todas as diversas operações que um artesão executava com a sua ferramenta, p. ex., o tecelão com o seu tear, ou que artesãos, com diversas ferramentas, efectuavam sucessivamente quer autonomamente ou como membros de uma manufactura(21*). P. ex., na moderna manufactura de envelopes de carta, um operário dobrava o papel com a dobradeira, outro punha-lhe a cola, um terceiro virava a dobra sobre a qual era impresso o timbre, um quarto imprimia o timbre em relevo, etc; e, em cada uma destas operações parcelares, cada envelope singular tinha de mudar de mãos. Uma única máquina de envelopes executa todas estas operações de uma só vez e faz 3000 e mais envelopes numa hora. Uma máquina americana, exposta na exposição industrial de Londres de 1862, para a fabricação de sacos de papel, corta o papel, cola, dobra e completa 300 peças por minuto. O processo global, dividido no interior da manufactura e efectuado numa sequência, é aqui levado a cabo por uma máquina de trabalho que opera por combinação de diversas ferramentas. Ora se uma tal máquina de trabalho é apenas versão mecânica de um utensílio artesanal mais complexo ou combinação de instrumentos simples, de diversa espécie, particularizados à maneira da manufactura — na fábrica, i. é, na oficina fundada no funcionamento com máquinas, a cooperação simples sempre reaparece, e com efeito antes de mais (abstraímos aqui do operário) como conglomeração espacial de máquinas de trabalho da mesma espécie e cooperando simultaneamente. Assim, uma fábrica de tecelagem é formada pela contiguidade de muitos teares mecânicos e uma fábrica de confecções pela contiguidade de muitas máquinas de costura no mesmo edifício de trabalho. Mas existe aqui uma unidade técnica na medida em que as muitas máquinas de trabalho da mesma espécie recebem o seu impulso, simultânea e igualmente, da pulsação cardíaca do primeiro motor comum, transposto para elas através do mecanismo de transmissão, que também em parte lhes é comum, já que daí apenas se ramificam saídas particulares para cada máquina-ferramenta singular. Tal como muitas ferramentas formam os órgãos de uma máquina de trabalho, muitas máquinas de trabalho formam agora apenas órgãos, de igual espécie, do mesmo mecanismo de movimento.

Um sistema de máquinas propriamente dito só entra, porém, em lugar da máquina autónoma singular onde o objecto de trabalho percorre uma série conexa de diversos processos graduais, que são efectuados por uma cadeia de máquinas-ferramentas, de espécie diversa, mas que se completam umas às outras. Aqui reaparece a cooperação, peculiar à manufactura, através da divisão do trabalho, mas agora como combinação de máquinas de trabalho parcelar. As ferramentas específicas dos diversos operários parcelares, p. ex., na manufactura da lã, o batedor da lã, o cordador da lã, o tosador da lã, o fiandeiro da lã, etc, transformam-se agora nas ferramentas de máquinas de trabalho especificadas, cada uma das quais forma um órgão particular para uma função particular no sistema do mecanismo combinado das ferramentas. A própria manufactura fornece ao sistema de máquinas, nos ramos em que este pela primeira vez é introduzido, genericamente a base natural da divisão e portanto da organização do processo de produção(22*). Entretanto, há logo uma diferença essencial. Na manufactura, operários isolados ou em grupos têm de efectuar cada processo parcelar particular com o seu utensílio artesanal. Se o operário é apropriado ao processo, também previamente o processo foi adaptado ao operário. Este princípio subjectivo da divisão desaparece na produção com máquinas. O processo total é aqui considerado objectivamente, em si e por si, analisado nas suas fases constitutivas, e o problema de efectuar cada processo parcelar e de ligar os diversos processos parcelares resolvido através da aplicação técnica da mecânica, química, etc.(23*), pelo que naturalmente, tal como dantes, a concepção teórica tem de ser aperfeiçoada pela experiência prática acumulada a uma superior escala. Cada máquina parcelar fornece à subsequente a sua matéria-prima e, uma vez que todas operam simultaneamente, o produto acha-se tão continuamente nos diversos estádios do seu processo de formação como na transição de uma fase de produção para outra. Assim como na manufactura a cooperação imediata dos operários parcelares cria uma determinada proporção numérica entre os grupos de operários particulares, também no sistema de máquinas articulado a constante ocupação das máquinas parcelares umas pelas outras cria determinada proporção entre a sua quantidade, o seu volume e a sua velocidade. A máquina de trabalho combinada, agora um sistema articulado de máquinas de trabalho singulares de espécie diversa e de grupos das mesmas, é tanto mais perfeita quanto mais contínuo o seu processo total (i. é, com quanto menos interrupção a matéria-prima passar da sua primeira para a sua última fase), quanto mais, pois, em vez da mão do homem, o próprio mecanismo a fará avançar de uma fase de produção para a outra. Se na manufactura o isolamento dos processos especiais é um princípio dado pela própria divisão do trabalho, na fábrica desenvolvida domina pelo contrário a continuidade dos processos especiais.

Um sistema de maquinaria, quer repouse em mera cooperação de máquinas de trabalho de igual espécie, como na tecelagem, ou numa combinação de máquinas de trabalho de espécie diversa, como na fiação, forma em si e por si um grande autómato, desde que seja accionado por um primeiro motor que se mova a si mesmo. Entretanto, o sistema total, p. ex., pode ser accionado pela máquina a vapor apesar de ou máquinas-ferramentas singulares precisarem ainda do operário para certos movimentos — como o movimento preciso para o arranque da mule, antes da introdução da self-acting mule(24*), e na fiação fina ainda sempre — ou determinadas partes da máquina para a execução da sua obra tenham de ser dirigidas pelo operário como uma ferramenta — como na construção de máquinas antes da transformação do slide rest(25*) (um aparelho giratório) em self-actor(26*). Desde que a máquina de trabalho execute todos os movimentos precisos para a elaboração da matéria-prima sem o auxílio concomitante do homem, e apenas precise de auxílio humano a posteriori, temos um sistema automático de maquinaria que entretanto é susceptível de constante elaboração nos detalhes. Assim, são invenções muito modernas, p. ex., o aparelho que por si mesmo pára a máquina de fiar logo que uma única linha se parte, e o self-acting stop(27*) que pára o tear a vapor melhorado logo que o fio de trama sai da canela da lançadeira. A moderna fábrica de papel pode valer como exemplo tanto da continuidade da produção como da execução do princípio automático. Na produção de papel, pode em geral ser estudada, vantajosamente e em pormenor, a diferença de diversos modos de produção na base de diversos meios de produção, tal como a conexão das relações sociais de produção com este modos de produção, pois a mais velha fabricação alemã de papel fornece-nos o modelo da produção artesanal, a Holanda no século XVII e a França no século XVIII, o modelo da manufactura propriamente dita, e a moderna Inglaterra, o modelo da fabricação automática neste ramo; para além disso, na China e na Índia existem ainda duas diversas formas asiáticas antigas da mesma indústria.

Como sistema articulado de máquinas de trabalho — que apenas recebem o seu movimento de um autómato central por intermédio da maquinaria de transmissão —, o funcionamento com máquinas possui a sua figura mais desenvolvida. Para o lugar da máquina singular entra aqui um monstro mecânico, cujo corpo enche edifícios fabris inteiros e cuja força demoníaca, primeiro oculta pelo movimento quase solenemente medido dos seus membros gigantescos, irrompe na dança vertiginosa, febrilmente louca, dos seus inúmeros órgãos de trabalho propriamente ditos.

Havia mules, máquinas a vapor, etc, antes de haver operários cuja ocupação exclusiva fosse fazer máquinas a vapor, mules, etc, tal como o homem vestia roupas antes de haver alfaiates. As invenções de Vaucanson, Arkwright, Watt, etc, só foram porém efectuáveis porque aqueles inventores encontraram um considerável quantum de operários mecânicos habilitados, fornecido já pronto pelo período manufactureiro. Uma parte destes operários consistia em artesãos autónomos de diversa profissão, uma outra parte estava reunida em manufacturas em que, como antes mencionado, a divisão do trabalho reinava com particular rigor. Com o aumento das invenções e a crescente procura das máquinas recentemente inventadas desenvolveu-se cada vez mais, por um lado, a separação da fabricação de máquinas em múltiplos ramos autónomos, por outro lado, a divisão do trabalho no interior das manufacturas construtoras de máquinas. Vemos aqui, portanto, na manufactura a imediata base técnica da grande indústria. Aquela produzia a maquinaria com que esta, nas esferas de produção que primeiro atingiu, suprimia o funcionamento artesanal e manufactureiro. O funcionamento com máquinas ergueu-se portanto, naturalmente, sobre uma base material que lhe era inadequado. Num certo grau de desenvolvimento, ele teve mesmo de revolucionar esta mesma base — que primeiro encontrou já pronta e cuja antiga forma ele ulteriormente elaborou — e criar para si uma base nova correspondente ao seu modo de produção próprio. Assim como a máquina singular permanece anã enquanto apenas é movida por pessoas, assim como o sistema de máquinas não se pôde desenvolver livremente antes de haver entrado a máquina a vapor para o lugar das forças motrizes já dadas — animal, vento e mesmo água —, também a grande indústria se encontrou paralisada em todo o seu desenvolvimento enquanto o seu meio de produção característico, a própria máquina, deveu a sua existência à força pessoal e à destreza pessoal, portanto dependia do desenvolvimento muscular, da agudeza do olhar e da virtuosidade da mão com que o operário parcelar na manufactura e o artesão fora dela manejavam o seu instrumento anão. Abstraindo do encarecimento das máquinas em consequência deste modo de origem — uma circunstância que domina o capital como motivo consciente —, a extensão da indústria já accionada por máquinas e o penetrar da maquinaria em novos ramos de produção ficaram assim puramente condicionados pelo crescimento de uma categoria de operários que, devido à natureza semiartística da sua ocupação, apenas lentamente podia ser aumentada, e não por saltos. Mas num certo grau de desenvolvimento, a grande indústria entrou também tecnicamente em conflito com o seu substrato artesanal e manufactureiro. Expansão do volume das máquinas de movimento, do mecanismo de transmissão e das máquinas-ferramentas; maior complexificação, multiplicidade e mais rigorosa regularidade das suas partes componentes à medida que a máquina-ferramenta se desembaraçou do modelo artesanal, que originariamente domina a sua construção e recebeu uma figura livre, apenas determinada pela sua tarefa mecânica(28*); melhoramento do sistema automático e aplicação sempre mais inevitável de material difícil de dominar, p. ex. ferro em vez de madeira — a solução de todas estes problemas que surgem naturalmente deparava-se em toda a parte com as barreiras pessoais que o pessoal operário combinado na manufactura também só transpunha em grau, mas não na essência. P. ex., máquinas como o moderno prelo, o moderno tear a vapor e a moderna máquina de cardar, não podiam ser fornecidas pela manufactura.

O revolucionamento do modo de produção numa esfera da indústria condiciona o seu revolucionamento na outra. Isto vale primeiro para aqueles ramos de indústria que estão de facto isolados pela divisão social do trabalho de tal modo que cada um deles produz uma mercadoria autónoma, mas todavia se entrelaçam como fases de um processo total. Assim, a fiação com máquinas tornou necessária a tecelagem com máquinas e ambas juntas a revolução mecânico-química na branquearia, estamparia e tinturaria. Assim, por outro lado, a revolução na fiação do algodão provocou a invenção da gin(29*) para a separação da fibra de algodão da semente, com o que a somente produção de algodão se tornou possível na grande escala agora requerida(30*). Mas a revolução no modo de produção da indústria e da agricultura tornava nomeadamente necessária também uma revolução nas condições universais do processo social de produção, i. é, nos meios de comunicação e de transporte. Tal como os meios de comunicação e de transporte de uma sociedade cujo pivot(32*) — para me servir de uma expressão de Fourier — era a pequena agricultura, com a sua indústria domiciliária acessória e o artesanato citadino, já não podiam de modo algum bastar às necessidades de produção do período manufactureiro (com a sua divisão alargada do trabalho social, a sua concentração de meios de trabalho e operários e os seus mercados coloniais) e, portanto, foram também de facto revolucionados, assim também os meios de transporte e comunicação transmitidos pelo período manufactureiro logo se transformaram em insuportáveis travões para a grande indústria com a sua velocidade febril da produção, a sua escala massiva, o seu constante lançar de massas de capital e de operários de uma esfera de produção para outra e as suas conexões recém-criadas no mercado mundial. Abstraindo da sua construção totalmente revolucionada de barcos à vela, o sistema de comunicação e transporte foi, pois, adaptado gradualmente ao modo de produção da grande indústria através de um sistema de máquinas a vapor fluviais, caminhos-de-ferro, navios oceânicos a vapor e telégrafos. Mas as tremendas massas de ferro, que havia agora que forjar, soldar, cortar, perfurar e moldar, exigiam por seu lado máquinas ciclópicas, cuja criação a construção manufactureira de máquinas recusava.

A grande indústria tinha, pois, de se apoderar do seu meio de produção característico, a própria máquina, e produzir máquinas por meio de máquinas. Só assim ela criou o seu substrato técnico adequado e se pôs de pé. Com o crescente funcionamento com máquinas nos primeiros decénios do século XIX, a maquinaria apoderou-se de facto gradualmente da fabricação das máquinas-ferramentas. Todavia, só durante os decénios ultimamente decorridos uma monstruosa construção de caminhos-de-ferro e navegação oceânica a vapor deram vida às máquinas ciclópicas empregues para a construção de primeiros motores.

A condição de produção mais essencial para a fabricação de máquinas por meio de máquinas era uma máquina de movimento capaz de qualquer potência de força e simultaneamente, contudo, inteiramente controlável. Ela já existia na máquina a vapor. Mas tratava-se simultaneamente de produzir com máquinas as formas rigorosamente geométricas necessárias para as partes singulares das máquinas, como recta, plano, círculo, cilindro, cone e esfera. Henry Maudslay resolveu este problema no primeiro decénio do século XIX com a invenção do slide rest, que em breve se tornou automático, e, em forma modificada, foi transposto do torno para o qual primeiramente estava destinado, para outras máquinas de construção. Este dispositivo mecânico não substitui uma qualquer ferramenta particular, mas a própria mão humana, a qual produz uma determinada forma corrigindo, adaptando e dirigindo o fio de instrumentos de corte, etc, contra ou sobre o material de trabalho, p. ex., ferro. Assim se conseguiu produzir as formas geométricas das partes singulares das máquinas

«com um grau de facilidade, exactidão e rapidez que nenhuma experiência acumulada da mão do operário mais destro podia dar.»(33*)

Se considerarmos agora a parte da maquinaria empregue na construção de máquinas, que forma a máquina-ferramenta propriamente dita, o instrumento artesanal reaparece, mas num volume ciclópico. O [elemento] operador da máquina de brocar, p. ex., é uma broca monstruosa que é accionada por uma máquina a vapor e sem a qual por sua vez os cilindros de grandes máquinas a vapor e prensas hidráulicas não podiam ser produzidos. O torno mecânico é a versão ciclópica do torno de pedal habitual; a máquina de aplainar, um carpinteiro de ferro que trabalha em ferro com as mesmas ferramentas com que o carpinteiro trabalha em madeira; a ferramenta que nos estaleiros londrinos corta a chaparia é uma gigantesca navalha de barbear; a ferramenta da máquina de cisalhar, que corta ferro como a tesoura do alfaiate corta pano, uma cisalha monstruosa; e o martelo a vapor opera com uma cabeça de martelo habitual, mas de tal peso que o próprio Thor não o poderia brandir(34*). Um desses martelos a vapor, p. ex., que são uma invenção de Nasmyth, pesa acima de 6 toneladas e lança-se numa queda perpendicular de 7 pés sobre uma bigorna de 36 toneladas de peso. Ele pulveriza a brincar um bloco de granito e não é menos capaz de enfiar uma agulha em madeira mole com uma sequência de pancadas suaves(36*).

Como maquinaria, o meio de trabalho recebe um modo material de existência que determina a substituição de força humana por forças naturais e de rotina experimental por aplicação consciente da ciência da Natureza. Na manufactura, a articulação do processo social de trabalho é puramente subjectiva, uma combinação de operários parcelares; no sistema de máquinas, a grande indústria possui um organismo de produção totalmente objectivo, que o operário encontra já como condição material de produção pronta. Na cooperação simples e mesmo na cooperação especificada por divisão do trabalho, a supressão do operário isolado pelo socializado continua a aparecer mais ou menos contingente. A maquinaria, com algumas excepções a mencionar mais tarde, funciona apenas pelo braço de trabalho imediatamente socializado ou comum. O carácter cooperativo do processo de trabalho torna-se, portanto, agora necessidade técnica ditada pela natureza do próprio meio de trabalho.


Notas de rodapé:

(1*) «It is questionable, if ali the mechanical inventions yet made have lightened the day's toil of any human being.» Mill deveria ter dito «of any human being not fed by other people's labour»(2*), pois a maquinaria aumentou indiscutivelmente muito o número dos mandriões distintos. (retornar ao texto)

(2*) Em inglês no texto: «de qualquer ser humano não alimentado por trabalho de outras pessoas». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(3*) Ver p. ex., Course of Mathematics de Hutton. (retornar ao texto)

(4*) «Partindo deste ponto de vista, pode-se pois também traçar uma fronteira nítida entre ferramenta e máquina: pás, martelos, escopros, etc, sistemas de alavancas e de hélices, para os quais — por muito artificiais que ainda de resto possam ser — o homem é a força motora... tudo isto entra no conceito, de ferramenta; enquanto o arado, com a força animal que o move, os moinhos de ventos, etc, devem ser contados entre as máquinas.» (Wilhelm Schulz, Die Bewegung der Produktion, Zurich, 1843, p. 38.) Um escrito louvável sob vários aspectos. (retornar ao texto)

(5*) Em inglês no texto: tear circular. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(6*) Já antes dele tinham sido empregues máquinas, ainda que muito imperfeitas, para fiar em grosso, verosimilmente pela primeira vez em Itália. Uma história crítica da tecnologia comprovaria em geral quão pouco qualquer invenção do século XVIII pertence a um único indivíduo. Até hoje não existe uma tal obra. Darwin dirigiu o interesse para a história da tecnologia natural, i. é, para a formação dos órgãos das plantas e dos animais como instrumentos de produção para a vida das plantas e dos animais. A história da formação dos órgãos produtivos do homem social, da base material de qualquer organização particular da sociedade, não merecerá uma igual atenção? E não seria mais fácil de fornecer, já que — como afirma Vico — a história dos homens se distingue da história da Natureza pelo facto de nós termos feito uma e não termos feito a outra? A tecnologia desvenda o comportamento activo do homem para com a Natureza, o processo imediato de produção da sua vida, e com isso também das suas relações sociais de vida e das representações espirituais que delas brotam. Mesmo toda a história da religião, que abstrai desta base material, é incrítica. É de facto muito mais fácil achar, por análise, o núcleo terreno das formações nebulosas religiosas do que, inversamente, desenvolver a partir das relações reais de vida em cada caso as suas formas celestializadas. O último é o método unicamente materialista, e portanto científico. Os defeitos do materialismo abstractamente científico-natural, que exclui o processo histórico, vêem-se já a partir das representações abstractas e ideológicas dos seus porta-vozes, logo que ousam sair da sua especialidade. (retornar ao texto)

(7*) Nomeadamente é pelas formas originárias do tear mecânico que se reconhece, à primeira vista, o antigo tear. Ele aparece essencialmente modificado na sua forma moderna. (retornar ao texto)

(8*) Só desde 1850 aproximadamente uma parte sempre crescente das ferramentas das máquinas de trabalho é fabricada à máquina em Inglaterra, embora não pelos mesmos fabricantes que fazem as próprias máquinas. Máquinas para a fabricação de tais ferramentas mecânicas são, p. ex., a automatic bobbin-making engine, a card-setting engine(9*), máquinas para fazer os liços do tecelão, máquinas para forjar fusos para mule e throstle(10*). (retornar ao texto)

(9*) Em inglês no texto, respectivamente: máquina automática de fazer bobinas, máquina de colocar cardas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(10*) Em inglês no texto, respectivamente: máquina de fiar, tear contínuo. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(11*) Moisés do Egipto diz: «Não atarás a boca ao boi, quando trilhar.»[N131] Os filantropos cristãmente germânicos, pelo contrário, punham ao servo, que empregavam como força motriz para moer, uma grande roda de madeira à volta do pescoço para que não pudesse levar com a mão nenhuma farinha à boca. (retornar ao texto)

(12*) Em parte, falta de quedas de água vivas, em parte, luta contra qualquer excesso de água forçaram os holandeses a aplicar o vento como força motriz. O próprio moinho de vento, eles receberam-no da Alemanha onde esta invenção provocou uma luta cortês entre nobres, padres e imperador, sobre a qual dos três «pertenceria» o vento. O ar escraviza, dizia-se na Alemanha, enquanto o vento libertava a Holanda. O que ele aqui escravizava não era o holandês, mas o solo para o holandês. Ainda em 1836 se usavam, na Holanda, 12 000 moinhos de vento com a força de 6000 cavalos para proteger dois terços do país de se voltarem a converter em pântanos. (retornar ao texto)

(13*) Ela foi de facto já muito melhorada pela primeira máquina a vapor de Watt, chamada de efeito simples, mas permaneceu nesta forma mera máquina de elevação para água e água salina. (retornar ao texto)

(14*) «A união de todos estes instrumentos simples, postos em movimento por um único motor, constitui uma máquina.» (Babbage, 1. c. [, p. 136].) (retornar ao texto)

(15*) John C. Morton leu em Dezembro de 1859(16*) na Society of Arts[N121] uma comunicação sobre «as forças empregues na agricultura». Aí se diz, entre outras coisas: «Todo o melhoramento que favorece a uniformidade da terra torna a máquina a vapor cada vez mais aplicável à produção de força puramente mecânica... A força de cavalo [horse-power] é requerida sempre que vedações curvas e outras obstruções impeçam uma acção uniforme. Estas obstruções estão a desaparecer de dia para dia. Para operações que requerem mais exercício de vontade do que força efectiva, o único poder aplicável é o controlado a cada instante pela mente humana — por outras palavras, a força de homem [man-power].» O sr. Morton reduz então força de vapor, força de cavalo e força de homem à unidade de medida que é habitual em máquinas a vapor, a saber: a força de 33 000 libras por minuto para levantar um pé, e calcula os custos de uma força de cavalo-vapor na máquina a vapor em 3 d. e no cavalo em 5 1/2 d. por hora. Além disso, o cavalo pode ser empregue apenas 8 horas diariamente, com plena conservação da sua saúde. Mediante força-vapor podem poupar-se, em terra cultivada, pelo menos 3 de cada 7 cavalos durante todo o ano, a um preço de custo não superior ao dos cavalos dispensados durante os 3 ou 4 meses em que eles só realmente são aproveitados. Nas operações agrícolas em que a força-vapor pode ser empregue, esta melhoraria finalmente, se comparada com a força de cavalo, a qualidade da obra. Para executar o trabalho da máquina a vapor, teriam de ser empregues 66 operários a conjuntamente 15 sh. por hora, e para executar o dos cavalos, 32 homens a conjuntamente 8 sh. por hora. (retornar ao texto)

(16*) Nas edições francesa e inglesa: Janeiro de 1861. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(17*) Faulhaber, 1625; De Cous, 1688. (retornar ao texto)

(18*) A moderna invenção das turbinas liberta a exploração industrial da força hidráulica de muitas das suas anteriores barreiras. (retornar ao texto)

(19*) «Nos primeiros tempos das manufacturas têxteis, a localização da fábrica dependia da existência de um curso de água tendo queda suficiente para fazer rodar uma roda hidráulica; e embora o estabelecimento dos moinhos de água fosse o começo do desmembramento do sistema doméstico da manufactura, mesmo assim os moinhos necessariamente situados em cursos de água e frequentemente a distancias consideráveis um do outro, formavam parte de um sistema rural mais do que de um sistema urbano; e só aquando da introdução da força do vapor como substituto do curso de água é que as fábricas foram congregadas em cidades e localidades onde o carvão e água, requeridos para a produção de vapor, se achavam em quantidades suficientes. A máquina a vapor é mãe de cidades manufactureiras.» (A. Redgrave em Reports of the Insp. of Fact., 30th April, 1860, p. 36.) (retornar ao texto)

(20*) Em inglês no texto: navios oceânicos a vapor. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(21*) Do ponto de vista da divisão manufactureira, o tecer não era um trabalho artesanal simples, mas trabalho artesanal complexo; assim também o tear mecânico é uma máquina que executa múltiplas coisas. É em geral uma representação falsa que a moderna maquinaria se tivesse apoderado originariamente daquelas operações que a divisão manufactureira do trabalho tinha simplificado. Fiar e tecer, durante o período manufactureiro, foram separados em novas espécies e as suas ferramentas melhoradas e variadas, mas o próprio processo de trabalho, de modo nenhum repartido, permaneceu artesanal. Não é do trabalho, mas do meio de trabalho que a máquina parte. (retornar ao texto)

(22*) Antes da época da grande indústria, a manufactura da lã era a manufactura dominante da Inglaterra. Nela se fizeram, pois, a maior parte dos experimentos durante a primeira metade do século XVIII. As experiências feitas com a lã de ovelha mostraram-se proveitosas para o algodão, cuja elaboração mecânica exige preparação menos penosa, tal como mais tarde, inversamente, a indústria mecânica da lã se desenvolveria na base da fiação e tecelagem mecânica do algodão. Elementos isolados da manufactura da lã só foram incorporados no sistema fabril desde os últimos decénios, p. ex., o cardar da lã. «A aplicação de energia ao processo de cardar a lã... extensivamente em operação desde a introdução da "máquina de cardar", especialmente a de Lister... teve inevitavelmente o efeito de atirar um número muito grande de homens para fora do trabalho. A lã era anteriormente cardada à mão, muito frequentemente na cabana do cardador. Agora é geralmente cardada na fábrica e o trabalho manual é afastado, excepto em alguns géneros de trabalho particulares, em que lã cardada à mão é ainda preferida. Muitos dos cardadores manuais encontraram emprego nas fábricas, mas o produto dos cardadores manuais é de tão pequena proporção comparado com o da máquina, que o emprego de um número muito grande de cardadores desapareceu.» (Rep. of Insp. of Fact. for 31 st Oct. 1856, p. 16.) (retornar ao texto)

(23*) «O princípio do sistema fabril é, então, substituir... a divisão ou gradação do trabalho entre os artesãos pela partição de um processo nos seus constituintes essenciais.» (Ure, 1. c, p. 20.) (retornar ao texto)

(24*) Em inglês no texto: máquina de fiar automática. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(25*) Em inglês no texto: dispositivo que no tornear segura ferramentas, permitindo-lhes diversas posições relativamente ao material trabalhado. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(26*) Em inglês no texto: mecanismo automático. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(27*) Em inglês no texto: travão automático. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(28*) O tear mecâncio, na sua primeira forma, é feito fundamentalmente de madeira, o moderno, melhorado, em ferro. Até que ponto, de início, a velha forma do meio de produção domina a sua nova forma, mostra-nos entre outras a mais superficial comparação do moderno tear a vapor com o antigo, dos modernos instrumentos de fazer vento nas fundições de ferro com a primeira versão mecânica desajeitada do habitual fole; e, talvez mais flagrante do que tudo o resto, uma locomotiva tentada antes da invenção das actuais locomotivas, que tinha de facto dois pés que levantava alternadamente como um cavalo. Só depois de ulterior desenvolvimento da mecânica e de experiência prática acumulada, a forma é totalmente determinada pelo princípio mecânico e, portanto, totalmente emancipada da tradicional forma corpórea da ferramenta que se metamorfoseou em máquina. (retornar ao texto)

(29*) Em inglês no texto: descaroçadora. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(30*) A cotton gin(31*) do yankee Eli Whitney foi menos alterada, até há pouco tempo, no essencial do que qualquer outra máquina do século XVIII. Só nos últimos decénios (antes de 1867), um outro americano, o sr. Emery, de Albany, Nova Iorque, tornou antiquada a máquina de Whitney através de um melhoramento tão simples quanto eficiente. (retornar ao texto)

(31*) Em inglês no texto: descaroçadora de algodão. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(32*) Em francês no texto: eixo. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(33*) The Industry of Nations, Lond., 1855, Part. II, p. 239. Aí mesmo se diz: «Por simples e exteriormente irrelevante que possa parecer este apêndice dos tornos, segundo cremos não falaríamos demais se afirmássemos que a sua influência no melhorar e estender o uso da maquinaria foi tão grande como a produzida pelos melhoramentos de Watt na própria máquina a vapor. A sua introdução fez imediatamente aperfeiçoar toda a maquinaria, embaratecê-la, e estimular a invenção e o melhoramento.» (retornar ao texto)

(34*) Em Londres, uma dessas máquinas para forjar paddle-wheel shafts(35*) tem o nome de «Thor». Ela forja um veio de 16 1/2 toneladas de peso com a mesma facilidade com que o ferreiro forja uma ferradura. (retornar ao texto)

(35*) Em inglês no texto: veios de roda de pá. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(36*) As máquinas que trabalham madeira, que também podem ser empregues em pequena escala, são na maioria uma invenção americana. (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N121] Society of Arts and Trades (Sociedade das Artes e Ofícios) — sociedade burguesa cultural e filantrópica fundada em 1754 em Londres. A sociedade proclamava como seu objectivo a promoção das «artes, dos ofícios e do comércio» e a recompensa de todos aqueles que contribuíssem para «dar ocupação aos pobres, alargar o comércio e aumentar as riquezas do país», etc. Tentou desempenhar o papel de intermediário entre os operários e os empresários. Marx chamava-lhe «Sociedade das Artes e Embustes» («Society of Arts and Tricks». Ver MEW, Bd. 10, S. 63). (retornar ao texto)

[N129] Máquina calórica — máquina cujo funcionamento tinha como base o princípio da dilatação e contracção do ar através do seu aquecimento e arrefecimento. Era extremamente grande em comparação com a máquina a vapor e tinha um baixo coeficiente de acção útil. A máquina calórica foi inventada no princípio do século XIX, mas no final do século já tinha perdido qualquer importância prática. (retornar ao texto)

[N130] Jenny — máquina de fiar inventada em 1764-1767 por James Hargreaves e assim chamada em honra da sua filha. (retornar ao texto)

[N131] Bíblia, livro 5 de Moisés, cap. 25. (retornar ao texto)

Inclusão 10/06/2012