Carta a Agildo Barata

Luiz Carlos Prestes

22 de Junho de 1942


Primeira Edição: ......
Fonte: Problemas Atuais da Democracia, Editorial Vitória, 1947, pág: 39-42.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, Julho 2007.
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Caro Agildo.

Neste estranho mundo em que vegeto a pensar constantemente em tantos amigos distantes, e ao mesmo tempo em quase completa ignorância da situação em que se encontram e, até mesmo, do lugar em que se acham, constituiu agradável surpresa e causou-me a mais viva alegria sua animadora carta de 31 de maio ultimo.

Como você talvez já saiba, não me foi concedido o que pleiteava, pelo menos de maneira formal, mas a recepção de sua carta e a esperança que alimento de que esta resposta chegue ás suas mãos não deixam de ser bons estímulos para perseverar em nossa «ilusão democrática». Antes assim, não é verdade?

A roda da história tem girado excepcionalmente depressa nestes últimos anos, mesmo aqui em nossa terra, de maneira que o que ainda ontem devia ser entre nós — sonhadores incorrigíveis ou loucos, como costumam dizer os «homens sensatos» — um segredo perigoso, tornou-se agora assunto de debate público e já pode, sem dúvida, ser discutido através destas cartas.

Já que não nos permitem lutar praticamente contra o fascismo, colocar, como tanto desejaríamos, as forças que ainda nos restam ao serviço dos povos que hoje efetivamente lutam pelo progresso do mundo, não deixa de ser um consolo poder-mos conversar, assim à distância, sobre o que, nos dias de hoje, mais deve preocupar qualquer patriota consciente — os perigos que ameaçam nossa Pátria e nosso povo.

Imagino o interesse com que vocês acompanham a luta contra a quinta-coluna e o quanto devem estudar as possibilidades práticas de nossa defesa contra uma agressão externa, ambos problemas difíceis cuja solução pede a colaboração enérgica e consciente de todos os brasileiros ainda não contaminados pela peste nazi-fascista-falangista-salasarista-lavalista-japonêsa-integralista ou, ao menos, dela já bem curados.

Sobre a luta contra a quinta-coluna acabo de ler o livro de um Sr. Aurélio Py, lá dos Pampas, livro que, sinceramente, não me agradou. Imaginem vocês: o autor, que intitula o seu livro, espalhafatosamente, «A 5ª Coluna no Brasil», faz questão de nada dizer sobre o integralismo, pretende separar o inseparável e nem ao menos toca no nome do principal chefe nazista do Rio Grande do Sul — o infatigável D. João Becker. Nestas condições é um livro nocivo, que só serve para desorientar — não é um estimulante, mas ópio que fará muita gente dormir tranqüilamente. Aliás, contra a ameaça quintacolunista só a luta popular e de massas poderá ser eficiente, unidos, sem desconfianças nem ressentimentos, vontades e corações. Vejo, porém, pela imprensa que ainda estamos longe disso: Seja por haver-mos previsto com sete anos de antecedência os atuais perigos, seja por qualquer outro motivo, é na verdade ainda grande, em certas rodas, o ódio contra nós. Que fazer? Pensam vocês que está ao nosso alcance algum remédio para tão triste mal?

Quanto à defesa de nosso extenso litoral, é outro problema militarmente quase insolúvel que nos deve fazer pensar com respeito e espírito de solidariedade nos sofrimentos e amargurada inquietação de nossos chefes militares. Ainda há poucos dias o gal. Wavell, a respeito da defesa da Índia, disse que era impossível pensar na organização defensiva de seu litoral, apesar da esquadra inglesa, agrego eu. E o mais grave para os nossos chefes militares é que não se trata somente do nosso atraso técnico mas igualmente da pobreza e ignorância de nosso povo. Vejam vocês o que acabo de ler na revista do DIP — Cultura Política. Num artigo assinado pelo ilustre Cel. Tristão Araripe, atual comandante do 2º R. I. — «Nos corpos em que tenho servido, dos sorteados apresentados, cerca de 50 a 60% têm sido recusados como incapazes fisicamente, e mesmo os que ficam são atestados da tolerância da junta médica, pois, em sua maioria, trazem consigo a miséria física resultante da subnutrição flagrante. O coeficiente de analfabetismo anda pela casa dos 40%. É muito raro encontrar-se entre mil conscritos três ou quatro com instrução primária completa». (Nº15, maio de 1942, página 209). Contra isso, o que não diria em 1936 o ilustre Sr. Hymalaia!

Não creio, porém, que tudo isso nos deva levar a um conformismo resignado e suicida. Ao contrário: nossa própria fraqueza deve ser o maior estímulo para tomarmos a ofensiva política e estratégica, porque é lutando, participando corajosamente dos sacrifícios de sangue dos outros povos, que progrediremos e alcançaremos as armas de que precisamos. Já vai longe o tempo em que era possível pensar em fazer negócios à custa do sangue dos outros povos. Há poucos anos atrás, quando pensava na possibilidade de uma guerra mundial, receava, antes de tudo, que os imperialistas quisessem fazer do nosso povo carne para canhão, hoje, ao contrário, sou de opinião que só pelo sacrifício voluntário do sangue de nosso povo, pela participação ativa na luta dos povos antifascistas, onde for necessário, em qualquer parte do mundo, salvaremos nossas cidades da destruição e evitaremos o massacre de mulheres e crianças, para não falar da ignomínia que seria permitir, por omissão, a organização em nossa Pátria de bases nazistas para o ataque ao povo americano. Naturalmente, para lá chegar será necessário antes convencer nosso povo da necessidade de um tal sacrifício, porque o soldado de hoje não pode ser mais a «pau e corda». Ainda há poucos dias lia que os campônios da Bahia, por ouvirem falar em guerra e com receio do serviço militar, não vão mais às feiras; é que seria ilusório pensar que o patriotismo não necessite de esclarecimento para se manifestar — para não falar em interesse, ter alguma coisa a defender.

De qualquer maneira, é evidente que vivemos uma grande hora e, por mais negras que sejam as perspectivas vislumbradas, não devemos jamais esquecer que em tudo, por pior que seja, há sempre um lado bom. O Marechal Yen-Hsi-Shan diz que, se, como chinês, odeia os japoneses, não deixa também de lhes ser grato, porque «durante séculos o lema dos nossos governantes foi: «Mantenha-se o povo ignorante». O nosso inimigo foi sempre o próprio povo da China, que na sua ignorância deixava-se oprimir e espoliar. Agora o Japão, nosso inimigo, obrigou-nos a educar o povo. O Japão nos forçou a unirmo-nos. O Japão nos ensinou a governar decentemente, a amar e prezar a justiça. Afinal, foi uma boa pilhéria: nossa terra já não é ignorante e desamparada. Nossos amigos japoneses nos fizeram despertar!»

E aqui fico por hoje, pois você» já têm aí o suficiente para julgar de minha saúde e estado de espírito. É claro que nada tem de agradável esta quarentena que já vai durando mais de seis anos e que eu estava longe de imaginar que se pudesse suportar, mas podem vocês ficar certos de que tudo farei para resistir a outro tanto, se assim for necessário. Mas isto não pode durar muito: na pior das hipóteses acabarei fuzilado, como refém, pela Gestapo, o que não deixará de ser uma honra e um ótimo fim.

A todos os companheiros um grande e fraternal abraço. Com os melhores votos pela sua saúde, abraça-o afetuosamente o

PRESTES

22 de Junho de 1942.


Inclusão 16/07/2007