Anti-Dimitrov

Francisco Martins Rodrigues


9. Agonia do Centrismo


“A natureza do oportunismo contemporâneo é tal que a sua luta contra o bolchevismo toma um aspecto humorístico.”

LENINE(1)

Contra a traição revisionista teorizada nos 20.º e 22.º congressos do PCUS, levantaram-se no início dos anos 60 o PC da China, o Partido do Trabalho da Albânia e os partidos e grupos marxistas-leninistas por todo o mundo. As teses revisionistas foram combatidas e desmascaradas, o “socialismo” da União Soviética foi posto a nu como capitalismo de Estado e social-imperialismo, a actualidade das ideias de Lenine foi reafirmada. Pareceu por um tempo que o marxismo-leninismo ia reviver à cabeça do movimento operário em partidos comunistas autênticos e retomar a marcha interrompida para a revolução proletária, as revoluções de libertação nacional e a liquidação do capitalismo.

Mas este corte deixou por responder a maioria das questões novas colocadas pela irrupção do revisionismo moderno. Como pudera a União Soviética, através do golpe do 20.º congresso, saltar subitamente da ditadura do proletariado para uma nova forma de ditadura da burguesia? Como fora possível que o movimento comunista se afundasse quase em bloco no revisionismo? Que mistério levara os dirigentes comunistas mais prestigiosos a converterem-se da noite para o dia em cabecilhas revisionistas? Como aplicar as ideias essenciais do leninismo num mundo novo, atravessado por conflitos de classe muito mais complexos do que os do passado?

Um revisionismo sem passado?

As respostas dadas pela corrente dita marxista-leninista a estas e outras perguntas capitais são ao fim de um quarto de século surpreendentemente pobres, ambíguas e contraditórias. Tudo o que se escreveu até hoje sobre o fenómeno mais importante do século, do ponto de vista dos destinos do marxismo — a degeneração do socialismo na União Soviética — foi de uma pobreza e discrição diplomática confrangedoras. Gastaram-se rios de tinta para denunciar as manifestações da traição revisionista mas deixaram-se por esclarecer as suas origens políticas e ideológicas. Proclamou-se mil vezes o antagonismo mais radical com o revisionismo moderno mas não se localizou nem se isolou a base social da sua difusão no proletariado. Produziu-se muito mais retórica anti-revisionista do que crítica marxista genuína.

A aparência inicial de vitalidade revolucionária do movimento assentava assim, apesar da sua abundante referência aos clássicos, sobre um primitivismo ideológico extremo. Quando se exigia um renascimento da crítica demolidora do leninismo, o que surgiu foi um pensamento escolástico, parado, amarrado ao comentário dos textos, e que ocultava a sua timidez sob um anti-revisionismo fanfarrão. Daqui nasceu a crise cujos efeitos desagregadores iriam fazer-se sentir de forma crescente, até chegar ao descalabro actual.

Porquê esta incapacidade para o corte em profundidade com o revisionismo, que era essencial para abrir caminho à nova etapa, historicamente amadurecida, no avanço do marxismo?

Pode argumentar-se que o movimento se encontrou extremamente enfraquecido pela amplitude da traição revisionista e pela consequente reanimação das correntes anarco-radicais, que em grande medida o afogaram na década de 60; que o fenómeno novo da degeneração do socialismo veio colocar difíceis problemas teóricos, que só gradualmente serão resolvidos; que a necessidade de defender Staline dos ataques conjugados de revisionistas e trotskistas dificultava um exame crítico ao passado; que o papel de liderança inicialmente assumido na corrente marxista-leninista pelo PC da China, devido ao seu enorme prestígio, fez com que se perdessem 15 anos na falsa via do maoísmo, etc.

Tudo isto é naturalmente exacto, mas não nos leva para além das circunstâncias. Deixa no esquecimento as causas sociais, políticas e ideológicas de fundo que se serviram das circunstâncias para limitar a amplitude da ruptura. Além do mais, a derrocada revisionista da China já tem oito anos e durante eles não se deu um passo para responder às questões em aberto.

Pelo contrário, ao conjunto de interrogações herdadas do 20.º congresso vieram somar-se outras novas que ficaram igualmente sem resposta. Por exemplo: como é que o PC da China, lutando contra o revisionismo de Kruchov, caminhava também para o revisionismo? Que balanço dar a esse fenómeno inédito que foi a “revolução cultural”? Como é que os partidos e grupos ML, surgidos da luta contra o revisionismo soviético e internacional, não se aperceberam desde logo do eclectismo oportunista das teses de Mao?

E se já se tinham apercebido, como hoje tenta fazer crer o PTA, porque não viram que a conciliação com elas conduzia o movimento, que apenas ensaiava os primeiros passos, para um descalabro ainda mais profundo do que o de 1956?

A verdade que começa a tornar-se nítida é que as debilidades teóricas, políticas e ideológicas que a nova corrente carrega desde a nascença e que conduziram ao seu actual definhamento e desagregação resultam de um desvio de fundo. A corrente dita “marxista-leninista” nasceu coxa das duas pernas porque partiu da tese falsa, antimarxista, de que se devia opor ao 20.º congresso tudo o que ficava para trás da experiência do movimento comunista. Retomar a trajectória do movimento no ponto em que se encontrava à morte de Staline, recuperar como património tudo o que os revisionistas renegavam, defender em bloco como uma única linha revolucionária tudo o que acontecera desde a revolução russa — assim o PC da China e, mais ainda, o PTA, pretenderam demonstrar a sua fidelidade aos princípios.

Mas esta posição, que aparecia como a resposta mais radical e intransigente ao revisionismo, bloqueava de facto a crítica às suas origens e ficava portanto por um anti-revisionismo superficial. Ignorando deliberadamente que a explosão revisionista de 1956 tivera forçosamente um longo período de incubação dentro dos partidos comunistas, na consciência e na prática dos seus dirigentes e militantes, desistindo de investigar a lenta e insensível acumulação do oportunismo no movimento ao longo dos decénios anteriores, não reconhecendo que o revisionismo declarado saíra do revisionismo embrionário e que este pudera crescer a coberto da fidelidade formal aos princípios — deixava-se oculto precisamente aquilo que era mais vital pôr a descoberto.

Lenine, quando denunciara a bancarrota da II Internacional, tirara as consequências desse desastre, submetendo a uma crítica devastadora, não apenas as manifestações degradantes do social-chauvinismo suscitadas pela guerra imperialista, mas todas as concepções oportunistas e centristas acerca da estratégia, da táctica, do Partido que tinham feito escola durante dezenas de anos antes da traição de 1914. Compreendera que essas eram as concepções mais perigosas, justamente porque, ainda não assumiam uma forma revisionista declarada. Se não fossem rebatidas e pulverizadas, continuariam a propagar-se como marxismo legítimo, paralisando a luta contra o revisionismo à sombra da bandeira anti-revisionista, reproduzindo na crítica ao revisionismo novas formas de revisionismo. Sabe-se que foi esta “intolerância” de Lenine para com o centrismo que abriu caminho ao avanço do bolchevismo, à vitória da primeira revolução proletária e à fundação da Internacional Comunista.

A corrente ML de 1960, porém, denunciou de forma enfática a nova degeneração revisionista, mas sem lhe descer às raízes, como se ela não tivesse sido gerada dentro do movimento, como se fosse um corpo estranho que usurpara o poder na União Soviética, nas democracias populares, nos partidos comunistas, meramente através da conspiração e do golpe.

Este simplismo antidialéctico, que amarrou o movimento ML a um anti-revisionismo tanto mais virulento quanto mais superficial, nasceu precisamente da recusa do PC da China, do PTA, do PC do Brasil, etc. a fazerem uma ruptura ideológica real com o centrismo dos anos 30-50 que os penetrara profundamente e que consideravam seu património.

Quando se impunha libertar plenamente os princípios revolucionários do marxismo, renegados abertamente pelo revisionismo mas também truncados e soterrados por decénios de oportunismo latente, foi a esse oportunismo que se deu continuidade. Quando o combate ao revisionismo tornava possível um salto para diante na teoria e na prática da revolução, transportaram-se para dentro da nova corrente ML os germes intactos do revisionismo a que se declarava guerra. Hoje é mais fácil entender que a batalha contra o revisionismo, travada a partir da plataforma centrista dos anos 30, estava de antemão perdida.

O stalinismo, cobertura do centrismo

A questão de Staline foi o principal veículo para esta recuperação do centrismo, na medida em que serviu de álibi para bloquear e mistificar todo o exame às origens do revisionismo.

Os revisionistas atacavam Staline da forma mais vil — logo, o dever dos comunistas era assumir por inteiro a sua defesa, e portanto, não admitir que tivesse havido degeneração burguesa do Partido Bolchevique e da União Soviética já antes de 1953, e portanto, não reconhecer que o fracasso das Democracias Populares resultara de uma linha de conciliação com a burguesia, e portanto, aprovar a dissolução da IC, silenciar ou minimizar o oportunismo que invadira o movimento comunista, não permitir que se questionassem as teses de Dimitrov ao 7.º congresso da IC, banir qualquer discussão sobre o período do terror na União Soviética...

A lógica da defesa de Staline contra os ataques revisionistas funcionava de tal modo que conduzia a corrente marxista-leninista a apresentar os três decénios da sua direcção como um avanço constante para o socialismo, tornando incompreensível como é que esse “avanço” acabara por desembocar no desastre de 1956.

Permitindo que o balanço ao passado fosse vinculado à defesa de Staline, a corrente ML encerrava-se numa armadilha que lhe vedava a investigação às origens do revisionismo. Mas esta opção só na aparência era inevitável. Havia outra alternativa.

A condenação por Kruchov do “culto da personalidade” de Staline era a reabilitação das ideias oportunistas que Staline combatera — mas queria isto dizer que a luta de Staline fora conduzida em posições de princípio? Podia-se apoiar um processo repressivo monstruoso no qual morrera a ditadura do proletariado?

Staline fora o verdadeiro condutor do povo soviético à vitória sobre o nazismo, a campanha denegridora dos revisionistas era um amontoado de falsificações — mas devia por isso calar-se que Staline favorecera o crescimento durante a guerra do nacionalismo burguês na União Soviética?

Staline tivera razão em atacar o titismo, o pedido de desculpas de Kruchov a Tito fora uma capitulação vergonhosa — mas devia concluir-se daí que Staline soubera pôr a nu a natureza social do titismo e armar os comunistas para o combater? Não fora o titismo um produto da teoria da “democracia popular” aprovada por Staline?

A política kruchovista de reconciliação com o imperialismo era uma traição à linha anti-imperialista de Staline — mas não pecara já essa linha por cedências ao pacifismo e ao nacionalismo?

Ou seja: uma atitude efectivamente marxista teria permitido à corrente ML rechaçar a crítica direitista a Staline contrapondo-lhe uma crítica pela esquerda. Em vez de dar como inevitável a defesa de Staline porque os revisionistas o atacavam ter-se-ia compreendido a necessidade de transportar a polémica para além do dilema pró-Staline ou anti-Staline, para o terreno aberto da luta entre marxismo e revisionismo. Se nesse processo fosse necessário criticar Staline, essa crítica nunca aproximaria os comunistas dos revisionistas, pelo contrário, alargaria o fosso entre os dois campos, porque seria feita numa perspectiva de classe oposta à dos revisionistas.

Porque apareceu esta via como inadmissível à corrente ML? Na aparência, porque era preciso “defender a memória de Staline” e “não dar armas aos revisionistas”. Na realidade, porque a corrente ML se colocava nas mesmas posições centristas para que Staline derivara desde os anos 30. Na pessoa de Staline, os marxistas-leninistas defendiam a ideologia centrista em que tinham sido formados após o 7.º congresso da IC. Por isso eram incapazes de fazer a crítica às origens do revisionismo — porque isso atingiria o centrismo.

Mesmo quando se admitia de forma evasiva que Staline cometera certos erros (também o PTA chegou a admiti-lo em 1967, embora hoje procure fazê-lo esquecer), cuidou-se sempre de ocultar o essencial — a contradição flagrante entre o período revolucionário, leninista, da sua actividade e o período centrista que se seguiu a 1934.

Esta era no entanto a única base que tornava possível uma apreciação de princípio aos acertos e aos erros de Staline sem dar o flanco à campanha anti-stalinista dos revisionistas, social-democratas e trotskistas e, pelo contrário, pondo a nu o carácter reaccionário pequeno-burguês dessa campanha. Só ela permitiria revelar a natureza social da repressão de Staline e mostrar, sob essa repressão, as concessões políticas e ideológicas por ele consentidas que permitiram à burguesia levantar a cabeça na União Soviética e no movimento comunista.

Esta era a questão a que se fugia. Dizer, como Mao, que os erros de Staline eram “na proporção de 3 para 7”, reduzir os seus erros a uma questão de “maus métodos”, exaltar a sinceridade com que ele sempre quisera defender o socialismo, alegar que desconhecia muitos dos atropelos que se cometiam em seu nome, etc. não eram mais do que formas de iludir a questão capital: qual a natureza política dos erros de Staline? Que evolução tinham sofrido as suas posições? Porque fracassara a sua luta contra a direita?

Incapaz de admitir sequer este problema, a nova corrente ML meteu-se por um beco sem saída quanto à questão Staline ao banir todo o debate sobre o assunto, porque se remeteu a uma defensiva cada vez mais insustentável. E quanto mais vai penetrando na consciência da classe operária o efeito da campanha anti-stalinista da burguesia e pequena burguesia, mais se estreita o campo para o “stalinismo” incoerente de que o PTA é o exemplo.

A luta entre stalinistas e anti-stalinistas é assim um falso dilema que serve para desviar as atenções da verdadeira batalha, ainda mal começada, entre marxismo e oportunismo. Se os revisionistas mitificaram a questão de Staline como um caso de “culto da personalidade” para disfarçar a sua renegação do leninismo e da revolução, a corrente chefiada pelo PTA mitificou-a em sentido inverso, a fim de fazer passar o centrismo dos anos 30-50 por marxismo-leninismo autêntico. Declarando Staline indiscutível, é o centrismo que se quer manter fora de discussão. Reclamando que Staline tem que ser defendido “em bloco”, é a fase centrista da sua direcção que se quer defender.

É isso que significa a actual defesa a todo o preço do 7.º congresso da IC, em contraste com o silêncio cauteloso mantido em torno do 6.º congresso e da política de “classe contra classe”. A veneração fanática de Staline, apresentando-se como prova do anti-revisionismo mais irredutível, serve-se do prestígio revolucionário por ele conquistado até 1934 para tentar perpetuar o centrismo em que ele se afundou nos vinte anos seguintes.

Os comunistas têm que rejeitar tanto a bandeira do anti-stalinismo quanto a do stalinismo. Cabe-lhes defender tudo aquilo que em Staline foi revolucionário, criticar e rejeitar as suas cedências ao oportunismo. E é só na medida em que se criticar o centrismo de Staline que se poderá finalmente dar continuidade ao que nele houve de leninista.

Antimaoísmo — uma falsa autocrítica

Com o naufrágio político e ideológico do maoísmo nos combates desesperados da “revolução cultural”, a corrente marxista-leninista encontrou-se numa encruzilhada. A degeneração capitalista da China provava que a “nova via” oferecida pelo “pensamento maotsetung” conduzia a revolução a um descalabro semelhante ao da União Soviética. Todas as ideias até aí aceites acerca da superação do revisionismo ficavam postas em causa. A experiência dramática da China obrigava a enquadrar a crítica ao revisionismo numa perspectiva muito mais vasta. Já não era só a reviravolta da União Soviética mas toda a experiência global do movimento comunista que tinha de ser questionada.

O PTA reagiu a este desafio histórico com uma manobra de pequena política. Nas Reflexões sobre a China, Enver Hoxha enumerou uma lista exaustiva dos desvios oportunistas e nacionalistas em que incorrera a direcção de Mao desde a ruptura com a União Soviética — era o mínimo que podia fazer depois do apoio explícito, caloroso e constante que lhe manifestara. Mas não adiantou nada quanto ao carácter político e social da luta na China nem quanto ao fenómeno da difusão mundial do maoísmo. Em vez disso, dedicou-se a negar o papel da China na luta contra o revisionismo soviético, a minimizar o alcance internacional da revolução chinesa, a denegrir a “revolução cultural” e o “bando dos quatro” e a fazer crer que o PTA vira claro em todo o processo desde o início e nada recebera de positivo da China. Em vez de superar a corrente maoísta, ocupou-se em arrasá-la e descartar-se da sua parte de responsabilidade na influência do maoísmo. Aquilo que devia ser o ponto de partida para uma corajosa generalização autocrítica das experiências da corrente ML desde 1960 tornou-se o pretexto para uma tacanha operação de prestígio em torno da “clarividência” do PTA.

Na realidade, o que fizera a enorme popularidade do maoísmo nos sectores radicais pequeno-burgueses de todo o mundo durante toda uma década fora o facto de ele dar uma aparente solução para o impasse a que chegara a linha leninista da hegemonia do proletariado na revolução. Idealizando as potencialidades revolucionárias do campesinato, o maoísmo alimentara esperanças na viabilidade de novas guerras revolucionárias, à imagem da que triunfara na China, mesmo que não houvesse um efectivo papel dirigente da classe operária. Animara uma onda de revolucionarismo pequeno-burguês pseudo comunista, amparado na ilusão de que fora encontrada uma nova via, substituta do leninismo, capaz de derrotar o imperialismo.

A crítica ao maoísmo impunha pois que se voltassem a discutir as bases políticas em que fora feita a ruptura com o revisionismo. Teria de se concluir que houvera apenas uma meia ruptura, ao não trazer a questão da hegemonia do proletariado e das relações proletariado-pequena burguesia para o eixo da reconstituição do movimento comunista. Teria de se reabrir o debate sobre as origens do revisionismo e reconhecer finalmente que ele fora engendrado pela fusão democrática operário-pequeno-burguesa inaugurada pelo 7.º Congresso da IC. Teriam que se reatar os laços, não apenas nas proclamações, mas na política real, com a corrente revolucionária do leninismo, soterrada por decénios de oportunismo, renová-la, revigorá-la.

Mas esse era o caminho que não se queria seguir. Ao encontrar-se privados de estrutura ideológica pela derrocada do maoísmo, o PTA, o PC do Brasil e a generalidade dos partidos ML procuraram, com energia redobrada, escorar-se nas tradições da última fase do movimento comunista. A partir de 1976, o eixo ideológico da corrente marxista-leninista começou a deslocar-se do maoísmo para o dimitrovismo. A isto se resumiu a apregoada campanha de crítica ao “pensamento maotsetung”. E por isso o pretenso “passo em frente” da corrente ML pós-maoísta se saldou por um passo à direita.

Com toda a sua inconsequência pequeno-burguesa, o maoísmo animara uma corrente radical, combativa, antes de se afundar no pântano “trimundista” e “anti-social-fascista” da aliança com a burguesia e o imperialismo. Apontara aos povos oprimidos o caminho da guerra revolucionária. Esboçara um começo de crítica ao reformismo e ao dogmatismo oportunista que tinham devorado o movimento nos anos 40-50. Abrira pistas para explicar a degeneração da ditadura do proletariado na União Soviética. E inegável que em 1975 estava a surgir no PC da China uma corrente de esquerda, que procurava as raízes do revisionismo e da degeneração do socialismo.

Toda esta experiência, que precisava de ser superada pela esquerda, foi pura e simplesmente riscada, em nome do retorno aos princípios. O PTA cometeu um duplo erro ao arrumar Mao em duas penadas como um vulgar revisionista e ao fazer acreditar Dimitrov como um leninista. Um balanço crítico à experiência de meio século do movimento comunista ter-lhe-ia permitido situar as ideologias de Mao e Dimitrov como dois ramos do mesmo pensamento centrista que ascendeu nos anos 30 e que, incapaz de dar resposta aos problemas novos postos à revolução, optou por tentar associar o proletariado e a pequena burguesia sob a mesma bandeira “democrático-popular”.

Com uma diferença, porém. É que, se o desvio maoísta, impelido pelo oceano do campesinato pobre da China, teve potencialidades para levar a cabo uma gigantesca revolução agrária anti-imperialista, que foi o mais profundo golpe na burguesia internacional depois da Revolução de Outubro, o desvio dimitrovista, inspirado no reformismo operário europeu, não produziu nenhuma revolução autêntica. A sua linha unitarista antifascista e a experiência das democracias populares da Europa Oriental ficaram muito aquém da revolução chinesa na riqueza da luta de classes e afundaram-se no revisionismo muito mais rapidamente do que ela.

A diferença vai pois no sentido contrário ao que pretende o PTA. O centrismo maoísta, com o seu revolucionarismo populista pequeno-burguês, não constitui um perigo tão grande para o proletariado como o centrismo dimitrovista, capaz de se cobrir com uma máscara mais elaborada de fórmulas “marxistas” e de ir melhor ao encontro da tendência operária espontânea para o reformismo. Se é vital para o movimento comunista continuar a desmistificar o pretenso “pensamento maotsetung” como uma deformação do marxismo típica do Oriente camponês, mais importante ainda é desmascarar o dimitrovismo como deformação do marxismo típica do Ocidente imperialista. Enquanto esta deformação se mantiver oculta e se puder fazer passar por marxismo-leninismo autêntico, o movimento operário internacional, e sobretudo o dos países capitalistas avançados, continuará irremediavelmente amarrado ao oportunismo e ao revisionismo.

PTA e Dimitrov — uma regressão

A tentativa a que actualmente se assiste na corrente “marxista-leninista” de proibir a crítica ao dimitrovismo sob o argumento dos “referenciais” é tanto mais insustentável quanto é um facto que o apreço de Enver Hoxha por Dimitrov e pelo 7.º congresso tem poucos anos.

Com efeito, até recentemente, o PTA mantinha uma significativa atitude de silêncio e reserva acerca desta questão. Quem tiver, dúvidas a esse respeito pode consultar os documentos albaneses. Nem nos relatórios de E. Hoxha aos congressos do partido, nem nas análises sobre a luta de libertação nacional, sobre a II Guerra Mundial e as democracias populares, se encontra a menor referência a essa linha.(*) A única excepção é a História do PTA, a qual, pelo seu carácter, não podia deixar de referir o 7.º congresso mas o fez com significativa brevidade e omitindo todas as suas teses fundamentais.

Tratava-se indiscutivelmente de uma desaprovação implícita, o que é perfeitamente compreensível se tivermos em conta que a linha revolucionária do PTA na luta de libertação nacional e na edificação do socialismo se afastou radicalmente da linha do 7.º Congresso e da aplicação que dela foi feita nas restantes democracias populares da Europa Oriental. Este é um facto que não necessita de demonstração, mas que convém aqui salientar.

O PC da Albânia foi dos poucos que não se formaram na escola do 7.º congresso, e isto precisamente pelo atraso da sua fundação. Devido à dispersão dos grupos comunistas, diz Enver Hoxha, as directivas emanadas pelo CEIC em 1937 para a luta antifascista não foram aplicadas na Albânia. Em Dezembro de 1942, em plena guerra, chegaram à Albânia as directivas do Comité Executivo, que aconselhavam a chamar à direcção da luta “o maior número possível de patriotas e nacionalistas honestos” a “evitar as palavras de ordem que excedam o âmbito da libertação nacional”. Isto terá determinado o surgimento de posições unitárias moderadas no partido.

Contudo, as concessões oportunistas feitas aos políticos burgueses nos acordos de Mukje (Julho de 1943) suscitaram um sobressalto no partido, nos combatentes e nas massas, imprimindo a partir daí uma viragem na linha política do PCA e um rumo revolucionário original à luta na Albânia, sob a orientação de Enver Hoxha.

O centro de gravidade da guerra de libertação deslocou-se decisivamente para a criação de órgãos de poder das massas, em luta aberta com os partidos burgueses. “O único poder que deve existir é o dos conselhos e nenhum outro; nada de compromissos ou dualidades a este respeito”, alertava o CC do PCA em Outubro desse ano.(2) O programa da Frente de Libertação Nacional (que não era uma coligação de partidos, ao contrário dos outros países da Europa Oriental) previa como uma das principais tarefas “a criação do poder dos conselhos de libertação nacional, como único poder político do povo”.(3) “O nosso partido e a Frente de Libertação Nacional — escreveu mais tarde Enver Hoxha — tiveram o grande mérito de não ter separado nunca a luta de libertação contra o ocupante estrangeiro da luta das massas trabalhadoras pela conquista do poder.” “O partido não permitiu que a burguesia se apoderasse da direcção da luta, o que era um dos principais objectivos do imperialismo anglo-americano e das organizações traidoras Balli Kombëtar e Legaliteti,”(4) Devido a esta política, a diferenciação entre o campo revolucionário popular e o campo burguês na frente interna atingiu o auge, já durante a guerra. “Frente a frente, alinhavam-se dois grupos, inimigos mortais irreconciliáveis.”(5)

A correlação das forças de classe na Albânia, ao chegar a hora da libertação, era assim bem distinta da dos países vizinhos: um poderoso exército guerrilheiro camponês, que expulsara o invasor pelos seus próprios meios; o Partido Comunista como único dirigente político incontestado do povo; descrédito e desmantelamento total dos partidos burgueses; activa participação popular nos conselhos de libertação. Aqui não havia lugar para os governos de coligação, as fusões de partidos, as reformas graduais, as plataformas de conciliação com a burguesia. Sob uma forma exterior idêntica à das outras democracias populares, a Albânia constituía um caso à parte.

Nesta profunda revolução social radicou a energia indomável com que a corrente encabeçada por Enver Hoxha deu luta às tentativas de absorção da Jugoslávia e derrotou a facção de Koçi Xoxe. O combate ao titismo foi um marco decisivo na radicalização das posições do PTA, porque associou a defesa da identidade nacional da Albânia com a defesa das suas conquistas revolucionárias. Os titistas apareceram claramente como os defensores dos interesses da burguesia. Um caso típico foi o de Sejfulla Maleshova, o qual, ao mesmo tempo que tentava dissolver o partido na Frente, “estava contra as reformas económicas e sociais revolucionárias, pretendia uma colaboração aberta e sincera com a grande burguesia comercial e industrial, sem lhe confiscar os bens nem as fábricas, a extinção da luta de classes e a integração pacífica dos elementos capitalistas no socialismo”.(6)

Assim se explica a proeza quase inacreditável da resistência do PTA e de Enver Hoxha à onda revisionista que se espraiou no movimento comunista após a morte de Staline e o 20.º congresso. Resistência que por sua vez acentuou a tendência de deslocação à esquerda do partido e lhe permitiu, lado a lado com o PC da China, encabeçar nos anos 60 o lançamento da nova corrente marxista-leninista internacional. O “milagre albanês” tirava as suas forças de uma revolução autêntica, por muitas que fossem as suas limitações e distorções.

Em fins dos anos 60, a Albânia recebeu novo impulso por influência da “revolução cultural” da China (ainda que hoje procure negá-lo), o qual se exprimiu na linha do 5.º Congresso do PTA, apontada para o aprofundamento da luta de classes e para o alargamento da democracia operária. Este impulso traduziu-se também em tentativas para abordar mais seriamente a questão das origens do revisionismo moderno.

Num estudo de Fiqret Shehu, de 1971, assinalava-se que “se os partidos comunistas não se guiarem constantemente pelo princípio de classe, segundo o qual a luta pela democracia deve servir a luta pelo socialismo e deve ser-lhe subordinada, se não estiverem atentos em vincular os interesses imediatos do movimento aos seus interesses a longo prazo (...) então criam-se condições favoráveis à aparição do oportunismo de direita, do revisionismo. A prática confirmou inteiramente esta conclusão marxista-leninista”.(7)

Isto era já pôr o dedo francamente na ferida do centrismo do 7.º congresso. Tal como o era a crítica de Enver Hoxha, em 1968, à fusão dos partidos comunistas com os partidos social-democratas nas democracias populares, que “meteu no partido o bacilo social-democrata que deveria ter ficado fora, na Frente”.(8) Podia-se esperar que o PTA acabaria por levar a crítica ao revisionismo às suas últimas consequências. Porque se verificou em vez disso uma regressão?

Hoje parece claro que o regime de ditadura do proletariado na Albânia enfrentava desde o início o desafio de ter de superar dois sérios pontos fracos, inerentes à sua origem:

  1. baseava-se numa classe operária nascida praticamente depois da libertação, e portanto sem experiência de luta proletária de classe, imbuída de revolucionarismo pequeno-burguês;
  2. era conduzido por um partido comunista formado tardiamente, e portanto liberto da influência do 7.º congresso mas também privado do contacto directo com a escola revolucionária leninista da IC no período 1919-1934.

Da combinação destes pontos fracos iriam resultar as limitações da revolução albanesa, bem expressas nas limitações teóricas do pensamento de Enver Hoxha: tendência latente para fundir o marxismo-leninismo com a ideologia popular e nacional, pequeno-burguesa na sua essência; tendência para observar a luta de classes interna e internacional apenas pela epiderme política; dificuldade em alicerçar a linha revolucionária do partido numa ampla participação operária de vanguarda, com a consequente tendência para o abafamento da luta interna e para o dogmatismo; incapacidade dialéctica e tendência para o mecanicismo, etc.

Assim, quando a crise internacional do maoísmo exigia, como condição da sobrevivência da corrente marxista-leninista, que se levasse até ao fim a crítica às origens do revisionismo e da degeneração do socialismo, o PTA encontrou-se desarmado para a tarefa histórica que tinha pela frente. Prevaleceu a tendência para buscar no dimitrovismo, que nunca repudiara, a estrutura ideológica que lhe faltava. A partir de 1976, o PTA começou a adoptar, de forma cada vez mais aberta, as teses do velho centrismo como linha geral do movimento comunista internacional. Daí a deslocação do seu apoio, da corrente mais radical do movimento ML, para a corrente oportunista liderada pelo PC do Brasil.

A esta redescoberta do dimitrovismo pelo PTA não foi decerto estranha a pressão interna de classe exercida pelo ascenso das novas camadas de quadros numa sociedade camponesa em industrialização. A falta de consistência proletária sólida, que sempre fora característica das posições de princípio do PTA, deixou-o à mercê da infiltração gradual de uma ideologia “socialista” onde o papel dirigente da classe operária se dissolve cada vez mais numa nebulosa unidade de interesses de todo o povo. A experiência já mostrou que este é o veículo por onde se introduz sorrateiramente a ideologia e a ditadura de uma nova burguesia de Estado. A Albânia socialista parece condenada a trilhar caminhos semelhantes aos que levaram a União Soviética a naufragar no capitalismo de Estado. A este respeito, o 8.º Congresso do PTA fornece pistas que deveriam ser objecto de estudo e de crítica séria por parte dos marxistas-leninistas.

De uma coisa, porém, não resta dúvida. O dimitrovismo foi definitivamente adoptado pelo PTA como linha geral para a corrente ML internacional. Hoje, Enver Hoxha louva Dimitrov por ter descoberto que “o mundo capitalista estava no limiar da etapa antifascista, democrática quanto ao conteúdo, do desenvolvimento da revolução”; assegura que “a justeza da política de Frente Popular antifascista aprovada pelo 7.º Congresso da IC foi inteiramente confirmada na prática pela evolução dos acontecimentos no limiar da II Guerra Mundial e mais tarde”;(9) afirma que os partidos comunistas da Europa Ocidental (e os outros?) “caíram no oportunismo por não terem compreendido devidamente nem aplicado as directivas do 7.º congresso”;(10) exalta Dimitrov como “grande educador do proletariado”(11) e, inclusive, enceta a recuperação de Togliatti, Duclos, Marty, Longo, os quais, durante a guerra de Espanha, teriam “seguido o caminho marxista-leninista”.(12)

Com isto, o PTA está a acelerar a decomposição direitista do centrismo que desde o início dos anos 60 se tentou fazer reviver através da nova corrente ML.

A decomposição do centrismo

Em 1976, a corrente ML chegou ao caos. O maoísmo abria falência, não apenas no plano interno da China, mas também como linha orientadora do comunismo internacional. Tudo o que restava da declaração de guerra ao revisionismo dos anos 60 era uma multiplicidade de grupos e pequenos partidos sem nenhuma implantação séria na classe operária, hegemonizados em regra por núcleos pequeno-burgueses anarquizantes, sem unidade de ideias quanto à estratégia, à táctica e aos princípios do partido. À medida que a aposta no agitativismo espontaneísta e no guerrilheirismo revelara a sua impotência e que a política externa chinesa se voltara francamente para a aliança com as burguesias “anti-social-imperialistas”, acentuava-se a tendência de deslocação à direita, de degeneração e desagregação nos partidos e grupos maoístas.

Foi nestas condições que interveio a ruptura com o maoísmo, conduzida pelo PTA e pelo PC do Brasil. Anunciada como um retorno aos princípios integrais do marxismo-leninismo, esta nova fase do movimento inspirava-se na ideologia e na política do dimitrovismo, de que procurou fazer uma aplicação sistemática. Mas os frutos obtidos nestes oito anos falam por si. A corrente marxista-leninista, que já estava em descalabro, agoniza e decompõe-se.

E isto porque se tentou dar vida a um sistema de ideias que, além de oportunista, já não pertence ao nosso tempo. A ilusão de que o movimento poderia reagrupar-se em torno das receitas políticas de Dimitrov não teve em conta as mudanças radicais operadas na luta de classes internacional neste meio século. Com efeito, a exigência central de dar combate ao revisionismo moderno no movimento operário entra em conflito insolúvel com as teses neodimitrovistas.

Contra o revisionismo, os partidos ML têm que levantar o princípio da ditadura do proletariado; mas na prática adoptam a via dos governos de transição e da “democracia popular”. É obrigatório afirmar a justeza da política de hegemonia do proletariado; mas, enquanto isso, opta-se efectivamente pela “unidade da classe operária” e por projectos de frente popular. Declara-se fidelidade à linha das revoluções de libertação nacional sob ditadura democrático-revolucionária dos operários e camponeses; mas o que se apoia de facto são as semi-revoluções “democrático-nacionais” sob direcção da burguesia. Contra o revisionismo, é forçoso defender a obra revolucionária de Staline, do Partido Bolchevique e da Internacional até 1934; mas na prática, o que se defende é a via do 7.º congresso, que lhe é oposta. Contra o revisionismo, há que dar vida aos princípios leninistas de partido; mas esses princípios tornam-se inaplicáveis, pelo próprio facto de se pôr em prática uma política centrista.

A corrente ML internacional é dilacerada diariamente pela tentativa de aplicar, na luta contra o revisionismo, uma política que esteve na origem do revisionismo. Desta duplicidade resulta necessariamente a tendência para a desagregação política, ideológica e organizativa do movimento. Ou se aplicam à letra as fórmulas de Dimitrov, e nesse caso os partidos deslizam para o oportunismo e perdem fronteiras com os revisionistas; ou se tenta combinar a fidelidade a Dimitrov com uma oposição antagónica aos revisionistas, e nesse caso os partidos perdem coerência política, paralisam, ficam manietados.

Mas isto não é tudo. O projecto de voltar a constituir verdadeiros partidos operários de massas com base no dimitrovismo, à imagem dos de há meio século, esqueceu que a situação do movimento comunista é radicalmente diferente. O centrismo dimitrovista, oportunista como sempre foi, pôde dar corpo na sua época a uma vasta corrente de massas porque jogou com o impulso da vanguarda operária comunista, que fora formada no período revolucionário da Internacional e da União Soviética. Foi consumindo esse capital que atraiu temporariamente à política de Frente Popular largos sectores semiproletários e pequeno-burgueses. E, à medida que esse capital se ia esgotando no desencanto das manobras oportunistas, acentuava-se a crise da política unitária democrática anti-imperialista no pós-guerra, até vir a desembocar, de cedência em cedência, na traição revisionista declarada. O dimitrovismo morreu quando morreram dentro dos partidos os últimos restos do espírito operário revolucionário.

Agora, porém, já não havia capital operário para empatar na empresa unitarista que se tentava relançar. O movimento estava no zero quanto a influência operária, quadros operários revolucionários, espírito de classe. Daí que a ressurreição miraculosa do dimitrovismo se tenha traduzido a breve trecho por uma acelerada tendência degenerativa direitista. O esforço para atrair a pequena burguesia (dez vezes mais corrompida do que a de há meio século) a projectos unitários antifascistas e anti-imperialistas, sem um suporte mínimo no movimento operário de massas só podia produzir uma caricatura grotesca dos velhos partidos centristas. Esses, ao menos, tinham força operária para fazer oportunismo. Tentar fazer política “ampla” junto da burguesia sem ter nada para lhe vender do movimento operário é o sinal mais certo da crise em que se afunda o centrismo agonizante.

Os partidos esbarram assim num círculo de ferro, para onde quer que se voltem. Tentam aplicar a política de “frente única” do 7.º congresso — e são engolidos pelos revisionistas (Itália) ou desagregados pela social-democracia de “esquerda” (Alemanha). Metem-se nas combinações da “grande política”, no espírito da Frente Popular — e logo se corrompem no eleitoralismo e no oportunismo (Brasil). Pretendem rodear-se de uma imponente rede de “frentes amplas” de toda a espécie — e não saem do círculo estreito das seitas. Lançam ambiciosas alternativas de governos de transição — e abrem as portas à proliferação do reformismo (Portugal). Se tentam defender-se dos riscos de direita, o mais que conseguem é combinar o imobilismo político com uma gesticulação inconsequente de “esquerda”. Em todos os partidos sem excepção, a lógica deste dimitrovismo sem operários gera uma corrente inesgotável de tendências e fracções de direita, que confluem para o seu desaguadouro natural, o revisionismo e a social-democracia.

Por sua vez, a recusa obstinada a reconhecer a falência desta política aprisiona os partidos numa carapaça dogmática dia a dia mais espessa. Paralisa-se o pensamento, esconde-se o vazio dos raciocínios sob a ruminação dos textos, proíbe-se a investigação e a crítica, transforma-se o marxismo em “ossadas”, como ironizava Lenine, institui-se o caciquismo de seita e o fanatismo “monolítico”, numa miserável caricatura do bolchevismo. É o último recurso de quem tenta desesperadamente deter a explosão das contradições acumuladas.

E, sob esta “firmeza de princípios” puramente formal, brotam já os elementos de um novo revisionismo, perfeitamente perceptíveis na linha do 8.º Congresso do PTA, na política do PC do Brasil, etc. Quando o dogmatismo faz as vezes dos princípios, é sinal de que o revisionismo ronda por perto. Tal como acontecia há 30 anos no antigo movimento comunista internacional, quando o revisionismo já picava a casca dos dogmas oficiais. Com a diferença de que, desta vez, o movimento entra em degeneração sem ter chegado a ganhar envergadura de massas. A tragédia está prestes a repetir-se como aborto.

A tentativa da actual corrente centrista, chefiada pelo PTA, de negar a ruptura com o leninismo que representou o 7.º Congresso da IC só tem podido sustentar-se à custa do obscurantismo e do congelamento do marxismo. Não pode manter-se por muito mais tempo. A experiência da luta de classe do proletariado no último meio século não deixa dúvida de que o 1.º congresso foi o ensaio geral para o 20.º congresso do PCUS. Face ao 7.º congresso e a Dimitrov, não resta pois espaço para mais do que duas posições coerentes: ou se assume por inteiro o dimitrovismo como um corte “criador” com todo o passado do movimento comunista, e nesse caso tem que se renegar o marxismo-leninismo — é o que fazem os revisionistas; ou se persiste na via revolucionária marxista, operária, e nesse caso é forçoso denunciar o dimitrovismo como uma variante moderna do oportunismo, como o embrião do revisionismo.

É por tentar fugir a este dilema que a corrente centrista actual se afunda na agonia política e na decomposição ideológica. Não há que lamentá-lo. Sobre os escombros do centrismo ressurgirá o marxismo-leninismo.