A Crise do Reformismo e a Formação do Partido Revolucionário

Eder Sader

1968


Primeira Edição: Texto publicado na Revista Marxismo Militante nº 01, 1968 sob o pseudônimo de Raul Vila.

Fonte: Centro de Estudos Victor Myer.
HTML: Fernando Araújo


A crise da esquerda reformista

O esvaziamento das velhas lideranças reformistas deve ser visto no interior das lutas de classe no país e ao lado do amadurecimento duma esquerda revolucionária.

Na véspera de abril de 64 a autoridade de Prestes, de Jango, de Arraes sobre as massas ainda parecia caminhar num contínuo progresso. A direção do PCB parecia enfrentar com êxito as oposições revolucionárias contra sua política de colaboração de classes; o proletariado, segundo ela, ia chegando pacificamente ao poder. Brizola, com todas as suas limitações pequeno-burguesas, propagava uma linha mais radical, mas sua evolução se fez muito tarde e não deu corpo a qualquer organização cristalizada. A AP, que se fortalecera no movimento estudantil a partir de uma ideologia eclética e também de uma crítica à tese da aliança com a burguesia, já tinha sido levada pelas delícias do poder burguês, compartilhando dos ministérios de Jango e indo a reboque do PCB. O PC do B, tanto quanto a liderança de Julião, tinham se esvaziado por falta de diretrizes políticas para a massa que por momentos influenciaram relativamente. Os trotsquistas nunca chegaram a representar um fato importante na esquerda brasileira. A Política Operária, que começou a lançar as premissas políticas para um movimento proletário independente, foi a organização da esquerda que denunciou a evidente preparação da ditadura aberta pelas classes dominantes, todavia não tivera tempo de acumular forças para influir de imediato no desenrolar dos acontecimentos.

O golpe militar, claro está, não foi causa da falência dos esquemas prestistas; ele apenas revelou sua podridão. O reformismo vinha se esvaziando à medida mesmo em que se aprofundava a crise cíclica capitalista no país. Pois se a linha da frente única com a burguesia nacional sempre representara um obstáculo para o processo revolucionário, a verdade é que ela tinha uma base material na própria política desenvolvimentista (ver "Aonde Vamos" II). Quando no entanto chegou o fim do ciclo da expansão, quando se tratou de pagar as contas, então a política de colaboração com a burguesia se chocava com as necessidades mais imediatas das classes trabalhadoras. Quando começou a despontar a crise capitalista, os conciliadores começaram a se colocar no meio de verdadeiro campo de batalha; as classes antagônicas na nossa sociedade se dispunham para a guerra. O poder político de colaboração não tinha mais razão de ser. Mas, enquanto as lideranças burguesas correram a preparar seus exércitos, as direções do proletariado ainda espalhavam ilusões nos seus. Por isso, em vez da batalha, houve apenas a capitulação.

Não queremos dizer com isto que não pode haver reformismo em períodos de crise. Os fatos mostram que pode. Se não fosse o próprio exemplo nosso, os casos da Espanha e da Argentina mostram que, em situação de pleno antagonismo social entre as classes, o reformismo pode se manter e às vezes até prosperar. O que acontece é que suas características especificas, suas palavras de ordem, alianças, métodos de ação, têm de ser diferentes dos usados em conjuntura de progresso burguês. Ao invés de pregar a aliança com a burguesia para defender o "desenvolvimento", prega-se agora a aliança com a burguesia ou setores dela devido à fraqueza das próprias forças.

Acontece que o reformismo em nosso país se estruturou historicamente adaptado para a colaboração com governos burgueses num processo de expansão econômica. Foi a experiência de 45-46 e, após o intervalo do "Manifesto de Agosto", aquela que ganhou inteira conformação de 55 a 65. Depois do golpe o reformismo teria que se remodelar a fim de enfrentar uma nova situação. Passou 3 anos sob o fogo das críticas de base, (e quase calado), mas voltará agora. Não tenhamos dúvida que voltará, porque existe uma base social para ele: a aristocracia operária representada por uma camada sindical oportunista e largas camadas da pequena-burguesia com sua ideologia liberal e seus métodos de ação acomodados. Depende da esquerda revolucionária que esse reformismo entorpeça ainda largas camadas do proletariado ou que, pelo contrário, seja ele agora que figue isolado, e isolando-se cada vez mais das massas trabalhadoras.

E, sem dúvida, os progressos da esquerda revolucionária nestes 4 anos são um fator que poderá pesar decisivamente sobre os rumos que tomará o movimento operário.

As forças de que dispõem e as condições de luta para os marxista-leninistas são hoje maiores que em qualquer momento do passado. Pois eles contam hoje não só com as experiências assimiladas das lutas anteriores mas também com o aprofundamento das lutas de classe no país e no mundo e com a presença em nosso continente de um polo revolucionário em Cuba que influi de maneira marcante sobre todo o movimento político.

A vitória de uma revolução socialista no continente teve como principal efeito na esquerda destruir os fundamentos das tesses derrotistas sobre a impossibilidade de uma vitória sobre o imperialismo nesta parte do globo e a necessidade de esperar as vitórias de outra parte. Feita contra todas as convicções dos PCs, a revolução cubana criou uma nova geração revolucionária no continente e produziu um enorme estímulo ao espírito de iniciativa de militantes dispostos a romper com a passividade e o reboquismo que lhes ministravam os velhos papas do reformismo. A evolução do debate sino-soviético e agora a cristalização de um polo revolucionário em Cuba influenciam decisivamente o amadurecimento da nova esquerda.

De 61 a 64, quando a crise burguesa se fez acompanhar dum extraordinário desenvolvimento das lutas de massas a esquerda viu também nascer em seu seio várias concepções, ainda que embrionárias. Ao lado da Política Operária, tivemos o PC do B, a AP, o brizolismo, a direção de Julião. E as experiências dessas várias tendências, no período anterior ao golpe permitiu que, depois, o processo de formação da vanguarda se fizesse em um nível superior. Podemos dizer que naqueles anos todas as tendências tiveram oportunidade para ensaiar suas armas e métodos; e à medida que isso se corporifica num programa e numa prática na massa, o conteúdo de classe de cada organização vai se esclarecendo e vão se aniquilando aquelas que não respondem a uma necessidade social. O atraso na formação de uma esquerda revolucionária permitiu que ela se fizesse sentir no momento do golpe e; mesmo depois, suas ações ainda foram insuficientes. Mas houve um progresso constante de lá para cá.

A partir de 64, quando a velha direção de Prestes começou a ser contestada abertamente dentro do PCB, quando o janguismo ou mesmo as concepções de Arraes caíram por terra, iniciou-se uma nova fase para a esquerda revolucionária. Ela teria de se preparar para ocupar um lugar vago, deixado quando os nacionalistas capitularam ante a reação. Era preciso dar corpo à alternativa revolucionária e isso exigia a resposta a questões concretas: quais os meios para a formação do partido revolucionário? quais os objetivos para a luta operária? como dirigir a luta estudantil? como iniciar a luta armada?

Naturalmente aqueles que antes não tinham sequer amadurecido uma linha política consequente não podiam agora enfrentar as novas tarefas. Assim se esvaziou o PC do B que nunca se preocupara em reformular os princípios da "revolução anti-imperialista e antifeudal" e a quem bastava a transcrição de Mao para o português.

Assim se esvaziaram todas as tentativas.

O programa proletário

O amadurecimento de uma linha revolucionária se deu fundamentalmente a partir de dois polos: da ação propagandística desenvolvida pela Política Operária, refutando o programa da revolução democrático-burguesa e, nesse processo, forjando uma nova linha; e do desenvolvimento da dissidência interna do PCB que pôs em xeque toda a velha prática, iniciando a reformulação radical da linha.

As águas começaram a se dividir na questão do caminho armado. Foi nesse ponto que se opunham de um lado a direção prestista do PC e sua ala direita e de outro a corrente de esquerda e a dissidência. Os revolucionários começaram postulando a necessidade do caminho armado e do trabalho de preparação para ele. Mas não pararam aí. A experiência do PC do B mostrava os limites de uma concepção de luta armada que não se apoiava numa perspectiva revolucionária das lutas de classe do proletariado.

Da própria discussão sobre o caráter da luta armada teve que se passar para a natureza do Exército brasileiro e, logo, para a do Estado brasileiro e o papel da burguesia na revolução. Os que levaram às últimas consequências a crítica ao reformismo chegaram à constatação do caráter socialista da revolução brasileira. Mas ainda uma parcela está no meio do caminho. Constatam a impraticabilidade de frente-única com a burguesia, mas não chegam à luta pelo socialismo. No documento para discussão "Sobre Programa e Tática" elaborado pela corrente de esquerda que rompeu com o CC lemos que

"A estrutura econômica do Brasil atual não é essencialmente capitalista "porque" o crescimento econômico tem sido entravado e deformado desde o início pela dominação imperialista e pelo monopólio latifundiário".

Qual é, então, na essência, o modo de produção no país? Os entraves ao desenvolvimento não impedem que haja uma estrutura capitalista, ainda que precocemente envelhecida. Mas a corrente não prega uma revolução burguesa. Após constatar os vínculos da burguesia brasileira com o latifúndio e o imperialismo, conclui:

"o desenvolvimento capitalista não é capaz, portanto, de libertar o Brasil do imperialismo e do latifúndio, da opressão e do atraso, e a burguesia — portadora das relações de produção capitalista — não é uma força revolucionária. Nestas condições, a revolução brasileira não pode ser uma revolução democrático-burguesa, que tenha como objetivo a formação de um Estado nacional-burguês e a expansão do capitalismo. O desenvolvimento econômico e social do Brasil só poderá ser impulsionado por uma revolução popular, capaz de derrubar o poder da minoria latifundiária e burguesa, libertar completamente o pais do domínio imperialista, eliminar o latifúndio e realizar uma reforma radical na estrutura agrária, abrindo desse modo o caminho para o socialismo. De vez que o imperialismo e o latifúndio constituem, do ponto de vista imediato, os principais obstáculos ao progresso do país, a revolução caracteriza-se inicialmente como uma revolução popular anti-imperialista e antilatifundiária. Em virtude, porém, de fatores que lhe são inerentes, a revolução popular conduzirá inevitavelmente às transformações socialistas."

Esta posição representa sem dúvida um certo avanço relação às do CC e mesmo às do PC do B, já que constata o papel contrarrevolucionário da burguesia brasileira e verifica que as medidas revolucionárias terão que se fazer contra ela. Mas ao enxergar o socialismo como consequência inevitável de uma "revolução popular" revela ainda uma insuficiência que leva a desvios no enfrentamento da luta atual.

Tanto no programa da Política Operária como nas teses das Dissidências do PCB do RGS e da Guanabara a sociedade brasileira é caracterizada essencialmente como capitalista. Diz o "Programa Socialista para o Brasil" aprovado no IV Congresso Nacional da ORM (Política Operária):

"O modo de produção no Brasil já é fundamentalmente capitalista — em processo de integração no sistema imperialista sob hegemonia ianque e, por outro lado, integrando a produção latifundiária aos seus fins."

Caracterizando o país como "um país capitalista industrial, cujo desenvolvimento encontra-se bloqueado", a PO baseia-se não só no peso do setor urbano da economia mas principalmente no fato de que hoje já são os movimentos e necessidades do capital industrial que determinam as próprias condições de desenvolvimento do setor agrícola. Os entraves ao desenvolvimento das forças produtivas não são externos ao modo de produção capitalista como ele se organizou no Brasil. A herança colonial e agrária e a dominação imperialista "foram produzidos pelas próprias condições históricas em que se formou o sistema" e por isso elas "apressam a crise do capitalismo no Brasil."

Que diferenças acarretam na prática tais diferenças na análise da revolução? A diferença mais importante é a que diz respeito à luta atual. Para os defensores do caráter socialista da revolução, a luta anticapitalista é, desde agora, um importante fator de amadurecimento das forças revolucionárias; a contradição entre o capital e o trabalho já desempenha um papel fundamental nas lutas de classe e a vanguarda deve se preocupar em lhe dar consequências políticas. De modo diversos, para quem a estrutura do país não é essencialmente capitalista e para quem o socialismo será decorrência inevitável de um processo que atualmente tem um caráter "popular", "anti-imperialista e antifeudal", a luta operária contra a burguesia e o capitalismo tem necessariamente um lugar secundário.

Mas justamente o que dará a marca de uma luta proletária no Brasil de hoje terá que ser a luta anticapitalista, a oposição ao regime que oprime as grandes massas. Senão, poderemos ter, quando muito, a velha política apenas travada com mais agressividade. A maior agressividade entretanto ainda não é um elemento capaz de dar à massa a orientação correta para a ação: quem são seus inimigos fundamentais e quais seus objetivos na luta atual.

A mobilização da classe

A grande fraqueza da esquerda revolucionária ainda reside nos débeis laços que a ligam ao movimento operário. Isolada deste antes do golpe, depois as condições de trabalho se fizeram extremadamente mais difíceis. Mas num ponto ao menos a vanguarda revolucionária tem uma vantagem: as próprias experiências da derrota produzem um ambiente mais favorável às teses leninistas. É preciso que os leninistas vão ao encontro dessa massa e traduzam sua linha programática numa prática de ação e em diretrizes para os problemas diários dos choques com o patrão, a justiça, dos problemas da empresa e do sindicato, da organização dos companheiros, etc. A presença revolucionária no meio da massa ainda é insuficiente e irregular, a imprensa muito restrita. Um dos pontos mais importantes que a unidade da esquerda revolucionária terá que enfrentar é o da sistematização desse trabalho, com o fim de criar nas lutas diárias uma nova liderança nas fábricas.

A grande influência pequeno-burguesa na esquerda produz uma serie de deformações no modo de encarar a luta operária. Frequentemente os estudantes — mesmo na qualidade de revolucionários — mantêm os vícios de levar para a massa operária os mesmos métodos do movimento estudantil. Tivemos mostra disso com o programa e a prática da AP para o movimento operário quando, após um relativo ascenso da agitação estudantil quiseram levá-la para a massa trabalhadora. Em torno do "Movimento Contra a Ditadura" (MCD) pensaram canalizar todo o potencial de luta proletária para uma ação política. Sabemos como cedo se frustraram tais anseios. Mas é preciso que vejamos em profundidade o que significou esse projeto; é preciso que façamos a crítica radical de tal concepção (que, diga-se de passagem, não mudou qualitativamente, além do simples abandono da sigla). É preciso verificar que a agitação de objetivos políticos gerais, desvinculados dos problemas concretos da classe, só podia levar a uma política burguesa para a classe operária e os trabalhadores do campo. A luta contra a ditadura, contra o imperialismo e pelo desenvolvimento econômico, fora do contexto de uma luta anticapitalista e da revolução dos trabalhadores, mantém-se nos marcos da agitação pequeno-burguesa por violentas que sejam as palavras.

E toda essa concepção pequeno-burguesa radical não pode mobilizar o potencial revolucionário dos trabalhadores; pode, no máximo, criar massa de manobra para uma política populista. Porque — isto é fundamental — sem despertar a classe em torno de seus objetivos, ela não poderá assumir o papel de vanguarda da revolução: ela irá a reboque dos objetivos burgueses.

O MCD nunca representaria um papel revolucionário. Mas ele fracassou mesmo enquanto movimento reformista e isso porque — marcado pelas experiências estudantis — não soube sequer desenvolver uma agitação e uma luta em torno das reivindicações econômicas da classe. E isso serviu também para que os reformistas criticassem as concepções de AP pela direita.

Na luta presente contra o Arrocho Sindical já vimos como se portam não só os velhos reformistas, mas mesmo setores que aparentavam fazer uma crítica "de esquerda". Da mobilização atual da classe os revolucionários devem extrair lições importantíssimas para o estabelecimento de uma política consequente a adotar. E as distinções anotadas antes a respeito do programa proletário se revelam nitidamente na luta concreta: enquanto os defensores de um programa anticapitalista estão canalizando as manifestações para a organização independente da classe e oposta ao regime, os que se recusam a assumir esse programa revolucionário acabam por capitular ante as posições conciliadoras da cúpula sindical. Em São Paulo vimos diferentes defensores da revolução de "libertação nacional" solidarizarem-se com os pelegos contra a tendência operária revolucionária que repudiou o "diálogo" com as autoridades.

Hoje a luta econômica toma vulto a olhos vistos. E vai ganhando tal ímpeto que a própria burguesia já pensa em fazer concessões para amortecê-la. Pela experiência sabemos que, sem uma orientação política correta mais essa onda passará sem marcar um avanço na organização independente da classe. Mas para isso — para fazer avançar a organização dos operários para uma luta contra os patrões, contra o governo, contra o regime — é preciso desmascarar perante a classe os pelegos que mantêm a luta operária nos marcos permitidos pela ditadura, é preciso vencê-los, é preciso criar uma nova liderança a partir das fábricas.

É justamente na luta diária dos trabalhadores que se prova a capacidade revolucionária de cada linha. E é aí que as concepções intermediárias entre a linha nacionalista e a comunista capitulam ante aquela. A defesa da luta armada não resolve ainda os problemas colocados pela luta de massas; nem resolve hoje, quando a luta armada ainda não foi deflagrada, nem resolverão depois, quando a vanguarda armada continuará tendo que definir uma política para a massa.

A concepção justa da revolução socialista se traduz aqui numa atuação voltada para a luta contra o capitalismo e o regime burguês. Ao centrar seus esforços na organização de comitês de empresa — para ter uma classe organizada pelas bases e independente da estrutura estatal dos sindicatos; na luta contra os patrões e o governo e na agitação revolucionária anticapitalista — para desenvolver a consciência de classe do proletariado e combater a tradição nacionalista e populista; na luta por sindicatos livres — para combater —- consequentemente o peleguismo e criar uma oposição sindical revolucionária que se oponha ao ministério e à burguesia; a minoria revolucionária na classe operária cria de fato as bases para o partido de vanguarda da classe.

O foco catalizador

A tese de Guevara sobre o papel catalizador de um foco guerrilheiro se pôs na ordem-do-dia em nosso país após abril de 64. A dispersão das forças e o abismo entre as massas e as direções políticas deu atualidade à função polarizadora de uma vanguarda guerrilheira. A fraqueza orgânica da esquerda revolucionária não permitiu entretanto que ela materializasse no Brasil as posições justas. Das experiências e fracassos cristalizaram-se concepções sobre a luta armada e a guerrilha. A maneira de encará-las também define a própria natureza de cada corrente revolucionária.

A formação de um partido revolucionário da classe operária no Brasil, nas presentes circunstâncias, está estreitamente ligado ao processo de preparação e desencadeamento da luta guerrilheira. Se o sucesso da guerrilha depende, de um lado da existência de uma vanguarda política nas cidades, a transformação dessa vanguarda em partido, que lidere o conjunto da luta revolucionária no país, será impulsionado e acelerado pelo foco armado no campo. Isso se dá, — não porque o partido tenha as suas bases principais no campo — seu centro de organização e de luta é o proletariado industrial e seu objetivo a revolução liderada pelo proletariado, — mas porque a deflagração e o desenvolvimento da guerrilha no campo colocará toda a luta política num nível superior e acelerará a mobilização nas cidades.

Desta maneira a guerrilha contribuirá decisivamente para a formação e a consolidação do partido como liderança das classes potencialmente revolucionárias, mas o desencadear dessa forma de luta armada exige que a vanguarda tenha clareza e não deixe dúvidas sobre seus objetivos e que saiba coordená-la politicamente com a luta das massas trabalhadoras nos centros vitais do país.

Entre os desvios na concepções do foco entre nós encontramos em primeiro lugar o espontaneísmo ao tratar da luta armada. Trata-se aqui não somente dos reformistas clássicos que encaram a luta armada como uma "possibilidade" e não como uma tarefa mas também daqueles que veem a guerrilha como fruto da radicalização da luta no campo (AP, IV). Nos dois casos a guerrilha não é vista como um foco, isto é, como uma vanguarda que irradia a luta revolucionária pelo país. Embora o PC procure o "caminho pacífico" e a AP não, o que os identifica nesta questão é a perda da noção de guerrilha como vanguarda.

O outro desvio poderia ser caracterizado como de voluntarismo: são aqueles que pensam que o processo revolucionário será produto automático do desenvolvimento do foco guerrilheiro. Uma visão unilateral da revolução cubana e, principalmente, sua transplantação mecânica para as condições do Brasil, são os responsáveis por esse desvio. Essa posição, defendida principalmente por uma facção da "corrente", despreza a mobilização do proletariado e coloca o centro da luta no campo. Com isso, agem como se a vanguarda atuasse no lugar da classe e não como se ela conduzisse a classe.

Cita-se "Que fazer?" onde Lenin aponta o partido como um destacamento de combate da classe e não como uma organização que se dissolve na classe. Mas justamente o que, para Lênin, torna esse destacamento de combate uma vanguarda da classe é o fato dele dirigir a classe, dele estar vinculado à sua prática através da rede clandestina que orienta a luta.

A guerrilha no Brasil mobilizará os trabalhadores do campo e garantirá, assim, um potencial para uma guerra prolongada. Mas o destino da revolução será jogado nas cidades, a revolução no Brasil será proletária ou deixará de ser revolução. Por isso o foco guerrilheiro não substituirá o Partido, será uma parte dele. Ele terá de se dirigir ao proletariado como um todo e a tarefa do proletariado não poderá ser simplesmente a de dar apoio à guerrilha; terá de ser principalmente a de travar a luta no seu campo e com seus métodos. Nesse aspecto a guerrilha, à medida em que se trava a luta contra os exércitos da burguesia, é um estímulo para o desenvolvimento da luta operária contra as mesmas forças.

O partido leninista que vai se forjando no Brasil reúne aquelas forças que são capazes de aplicar de maneira criadora a teoria do foco às condições do país.

A frente da esquerda revolucionária

A unidade que hoje se forja entre a Dissidência e a Política Operária responde a uma dupla necessidade: preencher no momento o vácuo existente pela ausência de um partido, e ser um passo na formação desse partido.

É por defenderem teórica e praticamente a necessidade de um partido comunista que a Dissidência e a Política Operária colocam a unidade de ação atual a serviço de uma unificação partidária. E é por conceberem o partido como fruto da própria luta revolucionária que fazem depender sua formação do desenvolvimento da plataforma revolucionária que defendem.

É por visar à constituição dum partido proletário marxista que sua proposta para a frente da esquerda revolucionária colocou na plataforma a defesa do caráter socialista da revolução. A tradição empirista que domina a esquerda se faz sentir na crítica a esse "sectarismo"; ouve-se dizer que é "pura especulação" discutir o caráter da revolução. Mas isso só é pura especulação para aqueles que tratam a teoria marxista como especulação. Para os marxistas a teoria é um guia para ação e insistimos que sem ela é impossível uma ação revolucionária. Para nós, afirmar o caráter socialista da revolução é tirar as consequências disso na agitação e propaganda, nas alianças e objetivos, em todo o nosso trabalho.

A visão clara do processo é que nos permitirá uma prática capaz de despertar e ganhar progressivamente as grandes camadas da classe. E mesmo porque o partido se fará na ação, essa ação revolucionária não isolará os comunistas consequentes, mas fará crescer seu raio de atuação, os transformará em vanguarda efetiva da classe e da revolução.


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Inclusão 21/06/2013