Cartas do Cáucaso - Tiflís(1)

J. V. Stálin

25 de Maio (7 de Junho) de 1910


Primeira Edição: Publicado pela primeira vez no “Diskussiónni Listók” (“Folha de Discussão”), (Suplemento do “Sotzial-Demokrat”), n.° 2, 25 de maio (7 de junho) de 1910.
Fonte: J.V. Stálin – Obras – 2º vol., pág: 169-189, Editorial Vitória, 1952 – traduzida da 2ª edição italiana G. V. Stalin - "Opere Complete", vol. 2 - Edizioni Rinascita, Roma, 1951.
Tradução: Editorial Vitória
Transcrição: Partido Comunista Revolucionário
HTML: Fernando A. S. Araújo
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Do ponto de vista do desenvolvimento industrial, Tiflís é verdadeiramente o oposto de Baku. Se Baku é importante como centro da indústria petrolífera, Tiflís pode ser considerada importante só como centro comercial-administrativo e “cultural” do Cáucaso. Em Tiflís os operários da indústria são ao todo 20.000, isto é, menos que os soldados e os policiais. O único grande estabelecimento é constituído pelas oficinas ferroviárias (cerca de 3.500 operários). As outras empresas contam 200, 100 e, na maioria 40 a 20 operários. Tiflís pulula literalmente de empresas comerciais a que está ligado o “proletariado do comércio”. Uma vez que é quase totalmente independente dos grandes mercados da Rússia, sempre cheios de vida e de atividade febril, Tiflís é uma cidade em que a vida estagna. A falta, pois, de ásperos conflitos de classe, próprios somente dos grandes centros industriais, transforma-a em qualquer coisa de semelhante a um charco, cujas águas esperam ser agitadas do exterior. Isso explica exatamente como o menchevismo, o verdadeiro menchevismo “de direita”, tenha podido se manter por tão longo tempo em Tiflís. Outra coisa é Baku, onde a posição nitidamente de classe dos bolcheviques encontra um eco vivaz entre os operários!

O que é “óbvio” em Baku torna-se claro em Tiflís só depois de longas discussões; os discursos intransigentes dos bolcheviques são digeridos com grande dificuldade. Isso explica exatamente a “particular tendência” das bolcheviques de Tiflís para as discussões, e, vice- versa, o desejo dos mencheviques de “evitá-las” o quanto possível. Mas de tudo quanto se disse deduz-se unicamente que o trabalho dos social-democratas revolucionários em prol da educação socialista do proletariado de Tiflís assumirá muito frequente e inevitavelmente a forma de luta ideológica contra o menchevismo. Adquire portanto um interesse particular a análise, embora superficial, da atmosfera ideológica criada pelos mencheviques sempre predominantes em Tiflís, contra a qual se deve combater primeiro que tudo*. Pode dizer-se que se trata de uma atmosfera liquidacionista, liquidacionista não só no sentido orgânico, mas também no tático, e também no pro- gramático. Começaremos precisamente nosso rápido exame da situação do Partido em Tiflís, definindo essa atmosfera.

Liquidacionismo programático

A imprensa georgiana menchevique é o órgão no qual se reflete a “opinião pública” dos mencheviques. O credo dos mencheviques de Tiflís é expresso nos artigos Problemas de atualidade (vide os números do Azri e do Dassatskissi(2)). O autor desses artigos é o mais influente dos mencheviques de Tiflís, o camarada An(3).

Passemos ao exame desses artigos, que em Tiflís prepararam o terreno para o liquidacionismo ideológico.

Nos supracitados artigos, o autor dispõe-se a uma “reavaliação de todos os valores” e chega à conclusão de que o Partido (e particularmente os bolcheviques) caiu em erro em algumas de suas teses programáticas e, em particular, táticas. Segundo o autor é necessário “modificar radicalmente toda a tática ao Partido”, para tornar possível “a unificação das forças da burguesia com as do proletariado”, garantia única da vitória da revolução. De resto, cedamos a palavra ao próprio autor.

“Os bolcheviques demonstraram — escreve ele — que este (o proletariado) deve realizar (na revolução burguesa) todo o seu programa mínimo. Mas a realização da parte social desse mínimo levaria à paralisação da produção burguesa, provocaria os protestos de toda a burguesia, assinalaria o início de uma poderosa contra- revolução ... Quem ousaria afirmar que a aplicação da jornada de trabalho de oito horas corresponde aos interesses da atual burguesia ainda não desenvolvida?”. É claro que “a realização do programa mínimo dos bolcheviques é pura retórica” (vide Azri, n.° 17, fevereiro de 1908).

Naturalmente os bolcheviques não são os únicos a falar em realização de todo o programa mínimo, e a história não conhece nenhum programa mínimo bolchevique além do programa do Partido como um todo; mas não é isso o que nos interessa aqui. O importante é que, dada a “falta de desenvolvimento da burguesia” e o perigo contrarrevolucionário que daí se origina, o nosso autor arremete contra a “parte social” do programa, chamando-a de “pura retórica”, destinada evidentemente a ser suprimida.

Nenhuma análise da situação efetiva da indústria (o camarada An evidentemente exprime-se mal, definindo o atraso da indústria como “falta de desenvolvimento da burguesia” K. St.), nenhuma cifra, nenhum dado mais ou menos sério encontrareis nos escritos do camarada An. Ele tira simplesmente da própria cabeça a tese de que a burguesia não tolerará a aplicação da jornada de trabalho de oito horas, enquanto que sem “a união das forças do proletariado e da burguesia” a vitória da revolução é impossível: portanto, abaixo a “parte social” do programa...

Não ficaremos a demonstrar o absurdo das afirmativas do autor, afirmativas que os liberais dos nossos tempos usam frequentes vezes para combater os social- democratas. Segundo nós, é de todo suficiente citar essas afirmativas para adivinhar logo a fisionomia dos mencheviques de Tiflís...

Mas o nosso autor toma das armas não só para combater contra a “parte social” do programa: não poupa nem sequer a parte política, se bem que não o faça de maneira tão direta e aberta. Ouçamo-lo:

“A luta do proletariado sozinho ou da burguesia sozinha(1*) não despedaça em caso algum a reação... É claro que a união das suas forças, esta ou aquela combinação delas e sua vontade de atingir um objetivo comum único constituem a única via (o grifo é nosso) da vitória sobre a reação”... “A derrota da reação, a conquista da constituição e a aplicação desta última dependem da união consciente das forças da burguesia com as do proletariado e da sua vontade de atingir um objetivo comum”... Ademais “o proletariado deve agir de maneira que sua intransigência não debilite o movimento geral”. Mas uma vez que “a reivindicação imediata da burguesia pode ser somente uma constituição moderada”, é evidente que o proletariado tem o dever de renunciar à sua “constituição radical”, se não quiser “debilitar com a sua intransigência o movimento geral” e desviar a “vontade consciente das forças da burguesia e do proletariado de atingir uma única meta comum”, em suma, se não quiser preparar a vitória da contrarrevolução (vide Dassatskissi, n.° 4, 1908).

A conclusão é clara: abaixo a república democrática, viva o “movimento geral” e a... “constituição moderada”, naturalmente “no interesse da vitória” da revolução. ..

Temos diante de nós, como vedes, uma repetição medíocre do artigo, publicado pelo ex-social-democrata Vassíliev no Továrichtch de 1906, sobre a “união das classes”, sobre o abandono temporário dos objetivos de classe do proletariado, sobre o abandono da república democrática, etc. A única diferença é que Vassíliev falava de maneira aberta, clara, ao passo que o camarada An envergonha-se de falar demasiado claramente.

Não temos hoje nem tempo nem vontade de analisar toda essa algaravia de liberais, já há muito tempo analisada e julgada a fundo pela imprensa social-democrata russa. Desejaríamos somente chamar as coisas pelos seus nomes: os exercícios programáticos do nosso autor, aceitos pelos mencheviques de Tiflís como o “novo” manifesto da fração, constituem uma liquidação do programa mínimo do Partido, liquidação que exige a adaptação do nosso programa ao dos cadetes.

Do “novo” programa dos mencheviques de Tiflís passemos à sua “nova tática”.

Liquidacionismo tático

O camarada An está particularmente descontente com a tática do Partido que, segundo ele, precisa “modificar-se radicalmente” (vide Dassatskissi, n.° 4). Dedica ele portanto a maior parte de seus artigos à crítica dessa tática; ataca particularmente a conhecida “fórmula de Plekhánov” (“a revolução na Rússia vencerá como movimento operário, ou não vencerá absolutamente”(4)), identificando-a com a tese da hegemonia do proletariado, e decide que esta não é digna de nenhuma crítica. Propõe assim a substituição dessa “fórmula” por uma “nova” (antiga!) tese sobre a “união das forças da burguesia com as do proletariado” no interesse do “movimento geral”... “para atingir um objetivo comum”.

Ouvi:

“A tese sobre a função dirigente do proletariado na revolução burguesa não é justificada nem pela teoria de Marx nem pelos fatos históricos”.

Apelo à teoria:

“O proletariado não pode edificar com suas próprias mãos a ordem social de seus inimigos. A direção da revolução burguesa por parte do proletariado é portanto impossível”.

Apelo a fatos históricos:

“Nossa revolução foi ao mesmo tempo nosso movimento operário; isso não obstante, a revolução não triunfou. É claro que a fórmula de Plekhánov não teve confirmação” (vide Azri, n.° 17).

Conciso e claro. Não nos resta senão compadecermo-nos do Partido Social-Democrata alemão, que (provavelmente por leviandade!) já em sua carta de saudação ao Congresso de Londres reconheceu que a função dirigente do proletariado em nossa revolução teve plena confirmação quer pela “teoria de Marx” quer “pelos fatos históricos”. Não falemos pois do nosso (desgraçado!) Partido...

Que é que o nosso autor apresenta em lugar da função dirigente do proletariado, que nos propõe em sua substituição ?

“A luta do proletariado isolado — diz o camarada An — ou da burguesia sozinha não despedaça em caso algum a reação... É claro que a união de suas forças, esta ou aquela combinação delas e sua vontade de atingir um objetivo comum único constituem a única via da vitória sobre a reação”. Além disso “o proletariado deve agir de maneira que sua intransigência não debilite o movimento geral...” (vide Dassatskissi, n.° 4). Uma vez que, assegura o autor, “quanto mais débil for a luta de classes entre proletariado e burguesia, tanto maior êxito (os grifos são nossos. K. St.) terá a revolução burguesa, naturalmente sendo iguais as outras condições” (vide Azri, n.° 15).

De que “outras iguais condições” esteja falando o autor, só Allah o sabe. ,Uma só coisa é clara: que ele prega o debilitamento da luta de classes no interesse da... revolução. A tese, confirmada pela experiência de toda a nossa revolução, de que a vitória desta última será tanto mais completa quanto mais se apoiar na luta de classes do proletariado, que arrastará a reboque os camponeses pobres contra a nobreza fundiária e contra a burguesia, essa tese permaneceu para o nosso autor um segredo impenetrável. A “união das forças do proletariado com as forças da burguesia”: eis onde o camarada An encontra a garantia única da vitória da revolução.

Mas sobre qual burguesia o nosso autor deposita tantas esperanças? Escutai:

“Os reacionários — diz o nosso autor — lutam com particular encarniçamento contra o partido dos cadetes... uma vez que... os futuros chefes da Rússia sairão daquela classe média cuja ideologia é expressa pelos cadetes. Somente a burguesia média, madura para o mando, é capaz de arrancar o poder estatal dos reacionários; essa classe é o seu concorrente direto e por isso os reacionários temem-na mais do que qualquer outra coisa”. De um modo geral, “em todas as revoluções a casta dos reacionários não tem temido tanto os revolucionários quanto a burguesia moderada. Por que? Porque somente esta última classe é que receberá as rédeas do poder, das mãos do velho regime, como dissemos mais acima. Por conseguinte, justamente esta classe é chamada, graças à sua Constituição moderada, a tornar o novo regime aceitável para a imensa maioria e a destruir assim as bases da reação” (vide Azri, n.° 24). Mas uma vez que “a burguesia não pode, sem o proletariado, instituir uma nova ordem social”, “o proletariado deverá apoiar a oposição burguesa” (vide Dassatskissi, n.° 4).

A “moderada” burguesia cadete, portanto, com a sua “moderada” Constituição monárquica: eis quem, ao que parece, salvará nossa revolução.

E o campesinato, que função terá na revolução?

“ Os camponeses — escreve o nosso autor — tomarão certamente parte no movimento e dar-lhe-ão um caráter espontaneísta, mas só duas classes modernas terão uma função decisiva: a burguesia moderada e o proletariado” (vide Dassatskissi, n.° 4).

Portanto, ao que parece, não se pode particularmente contar com o campesinato.

Agora tudo está claro. Deseja-se uma burguesia cadete moderada, com uma Constituição moderada, para fazer triunfar a revolução. Mas esta não é capaz de vencer sozinha; é-lhe necessário o auxílio do proletariado.

O proletariado deve auxiliá-la porque não pode contar com ninguém mais, nem sequer com o campesinato. Mas para ajudar a burguesia moderada deve abandonar a sua atitude intransigente, estender-lhe a mão e lutar juntamente com esta por uma Constituição cadete moderada. O resto marchará por si só. O Partido, que considera garantia para a vitória da revolução a luta dos operários e dos camponeses contra a burguesia moderada e a nobreza fundiária, engana-se.

Em suma, ao invés da função dirigente do proletariado, que arrasta o campesinato a reboque, a função dirigente da burguesia liberal, que leva pelo cabresto o proletariado.

Essa é a “nova” tática dos mencheviques de Tiflís.

Não é necessário, a nosso ver, analisar toda essa parolagem vulgarmente liberal. É necessário somente notar que a “nova tática dos mencheviques de Tiflís consiste na liquidação da tática do Partido confirmada pela revolução, liquidação essa que exige a transformação do proletariado num apêndice da burguesia cadete moderada.

Assinado: K. St

Leia a carta I - Baku


Notas de rodepé:

(1*) Por “burguesia” o autor entende sempre a “média” burguesia liberal, da qual os cadetes são os ideólogos. (K. St.). (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

(1) As Cartas do Cáucaso foram escritas em novembro- dezembro de 1909 para o Proletari ou o Sotzial-Demokrat. Uma vez que naquela época o Proletari cessou a publicação, as Cartas foram passadas ao Sotzial-Demokrat, órgão central do P.O.S.D.R. Os redatores mencheviques do jornal opuseram-se à sua publicação, porque elas continham uma crítica severa do liquidacionismo. Foram pois publicadas no Diskussiónni Listók (Folha de Discussão) (suplemento do Sotzial-Demokrat). (retornar ao texto)

(2) Dassatskissi (O Início), jornal menchevique legal que se publicou em Tiflís de 4 a 30 de março de 1908. (retornar ao texto)

(3) An, N., Kóstrov: pseudônimos de Noé Jordânia, líder dos mencheviques liquidacionistas georgianos. (retornar ao texto)

(4) Palavras pronunciadas por Plekhánov no seu discurso no Congresso internacional socialista de Paris, em 1889. (retornar ao texto)

Transcrição
pcr
Inclusão 23/10/2019