As Nossas Divergências

Josef Stálin

5 de Janeiro de 1921


Primeira Edição: Publicada no jornal "Pravda", N.º 12, de 19 de Janeiro de 1931.
Fonte: Problemas - Revista Mensal de Cultura Política nº 36 - Set-Out de 1951.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
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AS nossas divergências quanto ao problema dos sindicatos não se referem ao domínio da apreciação dos sindicatos sob o ponto de vista dos princípios. Estão em vigor e permanecerão em vigor os conhecidos parágrafos, freqüentemente citados por Trotski, de nosso programa sobre o papel dos sindicatos e as resoluções aprovadas pelo IX Congresso do Partido em relação aos sindicatos.(1) Ninguém discute que os sindicatos e os órgãos da economia devem se interpenetrar e que o farão. É o que entre nós se chama de "união orgânica". Ninguém discute que o momento atual de renascimento econômico do país exige a transformação gradual dos sindicatos de produção em sindicatos realmente de produção, capazes de soerguer os setores básicos de nossa indústria, o que por enquanto não passa de meras palavras. Em resumo, as nossas divergências não são divergências de princípio.

As nossas divergências tão pouco se referem à questão da necessidade da disciplina de trabalho nos sindicatos e na classe operária em geral. As conversas que circulam no sentido de que uma parte de nosso Partido "solta as rédeas", abandonando as massas ao jogo das forças espontâneas, são o resultado de um mal-entendido. Permanece como verdade indiscutível o papel dirigente dos elementos do Partido dentro dos sindicatos e destes dentro da classe operária.

As nossas divergências dizem respeito ainda menos ao problema da composição do CC dos sindicatos e do Comitê Central Executivo dos Sindicatos da URSS do ponto de vista de sua qualidade. Todos são de opinião que a composição dessas instituições está longe de ser ideal, que os sindicatos se acham vazios por motivo de uma série de recrutamentos para o exército e outros gêneros de recrutamento, que é preciso que os velhos militantes voltem aos sindicatos e que novos militantes neles ingressem, que é necessário fornecer-lhes recursos técnicos, etc.

Não, não é nesse domínio que estão as nossas divergências.

I – Dois Métodos de Trabalho com a Classe Operária

AS nossas divergências são do domínio da questão dos meios de se fortalecer a disciplina de trabalho na classe operária, dos métodos de trabalho em relação às massas operárias integradas na tarefa de reconstrução da indústria, dos caminhos que devemos seguir para transformar os atuais sindicatos fracos em sindicatos poderosos, realmente de produção, capazes de restaurar a nossa indústria.

Existem dois métodos: o método da coação (método militar) e o método da persuasão (método sindical). O primeiro método de forma alguma exclui elementos de persuasão, mas os elementos de persuasão se acham aqui subordinados às exigências do método de coação e representam um elemento auxiliar. O segundo método não exclui, por sua vez, elementos de coação, mas os elementos de coação se acham aqui subordinados às exigências do método de persuasão e representam um elemento auxiliar. Misturar esses dois métodos é tão inadmissível como colocar num só monte o exército e a classe operária.

Um grupo de militantes do Partido, à cuja frente se encontra Trotski, embriagado pelos êxitos alcançados através dos métodos militares no meio militar, supõe que é possível e é necessário transplantar esses métodos para o meio operário, para os sindicatos a fim de se alcançar os mesmos êxitos na questão do fortalecimento dos sindicatos e no problema da restauração da indústria. Esse grupo se esquece, porém, de que o exército e a classe operária são dois meios diferentes e que um método útil ao exército pode se revelar inútil e prejudicial à classe operária e a seus sindicatos.

O exército não é uma grandeza homogênea, constitui-se de dois grupos sociais básicos, os camponeses e os operários dos quais os primeiros predominam por várias vezes. Ao fundamentar a necessidade de se aplicar no exército de preferência os métodos de coação, o VIII Congresso(2) partiu da consideração de que o nosso exército é constituído principalmente por camponeses, que estes não estão interessados em lutar pelo socialismo, que é possível e é necessário que os obriguemos a lutar pelo socialismo e daí a necessidade de se aplicar o método da coação. É por esse motivo que surgiram métodos de influencia puramente militares como o sistema de comissários com suas secções políticas, os tribunais de revisão, as penas disciplinares, etc.

Ao contrário do exército, a classe operária representa um meio social homogêneo, predisposto, por força de sua situação econômica ao socialismo, assimila facilmente a agitação comunista, organiza-se voluntariamente nos sindicatos e constitui, em virtude de tudo isso, a base, o sal do Estado Soviético. Não é de admirar, portanto, que a predominância da aplicação dos métodos de persuasão sirva de base ao trabalho prático de nossos sindicatos de produção. Por esse motivo surgiram métodos de influência puramente sindicais como educação, o esclarecimento, a propaganda em massa, o desenvolvimento da capacidade de iniciativa e da atividade das massas operárias, o princípio da elegibilidade, etc.

O erro de Trotski está em subestimar a diferença entre o exército e a classe operária, em colocar num mesmo nível as organizações militares e os sindicatos e tentar, talvez por inércia, transplantar os métodos militares do exército para os sindicatos, para a classe operária.

Trotski afirma em um dos documentos:

"A simples contraposição dos métodos militares (a ordem, a punição) aos métodos profissionais (o esclarecimento, a propaganda a iniciativa própria) representa uma manifestação dos preconceitos kautskistas, mencheviques e social-revolucionários... A própria contraposição da organização operária à organização militar constitui no Estado operário uma vergonhosa capitulação ao kautskismo".

Assim diz Trotski.

Se desprezarmos a indefectível retórica sobre o "kautskismo", o "menchevismo", etc., torna-se então claro que Trotski não compreende a diferença existente entre as organizações operárias e militares e não compreende que a contraposição dos métodos militares aos métodos democráticos (sindicais) no momento em que termina a guerra e em que se inicia a restauração da indústria é necessária e inevitável e que em vista disso é errada e prejudicial a transplantação dos métodos militares para os sindicatos.

Essa incompreensão constitui a base dos folhetos polêmicos de Trotski sobre os sindicatos, recentemente publicados.

Essa incompreensão é a fonte dos erros de Trotski.

II — O Democratismo Consciente e o Democratismo Forçado

OUTROS entendem que os debates que se travam nos sindicatos a propósito do democratismo não passam de retórica vã, uma moda provocada por alguns fenômenos da vida interna do Partido e que com o tempo a "tagarelice" em torno do democratismo acabará por se tornar enfadonha e tudo continuará a marchar "à velha maneira".

Outros supõem que o democratismo nos sindicatos representa em essência uma concessão, concessão forçada às exigências dos operários e que em breve estaremos às voltas mais com a diplomacia do que realmente com o problema em si.

Não é preciso dizer que tanto estes como aqueles camaradas se enganam profundamente. O democratismo nos sindicatos, isto é, aquilo que é costume se denominar "métodos normais de democracia proletária dentro dos sindicatos", é o democratismo consciente, inerente às organizações operárias de massa que supõe o reconhecimento da necessidade e da utilidade da aplicação sistemática dos métodos de persuasão em relação às massas operárias de milhões, organizadas nos sindicatos. Sem esse reconhecimento o democratismo se transforma em palavra destituída de sentido.

Enquanto estávamos em guerra e o perigo nos ameaçava diretamente os apelos de nossas organizações de "ajuda ao front" eram entusiasticamente atendidos pelos operários porque o perigo da derrota era bastante evidente, porque esse perigo possuía uma forma feitamente concreta e para todos evidente na pessoa dos exércitos de Koltchak, Iudenitch, Denikin, Pilsudski e Wranguel que avançavam e restauravam o poder dos latifundiários e dos capitalistas. Então era fácil levantar as massas. Atualmente, porém, em que se acha afastado o perigo de guerra e o novo perigo, o perigo econômico (o colapso econômico) está longe de ser palpável pelas massas, não se pode levantar as amplas massas apenas com apelos. É evidente que todos sentem a falta de gêneros alimentícios e de artigos industriais, mas, em primeiro lugar, os homens sempre se movimentam e desta ou daquela forma arranjam pão e artigos industriais, em virtude do que o perigo da falta de gêneros alimentícios e de artigos industriais está longe de incomodar tanto as massas como as incomodava o perigo de guerra; em segundo lugar, ninguém pode afirmar que o perigo econômico (falta de locomotivas, de máquinas para a agricultura, de fábricas de tecido, de usinas metalúrgicas, a falta de equipamento para as usinas elétricas, etc.) seja tão real para a consciência das massas como o perigo de guerra em passado recente. Para se movimentar os milhões da classe operária contra o colapso econômico é necessário elevar a capacidade de iniciativa, a consciência e a atividade das amplas massas, é necessário convencê-las na base de fatos concretos de que o colapso econômico representa um perigo tão real e mortal como o era ontem o perigo militar e que é necessário incorporar os milhões de operários na tarefa de restauração da produção através de sindicatos estruturados democraticamente. É somente dessa forma que se pode transformar a luta dos órgãos econômicos contra o colapso econômico em tarefa vital de toda a classe operária. Sem isso não se pode vencer na frente econômica.

Em resumo: o democratismo consciente, o método da democracia proletária dentro dos sindicatos é o único método justo que deve reger os sindicatos de produção.

O democratismo "forçado" nada tem de comum com esse gênero de democratismo.

Ao se ler o folheto de Trotski "O papel e as tarefas dos sindicatos" pode-se pensar que Trotski é em essência "também" pelo método "democrático". Nessa base alguns camaradas pensam que o problema dos métodos de trabalho dos sindicatos não constitui o objeto de nossas divergências. Trata-se, porém, de uma opinião inteiramente destituída de fundamento. Isso porque o "democratismo" de Trotski é um democratismo forçado, inconseqüente, sem princípios e, como tal, representa apenas um complemento do método burocrático-militar, impróprio aos sindicatos.

Que vós próprios o julgueis pelo que passo a expor.

Em princípios de Novembro de 1920 o CC estabelece, e fracção comunista da V Conferência Pan-Russa dos Sindicatos aprova uma resolução no sentido de que

"é necessária uma luta bastante enérgica e planificada contra a degeneração do centralismo e das formas militares de trabalho, em burocratismo, obstinação estúpida, formalismo, rotina e mesquinha tutela sobre os sindicatos... que também para o CC dos Trabalhadores em Transportes, dirigido por Trotski, o tempo dos métodos específicos de administração, motivados por condições especiais, em nome dos quais foi criado o Conselho Central de Educação Política, começa a passar"

e que em vista disso a fração comunista da Conferência "recomenda que o C. C. T. T. intensifique e desenvolva os métodos normais de democracia proletária dentro do sindicato", recomendando que o C. C. T. T. "tome parte ativa no trabalho geral do Conselho Central dos Sindicatos da URSS, incorporando-se à sua composição em igualdade de direitos com outras uniões sindicais" (Vide "Pravda" N.º 255). Entretanto Trotski e o C. C. T. T., apesar desse decreto, continuam durante todo o mês de Novembro a seguir a velha política semi-burocrática e semi-militar, apoiando-se como dantes no C. C. E. P. procurando "agitar" e destruir o Conselho Central dos Sindicatos da URSS ao defender a situação privilegiada do CC dos Trabalhadores em Transportes numa série de outras uniões sindicais. Alem disso, em carta "aos membros do Bureau Político do CC”, de 30 de Novembro, Trotski, de maneira igualmente "inesperada'' declara que o C. C. E. P.... não poderá de forma alguma já estar formado dentro dos próximos dois a três meses". E o que aconteceu? Seis dias após essa carta (7 de Dezembro) o mesmo Trotski de maneira igualmente "inesperada" vota no CC pela "abolição imediata do C. C. E. P., transferindo-se todos os seus recursos e meios às organizações sindicais na base do democratismo normal". O seu voto se adiciona aos votos de 8 membros do CC contra os votos de sete membros que consideram a abolição dessa instituição já insuficiente e que exigem, alem disso, a modificação da composição atual do CC dos Trabalhadores em Transportes. Para salvar a composição atual do C. C. T. T. Trotski vota pela abolição dos seus comissários políticos.

O que se modificou durante esses seis dias? Será que os ferroviários e os trabalhadores em transportes aquáticos amadureceram tanto politicamente durante esses seis dias que o C. C. E. P. deixou de lhes ser indispensável? Ou, talvez, durante esse curto prazo se verificou uma importante modificação na situação política interna ou externa? Sem dúvida que não. A questão é que os trabalhadores em transportes aquáticos exigiram com firmeza que o C. C. T. T. dispensasse os comissários políticos e modificasse a sua composição e o grupo de Trotski, temendo um fracasso e desejando manter, no mínimo, a velha composição do C. C. T. T., foi forçado a recuar, fazer concessões parciais que, aliás, não satisfizeram a ninguém.

Tais são os fatos.

Não é necessário demonstrar que esse "democratismo" forçado, inconseqüente e sem princípio nada tem de comum com os "métodos normais de democracia proletária dentro dos sindicatos" recomendados pelo CC do Partido já em princípios de Novembro e que são necessários ao renascimento dos nossos sindicatos de produção.

* * *

EM seu discurso de encerramento da assembléia da fração comunista do Congresso dos Soviets(3) Trotski protestou contra a introdução do fator político nos debates que se travaram sobre os sindicatos, afirmando que o problema não comporta a política. Devo declarar que Trotski está completamente enganado. Não é preciso demonstrar que no Estado operário e camponês nenhuma resolução importante, de significação nacional e particularmente se diz respeito diretamente à classe operária, pode ser posta em prática sem que reflita desta ou daquela maneira a situação política do país. E em geral cai no ridículo e demonstra falta de seriedade quem separa a política da economia. É justamente por isso, portanto, que é necessário que cada resolução seja encarada preliminarmente também do ponto de vista político. Que vós o julgueis por vós próprios.

Pode-se considerar agora demonstrado que os métodos do C. C. T. T., dirigido por Trotski, foram condenados pela própria experiência do C. C. T. T. Dirigindo o C. C. T. T. e através deste influenciando os outros sindicatos, Trotski quis conseguir a vivificação e o renascimento dos sindicatos, a incorporação dos operários na tarefa de restauração da indústria. O que, porém, na realidade conseguiu? Entrar em conflito com a maior parte dos comunistas que se encontram nos sindicatos e provocar conflito entre a maioria dos sindicatos e o C.C. T. T., a cisão de fato deste e a animosidade entre os operários sindicalizados "da base" contra os “comissários". Em outros termos, não só não se conseguiu o renascimento dos sindicatos mas até mesmo o próprio C. C. T. T. começou a se decompor. Não há dúvida de que se os métodos do C. C. T. T. fossem transplantados para outros sindicatos, verificar-se-ia nestes o mesmo quadro de conflitos, cisão e decomposição. Como resultado teríamos a dispersão e a cisão na classe operária.

Pode o partido político da classe operária ignorar esses fatos? Pode-se afirmar que quanto à situação política de nosso país é indiferente se contamos com uma classe operária unificada em sindicatos únicos ou com vários grupos divididos pela hostilidade? Pode-se afirmar que no problema da apreciação dos métodos de procedimento em relação à classe operária o momento político não deve representar nenhum papel e que aí não cabe a política?

É claro que não.

A RSFSR e as demais repúblicas que compõem URSS possuem atualmente cerca de 140 milhões de habitantes, dos quais 80% são camponeses. Para se governar um país dessa categoria é preciso que se tenha a favor do Poder Soviético a firme confiança da classe operária porque só através da classe operária com as forças da classe operária se pode dirigir um país assim. Entretanto, para se manter e fortalecer a confiança da maioria dos operários, é preciso que desenvolvamos de maneira sistemática consciência, a atividade e a capacidade de iniciativa da classe operária, é necessário que eduquemos sistematicamente a classe operária no espírito do comunismo, organizando-a em sindicatos e incorporando-a ao trabalho de construção da economia comunista.

É evidente que não se pode realizar essa tarefa pelos métodos da coação e da "agitação" dos sindicatos pela cúpula porque esses métodos provocam a cisão da classe operária (C. C. T. T. !) e dão origem à falta de confiança em relação ao Poder Soviético. Alem disso não é difícil compreender que pelos métodos da coação em geral é impossível desenvolver tanto a consciência das massas como a sua confiança no Poder Soviético.

É claro que somente "pelos métodos normais da democracia proletária nos sindicatos", só pelos métodos da persuasão é que será possível realizar a tarefa de unificar a classe operária, de elevar a sua atividade própria e se fortalecer a sua confiança no Poder Soviético, confiança tão necessária atualmente para se erguer o país para a luta contra a catástrofe econômica.

Como vedes, também a política fala a favor dos métodos da persuasão.


Notas:

(1) — Refere-se ao programa do PC (b) da Rússia aprovado pelo VIII Congresso do Partido, secção "O Setor Econômico", e às resoluções aprovadas pelo IX congresso dc PC (b) da Rússia "Sobre o Problema dos Sindicatos e suas organizações" (Vide "O PC (b) da URSS nas resoluções e decisões dos congressos, conferências e plenos do CC, parte I, 1941, p. 289-291 e 337-340, edição russa). (retornar ao texto)

(2) — Sobre o VIII Congresso do PC (b) da Rússia e suas resoluções a respeito da questão militar e outros problemas vide a "História do PC (b) da URSS" e “O PC (b) da URSS nas resoluções e decisões dos congressos, conferências e plenos do CC”, parte I, 1941, pg.280-313, ed. russa. J. V. Stálin interveio no VIII Congresso do PC (b) da URSS sobre o problema militar (Vide Obras t. 4, pg. 249-250, Ed. Russa) e participou da comissão militar criada pelo congresso para elaborar as resoluções sobre a questão militar. (retornar ao texto)

(3) Refere-se à sessão unificada de frações do PC (b) da Rússia, do VIII Congresso dos Soviets e do Conselho Central dos Sindicatos da URSS realizada em 30 de Dezembro de 1920. (retornar ao texto)

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Inclusão 07/11/2009