As Tarefas do Partido no Campo(1)

J. V. Stálin

26 de Outubro de 1924


Primeira Edição: no volume: J. Stálin, «A questão camponesa». Moscou-Leningrado, 1925.
Fonte: J.V. Stálin – Obras – 6º vol., Editorial Vitória, 1954 – traduzida da edição italiana da Obras Completas de Stálin publicada pela Edizioni Rinascita, Roma, 1949.
Tradução: Editorial Vitória
Transcrição: Partido Comunista Revolucionário
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Fernando A. S. Araújo, Fevereiro 2008.
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Camaradas:

Como os oradores que me precederam falaram com pormenores suficientes do trabalho no campo, limitar-me-ei a algumas observações sobre as particularidades do momento atual.

Em que consistem essas particularidades do ponto-de-vista da situação dos camponeses?

A primeira particularidade consiste em que o capital do passado, o capital moral por nós adquirido na luta pela emancipação dos camponeses dos latifundiários, começa a esgotar-se. Alguns camaradas dizem:

"Por que se faz tanto alvoroço em torno do trabalho entre os camponeses? Já falamos várias vezes dos camponeses, jamais nos esquecemos dos camponeses. Por que, então, tanto alvoroço em torno dos camponeses?"

Segundo parece, esses camaradas não compreendem que o velho capital moral do nosso Partido, acumulado no período de Outubro e da abolição do sistema de entrega obrigatória dos excedentes da produção agrícola, já se está esgotando. Não compreendem que precisamos, hoje, de um novo capital. Temos necessidade de criar para o Partido um novo capital, nas condições da nova luta. Devemos conquistar de novo os camponeses. Este é o problema. Os camponeses já tiveram tempo suficiente para esquecer que nós os ajudamos a derrubar os latifundiários e a receber a terra, que pusemos fim à guerra, que já não existe o tsar e que, com o tsar, foram varridos todos os escorpiões tzaristas. Não se pode viver por muito tempo contando com esse velho capital. Quem não tiver compreendido isso, não terá compreendido nada da nova situação, das novas condições da N.E.P. Estamos de novo conquistando os camponeses: esta é a primeira particularidade da nossa situação interna.

Por conseguinte, os novos discursos sobre os camponeses não só não são supérfluos, mas chegam mesmo com certo atraso.

A segunda particularidade consiste em que neste período as nossas classes fundamentais, os operários e os camponeses, se modificaram, não são mais o que eram. Antes, o proletariado perdia suas características de classe, estava disperso, e os camponeses não desejavam senão manter nas suas mãos a terra arrebatada aos latifundiários e vencer a guerra contra esses mesmos latifundiários. Assim era antes. Agora, a situação é outra. Já não há guerra. A indústria se desenvolve. Desenvolve-se a agricultura. O proletariado atual não é mais uma classe operária sem características de classe, porém um proletariado cheio de energias, cuja cultura e cujas necessidades crescem dia a dia. Quanto aos camponeses, já não são os camponeses de outrora, embrutecidos, presa do terror de perder a terra e dispostos a todos os sacrifícios para libertar-se do latifundiário. Formam uma classe nova, livre e ativa, que já se esqueceu do latifundiário e hoje se preocupa com a aquisição de mercadorias baratas e com a venda do seu trigo pelos melhores preços possíveis. O seu traço característico é uma atividade política crescente. Agora, não se pode mais dizer que "o Partido esclarecerá tudo" e que "o Partido se encarregará de pôr tudo em ordem". Tais afirmações não mais seriam compreendidas pelos camponeses nem, muito menos, pelos operários. Agora, é preciso penetrar mais profundamente nas massas, é necessário esclarecer, explicar e persuadir mais do que antes. Agora, é preciso conquistar de novo a confiança de milhões de sem-partido e consolidar esta confiança de modo organizado, sobretudo através dos Soviets. Assim o exige a crescente atividade política das massas.

Mas não só as classes mudaram. Mudou também o campo de luta, que hoje é outro, inteiramente diverso. Em torno de que se lutava antes? Necessitávamos ou não da entrega obrigatória dos excedentes da produção agrícola? E ainda antes perguntava-se se precisávamos ou não do latifundiário. Mas esses problemas já foram superados, pois não existem mais latifundiários nem entrega obrigatória dos excedentes. Agora, não se trata mais nem do latifundiário nem daquele sistema, mas do preço do trigo. É um campo de luta inteiramente novo, vasto e muito complexo, que requer estudo profundo e intensa luta. Agora nem mesmo se trata dos impostos, pois o camponês pagaria os impostos se os preços dos cereais fossem "suficientemente altos" e os preços dos tecidos e de outros produtos, da indústria "suficientemente" reduzidos. Agora, a questão essencial é esta: o mercado e os preços das mercadorias da cidade e dos produtos agrícolas.

Eis o que escreve ao C.C. o secretário do Comitê Provincial de Gômel:

"Em três sub-distritos houve recusa em massa a aceitar as cédulas dos impostos. O ritmo em que se efetua a arrecadação é três vezes mais lento do que deveria ser. As conferências dos sem-partido realizadas nos sub-distritos têm sido tão agitadas, que algumas foram suspensas e noutras se aprovou a emenda que requer aos organismos centrais a redução dos impostos e a elevação dos preços do trigo. Não sei qual será a situação nas outras províncias, mas na nossa não coincide com as conclusões que vós (isto é, eu) apresentais na última carta reservada. O estado de espírito dos nossos dirigentes locais não é brilhante. As aldeias semelham colméia em alvoroço: todos falam do imposto e dos preços do trigo".

O C.C. tem notícias análogas da Sibéria, do sudeste, dasprovíncias de Kursk, de Tula, de Nizhni-Nóvgorod, de Uliânovsk e de outras.

Todas essas informações evidenciam que o camponês se sente prejudicado pela nossa política de preços; ele desejaria debilitar e na realidade suprimir as alavancas que servem para aplicar esta política de preços e sem as quais a nossa indústria não poderia dar um só passo à frente. O camponês parece dizer-nos:

"Temeis reduzir ao máximo os preços das mercadorias da cidade, temeis a entrada em quantidade excessiva de mercadorias estrangeiras; por isso, criastes barreiras alfandegárias, que protegem contra a concorrência a nossa jovem indústria, mas a vossa indústria não me interessa. Exijo mercadorias baratas, venham de onde vierem".

Ou ainda:

"Temeis elevar os preços dos cereais, porque temeis reduzir o valor do salário e, por isso, inventastes inúmeros organismos de arrecadação, criastes o monopólio do comércio exterior, etc., etc., mas as vossas barreiras e alavancas não me interessam. Exijo preços altos para o trigo" . . .

Tal é o significado da luta no campo da política de preços.

É particularmente significativa, a respeito, a recente insurreição na Geórgia. Tratava-se, sem dúvida, de uma revolta de opereta, mas em alguns distritos e particularmente no de Guria, teve inegavelmente um caráter de massas. Que queriam os camponeses de Guria? Mercadorias baratas, preços altos para o milho. Guria está situada na fronteira ocidental; vê que as mercadorias estrangeiras, em confronto com as nossas, são mais baratas e desejaria que os preços das nossas mercadorias fossem reduzidos pelo menos ao nível dos preços estrangeiros, ou que os preços dos cereais fossem majorados até um nível que permitisse a aquisição, em condições vantajosas, das mercadorias soviéticas. Esta é a base econômica da insurreição de Guria, na Geórgia. Justamente por isso essa insurreição nos revela quais são as novas condições de luta em todo o país dos Soviets. Eis por que não se pode pôr a insurreição georgiana no mesmo plano da que se verificou em Tambov, onde não se tratava dos preços dos artigos da cidade nem dos produtos agrícolas, mas da abolição do sistema de entrega dos excedentes de gêneros alimentícios.

Os inspiradores dessa nova luta no mercado e no campo, contra a política soviética de preços, são os kulaks, os especuladores e outros elementos anti-soviéticos. Procuram afastar da classe operária as massas de milhões de camponeses e, desse modo, minar as bases da ditadura do proletariado. Por isso, a nossa tarefa consiste em isolar os kulaks e os especuladores, em afastar deles os camponeses trabalhadores e em fazer com que estes camponeses participem da edificação soviética, dando de tal modo saída à sua atividade política. Podemos fazê-lo e já o estamos fazendo, pois as massas de camponeses trabalhadores e, sobretudo, dos camponeses pobres, estão interessadas na aliança com os operários, na manutenção da ditadura do proletariado e, por conseguinte, na manutenção também, das alavancas econômicas em que se apóia a ditadura.

Que é necessário para isso? Em primeiro lugar, torna-se necessário criar em torno do Partido, no campo, numerosos quadros de camponeses sem partido, que possam ligar o nosso Partido a milhões de camponeses. De outro modo, é inútil falar em afastar os camponeses dos kulaks e dos especuladores, em conquistar e em manter ligados ao Partido dezenas de milhões de camponeses. Naturalmente, a obra é árdua. Mas as dificuldades não podem constituir para nós barreira insuperável. É necessário mandar para o campo, em ajuda às nossas células, centenas e talvez milhares de militantes experimentados, que conheçam o campo (o que importa aqui não é o número) e sejam capazes de levantar, de criar um ativo de camponeses sem partido. É preciso, no entanto, levar em conta a natural desconfiança dos camponeses para com as pessoas da cidade, desconfiança que persiste ainda no campo e que provavelmente não desaparecerá tão cedo. Sabeis como o camponês acolhe os que chegam da cidade, em particular quando se trata de elementos muito jovens: "Eis mais um inútil da cidade, que certamente vem nos enganar". Isto se deve ao fato de que o camponês confia mais em quem, como ele, cultiva a terra e entende mais ou menos de economia agrícola. Por isso, creio que o centro da nossa atividade no campo deve consistir no trabalho de criação de um ativo composto dos próprios camponeses, de cujo seio o Partido possa retirar novas forças.

Mas, como realizar essa tarefa? Creio que em primeiro lugar é preciso reanimar os Soviets. é necessário fazer com que participem do trabalho dos Soviets todos os elementos ativos, honestos, conscientes, dotados de espírito de iniciativa particularmente os ex-soldados do Exército Vermelho que entre os camponeses, são os elementos mais conscientes e dotados de espírito de iniciativa.

E por que é necessário fazê-los participar justamente do trabalho dos Soviets?

Em primeiro lugar, porque os Soviets são os órgãos do Poder, e fazer com que os camponeses trabalhadores participem da administração do país é uma tarefa imediata do Partido.

Em segundo lugar, porque os Soviets são os órgãos da aliança entre os operários e os camponeses, os órgãos de direção dos camponeses por parte dos operários, e esta direção dos camponeses pelos operários é, hoje, mais necessária do que nunca.

Em terceiro lugar, porque nos Soviets se preparam os orçamentos locais e os orçamentos são uma questão vital para os camponeses.

Finalmente, porque os Soviets são o mais fiel barômetro do estado de ânimo dos camponeses e devemos escutar a voz do campesinato. Há, nas aldeias, outras organizações de sem-partido que são de enorme importância, como os comitês camponeses, as cooperativas, as organizações da Juventude Comunista. Há, porém, o perigo de que, em determinadas condições, essas organizações se transformem em associações exclusivamente camponesas, sujeitas a um afastamento dos operários. A fim de que isso não ocorra, é necessário que a atividade dessas organizações tenham o seu centro de união nos Soviets, onde a direção dos camponeses pelos operários fica assegurada pela própria estrutura desses organismos. Por isso, reanimar os Soviets, agora, quando as organizações camponesas se multiplicam como cogumelos depois da chuva, é uma tarefa de importância fundamental.

Recentemente, na conferência das células rurais, convidei os camaradas a criticar sem rodeios os defeitos do trabalho do nosso Partido no campo.(2) Tal convite suscitou certo descontentamento. Isso deixa claro que há comunistas que temem a crítica, que não querem pôr a nu os defeitos do nosso trabalho. Isso é perigoso, camaradas. Direi mais: o medo à autocrítica ou à crítica feita pelos sem-partido é, no presente momento, a doença mais perigosa. Das duas uma: ou nós mesmos nos criticamos e permitimos aos sem-partido criticar o nosso trabalho, e nesse caso poderemos esperar que o nosso trabalho no campo progrida; ou não permitiremos essa crítica e, então, sofreremos a crítica dos acontecimentos, como ocorreu no caso das insurreições de Kronstadt, de Tambov e da Geórgia. Creio que a crítica da primeira espécie é preferível à da segunda. Por isso, não devemos temer a crítica nem dos membros do Partido, nem tampouco dos sem-partido.


Notas:

(1) Discurso no Pleno do C.C. do P.C. (b) da Rússia[N133]

(2) Vide o presente volume, págs. 260 a 261.(As Tarefas imediatas do Partido no Campo) (Nota do I.M.E.L.S.) (retornar ao texto)

[N133] O Pleno do C.C. do P.C. (b) da Rússia realizou-se a 25-27 de outubro de 1924, sob a direção de Stálin. Foram discutidos problemas econômicos e Molótov apresentou o Informe sobre as tarefas imediatas do Partido no campo. O Pleno aprovou a resolução «Sobre as tarefas imediatas do trabalho no campo», em que eram aplicadas as decisões do XIII Congresso, relativas ao trabalho no campo. (retornar ao texto)

 

pcr
Inclusão 19/07/2008