A luta contra a juventude

Leon Trótski

1936


Fonte: A Revolução Traída - O que é e para onde vai a URSS?, Edições Iskra, 2023, extraído do portal Esquerda Diário.

Tradução: Gabriele Almeida Monteiro.

HTML: Lucas Schweppenstette.


Introdução do Esquerda Diário

Na véspera dos 83 anos do assassinato de Leon Trótski por um agente a mando de Stálin, trazemos um trecho do capítulo “A Família, a Juventude e a Cultura” de seu último livro, “A Revolução Traída”, e ao final um Dossiê com quatro textos de Trótski com reflexões acerca da construção de uma juventude revolucionária. Durante sua vida, Trótski defendeu ferrenhamente o papel essencial da juventude na construção de um partido revolucionário bem como na edificação de uma sociedade socialista.


Em certo momento, Trótski disse “Pode-se até dizer que o caráter revolucionário de um partido pode ser julgado, em primeira instância, por sua capacidade de atrair os jovens da classe trabalhadora para suas bandeiras.”(1), em outro momento, que “A luta é a grande educadora da juventude”(2). Trótski compreendia a juventude como o setor mais dinâmico, mais audaz do partido e compreendia – bem como Lênin, Engels e todo o verdadeiro fio de continuidade do marxismo revolucionário – que “a geração que conquistou o poder, a ‘velha guarda’, começará a tarefa de liquidação do Estado; a geração seguinte a completará.”

Frente a atual conjuntura nacional de uma Frente Ampla com distintos bonapartismos em disputa, é essencial para uma juventude revolucionária resgatar as lições de Trótski sobre a necessidade de as organizações da IV Internacional polarizarem “a revolta instintiva da juventude contra a colaboração de classe”(3).

Sob a bandeira da IV Internacional e contra o Stalinismo e seu legado de burocratização que massacra a juventude, fazemos ecoar as palavras de Trótski: “Apenas o fresco entusiasmo e o espírito ofensivo da juventude podem assegurar os primeiros triunfos da luta, e somente ela trará de volta ao caminho da revolução os melhores elementos da velha geração. Sempre foi assim e assim será”(4).

Todo partido revolucionário encontra seu principal apoio na jovem geração da classe ascendente. A senilidade política é expressa na perda da capacidade de arrastar a juventude. Os partidos da democracia burguesa, na sua retirada sucessiva de cena, se veem obrigados a abandonar a juventude à revolução ou ao fascismo. O bolchevismo, na ilegalidade, foi sempre o partido dos jovens operários. Os mencheviques se apoiavam nos estratos superiores e mais maduros da classe operária, não sem disso tirar um certo orgulho e considerar com altivez os bolcheviques. Os acontecimentos mostraram implacavelmente seu erro: no momento decisivo, a juventude arrastou os estratos mais maduros e até os velhos.

A revolução imprimiu um formidável impulso às novas gerações soviéticas, arrancando-as, a um só golpe, dos costumes conservadores e revelando-lhes o grande segredo – o primeiro dos segredos da dialética –, de que não há nada eterno sobre a terra e que a sociedade é construída de materiais plásticos. Quão estúpida é a teoria da invariabilidade das raças à luz das experiências de nossa época! A URSS é um prodigioso forno onde se funde o caráter de dezenas de nacionalidades. O misticismo da “alma eslava” foi varrido como uma escória.

Mas o impulso recebido pelas jovens gerações ainda não se traduziu em uma obra histórica correspondente. É verdade que a juventude é muito ativa no âmbito econômico. A URSS conta com 7 milhões de operários menores de 23 anos – 3,14 milhões na indústria, 700 mil nas vias férreas e 700 mil nas oficinas. Nas novas fábricas gigantescas, os jovens operários constituem cerca de metade da mão de obra. As fazendas coletivas contam atualmente com 1,2 milhões de membros da Juventude Comunista. Centenas de milhares de membros desta organização foram mobilizados nos últimos anos para os estaleiros, as jazidas de carvão, as florestas, as minas de ouro, o Ártico, a Sacalina ou o rio Amur, onde se constrói a nova cidade de Komsomolsk(5). A nova geração fornece brigadas de choque, operários destacados, stakhanovistas, contramestres e administradores subalternos. Está estudando, e com aplicação na maioria dos casos. Ela é ainda mais ativa no domínio dos esportes mais ousados, como o atletismo, e dos mais belicosos, como o paraquedismo e o tiro. Empreendedores e destemidos se juntam em expedições perigosas de todos os tipos.

“A melhor parte da nossa juventude – disse recentemente Schmidt(6), o conhecido explorador das regiões polares – está pronta para trabalhar onde lhe esperam as dificuldades”. É, certamente, uma verdade. No entanto, em todos os domínios, a geração pós-revolucionária ainda está sob tutela. Eles são informados de cima o que devem fazer e como fazê-lo. A política, forma suprema de autoridade, fica inteiramente nas mãos da chamada “velha guarda” e, ao mesmo tempo que dirige a juventude com discursos cordiais, e às vezes bajuladores, guarda ciosamente o seu monopólio.

Como não concebia o desenvolvimento da sociedade socialista sem a agonia do Estado, isto é, sem a substituição de todas as instituições repressivas mediante a autoadministração dos produtores e dos consumidores, Engels atribuía o fim dessa tarefa à jovem geração “que crescerá sob as novas condições sociais de liberdade e se encontrará em condição de destruir todo o velho lixo do estatismo”. Lênin acrescenta: “(...) todo tipo de estatismo, incluindo o democrático-republicano”. Tal era, em suma, a ideia que Engels e Lênin tinham da perspectiva da construção da sociedade socialista: a geração que conquistou o poder, a “velha guarda”, começará a tarefa de liquidação do Estado; a geração seguinte a completará.

O que realmente acontece? Quarenta e três por cento da população da URSS nasceu após a Revolução de Outubro. Se o limite entre as duas gerações é fixado nos 23 anos, então mais de 50% da população soviética não atinge esse limite, de modo que mais da metade da população não tem a experiência pessoal de outro regime que não o dos sovietes. Mas, precisamente, essas jovens gerações não estão se formando nas “condições sociais de liberdade” que Engels concebia. Pelo contrário, formam-se sob o jugo intolerável e crescente da camada dirigente que, segundo a ficção oficial, fez a Revolução de Outubro. Na fábrica, na fazenda coletiva, no quartel, na universidade, na escola e até no jardim de infância, senão na creche, as principais virtudes declaradas para um homem são a fidelidade ao chefe e a obediência incondicional. Muitos dos aforismos pedagógicos dos últimos tempos poderiam ter sido copiados de Goebbels, se este próprio não os tivesse tirado, em grande parte, dos colaboradores de Stálin.

O ensino e a vida social dos estudantes estão profundamente impregnados de formalismo e hipocrisia. As crianças aprenderam a participar de numerosas reuniões terrivelmente tediosas, com sua inevitável presidência de honra, seus louvores em homenagem aos amados chefes, seus debates conformistas digeridos de antemão; reuniões nas quais, como nas dos adultos, se diz uma coisa e se pensa outra. Os círculos mais inocentes de estudantes, que tentam criar um oásis no meio deste deserto, se chocam com cruéis medidas de repressão. A GPU intervém na chamada “escola socialista” para introduzir, por meio da delação e da traição, um terrível elemento de corrupção. Os mais reflexivos dos pedagogos e dos autores de livros infantis, apesar de seu otimismo oficial, nem sempre conseguem esconder seu espanto diante da coerção, da hipocrisia e do tédio que oprimem a escola.

Desprovidas da experiência da luta de classes e da revolução, as jovens gerações só poderiam amadurecer para uma participação independente na vida social do país nas condições de uma democracia soviética, aplicando- -se conscientemente ao estudo das experiências do passado e das lições do presente. O pensamento e o caráter independente não podem se desenvolver sem crítica. No entanto, à juventude soviética é proibida a possibilidade mais elementar de mudar de ideia, cometer erros, verificar e corrigir erros próprios e alheios. Todas as questões, incluindo aquelas que lhe dizem respeito, são resolvidas sem a sua participação. Não lhe permitem mais que executar as decisões e glorificar os que as tomaram. A cada palavra crítica, a burocracia responde torcendo o pescoço daquele que a pronunciou. Tudo o que a juventude tem de insubmissão e de excepcional é sistematicamente reprimido, eliminado ou fisicamente exterminado. Só assim se compreende o fato de, entre milhões e milhões de membros da Juventude Comunista, não se ter formado uma única figura notável.

Ao lançar-se na engenharia, nas ciências, na literatura, nos esportes ou no xadrez, a juventude parece fazer seu aprendizado para futuras grandes empresas. Em todas essas esferas, rivaliza com a mal preparada velha geração, a alcança e a supera em muitas ocasiões. No entanto, a cada contato com a política, ela se queima. Em consequência, restam-lhe três possibilidades: assimilar-se à burocracia e fazer carreira; submeter-se em silêncio, concentrar-se no trabalho econômico, científico, ou na sua pequena vida privada; ou, finalmente, lançar-se à ilegalidade, aprender a combater e temperar seu caráter para o futuro. A carreira burocrática está aberta apenas a uma pequena minoria. No outro polo, uma pequena minoria entra na Oposição. O grupo intermediário – a esmagadora maioria – é, por sua vez, muito heterogêneo. Mas neste, sob a opressão ferrenha, realizam-se processos extremamente significativos que, embora ocultos, terão grande importância para determinar o futuro da URSS.

As tendências ascéticas da época da guerra civil cederam lugar, no período da NEP, a estados de espírito mais epicuristas, para não dizer mais ávidos de prazer. O primeiro período quinquenal foi ainda de um ascetismo involuntário, mas apenas para as massas e a juventude: os estratos dirigentes já haviam conseguido instalar-se em posições de bem-estar pessoal. O segundo período quinquenal é permeado, sem dúvida, por uma reação aguda contra o ascetismo. A preocupação com o desenvolvimento pessoal conquistou a população de conjunto, sobretudo os jovens. No entanto, o fato é que na nova geração soviética o bem-estar e a prosperidade são acessíveis apenas a uma pequena camada que consegue elevar-se acima das massas e, de uma forma ou de outra, acomodar-se nos estratos dirigentes. Por sua vez, a burocracia conscientemente forma e seleciona seus funcionários e carreiristas.

Disse o principal orador do Congresso da Juventude Comunista em abril de 1936: “A juventude soviética ignora o desejo de enriquecer, a mesquinhez, o egoísmo pequeno-burguês”. Essas palavras soam evidentemente discordantes diante da palavra de ordem dominante na atualidade: “comodidade e boa vida”, diante dos métodos de trabalho por produção, dos prêmios e condecorações. O socialismo não é ascético. Ao contrário, opõe-se profundamente ao ascetismo cristão, assim como a toda religião, pela sua relação com este mundo e nada mais do que ele. No entanto, o socialismo tem sua hierarquia de valores terrenos. A personalidade humana não começa, para o socialismo, na preocupação por uma vida cômoda, mas sim quando termina essa preocupação, porém, nenhuma geração pode saltar sobre sua própria cabeça. Todo o movimento stakhanovista, por enquanto, está fundado sobre o “egoísmo vulgar”. A própria medida do seu êxito, que é o número de calças e de gravatas obtidas com o trabalho, não testemunha nada mais que a “mesquinhez filisteia”. Admitamos que essa fase histórica seja necessária. Bem, mas então é necessário vê-la como ela é. O restabelecimento das relações comerciais abre, indiscutivelmente, a possibilidade de um crescimento considerável da prosperidade individual. Se os jovens soviéticos querem ser engenheiros, não é porque a construção socialista os seduza, mas porque os engenheiros são muito mais bem pagos que os médicos ou os professores. Quando tendências dessa espécie surgem numa atmosfera de opressão espiritual e de reação ideológica, enquanto os dirigentes desencadeiam conscientemente, do alto, instintos carreiristas, a formação do que se denomina “cultura socialista”, muitas vezes acaba por ser a educação no espírito do egoísmo antissocial mais extremo.

No entanto, seria caluniar grosseiramente a juventude soviética retratá-la como dominada exclusiva, ou principalmente, por interesses pessoais. Não, em seu conjunto ela é generosa, intuitiva e empreendedora. As cores do carreirismo apenas tingem de cima sua superfície, mas em suas profundezas vivem várias tendências, muitas vezes informes, fundamentadas em um heroísmo que aguarda utilização. É sobre esses estados de ânimo em particular que o novo patriotismo soviético é nutrido. Este é certamente muito profundo, sincero e dinâmico, mas nele também existe uma brecha que separa o jovem do velho.

Os jovens e saudáveis pulmões acham insuportável respirar na atmosfera de hipocrisia inseparável do Termidor, isto é, da reação que ainda se vê obrigada a vestir-se com as roupas da revolução. O contraste vívido entre os cartazes socialistas e a realidade viva estraga a confiança nos cânones oficiais. Uma parcela considerável dos jovens tem orgulho de sua atitude desdenhosa em relação à política, da grosseria em suas maneiras. Em muitos casos, provavelmente na maioria deles, a indiferença ou o cinismo nada mais são do que as formas primitivas do descontentamento e do desejo contido de caminhar com seus próprios pés. A expulsão da Juventude Comunista e do Partido, a prisão e o exílio de centenas de milhares de jovens “guardas brancos”* e “oportunistas”, de um lado, e “bolcheviques-leninistas”, de outro, comprovam que as fontes da oposição política consciente, de direita e de esquerda, não estão esgotadas. Pelo contrário, elas surgiram com nova força nos últimos dois ou três anos. Por fim, os mais impacientes, os mais ardentes e os menos equilibrados, feridos em seus sentimentos ou interesses, voltam- -se para a vingança terrorista. Esse é, basicamente, o espectro dos estados de ânimo políticos na juventude soviética.

A história do terrorismo individual na URSS indica claramente os estágios da evolução geral do país. No alvorecer do poder dos sovietes, ambientado na guerra civil, os Brancos e os Social Revolucionários* organizaram atentados terroristas. Quando as antigas classes possuidoras perderam toda a esperança de restauração, o terrorismo cessou. Os atentados dos camponeses ricos, cujos ecos se prolongaram até agora, sempre tiveram um caráter local e complementaram a guerra de guerrilha contra o regime soviético. Quanto à recente explosão de terrorismo, esta não se apoia nem nas antigas classes dirigentes nem nos camponeses ricos. Os terroristas da última geração são recrutados exclusivamente entre a juventude, na Juventude Comunista e no Partido, com frequência até entre os filhos dos estratos dirigentes(7). Embora completamente incapaz de resolver os problemas que se propõe, o terrorismo individual tem, no entanto, uma importante significação sintomática, pois caracteriza a aguda contradição entre a burocracia e as vastas massas populares, especialmente na juventude.

Tomados juntamente - os riscos econômicos, o paraquedismo, as expedições polares, a indiferença proeminente, a “romantização do vandalismo”, o estado de ânimo terrorista e os atos terroristas individuais –, tudo isso prepara uma explosão de descontentamento da geração mais jovem contra a insuportável tutela dos velhos. Sem dúvida, uma guerra poderia servir de válvula de escape para os vapores acumulados desse descontentamento, mas não por muito tempo. Em uma guerra, a juventude rapidamente adquiriria a fortaleza dos combatentes e a autoridade da qual, infelizmente, carece hoje. Ao mesmo tempo, a autoridade dos “velhos” sofreria um dano irreparável. Na melhor das hipóteses, uma guerra não concederia à burocracia mais do que uma certa moratória. O conflito político resultante seria muito mais agudo.

Naturalmente, é claro, seria unilateral limitar os problemas da URSS aos das duas gerações. Entre os velhos, a burocracia conta com não poucos inimigos declarados ou ocultos, assim como há centenas de milhares de completos bajuladores entre os jovens. Mas de qualquer parte que venha o ataque contra as posições das camadas dirigentes, da direita ou da esquerda, os atacantes recrutarão suas forças principais entre a juventude asfixiada, descontente e privada de direitos políticos. A burocracia compreende isso perfeitamente, pois possui em geral uma requintada sensibilidade para tudo o que ameaça a sua posição dominante. Naturalmente, na tentativa de consolidar antecipadamente suas posições, ela ergue suas trincheiras e fortificações de cimento principalmente contra a geração jovem.

Em abril de 1936, como já mencionamos, se reuniu no Kremlin o X Congresso da Juventude Comunista. Naturalmente, ninguém se preocupou em explicar por que, ao contrário dos estatutos, esse Congresso não se reunia há cinco anos. Pelo contrário, imediatamente se compreendeu que, selecionado e filtrado com o maior cuidado, o congresso foi convocado com o propósito de uma expropriação política da juventude: de acordo com seus novos estatutos, a Juventude Comunista perderia, agora inclusive juridicamente, o direito de participar da vida social do país. A formação cultural e a educação são, a partir de agora, suas únicas esferas de ação. O secretário-geral da Juventude Comunista declarou por ordens de seus superiores: “Devemos (...) parar de conversar sobre o planejamento industrial e financeiro, sobre a redução dos custos de produção, o equilíbrio das contas, o plantio de culturas e outros problemas importantes do Estado, como se fôssemos decidi-los”.

O país inteiro poderia repetir essas últimas palavras: “Como se fôssemos decidi-los!”. A ordem arrogante “parar de conversar”, que não suscitou neste Congresso extremamente submisso nenhum entusiasmo, parece ainda mais assombrosa considerando a lei soviética que delimita a maioridade política aos 18 anos, concedendo a partir dessa idade o direito de voto aos jovens todos os sexos. E sendo o limite de idade dos jovens comunistas, segundo os antigos estatutos, de 23 anos, um terço dos membros da organização eram maiores. Este último congresso executou duas reformas simultâneas: legalizou a participação dos adultos na Juventude Comunista, aumentando assim o número de eleitores nesta; e ao mesmo tempo privou a organização do direito de se intrometer na esfera, não só da política geral – da qual não pode haver dúvida alguma! –, mas, além disso, dos problemas correntes da economia. O aumento do limite de idade foi ditado pelo fato de que a passagem entre o Komsomol e o Partido, anteriormente um processo quase automático, agora se tornou extremamente difícil. Essa supressão dos últimos restos de direitos políticos, e mesmo de sua simples aparência, se deve a uma vontade de submeter, completa e definitivamente, a Juventude Comunista ao Partido bem purificado. Ambas as medidas, evidentemente contraditórias, têm a mesma causa: o medo que a jovem geração inspira à burocracia.

Os oradores no Congresso, que segundo suas próprias confissões estavam realizando expressamente as instruções de Stálin – que havia dado essas advertências a fim de evitar de antemão a própria possibilidade do debate –, explicaram o objetivo da reforma com uma franqueza bastante assombrosa: “Não temos necessidade de um segundo partido”. Isso era reconhecer que, segundo a opinião dos dirigentes da Juventude Comunista, se não fosse estrangulado definitivamente, o Komsomol ameaçava converter-se em um segundo partido. E, como se tivesse o propósito de definir aquelas possíveis tendências, outro orador acrescentou esta advertência: “Em seu tempo, não foi outro senão Trótski que tratou de inculcar à juventude, com a qual flertava por demagogia, a ideia antileninista e antibolchevique de um segundo partido” etc. A alusão histórica do orador contém um anacronismo: na realidade, Trótski, “em seu momento”, limitou-se a advertir que uma burocratização posterior do regime provocaria inevitavelmente a ruptura com os jovens, e produziria o perigo de um segundo partido. Pouco importa. O curso dos acontecimentos, ao confirmar esse aviso, transformou isso em um programa. O partido degenerado só conserva seu poder de atração para os carreiristas. Os jovens e as jovens honestos e pensantes não podem deixar de sentir-se enojados com o servilismo bizantino, a falsa retórica que cobre os privilégios e a arbitrariedade, a tagarelice dos burocratas medíocres acostumados a louvar uns aos outros, e com todos esses marechais que, como não podem agarrar as estrelas do céu, colam-nas em seus próprios corpos por toda parte(8). Portanto, não se trata mais de uma questão de “perigo” de um segundo partido, como era há doze ou treze anos, mas de sua necessidade histórica como o único poder capaz de fazer avançar a causa da Revolução de Outubro. A modificação dos estatutos da Juventude Comunista, ainda que reforçada por novas medidas policiais, não poderá, é claro, pôr fim ao amadurecimento político da juventude nem impedirá seu enfrentamento hostil à burocracia.

Que caminho a juventude tomará em caso de grandes convulsões políticas? Sob quais bandeiras ela reunirá suas fileiras? Ninguém pode, nesses momentos, dar uma resposta segura a essas perguntas, e muito menos a própria juventude. Tendências contraditórias atravessam sua consciência. Em última instância, serão os eventos históricos de importância mundial que determinarão a massa principal a se pronunciar: guerra, novos êxitos do fascismo ou, ao contrário, vitória da revolução proletária no Ocidente. Em todo caso, a burocracia se convencerá de que essa juventude privada de direitos constitui um fardo histórico com um poderoso poder explosivo.

Em 1894, a autocracia russa, pela boca do jovem tsar Nicolau II, respondia aos membros dos governos locais, que sonhavam timidamente em ser admitidos na vida política, com as famosas palavras: “Sonhos sem sentido!”. Em 1936, a burocracia responde às aspirações ainda confusas da jovem geração soviética com a ordem brutal de “parar de conversar!”. Essas palavras também entrarão na história. O regime stalinista não pagará por elas menos do que pagou o regime à frente do qual estava Nicolau II.


Notas de rodapé:

(1) “Para a conferência da Liga da Juventude Socialista”, texto disponível no dossiê ao final dessa publicação. (retornar ao texto)

(2) Os bolcheviques-leninistas e a organização da juventude revolucionária. In: O programa de transição e outros documentos da IV Internacional. Edições Iskra, p. 203. retornar ao texto)

(3) Os bolcheviques-leninistas e a organização da juventude revolucionária. In: O programa de transição e outros documentos da IV Internacional. Edições Iskra, p. 202. (retornar ao texto)

(4) A agonia do capitalismo e as tarefas da IV Internacional. In: O Programa de Transição e outros documentos da IV Internacional. Edições Iskra, p. 77. (retornar ao texto)

(5) Literalmente, em russo, “cidade da Juventude Comunista”. A cidade situada na costa esquerda do rio Amur, no Extremo Oriente russo, foi fundada em 1932 e se tornou, sob a direção da Juventude Comunista, um importante centro industrial. (retornar ao texto)

(6) Otto Yulyevich Schmidt (1891-1956): cientista soviético, matemático, astrônomo, geofísico, político, acadêmico, membro do Partido Comunista; condecorado herói da URSS (27 de junho de 1937) .retornar ao texto)

(7) Depois da crise que ocasionou a coletivização forçada e com os primeiros progressos da economia soviética, foram vislumbradas agudas desigualdades que despertaram o descontentamento social e uma nova crise política da casta governante. Essa crise ficou evidente quando, no XVIII Congresso do PCUS, em 1934, Stálin saiu em último lugar da lista, resultado da votação secreta para a eleição do Comitê Central. Sob o regime opressivo da burocracia stalinista, a juventude foi a expressão ativa do mal-estar social. Elementos isolados tomaram o rumo do terrorismo individual, mas a maioria se orientou para a Oposição de Esquerda. Isaac Deutscher estima que, das 40 mil pessoas expulsas do Partido e das outras muitas expulsas da Juventude no final de 1935, acusadas em sua maioria de serem trotskistas e zinovievistas, pode se considerar a metade ou um terço como oposicionistas autênticos (El profeta desterrado, México D.F., Era, 1975, p. 300). Leon Trótski, em seu artigo “Acerca de la sección soviética de la Cuarta Internacional”, escreve que o total de expulsos das fileiras do Partido supera os 200 mil, divididos em seis grupos, dos quais os “trotskistas” são o primeiro. Com base em distintos informes publicados na imprensa soviética, Trótski calcula que havia cerca de 25 mil simpatizantes da Oposição de Esquerda; de conjunto, conformava a emergência de uma vanguarda revolucionária de centenas de milhares. (retornar ao texto)

(8) A frase “ele não agarra as estrelas do céu” é uma maneira proverbial de dizer que o homem é medíocre. [Nota de Max Eastman] (retornar ao texto)

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Inclusão: 27/01/2024