Novamente e uma Vez Mais, Sobre a Natureza da URSS

Leon Trotsky

18 de Outubro de 1939

logotipo

Primeira Edição: Leon Trotsky, In Defense of Marxism, New York 1942.
Fonte: "Em Defesa do Marxismo", publicação da Editora "Proposta Editorial"
Direitos de Reprodução: © Editora Proposta Editorial. Agradeçemos a Valfrido Lima pela autorização concedida.


Psicanálise e marxismo

Alguns camaradas, ou ex-camaradas, como Bruno R., tendo esquecido as discussões e decisões anteriores da Quarta Internacional, tentam explicar minha análise pessoal sobre o Estado soviético, recorrendo à psicanálise: "Uma vez que Trotski participou da Revolução Russa, é difícil que abandone a idéia de Estado operário, porque teria que renunciar à causa de toda sua vida". Creio que o velho Freud, que era muito perspicaz, teria dado um grande puxão de orelhas nestas espécies de psicanalistas. Naturalmente, não me atreveria a fazer o mesmo. No entanto, atrevo-me a assegurar aos meus críticos, que o subjetivismo e o sentimentalismo estão neles, e não em mim.

A conduta de Moscou, que superou os limites da degradação e do cinismo, provoca facilmente a repugnância em todo proletário revolucionário. A repugnância engendra a necessidade de repulsa. Quando se carece de força para a ação imediata, os revolucionários impacientes tendem a recorrerem a métodos artificiais. Surge assim, por exemplo, a tática do terrorismo individual. Mais freqüentemente, se recorre a expressões fortes, aos insultos, às imprecações. No presente caso, alguns camaradas se inclinam, abertamente, a buscar compensação através do terror "terminológico". Porém, ainda a partir deste ponto de vista, o simples fato de qualificar a burocracia como classe não tem valor. Se a canalha bonapartista é uma classe, isto significa que não é um aborto, mas uma criatura viável na história. Se seu parasitismo saqueador é "exploração", no sentido cientifico da palavra isto significa que a burocracia possui um futuro histórico como classe dirigente indispensável de um dado sistema econômico. Aqui está o ponto final, para o qual se dirigem os impacientes impugnadores, quando cortam suas amarras com a disciplina marxista!

Quando um mecânico emotivo examina um automóvel, no qual alguns bandidos tenham fugido da polícia, através de uma estrada em más condições, e encontra a carroceria destroçada, as rodas descentradas e o motor parcialmente danificado, poderia exclamar, com razão: "Isto não é um automóvel, só o diabo saberá o que é isto!" Tal apreciação, careceria de todo valor técnico e científico, mas expressaria a legítima reação do mecânico diante da obra dos bandidos. No entanto, suponhamos que este mesmo mecânico deva recondicionar o objeto que foi denominado de "só o diabo saberá o que é isso!" Neste caso, começará por reconhecer que tem diante de si um automóvel estropiado. Determinará quais as partes que ainda servem e quais as que estão irrecuperáveis, para assim decidir por onde começará o trabalho. Frente à URSS, um operário com consciência de classe terá uma atitude semelhante. Tem todo o direito de dizer que os bandidos da burocracia transformaram o Estado operário em algo que "só o diabo saberá dizer o que é isso". Porém, quando passa de sua reação explosiva para a solução de problema político, vê-se obrigado a reconhecer que tem diante de si um Estado operário estropiado, cujo motor econômico está danificado, mas ainda continua funcionando, e que pode ser completamente recondicionado com a substituição de algumas peças. Lógico, que isso tudo não é nada mais do que uma analogia. No entanto, vale a pena refletir sobre ela.

"Um Estado operário contra-revolucionário"

Algumas vezes exclamam:

"Se continuarmos a reconhecer a URSS como Estado operário, devemos estabelecer uma nova categoria: o Estado operário contra-revolucionário."

Este argumento tenta impressionar nossa imaginação, mediante a oposição de uma boa norma programática à uma realidade miserável, ruim e até repugnante. Porém, não estivemos observando, dia após dia, desde 1923, como o Estado soviético jogou um papel cada vez mais contra-revolucionário no campo internacional? Esquecemos a experiência da Revolução Chinesa, da greve geral de 1926 na Inglaterra, e finalmente, a muito recente experiência da Revolução Espanhola? Existem duas Internacionais operárias completamente contra-revolucionárias. Estes críticos, aparentemente, esquecem esta "categoria". Os sindicatos da França, Inglaterra, Estados Unidos e outros países, apóiam totalmente a política contra-revolucionária de suas burguesias. Tal coisa não nos impede de chamá-los de sindicatos, apoiar seus passos progressivos e defendê-los contra a burguesia. Por que é impossível se empregar o mesmo método com o Estado operário contra-revolucionário? Em última análise, um Estado operário é um sindicato que conquistou o poder. A atitude diferenciada ante um e outro, se explica pelo simples fato de que os sindicatos têm uma longa história e estamos acostumados a considerá-los como realidades e não simplesmente como "categorias" de nosso programa. Porém, no que diz respeito ao Estado operário, ficou demonstrado que existe incapacidade para aprender a se aproximar dele, considerando-o um fato histórico real que não está subordinado ao nosso programa.

"Imperialismo?"

Pode-se qualificar de imperialista a atual expansão do Kremlin? Em primeiro lugar, devemos estabelecer qual é o conteúdo social deste termo. A história conheceu o "imperialismo" do Estado romano, baseado no trabalho escravo, o imperialismo da propriedade feudal da terra, o imperialismo do capital industrial e comercial, o imperialismo da monarquia czarista etc. Sem dúvidas, a força propulsora da burocracia de Moscou é a tendência em expandir seu poder, seu prestígio, seus investimentos. No sentido amplo da palavra, este é o elemento de "imperialismo", que no passado era próprio de todas as monarquias, castas dirigentes, Estados e classes medievais. No entanto, na literatura contemporânea, pelo menos na literatura marxista, se entende por imperialismo a política expansionista do capital financeiro, que possui um conteúdo econômico perfeitamente definido. Utilizar a palavra "imperialismo" para a política externa do Kremlin - sem esclarecer perfeitamente o que significa - equivale, simplesmente, a identificar a política da burocracia bonapartista com a política do capitalismo monopolista, baseados no fato de que tanto uma como a outra utilizam sua força militar para a expansão. Semelhante identificação, capaz unicamente de semear a confusão, é muito mais própria de democratas pequeno-burgueses do que de marxistas.

Continuação da política do imperialismo czarista

O Kremlin participa de uma nova divisão da Polônia, o Kremlin se apodera dos Estados bálticos, o Kremlin se dirige para os Bálcãs, a Pérsia e o Afeganistão; em outras palavras, o Kremlin continua a política do imperialismo czarista. Será que também neste caso temos o direito de qualificar de imperialista a política do Kremlin? Este argumento histórico-geográfico não é mais convincente do que qualquer um dos outros. A revolução proletária que se produziu no território do império czarista, tentou desde o seu início, conquistar — e durante muito tempo conquistou — os países bálticos; tentou penetrar a Romênia e a Pérsia e em certo momento, dirigiu seus exércitos para Varsóvia (1920). As linhas da expansão revolucionária foram semelhantes às do czarismo, uma vez que a revolução não modifica as condições geográficas. Por isso, precisamente já naquela época, os mencheviques falaram de imperialismo bolchevique, como calcado nas tradições da diplomacia czarista. A democracia pequeno-burguesa recorre, ainda hoje em dia, e de bom grado, a este argumento. Nisto, repito eu, não temos 'motivo algum para imitá-la.

Agente do imperialismo?

No entanto, além da forma de se apreciar a política expansionista da própria URSS, subsiste a questão da ajuda que Moscou proporciona à política imperialista de Berlim. Antes de mais nada, é necessário estabelecer aqui, que em determinadas condições — e até certo grau e certa forma — o apoio a este ou aquele imperialismo seria inevitável mesmo para um Estado operário completamente são, devido à impossibilidade que teria para romper as cadeias das relações imperialistas mundiais. Sem sombra de dúvidas, a paz de Brest-Litovski fortaleceu temporariamente o imperialismo alemão contra a França e a Inglaterra. Um Estado operário isolado não pode deixar de manobrar entre os campos imperialistas hostis. Manobrar, significa apoiar temporariamente, um deles contra os outros. Saber exatamente qual dos dois campos é o mais conveniente ou menos perigoso de se apoiar em determinado momento, não é uma questão de princípios, mas de cálculos e previsão práticas. A inevitável desvantagem que se engendra como conseqüência deste apoio limitado a um Estado burguês em contraposição a um outro, está mais do que compensada pelo fato de que, dessa forma, dá-se ao Estado operário a possibilidade de continuar sua existência.

Mas existem manobras e manobras. Em Brest-Litovski, o governo sacrificou a independência nacional da Ucrânia a fim de salvar o Estado operário. Ninguém podia falar de traição em relação à Ucrânia, pois todos os operários com consciência de classe compreenderam o caráter obrigatório deste sacrifício. Na Polônia, a coisa é completamente diferente. O Kremlin nunca e em nenhuma parte, apresentou a questão como se tivesse sido obrigado a sacrificar a Polônia. Ao contrário, se vangloriava cinicamente de sua união, que afronta legitimamente os sentimentos democráticos mais elementares das classes e povos oprimidos de todo o mundo, e assim debilita extremamente a situação internacional da União Soviética. As transformações econômicas das províncias ocupadas não compensam esse fato nem em sua décima parte!

No geral, toda a política do Kremlin está baseada em uma idealização canalha do imperialismo "amigo" e dessa forma sacrifica os interesses fundamentais do movimento operário mundial em troca de vantagens instáveis e secundárias. Após ter enganado os trabalhadores durante cinco anos com palavras-de-ordem pela "defesa das democracias", agora Moscou está ocupado em justificar a política de pilhagem de Hitler. Em si mesmo, tal coisa ainda não transforma a URSS em um Estado imperialista. Porém, não existem dúvidas de que Stalin e seu Comintern são atualmente, os agentes mais valiosos do imperialismo.

Se queremos definir exatamente a política exterior do Kremlin, devemos dizer que é a política da burocracia bonapartista de um Estado operário degenerado rodeado por um cerco imperialista. Esta definição não é tão breve ou sonora como a de "política imperialista", mas em troca, é mais precisa.

"O mal menor"

Claro que a ocupação da Polônia oriental pelo Exército Vermelho é um "mal menor" em comparação com a ocupação deste mesmo território pelas tropas nazistas. Porém, este mal menor foi conseguido porque se assegurou a Hitler a conquista de um mal maior. Se alguém incendiar uma casa e depois salvar cinco ou dez de seus ocupantes a fim de convertê-los em semi-escravos, naturalmente que isso é um mal menor se comparado com a possibilidade de queimar todos eles. Porém, é duvidoso que este incendiário mereça uma medalha pelo salvamento. Se apesar de tudo, ele receber uma medalha, teria que ser imediatamente fuzilado, como no caso do herói de uma das novelas de Victor Hugo.

"Missionários armados"

Uma vez, Robespierre disse que o povo não gosta de missionários com baionetas. Com isso, queria dizer que é impossível impor idéias e instituições revolucionárias sobre outros povos, mediante a violência militar. Logicamente, esta idéia, correta, não significa que seja inadmissível a intervenção militar em outros países, com o objetivo de cooperar com uma revolução.

Mas tal intervenção – como parte de uma política internacional revolucionária – deve ser entendida pelo proletariado internacional, deve corresponder aos desejos das massas revolucionárias em cujo território as tropas revolucionárias vão entrar. A teoria do socialismo num só país não pode, naturalmente, criar esta solidariedade internacional ativa, que é a única capaz de preparar e justificar a intervenção armada; O Kremlin coloca e resolve o problema da intervenção militar, como todas as demais questões de sua política, ou seja, de forma absolutamente independente das idéias e sentimentos da classe operária internacional. Por isso, os recentes "êxitos" diplomáticos do Kremlin comprometem de forma monstruosa a URSS e introduzem uma grande confusão nas fileiras do proletariado mundial.

Insurreição em duas frentes

Porém, a questão se coloca desta forma - dizem alguns camaradas: Não é mais correto chamar os operários e camponeses de ambas as partes da Polônia anterior a se levantarem contra Hitler e contra Stalin? Naturalmente que isto é bem mais atraente. Se a revolução tivesse surgido simultaneamente na Alemanha e na URSS, incluindo as províncias recentemente ocupadas, isto resolveria muitas questões de uma só vez. Porém, nossa política não pode se basear unicamente na combinação de circunstâncias mais favoráveis e felizes. O problema é colocado assim: O que fazer se Hitler, antes de ser derrotado pela revolução, atacar a Ucrânia antes que a revolução tenha derrotado Stalin? Neste caso, os partidários da Quarta Internacional lutarão contra as tropas de Hitler, como lutaram na Espanha nas fileiras republicanas, contra Franco? Com muita firmeza, e de todo coração, estamos a favor de uma Ucrânia Soviética independente (tanto de Hitler como de Stalin). Porém, que fazer se antes de ter obtido esta independência, Hitler tentar se apoderar da Ucrânia, que está sob o domínio da burocracia stalinista? A Quarta Internacional responde: defenderemos esta Ucrânia escravizada por Stalin contra Hitler.

“Defesa incondicional da URSS”

O que significa dizer defesa "incondicional" da URSS? Quer dizer que não impomos nenhuma condição à burocracia. Quer dizer que, independentemente do motivo e das causas da guerra, defendemos as bases sociais da URSS, se esta for ameaçada pelo imperialismo.

Alguns camaradas dizem: "E se amanhã o Exército Vermelho invadir a Índia e começar a esmagar um movimento revolucionário local? Neste caso, apoiaremos o Exército Vermelho?" Essa forma de colocar o problema, é absolutamente inconsistente. Acima de tudo, não está claro porque diz respeito à Índia. Não seria mais simples perguntar: Se o Exército Vermelho ameaçar as greves operárias ou os protestos dos camponeses contra a burocracia na URSS, nós o apoiaremos ou não? A política externa é a continuação da política interna. Jamais prometemos apoiar todas as ações do Exército Vermelho, que é um instrumento nas mãos da burocracia bonapartista. Prometemos, unicamente, defender a URSS como Estado operário e, exclusivamente, aquelas coisas internas que ela contém, que pertencem a um Estado operário.

Um hábil casuísta poderia dizer: Se o Exército Vermelho, independentemente do “trabalho” que realiza, é derrotado pelas massas insurrectas da Índia, tal coisa debilitará a URSS. Nós responderemos: a derrota de um movimento revolucionário na Índia, com a cooperação do Exército Vermelho, significa um perigo incomparavelmente maior para as bases socialistas da URSS do que uma derrota episódica dos destacamentos contra-revolucionários do Exército Vermelho na Índia. Em cada caso, a Quarta Internacional saberá distinguir onde e como o Exército Vermelho está atuando exclusivamente como instrumento da reação bonapartista e onde defende as bases sociais da URSS.

Um sindicato dirigido por burocratas reacionários, organiza uma greve contra a admissão de operários negros em um determinado ramo da indústria. Apoiaremos uma greve tão vergonhosa? Naturalmente que não. Porém, imaginemos que os patrões, utilizando tal greve, tentem derrotar o sindicato e impossibilitar, no geral, a defesa organizada dos trabalhadores. Neste caso, logicamente, defenderemos o sindicato, apesar de sua direção reacionária. Por que esta mesma política não pode ser aplicada à URSS?

Uma regra fundamental

A Quarta Internacional colocou claramente que em todos os países imperialistas, independentemente se estão aliados à URSS ou a um campo hostil a ela, os partidos proletários devem desenvolver durante a guerra a luta de classes, com o propósito de tomar o poder. Ao mesmo tempo, o proletariado dos países imperialistas não deve perder de vista os interesses da defesa da URSS (ou os das revoluções coloniais) e, em caso de extrema necessidade, recorrer às ações mais decisivas, como por exemplo, greves, atos de sabotagem etc. Desde a época em que a Quarta Internacional formulou esta regra, as combinações das forças mudaram radicalmente. Porém, esta mesma regra conserva toda a sua validade. Se amanhã, a Inglaterra e a França ameaçarem Moscou ou Leningrado, os operários ingleses e franceses devem tomar medidas firmes a fim de impedir o envio de soldados e equipamentos militares. Se, pela lógica, Hitler for obrigado a enviar ajuda militar a Stalin, os operários alemães, ao contrário, não terão nenhuma razão, neste caso concreto, para recorrer a greves ou sabotagens. Ninguém, espero, proporá qualquer outra solução.

"Revisão do marxismo?"

Evidentemente, alguns camaradas se surpreenderam porque em meu artigo ("A URSS e a guerra"), eu falo de "coletivismo burocrático" como uma possibilidade teórica. Inclusive, descobriram neste fato, uma completa revisão do marxismo. Estão terrivelmente equivocados. A compreensão marxista da necessidade histórica não possui nada em comum com o fatalismo. O socialismo não se realiza "por si mesmo", mas como resultado da luta de forças vivas: as classes e seus partidos. Nesta luta, a vantagem decisiva do proletariado reside no fato de que ele representa o progresso histórico, enquanto que a burguesia encarna a reação e a decadência. É exatamente nisso que se encontra a fonte de nossa convicção na vitória. Porém, temos todo o direito de perguntar: que caráter a sociedade adquirirá caso triunfem as forças da reação?

Os marxistas formularam um número incalculável de vezes a alternativa: ou o socialismo ou o retomo à barbárie. Após a "experiência" italiana, repetimos mil vezes: ou o comunismo ou o fascismo. O verdadeiro trânsito ao socialismo não pode deixar de se apresentar incomparavelmente mais complicado, heterogêneo e contraditório do que o previsto no esquema histórico geral. Marx falou sobre a ditadura do proletariado e sua progressiva desaparição; porém não disse nada sobre a degeneração burocrática da ditadura. Pela primeira vez, na prática, analisamos e observamos uma degeneração semelhante.

Tal coisa é uma revisão do marxismo?

A marcha dos acontecimentos conseguiu demonstrar que o atraso da revolução socialista engendra o indiscutível fenômeno da barbárie: desemprego crônico, pauperização da pequena-burguesia, fascismo e finalmente, guerras de extermínio que não abrem nenhum caminho novo. Que tipo de formas sociais e políticas a nova "barbárie" pode tomar, se admitimos teoricamente, que a humanidade não será capaz de alcançar o socialismo? Sobre este tema, temos a possibilidade de nos expressar mais concretamente do que Marx. Por um lado o fascismo, e por outro a degeneração do Estado soviético, esboçam as formas sociais e políticas de uma neo-barbárie. Uma alternativa desta espécie — socialismo ou servidão totalitária — tem um interesse não só teórico, mas também uma enorme importância para a agitação, porque a partir dela, a necessidade da revolução socialista aparece de forma muito mais clara.

Se falamos de uma revisão de Marx, na verdade falamos da revisão daqueles camaradas que projetam um novo tipo de Estado, "não-burguês" e "não-operário". Como a alternativa que desenvolvi faz com que seus pensamentos sejam conduzidos a uma conclusão lógica, alguns desses críticos, assustados diante das conclusões de suas próprias teorias, me acusam de... revisar o marxismo. Prefiro pensar que se trata simplesmente de uma brincadeira amistosa.

O direito ao otimismo revolucionário

Esforcei-me para demonstrar em meu artigo "A URSS na guerra", que a perspectiva de uma sociedade de exploração não-operária e não-burguesa, o "coletivismo burocrático", é a perspectiva de uma completa derrota e da decadência do proletariado internacional, a perspectiva do mais profundo pessimismo histórico. Existem razões reais para semelhante perspectiva? Não será supérfluo investigar entre nossos inimigos de classe.

No semanário do conhecido diário Paris-Soir, de 31 de agosto de 1939, aparece uma conversa extremamente instrutiva, entre o embaixador francês Coulondre e Hitler, mantida no dia 25 de agosto, por ocasião de sua última entrevista (a fonte da informação é sem dúvidas, o próprio Coulondre). Hitler fanfaroneia, se vangloria do pacto que concluíra com Stalin ("um pacto realista") e "lamenta" que o sangue francês e alemão tenham que ser derramados.

"Porém - objeta Coulondre - Stalin abusou do jogo duplo. O verdadeiro vencedor (em caso de guerra) será Trotski. Você já pensou nisso?"

"Sei - respondeu o Führer. Mas, por que a França e Inglaterra deram completa liberdade de ação à Polônia?" etc.

Estes cavalheiros gostam de dar ao espectro da revolução, um nome próprio. Porém, logicamente, isto não é o essencial desta dramática conversa, no momento mesmo em que se interrompiam as relações diplomáticas. "A guerra provocará, inevitavelmente, a revolução", o representante da democracia imperialista, pasmado ele próprio até a medula, amedronta seu adversário.

"Eu sei - responde Hitler, como se tratasse de uma questão há muito decidida - Eu sei."

Que diálogo assombroso!

Ambos, Coulondre e Hitler, representam a barbárie que avança sobre a Europa. Ao mesmo tempo, nenhum dos dois duvida do fato de que sua barbárie será vencida pela revolução socialista. Tal é o atual estado de ânimo das classes dirigentes de todos os países capitalistas do mundo. Sua completa desmoralização é um dos elementos mais importantes na relação de forças entre classes. O proletariado possui uma direção revolucionária, jovem e ainda débil. Porém, a direção da burguesia está se apodrecendo. Mesmo às vésperas da guerra, que não podem evitar, estes cavalheiros estão convencidos, antecipadamente, que o seu regime está se afogando. Só este fato deve constituir, para nós, uma fonte de invencível otimismo revolucionário!

18 de outubro de 1939


Inclusão 22/04/2009