História do Socialismo e das Lutas Sociais
Terceira Parte: As Lutas Sociais nos Tempos Modernos
(Do século XIV ao XVIII e de 1740 a 1850)

Max Beer


Capítulo XIX - O movimento operário em França (1830-1848)


1. O reinado burguês

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A crescente oposição movida contra o governo feudo-clerical, a partir do ano de 1827, fez com que o rei Carlos recorresse às medidas de repressão. No dia 25 de Julho de 1827, ele assinou três decretos, nos quais, com um traço de pena, suprimia a liberdade de imprensa, restringia o direito eleitoral e anulava as últimas eleições que haviam sido favoráveis à oposição. Esses decretos foram o sinal para a revolta.

A oposição chamou os operários à luta, e, depois de uma batalha de três dias nas ruas de Paris (os três “gloriosos” dias, 27, 28 e 29 de Julho), Carlos X foi destronado. Mas a República, pela qual os operários tinham lutado, não veio. O que veio foi o reinado burguês dos Orleans, na pessoa de Luis Felipe e o governo da finança. “Antes da Revolução de Julho — diz Marx na sua obra A Guerra Civil em França — quando o banqueiro liberal Lafitte ia com o seu compadre o duque de Orleans a caminho da Câmara Municipal, deixou escapar estas palavras; ‘Este será o reinado dos banqueiros’”. Lafitte nesse momento traiu o segredo da Revolução. Não foi a burguesia francesa que reinou sob Luis Felipe, mas somente uma fração dessa burguesia: os banqueiros, os reis da bolsa os magnatas das estradas de ferro, os proprietários das fábricas e parte dos grandes proprietários de terras seus aliados. A burguesia industrial propriamente dita formava uma parte da oposição oficial, isto é, estava representada no Parlamento apenas como força simbólica.

No reinado de Luis Felipe, a transformação econômica do país, detida pelas guerras napoleônicas e pela Restauração, recomeçou intensamente. Os meios de produção e de troca desenvolveram-se consideravelmente. Embora os progressos da economia francesa não possam ser comparados aos da economia inglesa, a ciência social-econômica e o movimento operário foram por eles fortemente influenciados. Constantino Pecquer, o mais notável economista social da época, escreveu de maneira muito característica, no prefácio da sua Economia Social (Paris 1839): “O vapor é por si só uma revolução memorável”. A construção de vias férreas e de embarcações a vapor, o crescimento da produção carbonífera e metalúrgica, o desenvolvimento do comércio externo, o aumento considerável do número de sociedades por ações, a expansão colonial, eram sintomas evidentes do progresso da revolução industrial.

Mas, para os operários e os pequenos produtores, esta transformação econômica só era prejudicial. Privados de todos os direitos políticos, absolutamente impotentes sob o ponto de vista econômico, dentro de um Estado inteiramente concentrado nas mãos da aristocracia financeira que explorava a nação e reprimia impiedosamente qualquer tentativa de rebelião, as massas encontravam-se indefesas e na miséria. As longas jornadas de trabalho, os míseros salários, os impostos extremamente elevados, ao lado do descontentamento político geral mantido pela fração oposicionista dos intelectuais e da pequena burguesia, tornavam a população laboriosa das grandes cidades e dos centros industriais acessível a influência das ideias revolucionárias e das teorias socialistas.

De 1830 a 1839. verificaram-se, em diversas regiões da França, várias tentativas de insurreição, tanto republicanas como socialistas. No período compreendido entre 1837 a 1848, a França tornou-se cada vez mais a pátria adotiva das ideias socialistas. Romancistas, teólogos, economistas, juristas empenhavam-se num verdadeiro torneio, cada qual procurando condenar com mais vigor o regime capitalista. Disso queixava-se com amargura João Reyband, nas primeiras páginas do seu livro Estudo sobre os reformadores, publicado em 1843, no mesmo ano da chegada de Carlos Marx a Paris.

2. Divisão da sociedade em classes: a burguesia e o povo

O resultado de semelhante desenvolvimento econômico foi a divisão da sociedade em duas classes antagônicas que, de modo geral, foram denominadas a burguesia e o povo.

Na sua História de dez anos (1830-1840), publicada em 1841, Luis Blanc diz: “Entendo por burguesia o conjunto dos cidadãos que possuem os instrumentos de produção ou capital, que trabalham com seus próprios instrumentos e que não dependem de outros. O povo é o conjunto dos cidadãos que não possuem nenhum capital, dos cidadãos cuja existência depende inteiramente de outros”. Esta divisão de classes era tão conhecida que, numa petição dos operários à Câmara dos Deputados, no dia 3 de Fevereiro de 1831, o operário Carlos le Béranger dizia: “Não há certamente entre nós ninguém que já não tenha ouvido falar do povo. O povo é o conjunto dos que trabalham, dos que nada possuem, dos que nem sequer dispõem de sua própria vida. Sabeis, por certo, de quem vos falo: do proletariado”. Parece, pois, que nessa época, povo e proletariado eram sinônimos. Veremos mais adiante que importância tem esse fato.

Com efeito, se povo e proletariado são sinônimos, o domínio do povo, ou democracia, significa de fato o domínio do proletariado e não o que hoje se entende por esta palavra, isto é, o domínio de toda a nação em oposição à monarquia.

De 1831 até 1848, entendia-se por democracia a dominação do povo, em oposição a dominação da burguesia. É assim possível compreender o verdadeiro sentido da passagem aparentemente contraditória do Manifesto Comunista, onde Marx diz: “O primeiro passo a dar na revolução operária será a elevação do proletariado à situação de classe dominante, a conquista da democracia”. Democracia, evidentemente, aqui, significa dominação da classe operária.

Era assim que pensava Frederico Engels, que dizia: “A democracia é hoje o comunismo”.

3. As sociedades secretas

Vimos que durante a Restauração e particularmente a partir de 1821, surgiram muitas sociedades secretas com a finalidade de derrubar os Bourbons e instaurar a soberania do povo. Essas organizações procuravam trabalhar à maneira dos carbonari, organização secreta da Itália que se propunha derrubar a dominação estrangeira. A tática dos carbonários era a insurreição armada. Cada carbonaro devia ter sempre a mão um fuzil e 50 cartuchos, e estar pronto para agir a0 primeiro sinal e disposto a obedecer fielmente às ordens dos chefes.

Procurando imitá-los, alguns estudantes parisienses, dirigidos por Bazard e Buchez, fundaram uma associação secreta chamada “Os Amigos da Verdade”, cuja finalidade era a instauração de um regime democrático. Ao entrar para a associação, os novos membros prestavam o seguinte juramento: “Juro pôr todas as minhas forças a serviço do triunfo dos princípios da liberdade, da igualdade e do ódio aos tiranos. Prometo fazer tudo o que estiver ao meu alcance para difundir em torno de mim o amor à igualdade”. Bazard e Buchez eram, naquele tempo, estudantes de medicina. Da jovem geração daquela época foram eles os primeiros que aderiram ao socialismo. Como já vimos, Bazard foi o melhor intérprete do saint-simonismo. Os carbonari franceses relacionaram-se também com Buonarroti, que, de Bruxelas, lhes transmitia as ideias que inspiraram o movimento de Babeuf. Em 1825, Luis Augusto Blanqui aderiu aos carbonari. Estas associações tinham, geralmente, um caráter liberal-burguês ou republicano-democrata. Depois da Revolução de Julho de 1830, os elementos liberais desapareceram completamente da cena histórica, sendo substituídos pelos elementos proletários, que trabalharam em colaboração com os republicano-democratas. Foram esses elementos, aliás, que logo constituíram, sob a direção de Blanquí, a vanguarda do movimento revolucionário.

De Agosto de 1831 a Maio de 1839, vamos encontrar, em França, quatro grandes associações secretas: “Os Amigos do Povo”, a “Sociedade dos Direitos do Homem”, a “Sociedade das Famílias”, e a “Sociedade das fações”. Depois de 1839, surgiram algumas pequenas organizações secretas, chamadas as “Novas Estações” Seu papel foi insignificante, porque não tinham à frente um Buonarroti ou um Blanqui. Buonarroti já havia morrido e Blanqui estava na prisão onde iria ficar até 1848. Os mais notáveis membros dessas associações secretas — Flocon, Raspail, Marrast, Blanqui, Barbés Caussidière — tiveram uma atuação importante na revolução de 1848, uns como republicanos burgueses, outros como socialistas ou comunistas.

A passagem da propaganda das ideias burguês-democráticas para a agitação proletária comunista fez-se progressivamente, sob a influência de Buonarroti, de um lado, e das sublevações dos tecelões lioneses, em 1831 e 1834, de outro. A Sociedade dos Amigos do Povo e a dos Direitos do Homem eram, na maioria, burguês-democráticas ou republicano-socialistas. Em compensação, a Sociedade das Famílias e a Sociedade das Estações eram proletário-comunistas. Foi nestas duas últimas associações que os alemães Weitling, Schapper, Bauer e outros membros da Liga Cultural dos Operários Alemães de Londres, que iria constituir mais tarde o núcleo da Liga dos Comunistas, entraram pela primeira vez em contacto com as ideias comunistas. Nestas duas associações, Buonarroti e o seu livro sobre a Conjuração dos Iguais exerciam forte influência. Foi ali que se desenvolveu a ideia da ditadura revolucionária. E foi daí que essa ideia se transmitiu a Weitling e à Liga dos Comunistas.

Ao ingressar na Sociedade das Famílias, ao futuro membro eram apresentadas várias perguntas que deviam ser respondidas dessa maneira:

“Que pensas do governo? — O governo funciona em benefício de reduzido número de privilegiados. – Quem são atualmente os aristocratas? — Os banqueiros, os financistas, os especuladores, os grandes proprietários, em suma, os exploradores. — Em que direito se apoia o governo? — No direito da força. — Que vício predomina na sociedade? — O egoísmo, a luta pelo dinheiro, que substitui a luta pela virtude, o respeito a riqueza e o menosprezo aos pobres. — Que é o povo? — O povo é o conjunto dos trabalhadores. Sua situação é uma situação de escravos. A situação do proletariado é idêntica à dos servos ou dos negros. — Sobre que base deve erguer-se a sociedade? — Sobre a igualdade social. Todos os cidadãos têm o direito de ter a existência garantida, ensino gratuito, participação no governo. Os deveres dos cidadãos são a abnegação pela sociedade, a fraternidade para com seus concidadãos. — A próxima revolução deve ser política ou social? — Deve ser social. — O povo poderá governar-se por si mesmo, depois da vitória da Revolução? — Como a sociedade está moralmente enferma, será necessário aplicar um tratamento rigoroso para que se implantem imediatamente condições de vida social mais sadia. Por isso, durante algum tempo, o povo deve ter um governo revolucionário ”.

Um governo revolucionário queria então dizer uma ditadura comunista.

A Sociedade das Estações tinha um caráter ainda mais comunista. A tentativa insurrecional, que promoveu em Maio de 1839, com a colaboração de seus partidários alemães (Weitling, Schopper, etc.), fracassou. Blanqui e Barbès foram detidos e condenados a morte. A pena, porém, foi comutada em prisão perpétua. Marx, que conhecia essa organização e sua atividade, escreveu a respeito:

“Como se sabe, até 1830, os burgueses liberais estavam à frente das conspirações contra o governo da Restauração. Mas, depois da Revolução de Julho, o seu lugar foi ocupado pelos republicanos democratas. O proletariado, que aprendera a conspirar durante a Restauração, começou a desempenhar papel cada vez mais preponderante à medida que os burgueses republicanos, assustados pelos fracassos dos combates de ruas, voltavam as costas para as organizações clandestinas. A Sociedade das Estações, com a qual Barbès e Blanqui promoveram o motim de 1839, já era exclusivamente proletária”. De maneira geral, Marx julga que “na revolução moderna, essa parle do proletariado já não é mais suficiente e que só o conjunto da classe operária pode fazer a Revolução”.

4. Augusto Blanqui

A personagem mais notável dessa época é Augusto Blanqui. Inteligência vivíssima, vasto saber, eloquência mordaz e sem fraseologia oca, coragem ilimitada, abnegação absoluta pela causa do proletariado, — pela qual ele passou encarcerado ou desterrado grande parte da vida — eis os característicos individuais de Blanqui, que o tornam uma personagem de grandeza heróica na História de seu tempo.

Nasceu no ano de 1805, em Puget-Théniers. Seu pai era o vice-prefeito da cidade. Seu irmão foi o célebre economista Adolfo Blanqui. Depois de terminar os estudos no Liceu, entrou para a Universidade de Paris, onde estudou ao mesmo tempo medicina e direito. Aderiu então às associações revolucionárias secretas de Bazard e Buchez, e tomou parte nos combates de rua, de 1827, sendo ferido várias vezes. Pelos fins de 1829, ingressou na redação do jornal O Globo, então liberal de esquerda, que mais tarde seria o órgão dos saint-simonistas. Em 1830, participou da Revolução de Julho, combatendo nas barricadas. Decepcionado com o resultado dessa revolução filiou-se a Sociedade dos Amigos do povo. Foi como membro dessa sociedade que se viu implicado no processo contra ela instaurado em 1832. Nessa ocasião, Blanqui declarou aos juízes; “Sim, senhores, esta é a guerra entre os ricos e os pobres. Assim o querem os ricos, pois são eles os agressores. Os privilegiados engordam com o suor dos proletários... O estado de coisas vigente pode ser comparado a uma bomba aspirante e compressora, que espreme a matéria chamada povo, para dele sugar milhares e milhões que ela sem cessar despeja nos cofres de alguns ociosos. Máquina impiedosa que tritura, um a um, vinte e cinco milhões de aldeãos e cinco milhões de operários para extrair o mais puro de seu sangue e injetá-lo nas veias de alguns privilegiados”. Blanqui foi condenado a um ano de prisão.

Posto em liberdade, filiou-se a Sociedade dos Direitos do Homem, colocando-se na fração da extrema esquerda. Em seguida, dirigiu a Sociedade das Famílias, sendo novamente detido e condenado a dois anos de prisão. Libertado pela anistia geral de 1837, dirigiu a Sociedade das Estações e, em 12 de Maio de 1839, tentou uma insurreição, que fracassou. O tribunal condenou-o à morte, mas a pena foi comutada em prisão perpétua.

A Revolução de 1848 libertou-o. Pouco depois, ele se pronunciou contra o governo provisório e reclamou a formação de um governo socialista, encarregado de exercer, durante algum tempo, uma ditadura revolucionária para, por meio de reformas adequadas, escolas laicas, ensino gratuito, organização de cooperativas, legislação social, etc. — preparar progressivamente a população para a instauração de uma sociedade comunista. “O comunismo não pode ser implantado senão através de uma longa educação. A revolução por si só não modifica os homens nem as coisas. Permite unicamente reformas econômicas e administrativas. Se a revolução vencer, os juízes e os altos funcionários devem ser imediatamente demitidos e substituídos por tribunais populares. Os funcionários médios e subalternos devem ser conservados, durante algum tempo. A direção dos negócios será confiada à ditadura parisiense, até que o país fique maduro para a democracia, para a República e para a economia cooperativa. Numa revolução, o essencial é a conquista do poder político, em prol da reforma cultural e econômica. Os revolucionários devem manter-se à margem de toda utopia, pois os utopistas são quase sempre reacionários. Blanqui tinha uma grande admiração por Marx. Acompanhou com atenção a polêmica de Marx contra Proudhon e leu a Miséria da Filosofia de Marx.

Em Maio de 1848, foi condenado a dez anos de prisão por causa da campanha que movia contra a Assembleia Nacional. Em 1869, procurou avivar o descontentamento geral contra Napoleão III e fez propaganda a favor da República. Em 1870, publicou uma revista intitulada A Pátria em Perigo. Em Fevereiro de 1871, saiu de Paris, depois de publicar um folheto em que afirmava que os dirigentes da nova República eram reacionários e traidores. Refugiou-se em casa de uma irmã, na província, onde foi preso pelo governo de Thiers. Não pode, pois, participar da Comuna de Paris, embora esta tivesse procurado libertá-lo, oferecendo em troca certo número de reféns. Os versallienses sabiam perfeitamente, diz Marx na sua Guerra Civil em França, que libertar Blanqui seria dar uma cabeça a comuna. Por pouco um tribunal marcial o condenava à morte. Condenado ao desterro, não voltou a Paris senão depois da anistia geral de 1879. Logo que chegou, publicou uma revista intitulada Nem Deus, nem senhor. Morreu em Paris, pouco tempo depois, a 1.º de Janeiro de 1881.

5. Socialistas e críticos sociais: Pecqueur, Proudhon, Cabet, Leroux, Luis Blanc

Embora a élite do proletariado revolucionário procurasse realizar seus planos de transformação econômica e social através da conquista do poder, as teorias socialistas da época (1830-1848) são todas de caráter pacífico, evolucionista. Nessas teorias, a classe operária não desempenha nenhum papel ativo. Elas apenas se compadecem de sua miséria. O socialismo francês dessa época é puramente ético-religioso ou utopista. O proletariado e o socialismo não parecem ter nada de comum. De um lado, vemos os Buonarroti e os Blanqui a frente dos comunistas-proletários. De outro lado, estão os socialistas éticos ou utopistas. Estes últimos eram, na verdade, escritores notáveis. Mas não estavam submetidos a influência dos saint-simonianos e furieristas, ou a influência das ideias e concepções da pequenaburguesia. Esperavam a salvação pela benevolência dos capitalistas e do Estado ou pela organização do crédito e pelo desenvolvimento das cooperativas.

O principal representante do saint-simonismo, depois de Bazard, foi Constantino Pecqueur, (1801-1887) que era, também, o escritor socialista mais original do tempo. Sua obra fundamental é a Economia Social (Paris, 1839), em que trata da influência da máquina a vapor sobre o comércio, a indústria, a agricultura, e sobre a civilização em geral. A Academia de Ciências havia estabelecido um prêmio para o melhor livro sobre a influência cultural do vapor, das estradas de ferro e dos barcos. Embora a Academia não estivesse de acordo com suas conclusões socialistas, a obra de Pecqueur foi premiada. Nela, Pecqueur manifesta seu entusiasmo pelas conquistas da técnica moderna, nas quais vê o meio: 1.º, de aumentar a riqueza das pequenas empresas; 2.º, de desenvolver o espírito de igualdade e fraternidade, porque as vias de comunicação aproximam os homens e fazem com que eles trabalhem em comum, e, assim, tornam maior a sua solidariedade. “Numa palavra, a associação e todas as suas consequências sociais. A máquina a vapor e a locomotiva substituem a irregularidade pela ordem e a anarquia, a confusão e a dispersão pela centralização. Watt e Stephenson liquidaram com a anarquia econômica e lançaram as bases do coletivismo. A tendência geral de nossa época é a associação, a centralização, em consequência do desaparecimento das pequenas empresas individuais e da fundação da sociedade por ações.” “O grupamento de grandes multidões operárias sob um mesmo teto é o resultado necessário da concentração de capitais e dos ramos industriais semelhantes, que faz desaparecer progressivamente os pequenos produtores e os pequenos centros industriais... Todos os efeitos do isolamento das indústrias são substituidos pelos efeitos da associação... A nova forma de produzir acarreta verdadeira revolução industrial, moral e política. O que há de bom nessa economia é a socialização progressiva das fontes de riqueza, dos instrumentos de trabalho, em suma, das condições do bem-estar geral”. No passado e no presente, tudo parece conduzir a Humanidade para a socialização dos instrumentos de trabalho, isto é, para a entrega do solo e das matérias primas à coletividade e para a sua transformação progressiva em propriedade comum indivisível e inalienável. “Marchamos para isso, lenta e indiretamente, pelos caminhos sinuosos e desconhecidos da necessidade. Para lá caminhamos pela religião política, pela economia prática e pelas transformações que o maquinismo industrial realizou. E por todos esses caminhos chegaremos às instituições que organizarão a socialização e a estabelecerão como uma lei orgânica, como a lei fundamental da futura constituição econômica. Mas o processo da socialização não depende, em última analise, das forças materiais e sim do renascimento moral dos homens, o que lhes permitirá substituir o interesse privado pelo bem público. É necessário transformar o motivo de trabalho. Toda a questão da socialização é, de modo geral, uma questão moral e religiosa. O amor aos homens deve ser consequência do amor a Deus. E a Providência leva pouco a pouco os homens a esse nível moral. A classe média, trabalhadora e aplicada, torna-se cada vez mais rica e culta. E, quanto mais próspera e se cultiva, mais ela se mostra disposta a pagar melhor e a melhor tratar os operários. Ela permitirá que os operários participem de seus lucros. Não resta dúvida que as nossas invenções têm também seus inconvenientes, porque os proprietários das novas máquinas, no começo, se julgam privilegiados. Mas esses inconvenientes são passageiros.

“A Providência sabe perfeitamente por que caminhos será mais fácil realizar o socialismo, isto é, utilizar as máquinas em benefício do conjunto da coletividade”.

Pecqueur era também encarniçado adversário da guerra entre os povos e partidário dos tribunais de arbitragem internacionais. Possuía, como vemos, a mentalidade do livre-cambista otimista. Foi ao estudar o saint-simonismo e o furierismo que ele se tornou socialista.

Parece que Pecqueur foi o primeiro estudioso da questão social que empregou o termo “socialização”, frequentemente citado em suas obras. O ideal de Constantino Pecqueur era uma sociedade socialista-ética, uma “República divina”.

Muito mais espetaculosa, mas muito menos instrutiva, foi a ação de P. J. Proudhon. Natural de Besançon, cidade natal de Fourier, Proudhon era tão presunçoso como Fourier.

Apesar de haver nascido no seio de uma família pobre, recebeu boa instrução. Estudou no Liceu até a idade de dezenove anos, fazendo, entretanto, todo o seu curso com bastante irregularidade. Aos vinte anos, foi aprendiz numa tipografia. Fez-se, depois, revisor e começou sua atividade literária escrevendo obras de filosofia. Passou, em seguida, à critica social. Em 1840, publicou seu célebre folheto: Que é a propriedade? onde se encontra a sua famosa frase “A propriedade é o roubo!” Em 1846, publicou uma obra em dois volumes, intitulada “As contradições econômicas ou a Filosofia da miséria”. Marx respondeu a essa obra com a Miséria da Filosofia. Proudhon e Marx conheceram-se, em Paris, durante o inverno de 1844-1845. Discutiram muito os problemas sociais e filosóficos. Em 1848, Proudhon revelou a sua “solução” do problema social: propôs a criação de um banco popular onde os pequenos produtores pudessem ter crédito barato, ou mesmo gratuito e trocar seus produtos sem prejuízo. Nas eleições suplementares de Junho de 1848 foi eleito para a Assembleia Nacional. Publicou uma revista, vários livros e folhetos, sendo, por isso, perseguido pela reação. Morreu em Paris, em 1865.

As ideias fundamentais de Proudhon podem ser assim resumidas:

A propriedade é injusta e prejudicial. O fato de alguém ocupar um bem territorial pode constituir um direito de propriedade. O trabalho não pode, também, ser a base da propriedade rural, porque ninguém criou o solo. Aliás, a experiência mostra que a propriedade não é o fruto do trabalho, tanto assim que os operários são pobres.

Só é justificável a posse (e não a propriedade) dos objetos que cada um criou com o próprio esforço. Mas no regime de propriedade atual não se trocam os bens pôr um valor igual.

O operário nunca pode readquirir com o salário o bem que criou com seu trabalho. Os possuidores dos meios de produção apoderam-se de uma parte do produto do trabalho alheio, sob a forma de renda territorial, lucro ou interesse. Para suprimir esse injusto estado de coisas não é de modo algum indispensável o advento do socialismo ou do comunismo, mas sim uma sociedade onde os trabalhadores possam trocar os valores que criam por outros valores iguais. Os artesãos devem trabalhar independentemente com auxílio do crédito barato, que será fornecido pelo banco popular. Devem entre si trocar os produtos de seu trabalho, por valores iguais.

Este crédito mútuo e a troca de valores iguais serão a base da sociedade, que não terá mais necessidade de um Estado. Poderá, assim, reinar a mais completa liberdade e igualdade. Em síntese, o sistema preconizado por Proudhon é o mutualismo e a anarquia. Trata-se de uma teoria tipicamente pequeno-burguesa. Proudhon não toma em consideração o desenvolvimento do capitalismo. Ora, esse desenvolvimento manifesta uma tendência evidente para a associação e a centralização das forças econômicas como, aliás, Constantino Pecqueur já o havia tão nitidamente assinalado.

Passemos, agora, aos socialistas e críticos sociais de menor importância.

Estevão Cabet (1788-1858), advogado e procurador-geral da Córsega em 1830, era, a princípio, republicano-burguês. Por este motivo foi perseguido pelo governo de Luis Felipe. Eleito pela oposição, defendeu com energia suas opiniões na Câmara dos Deputados. Condenado à prisão em 1834, fugiu para Londres,. Aí, entrando em contacto com o movimento owenista e depois da leitura da Utopia de Tomaz More, tornou-se comunista. Regressando à França, escreveu em 1812 uma novela utópica intitulada Viagem a Icária. Esta obra teve formidável sucesso e contribuiu bastante para a difusão das ideias comunistas.

Pedro Leroux (1797-1881) foi o primeiro operário que aderiu ao saint-simonismo. Tornou-se seu adepto em 1824. Gráfico de profissão, fundou O Globo, que se tornou o órgão dos saint-simonistas. Mais tarde, Leroux abandonou o saint-simonismo e tornou-se um reformador social místico-religioso. Exerceu certa influência sobre George Sand, que, nessa época, escrevia novelas de tendências sociais.

Luis Blanc (1811-1882) escreveu algumas obras históricas de sucesso. Seu livro A organização do trabalho (1840), exerceu considerável influência no movimento operário da época. A organização do trabalho chegou a ser a primeira palavra de ordem da Revolução de 1848. Depois de condenar a concorrência como a fonte da miséria atual, Luis Blanc propunha os seguintes remédios: nacionalização das estradas de ferro e das minas, criação de cooperativas operárias de produção auxiliadas pelo Estado. Blanc desempenhou importante papel na Revolução de 1848. Suas ideias foram, também, difundidas na Alemanha. Gozavam, na época, de tão grande popularidade, que Lassalle as adotou, e, mais tarde, nelas baseou sua agitação entre os operários alemães.

6. A Revolução de 1848

Para os operários e revolucionários, o estudo da Revolução de 1848 é muito mais importante que o de outra qualquer revolução anterior. De fato. É a partir de fevereiro de 1848 que o proletariado entra pela primeira vez na cena histórica, apresentando reivindicações próprias, e disposto a lutar pela conquista do poder político e econômico.

Os acontecimentos dessa revolução encerram ensinamentos profundos para o presente e o futuro.

Os progressos da oposição da pequena burguesia republicana, as orgias das finanças, a corrupção dos altos funcionários do reino, o desenvolvimento das ideias socialistas e revolucionárias, as más colheitas dos anos de 1845 e 1846, a crise comercial e a alta do custo de vida de 1847, foram fatores que se uniram para lançar o reinado burguês no mais completo descrédito. Parte da pequena burguesia de Paris e parte da burguesia chamou os operários às barricadas. Em 24 de Fevereiro de 1848 eles atenderam a esse chamado, e, depois de alguns combates com a tropa, a revolução triunfou. O rei fugiu e as massas dirigiram-se aos jornais da oposição O Nacional e a Reforma, onde elegeram os membros do governo provisório, que logo foi aceito pelo povo. Os republicanos, sem dúvida, preferiam constituir um governo formado unicamente de republicanos, mas, por medo aos combatentes das barricadas, incluíram dois socialistas no governo: Luis Blanc e Albert (um operário). À frente do governo estava Lamartine, grande poeta e orador republicano. Ele e seus companheiros começaram querendo trair o seu “ideal”. Vacilaram, antes de proclamar a República. Proclamaram-na, afinal, a 25 de Fevereiro, sob a pressão dos operários de Paris. Raspail fez-se o porta-voz dos operários. O operário Marche também impôs ao governo a aceitação do “direito do trabalho”. Apontou para Lamartine um revólver carregado e manteve-se diante dele até Lamartine estabelecer e redigir a fórmula do “direito do trabalho”. Esta fórmula desempenhou na Revolução de 1848 o mesmo papel que a fórmula de “socialização” na Revolução alemã de 1918. Para desembaraçar-se de Luis Blanc e Albert, o governo nomeou uma Comissão do Trabalho que se localizou em Luxemburgo, e que era presidida pelos dois ministros socialistas. Seu secretário foi Constantino Pecqueur. A fim de assegurar na prática o direito do trabalho, foram criadas “oficinas nacionais” com o objetivo evidente de desacreditar as reivindicações operárias e de demonstrar o caráter utópico das ideias socialistas. Ao mesmo tempo, o governo começou a organizar uma força armada, destinada a refrear e, finalmente, esmagar os operários de Paris, excessivamente “exigentes”.

Blanc compreendeu esse plano do governo provisório. Por isso propôs a sua substituição por um governo socialista, encarregado de exercer a ditadura e preparar o país para as reformas fundamentais. Em resposta a essa proposição, o governo pediu a convocação de uma Assembleia Nacional eleita por sufrágio universal.

Entusiasmado com essa proposta governamental, os social-democratas apoiaram-na, voltando-se contra Blanqui e seus partidários.

A partir desse momento, a balança pendeu para o lado do governo, que reforçou seu exército, dizendo preparar-se contra os comunistas, mas, na realidade, preparando-se contra o proletariado. E quando, a 16 de Abril de 1848, Blanqui organizou uma grande manifestação para derrubar o governo provisório, este conseguiu mobilizar a opinião pública contra os comunistas, apavorando a população. No dia l6 de Abril, pôs-se em marcha, pelas ruas de Paris, uma imponente manifestação de homens sem armas, arvorando estandartes com as seguintes inscrições:

“Supressão da exploração do homem pelo homem!”, “Direito do trabalho!”, “Organização do Trabalho!” Mas o governo, declarando não lutar nem contra os operários nem contra os socialistas, mas só contra os comunistas, conseguiu habilmente que a guarda nacional recebesse a manifestação com gritos de “Abaixo os comunistas”. Os social-democratas e os pequenos burgueses fizeram coro, e a manifestação fracassou. O resultado foi o recrudescimento da reação nos últimos dias de Abril. Realizaram-se as eleições para a Assembleia Nacional. Não foi eleito nenhum candidato socialista. Em Ruão, vários operários morreram nos conflitos que se deram durante as eleições.

O governo provisório retirou-se debaixo dos elogios da burguesia e das maldições dos elementos socialistas, revolucionários e comunistas. A 4 de Maio, a Assembleia Nacional reuniu-se e nomeou um governo puramente burguês. Onze dias depois, Blanqui aproveitou-se de uma manifestação organizada a favor da Polônia e da Itália, e, pondo-se à frente dos manifestantes, conduziu-os a Câmara dos Deputados. Penetrou em seguida na Câmara, subiu a tribuna e lembrou aos senhores deputados que eles deviam os postos que ocupavam ao espírito de sacrifício dos operários. Protestou, em seguida, pelo fato do governo não procurar castigar os responsáveis pelos assassinatos dos operários franceses e declarou que a função primordial do governo era ocupar-se dos problemas sociais.

Esta intervenção de Blanqui uniu momentaneamente todos os elementos socialistas. Foi elaborada uma lista de ministros com a participação de todas as tendências socialistas. Mas era tarde demais. A reação já se achava solidamente instalada e segurava com firmeza as rédeas do poder. O novo governo dissolveu a Comissão de Luxemburgo, fechou as oficinas nacionais e aconselhou aos desempregados que se alistassem no Exército ou regressassem para suas províncias. Provocou desse modo as massas. Estas, afinal, sublevaram-se na última semana de Julho. As ruas de Paris cobriram-se novamente de barricadas. O general republicano Cavaignac foi encarregado de dirigir as operações contra os insurretos. Depois de uma batalha de três dias, a insurreição proletária foi afogada no sangue dos seus mais valorosos combatentes. Deste modo, a burguesia republicana esmagou os verdadeiros republicanos e abriu caminho para Luís Napoleão, que logo depois foi eleito presidente da República francesa. Com o golpe de Estado de 2 de Dezembro de 1851, Luis Napoleão estabeleceu a ditadura e um ano depois fez-se proclamar imperador. Blanqui achava-se novamente preso. Luis Blanc, como a maior parte dos social-democratas, refugiou-se no estrangeiro, para não ser preso. Desse modo, em virtude da divisão e da falta de experiência dos socialistas e dos operários, a Revolução de Fevereiro de 1848 terminou por uma sangrenta derrota.


Inclusão: 15/10/2021