História do Socialismo e das Lutas Sociais
Quarta Parte: As Lutas Sociais na Época Contemporânea

Max Beer


Capítulo II - As Associações Revolucionárias alemãs no estrangeiro


1. A Liga dos Proscritos

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As perseguições movidas, a parir de 1815, contra aqueles que lutavam pela liberdade e pela unidade da Alemanha, e a crise econômica que afligia o país, obrigaram grande número de alemães a se refugiarem no estrangeiro. Depois da Revolução de 1830 e sobretudo depois da manifestação democrática de Hambach, em 1832, realizada com uma assistência de mais de 30.000 pessoas; depois do assalto ao posto de polícia de Frankfurt (1833), muitos revolucionários foram a Paris, onde os republicanos e socialistas franceses lhes dispensaram todo o apoio. Foi aí que surgiu a Associação Patriótica Alemã, cuja única finalidade era lutar pela liberdade e pela unidade da Alemanha. Esta associação deu origem, em começos de 1834, à Liga dos Proscritos, dirigida por Jacob Venedey e pelo dr. Theodoro Schuster. Venedey era um antigo docente da Universidade de Heidelberg, que se refugiara em França para escapar às perseguições da polícia. Em Paris, publicava o jornal O Proscrito, no qual, sem deixar de ser bom democrata alemão, manifestou simpatias pelos fourieristas.

Em 1840, voltou à sua terra natal e foi eleito para a Assembleia Nacional de Frankfurt. Seu amigo Theodor Schuster fora catedrático da Universidade de Göttingem, onde, após a Revolução de Julho de 1830, como dr. Rauschenplat e o dr. Abrens, dirigiu uma tentativa de sublevação armada. Refugiando-se na França, aí aderiu às associações secretas. No seio da Liga dos Proscritos, lutou contra às ideias democráticas de Venedey, opondo-lhes um ponto de vista mais nitidamente social. Venedey já considerava a sociedade dividida numa minoria de possuidores e numa maioria de indivíduos que nada possuíam. Influenciado por Buchez, preconizou a criação de cooperativas de produção, com o amparo do Estado. Mas nunca foi além do ponto de vista de Buchez. Quando a corrente revolucionária proletária se tornou mais forte, Venedey abandonou completamente a luta.

A Liga dos Proscritos estava em estreita ligação com a Sociedade Francesa dos Direitos do Homem. Os estatutos da Liga continham o seguinte programa: “Libertação da Alemanha e aplicação dos princípios contidos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”. Esses estatutos eram comunicados aos aderentes de grau inferior. Os estatutos da Montanha, isto é, dos membros de grau superior, continham um programa diferente; “Libertação da Alemanha e instauração de um regime democrático. Essa finalidade só poderá ser atingida mediante a instauração da igualdade social e política, da liberdade, da virtude cívica e da unidade do povo, primeiro nos países de língua alemã, depois no resto do mundo”.

Do mesmo modo que na Sociedade Francesa dos Direitos do Homem, na Liga dos Proscritos havia também uma ala direita (democrata-nacional) e uma ala esquerda (revolucionária-internacionalista). Em 1836, esta ala provocou a cisão e formou, sob a direção de Schuster, a Liga dos Justos, que em 1846 se transformou na Liga dos Comunistas. Foi para ela que Carlos Marx e Frederico Engels escreveram o Manifesto Comunista.

2. A Liga dos Justos

Dos 500 membros da Liga dos Proscritos, cerca de 400 passaram para a Liga dos Justos. A frase de Buchner: “É preciso, nas coisas sociais, partir de um princípio de direito absoluto” — expressava bem o estado de espírito reinante nos meios avançados. Em harmonia com esse estado de espírito, a Liga dos Justos propunha-se lutar pela justiça social. Seus membros estavam fortemente influenciados pelo livro Palavras de um Crente de Lamennais, publicado em 1834, que Ludwig Boerne, pouco antes, traduzira para o alemão. Esse livro alcançou enorme sucesso nos meios artesãos da Alemanha. Lamennais (1782-1854) era um padre revoltado contra a Igreja, que escrevia em estilo bíblico a favor da democracia e da justiça social. Heine dizia que Lamennais havia colocado sobre a cruz o barrete frígio. Seu livro causou tal sensação que, depois da tradução de Boerne, foi ainda por mais duas vezes traduzido, por Rauschenplat e por Weitling.

Como já tivemos oportunidade de dizer, a atividade de Schuster no seio da Liga foi de curta duração. Schuster foi substituído por Weitling. Naquela época, Weitling era um simples companheiro artesão que conhecia a fundo a literatura comunista do seu tempo. Weitling logo se tornou o verdadeiro chefe da Liga, tendo como principal colaborador Carlos Schapper. Perseguido, por ter tomado parte no assalto do posto de polícia de Frankfurt, em 1833, Schapper refugiou-se em Paris, onde aderiu à Sociedade das Famílias e depois à das Estações. Não era um teórico, mas um homem de ação, um conspirador nato, sempre disposto a participar de um golpe de Estado.

Além de Schapper, os principais dirigentes da Liga eram: 1.º o sapateiro Henrique Bauer, homem de extraordinária energia, que também trabalhava em outras organizações secretas de Paris; 2.º o relojoeiro José Moll, que iria alguns anos mais tarde morrer durante a Revolução bávara de 1849; 3.º o dr. Hermann Everberck, que viveu muitos anos em Paris como escritor, sem ir além da etapa do comunismo utópico (é ele o autor de uma tradução da Teoria de Cabet); 4.º o dr. Germann Maurer, antigo professor berlinense, colaborador de alguns jornais alemães, que também não conseguiu ultrapassar a etapa do comunismo utópico.

Mas o verdadeiro chefe da Liga, no período de 1837-1844, foi Wichelon Weitling. Espírito construtivo e caráter desinteressado, Weitling foi o único grande comunista alemão anterior a Marx. Nasceu a 5 de Outubro de 1808 em Magdeburgo. Seu pai era francês e sua mãe alemã. Aprendeu o ofício de alfaiate. Em 1828 saiu de sua aldeia natal. Trabalhou na Saxônia e Viena até 1835. Foi, em seguida, para Paris. Aí aderiu à Liga dos Justos e provavelmente também à Sociedade das Famílias. Voltou por algum tempo a Viena, de onde se retirou definitivamente em 1837, para começar em Paris sua propaganda comunista. A pedido da Liga dos Justos, escreveu sua primeira obra intitulada A Humanidade como é e como deveria ser (1838). A exemplo de Lamennais, o livro é redigido em estilo bíblico, e traz, numa das primeiras páginas, a seguinte frase: “E, quando Jesus viu o povo, compadeceu-se dele e disse aos seus discípulos: ‘a safra é abundante mas os agricultores são poucos’”. A safra é a Humanidade, diz Weitling. É a Humanidade que amadureceu para a perfeição terrestre e o seu fruto é a comunidade de bens. A lei da natureza e o amor cristão deveriam ser as bases da vida em comum dos homens. Mas Weitling não se limita a pregar o comunismo. Ele também elabora o plano da futura sociedade comunista; organização em famílias e em grupos de famílias para o trabalho e a vida em comum.

A agricultura e a indústria devem ser dirigidas por conselhos eleitos e todo o país administrado por um conselho formado pelos chefes dos grupos de famílias. As ideias contidas nessa primeira obra de Weitling constituíram a base de toda a sua propaganda. Seus escritos posteriores: As garantias da harmonia e da liberdade (1842) e o Evangelho do pobre pecador (1843), não fazem mais do que desenvolver as ideias contidas no seu primeiro livro. Weitling inspirou-se em Fourier, em Owen, em Blanqui. Mas também pensou por si mesmo e teve atitudes independentes. Foi o primeiro escritor que forneceu aos operários alemães uma imagem clara do futuro, um plano de organização comunista e que difundiu a ideia da instauração de uma ditadura revolucionária durante o período de transição entre a propriedade privada e a “propriedade coletiva” — como ele, muito precisamente, denominava o comunismo. O que, entretanto, diminuiu o valor da ação de Weitling foi a sua incompreensão da importância da luta política e o fato dele dirigir — como anteriormente Saint-Simon e Fourier já o haviam feito — apelos aos reis e aos poderosos da terra, pedindo-lhes que fizessem a emancipação da Humanidade. As conclusões das Garantias da harmonia e da liberdade, lembram bastante o fim do Novo Cristianismo de Saint-Simon, ou a dedicatória que Considerant, consagra ao rei Luis Felipe no prefácio do seu Destino Social. Isso, em 1842. Depois Weitling tornou-se completamente revolucionário. Já havia participado no levante dirigido por Blanqui e Barbès a 12 de Maio de 1839. Mas conseguiu fugir, ao passo que Schapper, Bauer e Moll foram condenados a vários anos de prisão. Estes, depois de soltos, foram para Londres, onde instalaram o Comitê Central da Liga. Weitling partiu para a Suíça, a fim de prosseguir sua agitação num jornal intitulado Apelo à Juventude Alemã. O artigo programa desse jornal continha, entre muitas outras coisas, a seguinte passagem: “Nós, também, operários alemães, queremos elevar nossa voz para o nosso bem e para o bem da Humanidade, a fim de que todos saibam quais são os nossos interesses. Não recheamos nossas frases com citações gregas ou latinas. Mas sabemos dizer em bom alemão onde o sapato nos aperta”.

Além de Weitling, havia na Suíça os revolucionários Augusto Becker e Sebastião Seiler. Becker estudava em Giesser, onde se tornara amigo íntimo de Jorge Buchner. Fora obrigado a refugiar-se na Suíça para escapar às perseguições da polícia. Em 1842, colaborou, na Suíça, na Gazeta Renana de Colônia. Seiler era natural da Silésia. Em Paris, onde se refugiara, aderira a Sociedade das Estações. Expulso da França, foi Para a Suíça. Daí, partiu para Bruxelas, indo depois novamente a Paris, onde assistiu a Revolução de Fevereiro. Refugiado em Londres, em 1850, colaborou com Marx, Engels, Willich, etc., na atividade da Liga dos Comunistas.

O crescimento da agitação comunista na Suíça acabara por inquietar os meios conservadores, que obrigaram as autoridades a intervir. Em Junho de 1843 Weitling foi preso na Suíça. Seus manuscritos, cartas etc., foram confiscados e entregues ao governo, que os mandou examinar por uma comissão chefiada pelo célebre professor de direito público Blunstschli. O relatório que este professor redigiu e que foi publicado em 1843, foi aproveitado pelos comunistas como excelente meio de agitação. Os comunistas tinham conseguido, por meio desse relatório, difundir suas ideias em larga escala. E era o Estado que lhes prestava esse serviço. Entretanto, diante desse relatório, Weitling foi acusado de sacrilégio e de ataque contra a propriedade privada, e condenado a quatro meses de prisão. Recorreu ao Supremo Tribunal. Mas só conseguiu que lhe elevassem a sentença para seis meses e o expulsaram do país. Depois de cumprir a pena, Weitling foi deportado para Magdeburgo. Dali foi a Londres e logo depois a Bruxelas e a Nova York, onde havia uma secção da Liga, que Weitling procurou tornar o núcleo de uma nova organização: a Liga da Libertação.

3. Weitling e a ditadura revolucionária

O objetivo dessa nova Liga devia ser a realização da Liga Democrático-Comunista das Famílias. Seria um objetivo democrático porque a verdadeira democracia não está no sufrágio universal e nas manobras parlamentares, mas na organização dos trabalhos e prazeres, dos direitos e deveres no sentido mais favorável ao objetivo final comunista. Como a democracia só pode ser instaurada pela Revolução, os que nela participarem obterão o direito eleitoral revolucionário e elegerão um governo revolucionário provisório, encarregado de instaurar a nova ordem social. Só serão contemplados com o direito eleitoral os que exercerem função social útil e demonstrarem abnegação, capacidade e desprendimento a favor da coletividade. Serão excluídos do direito eleitoral os capitalistas, os comerciantes, os eclesiásticos, os advogados, os lacaios e todos os demais parasitas.

A Liga das Famílias não é nem um governo nem um Estado, mas uma administração central que dirige o intercâmbio de produtos fabricados: os conselhos eleitos pelos produtores regem os diferentes ramos econômicos, fixam os salários, a duração do trabalho, etc.

Depois da vitória da Revolução, os princípios da Liga da Libertação só serão válidos para a administração do país. O proletariado será armado. Os ricos e a polícia serão desarmados. Os tribunais serão suprimidos. Os trabalhadores indicarão homens de sua confiança para ocupar os cargos vagos. O trabalho será obrigatório. O desperdício e a ociosidade serão castigados como crimes. O dinheiro será substituído por bônus de trabalho, por meio dos quais qualquer pessoa poderá adquirir nos armazéns públicos o que precisar. Desse modo, os ricos serão obrigados a entregar seu dinheiro à coletividade, porque dele não poderão servir-se para comprar seja o que for. A população laboriosa será agrupada em organizações profissionais, que elegerão comités de profissão, câmaras de indústria e um Parlamento composto de representantes das diferentes profissões. Esses órgãos em cada localidade é que irão fixar o valor dos produtos. “O governo provisório funcionará enquanto durar a guerra social. Essa guerra, por sua vez, não poderá terminar enquanto em qualquer ponto da terra existirem coroas ou grandes fortunas e enquanto os seus agentes embrutecerem o povo, para melhor subjugá-lo e explorá-lo”.

Ao ter notícia da Revolução de 1848, Weitling voltou à Alemanha e procurou agir em Berlim. Mas nada conseguiu. Foi então a Hamburgo, onde tinha grande número de partidários. Expulso dessa cidade, voltou para Nova York e lá viveu ainda 20 anos, na mais completa miséria, ocupando-se de toda a sorte de projetos e invenções. Morreu a 25 de Janeiro de 1871. Pode-se dizer que não se fez suficiente justiça a Weitling. Não resta dúvida que lhe enfraqueceu a ação sua exagerada confiança em si mesmo, defeito este que, aliás, Saint-Simon, Fourier e Proudhon também possuíam.

4. Da Liga dos Justos à Liga dos Comunistas

Presos por participarem do levante organizado pela Sociedade das Estações, alguns membros da Liga dos Justos, entre os quais Schapper e Bauer, foram postos em liberdade em fins de 1839, e transferiram-se para Londres, onde, a 7 de Fevereiro de 1840, fundaram a Associação Cultural dos Operários Alemães, que logo se transformou num centro de agitação comunista entre os operários alemães de Londres. A associação entrou em contacto com o movimento inglês. Alguns anos antes, em 1845, fora organizada uma associação internacional dos elementos democratas-socialistas refugiados em Londres, que recebeu o nome de Os Democratas Fraternais. Formada por ingleses, franceses, alemães, italianos, polacos, etc., essa associação pregava ideias socialistas-revolucionárias. A Associação Cultural dos Operários Alemães tornou-se também um centro de ligação de todos os operários e artesãos de outras nacionalidades refugiados em Londes. Daí, o Comitê Central da Liga dos Justos manteve ativa correspondência com os membros de Paris, Bruxelas, Suíça e Alemanha, e acompanhou atentamente os progressos das ideias comunistas e das novas concepções sustentadas por Marx e Engels. Este, que já havia feito sua primeira viagem à Inglaterra, em 1842, mantinha estreita relação com o Comitê Central de Londres e com as secções de Paris, nas quais predominavam as ideias de Cabet. Proudhon e Weitling. Em Paris, trabalhavam também Everbeck e Carlos Grün, que foi como um elo que unia o comunismo utópico ao comunismo científico. Mais adiante examinaremos o papel que ele desempenhou no movimento da época.

Na Suíça, os adeptos da Liga dos Justos caíram pouco a pouco sob a influência do socialismo religioso. Londres era então o centro intelectual do movimento comunista. As cartas que Marx, de Bruxelas, dirigia aos membros da Liga ajudaram-nos a se orientarem no caminho do comunismo científico. Assim, em Novembro de 1846. o Comitê Central da Liga enviou a todos os seus membros uma circular, expondo as finalidades e a tática do comunismo. E, logo depois, em Fevereiro de 1844, enviou outra circular, sobre esse mesmo assunto. Pouco antes, o Comitê Central havia enviado José Moll a Bruxelas, para, em seu nome, convidar Marx e Engels a colaborarem na atividade da Liga.

Antes de passarmos ao estudo do Manifesto Comunista e da Revolução alemã de 1848, iremos rapidamente estudar a situação social e política da Alemanha no período compreendido entre 1840 e 1848.


Inclusão: 15/10/2021