História do Socialismo e das Lutas Sociais
Quarta Parte: As Lutas Sociais na Época Contemporânea

Max Beer


Capítulo IX - A era imperialista (1880-1914)


1. As raízes econômicas do imperialismo

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Após o período de guerras que vai de 1854 a 1879, durante o qual a Alemanha, a Itália e os Estados Unidos construíram a unidade nacional e os povos dos Balcãs começaram a lutar pela libertação nacional, surge a era do desenvolvimento imperialista, que consigo arrastou em crescente escala todos os povos da terra. A África inteira foi explorada, repartida entre as várias potências e coberta de redes de estradas de ferro e de linhas telegráficas. O apito rascante das locomotivas e das máquinas a vapor despertou a Ásia do seu sono milenar. As estradas de ferro cortaram em todos os sentidos as planícies da América do Norte, levando para as regiões do Oeste verdadeiras migrações humanas, e, assim, facilitaram o cultivo do solo e a exploração das riquezas minerais. Tem-se a impressão de que, nesse momento, a Humanidade vivia apenas para produzir e acumular riquezas. É o que se conclui num relancear de olhos pelas estatísticas do desenvolvimento da produção das duas mais importantes matérias primas da indústria moderna; o carvão e o ferro.

Extração de Carvão (em toneladas)
Países 1880 1913
Inglaterra 147.000.000 292.000.000
França 19.400.000 41.000.000
Alemanha 59.000.000 277.000.000
Estados Unidos 70.500.000 517.000.000
Produção de Ferro Bruto (em toneladas)
Inglaterra 7.780.000 10.000.000
França 3.070.000 5.300.000
Alemanha 5.120.000 19.400.000
Estados Unidos 3.840.000 31.500.000
População
Europa 315.000.000 419.000.000
Estados Unidos 51.000.000 105.000.000

A eletricidade e a química passam a representar o papel revolucionário que, no século precedente, o vapor e a mecânica haviam desempenhado. E ao mesmo tempo, a preponderância econômica, que até então pertencera incontestavelmente à Inglaterra, transfere-se para os Estados Unidos e a Alemanha.

Nesse período, as leis imanentes da vida econômica capitalista manifestaram-se cada vez mais energicamente em todos os países industriais.

1.º A produtividade crescente do trabalho, a par da anarquia da produção e da proletarização das massas, acarretou uma desproporção crescente entre a oferta e a procura, desproporção que provocou, periódica e regularmente, graves crises econômicas. A paralisação dos negócios, o desemprego, a baixa de preços, foram fenômenos que mostraram a todos os homens que os brilhantes sucessos do capitalismo tinham também um reverso. Foram também eles que, como já vimos anteriormente, originaram a necessidade de dilatar os mercados.

2.º O crescente aproveitamento das forças mecânicas na indústria reduziram consideravelmente a quantidade de trabalho vivo e, consequentemente, o valor das mercadorias, provocando desse modo a baixa dos preços dos produtos manufaturados. Quanto menor o valor de um produto, menor é a mais-valia ou lucro que proporciona ao capitalista. Daí a tendência para a baixa de percentagem de lucro, que atualmente se manifesta em todos os países e que ainda hoje é um verdadeiro enigma para os fabricantes. A solução deste enigma consiste em ampliar as empresas, em aumentar a massa do lucro por meio da produção em massa. Mas só fabricantes que podem dispor de grandes capitais estão em condições de aumentar a capacidade de produção de suas empresas. Os que não conseguem esse aumento, ou desaparecem, ou se unem em sociedades por ações. A produção em grande escala exige enorme quantidade de matérias primas, que só podem ser obtidas nos países de além-mar. Daí a necessidade das possessões coloniais, daí a política colonial, as construções navais, a corrida armamentista, a extensão da potência nacional no exterior, os conflitos diplomáticos e, finalmente, as guerras.

3.º A elevação do nível da produção, provocada pela baixa da percentagem de lucro, conduz necessariamente à vitória da grande empresa e a acumulação de enormes lucros em limitado número de mãos. Os capitais que já não podem ser empregados, que já não podem fornecer rendimento compensador no próprio país de origem, são colocados em territórios não capitalistas ou menos capitalistas, nos quais a percentagem de lucro é ainda mais elevada e o movimento operário mais fraco. Para proteger os capitais, que aí são empregados, os Estados capitalistas estendem seu domínio a esses países, ora por meio da conquista direta, ora transformando-os em esferas de sua influência, ora por meio da “penetração pacifica”. Esta extensão exige igualmente grandes construções navais e armamentos para proteger os capitais colocados e para lutar contra a concorrência dos países rivais. Tais são as causas fundamentais da política imperialista moderna e das guerras mundiais.

2. Progressos do socialismo. Carlos Kautsky

São essas profundas transformações da economia e da política, que explicam o formidável desenvolvimento do movimento socialista. De 1880 a 1914, o movimento socialista recrudesceu incrivelmente. Não há país civilizado onde ele não tenha atualmente representantes e organizações. Seus partidários contam-se por milhões. E, agora, o movimento apoia-se decididamente nos postulados do marxismo.

A Alemanha desempenhou papel preponderante no domínio técnico-industrial e no terreno da aplicação a economia dos princípios e métodos científicos. Do mesmo modo, o proletariado socialista da Alemanha desempenhou papel preponderante na teoria e na ação socialista. Foi na Alemanha que surgiram as primeiras centelhas que arrancaram da apatia o movimento socialista francês. Foram, também, os triunfos alcançados pelo proletariado alemão que levaram os socialistas ingleses, então ainda pouco numerosos, a fundar uma organização socialista em Londres. Igualmente, nos países eslavos, considerava-se a social-democracia alemã como um modelo. Em todos os congressos operários e socialistas internacionais, a delegação alemã sempre ocupava o lugar de maior realce. Em suma, no período que vai de 1873 a 1914, a social-democracia alemã esteve na vanguarda do movimento operário. Seus chefes, Augusto Bebel e Guilherme Liebknecht, eram universalmente conhecidos.

Carlos Kautsky foi o principal teórico da social-democracia alemã, durante quase todo esse período. Antes dele começar a sua atividade, isto é, até 1882, o marxismo era ainda completamente desconhecido na Alemanha, exceção feita de José Dietzgen: — um operário autodidata, que conseguiu adquirir vastos conhecimentos econômicos e políticos. Mas Dietzgen, infelizmente, não possuía a faculdade de escrever em linguagem popular. De um modo geral, o movimento socialista da época inspirava-se nos escritos de Lassalle, em reminiscências de 1848 e na literatura francesa. Alguns socialistas seguiam os ensinamentos de Rodbertus ou de Eugênio Dühring. Os outros só conheciam as publicações da Associação Internacional dos Trabalhadores, ou baseavam suas reivindicações em princípios éticos ou em sentimentos humanitários. Kautsky pouco a pouco conseguiu difundir a doutrina marxista. Era discípulo da escola de Engels. Possuía grandes conhecimentos científicos, históricos e econômicos, um estilo de cristalina transparência e formidável capacidade de trabalho.

Nasceu em Praga, no ano de 1854. O pai descendia de uma família polono-tcheca e exercia a profissão de pintor. A mãe, de origem germano-italiana, escrevia romances. Kautsky fez os primeiros estudos num colégio de Viena. Sua atenção foi atraída para os problemas sociais devido aos acontecimentos da Comuna de Paris. Começou lendo os economistas e sociólogos ingleses John Stuart Mill, Malthus e Spencer, e as obras dos socialistas franceses. Em 1875, filiou-se movimento socialista, colocando-se na ala esquerda. Foi, então, que conheceu as obras de Marx. Em 1880 publicou seu primeiro livro, intitulado: Influência do aumento da população, no qual já demonstra possuir conhecimentos marxistas notáveis para a época. Assim mesmo, nesse livro, Kautsky atribui importância preponderante à questão da população e à questão agrária. Alguns anos mais tarde, depois de colaborar no Social-democrata de Zurique, é que Kautsky adere completamente ao marxismo, fundando uma revista intitulada Die Neue Zeit (Os Tempos Novos), o seu primeiro órgão de propaganda marxista. De 1884 a 1887, morou em Londres, trabalhando em colaboração com Frederico Engels. O período compreendido entre 1887 e 1907 foi a fase mais fecunda de sua existência. Nessas duas décadas, Kautsky publicou as seguintes obras: Tomaz Morus. As doutrinas econômicas de Marx, O programa de Erfurt, assim como grande número de outros escritos, que exerceram profunda influência no movimento socialista alemão e internacional.


Inclusão: 19/10/2021