Revolução! O ar está tomado por chamas e fumaça. As silhuetas dos homens, vistas através da fumaça, se tornam distorcidas e irreais. Aparentam ser heróis como Prometeu, gigantes em pecado ou virtude, demônios ou salvadores. Mas, em verdade, por trás do tecido de fumaça e chamas eles são como outros homens: não maiores ou menores, não melhores ou piores: todas as criaturas com as mesmas paixões incessantes, fomes, vaidades e medos.
Assim também é na Rússia. E neste livro tentei mostrar os líderes da revolução como realmente são, pois os conheço em suas casas, onde o lume vermelho não penetra e eles vivem como outros homens.
Grandes eventos forjam grandes homens. Pois ser forte o suficiente mesmo para manter a si próprio em meio a grandes eventos é ser grande. Sem o evento a força não é nada. Tivesse a revolta de 1917 falhado, como a de 1905, Lenin teria trabalhado a vida toda em algum porão em Genebra, Trotsky teria vivido e morrido em um sótão em Nova Iorque, Kalinin teria seguido sendo um camponês decepcionado e endividado, Tchicherin um fútil ex-diplomata exilado. O mundo não saberia seus nomes, assim como o mundo não conheceria Napoleão ou Danton ou Marat ou Robespierre se Luís XVI tivesse sido um pouco menos desesperadoramente obtuso. Mas a revolta de 1917 tornou-se uma revolução, e o seu ímpeto e força colossais catapultaram os exilados à grandeza. Como homens, porém, isso não os mudou.
Eles distinguem-se dos líderes políticos encontrados em Washington, Londres e Paris, sobretudo porque conseguem ser mais francos e verdadeiros. A opinião pública, que é a bênção dos políticos e a ruína dos estadistas, não os leva à conformidade prostituída ou ao lugar-comum extravagante. O público o qual precisam satisfazer é pequeno e sofisticado — sindicatos das cidades maiores. Esses trabalhadores demandam, acima de tudo, honestidade e a realidade desvelada. Portanto, uma fala de Lenin é tão direta, racional e cheia de fatos quanto uma declaração feita por um executivo de uma corporação americana ao conselho de diretores. Os fortes e vagarosos desejos dos camponeses também precisam de atenção, mas são simples, terra e livre comércio, e não lidar com coisas intricadas, distantes da realidade da vida na fazenda, como relações exteriores e economias mais elevadas. No fim das contas os camponeses irão dominar a Rússia, mas hoje a opinião pública é a opinião do trabalhador urbano com consciência de classe. Assim, os líderes da Rússia podem se permitir ser francos.
Nas democracias ocidentais a política é a arte de parecer honesto enquanto não se é. Apenas três tipos de políticos emergem aos lugares mais elevados. Primeiramente, o estadista de brilhante conhecimento intelectual, como Lloyd George, que sempre sabe o dever a ser feito, e nunca o faz — até o público também chegar à mesma conclusão, normalmente alguns meses, ou anos, depois. O segundo é o sentimentalista, que é sempre capaz de emaranhar uma compreensão inconveniente dos fatos e abafar a própria consciência com princípios grandíloquos que o tornam estimado pelo público. Em terceiro lugar, o tolo gentil, que descobre o que deve ser feito um pouco depois do público. Esses tipos não existem na Rússia. Os sindicatos compelem os políticos russos a serem fortemente realistas, falarem de forma franca, agirem com a melhor informação possível e passarem tal informação integralmente ao público. Os líderes retratados nesse livro, portanto, parecerão mais francos e mais diretos do que aqueles do mundo ocidental.
Eles também parecerão mais desesperados. Não porque esse é seu caráter natural, mas porque eles encaram um dos problemas mais desesperadores já criados pelo cérebro humano. Desde o início eles enfrentam um dilema revolucionário. A mesma queda intolerável da vida econômica, que por si só torna a revolução possível, também predestina a revolução a um quase fracasso categórico. O público, esse animal lento, se moverá para a revolução apenas quando a vida tiver se tornado insustentável, apenas quando a ordem estabelecida tiver sido destruída e restar apenas as ruínas. A revolução não precede a ruína. E construir uma vida nova e mais justa sobre os destroços é uma tarefa quase além dos poderes humanos. Tanto da exausta energia da nação deve ser consumada em reestabelecer os meros fundamentos da vida — comida, abrigo, roupa, e o amparo contra o medo — que pouco resta para enfrentar a tarefa de remoldar a vida de forma mais próxima ao que o coração deseja. Os líderes da Rússia, entretanto, dedicaram suas vidas a essa tarefa. Se conseguirem ou não, serão sempre lembrados por sua coragem em seguir um ideal através da destruição, fome, morte e ódio do mundo.
Então, aqui estão eles: os russos de hoje. Próximos aos tártaros e aos cossacos das campinas, aos filhos de servos e nórdicos e mongóis — próximos à terra e mirando nas estrelas.
LOUISE BRYANT