Manual Político

Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde
(PAIGC)


Introdução


capa

Com a publicação do 1.° volume do presente «MANUAL POLÍTICO» a Direção do nosso grande Partido, no quadro do seu trabalho de esclarecimento político, pretende pôr nas mãos dos camaradas um instrumento capaz de aumentar a compreensão de cada militante pelos problemas da nossa vida e da nossa luta e de contribuir para a consolidação da sua consciência revolucionária. Cada camarada deve, portanto, estudá-lo atentamente, discutí-lo, propagandeá-lo junto dos seus companheiros, de forma a levar o maior número possível de outros camaradas a interessar-se pela sua leitura e pelo seu estudo.

Qualquer dúvida, qualquer dificuldade na sua compreensão, devem ser objeto de pedidos de esclarecimento a camaradas mais preparados, aos principais dirigentes do Partido. Parece-nos que este «MANUAL POLÍTICO» será de grande utilidade para os nossos comissários políticos, na sua ação constante de explicação da linha de orientação do Partido, dos seus objetivos e do carácter da nossa luta política e militar, quer junto dos outros quadros do Partido, quer junto das massas.

A maior parte deste «MANUAL POLÍTICO» baseia-se em intervenções do camarada Amílcar Cabral, Secretário Geral do nosso Partido, feitas em reuniões internacionais, em entrevistas que concedeu a importantes revistas e jornais e em alguns dos seus escritos, aparecidos em livros sobre a nossa luta. Preocupámo-nos também em dar a conhecer aos camaradas alguns elementos importantes e fundamentais de carácter económico, tanto no que diz respeito à economia da Guiné e Cabo Verde, como no que se refere à própria economia portuguesa, de forma a que os camaradas possam ter uma ideia mais clara das nossas possibilidades futuras e das nossas perspectivas e também da verdadeira natureza e carácter da economia portuguesa atual, que está sob o domínio dos monopólios e debaixo da mão de ferro da grande burguesia nacional portuguesa, cujos interesses se identificam com o fascismo e o colonialismo, que o Governo português no poder encarna.

Referimo-nos ao chamado caso do «Biafra», a fim de que os camaradas possam compreender, através de um caso típico, o verdadeiro carácter do tribalismo e as suas nefastas consequências para a África, seja onde for que ele se manifeste. Este exemplo prova, de uma forma cabal que, no fundo, o tribalismo não é senão um recurso a que certos grupos ou classes lançam mão para satisfazerem as suas ambições de poder, com vistas a uma recolonização da África ou a submissão da mesma a uma nova situação de exploração e de miséria.

Como se pode ver através deste «MANUAL POLÍTICO» a posição do nosso Partido, tanto no plano interno, em relação às massas populares, como no plano internacional, nas nossas relações com os outros, é bastante clara e precisa. Ela corresponde aos sagrados interesses do nosso povo, aos interesses de África e aos interesses de toda a Humanidade progressista que quer construir a paz, o progresso e a felicidade para todos os povos do mundo.

Como se diz em «PALAVRAS DE ORDEM» do nosso Partido, escritas pelo camarada Amílcar Cabral, devemos

«exigir aos responsáveis do Partido que se dediquem seriamente ao estudo, que se interessem pelas coisas e problemas da vida e da luta no seu aspecto fundamental, essencial, e não apenas nas suas aparências; devemos obrigar cada responsável a melhorar, dia a dia, os seus conhecimentos, a sua cultura, a sua formação política, convencer cada um de que ninguém pode saber sem aprender e que a pessoa mais ignorante é aquela que sabe sem ter aprendido. Aprender na vida, aprender junto do nosso povo, aprender nos livros e na experiência dos outros. Aprender sempre».

Só assim será possível a cada militante, a cada dirigente cumprir cada vez melhor as gigantescas tarefas de edificação de uma sociedade nova, na Guiné e em Cabo Verde, promover o bem-estar e a felicidade do nosso povo e ajudá-lo a libertar-se aos poucos, mas firmemente, da pesada e trágica herança do criminoso colonialismo português, em todos os aspectos da nossa vida política, económica, social e cultural.


1. Porque é que a nossa Organização de Luta pela Independência total da Guiné e Cabo Verde, sendo um Movimento de Libertação Nacional, se chama PAIGC?


Diz-nos o camarada Amílcar Cabral:

«O nosso Partido desenvolveu-se a partir da realidade da nossa terra e das exigências da luta, mas evidentemente alguns de entre nós conhecem certas experiências de partidos sobretudo em Portugal, na clandestinidade. Primeiro é necessário dizer que o conceito de partido não caiu do céu, ele é um resultado da luta de classes na própria Europa. Se adotámos a palavra partido foi porque, tendo em conta o futuro do nosso povo, nos convencemos de que era melhor falar de Partido do que de Movimento.

Em África não houve tais fenómenos que engendrassem partidos. Podemos pois dizer que trouxemos qualquer coisa de estranho introduzindo na nossa terra um partido, mas isto era necessário, assim como é necessária a charrua que não existe na nossa terra ou o trator que não resultou do desenvolvimento económico do nosso país.

O Partido é o instrumento de transformação da nossa sociedade, primeiro para expulsar da nossa terra o colonialismo, em segundo lugar, para construir o progresso do nosso país. Para nós, nas condições concretas do nosso país, tendo em conta as caraterísticas sociais e culturais do nosso povo e da repressão permanente praticada pelos colonialistas portugueses, era necessário organizar este instrumento duma maneira muito sólida e nós reconhecemos que isso não seria possível se o Partido não fosse centralizado. Os fatos demonstraram que esta centralização era necessária. É a direção do Partido que comanda verdadeiramente as coisas e, a cada nível, há uma direção estreitamente ligada ao nível superior. Evidentemente, até à base as ordens devem ser respeitadas, após a sua discussão na disciplina. Por outro lado, a cada momento, procuramos também sondar, ouvir, conhecer tudo o que se passa na base para podermos tomar as medidas adequadas a cada situação.»


2. Existe na nossa Terra alguma contradição entre a massa camponesa e os chefes tribais?


A este respeito diz o nosso Secretário Geral:

«Na nossa terra (na Guiné), a massa camponesa não tem reivindicações de terras a fazer. Cada qual pode cultivar o seu bocado de terra. Mas o que acontece é que a massa camponesa — os camponeses — está consciente, e a luta contribui ainda para reforçar essa consciência, do fato de que ela não tem os mesmos interesses, nem a mesma posição que as famílias dos chefes ou das pessoas que se ligaram diretamente à autoridade colonial portuguesa.

A luta provocou um aprofundamento desta contradição e certos chefes, uma quantidade considerável de chefes, sobretudo de etnia fula, colocaram-se ao lado dos portugueses. Talvez tenhamos cometido erros de análise, talvez não tivéssemos tomado as medidas políticas necessárias para evitar que isso acontecesse; mas o fato é que eles se puseram ao lado dos portugueses e pela sua própria posição eles se destroem».

Quando o nosso Secretário Geral afirma que aqueles que passam para o lado do inimigo, passando a colaborar com os colonialistas portugueses, se destroem, quer dizer que eles deixam de ser, por esse fato, gente do nosso povo, quer dizer que eles passam também a ser nossos inimigos e que os consideramos como colonialistas.

Ora, o destino dos colonialistas é serem destruídos na nossa terra, porque serão, uns liquidados no decorrer da luta e outros, os que sobrarem, corridos definitivamente da nossa terra. O mesmo acontecerá com aqueles que sendo africanos e gente do nosso povo, resolveram trair os interesses do nosso povo, por causa dos seus interesses pessoais e se decidiram a servir os nossos inimigos e os interesses dos nossos inimigos. Não há qualquer dúvida de que uns e outros serão completamente destruídos e o nosso país, a Guiné e Cabo Verde, será um país livre, independente e soberano.


3. Que papel cabe à pequena burguesia na luta de libertação nacional?


O camarada Amílcar Cabral fez a tal respeito uma análise profunda e pertinente, que tem em conta a realidade concreta e a rica experiência colhida não só da nossa luta de libertação nacional mas também de outras lutas semelhantes em países com caraterísticas que se aproximam das nossas — países atrasados, com quase toda a população analfabeta, vivendo quase exclusivamente da agricultura, sem indústrias. Portanto, países sem uma classe operária, ou com uma classe operária apenas em formação. Tratando desse problema na intervenção que ele fez na Conferência Tricontinental de Havana afirmou:

«Os fatos demonstraram que o único setor, capaz de ter consciência da realidade da dominação imperialista e de dirigir o aparelho do Estado herdado dessa dominação, é a pequena burguesia do país. Se tivermos em conta caraterísticas aleatórias, a complexidade das tendências naturais inerentes à situação económica desta camada social ou classe, veremos que esta fatalidade específica da nossa situação constitui uma das fraquezas do movimento de libertação nacional.

A situação colonial, que não admite o desenvolvimento de uma burguesia autóctone e na qual as massas populares não atingem, em geral, o grau necessário de consciência política, antes do desencadeamento do fenómeno da libertação nacional, oferece à pequena burguesia a oportunidade histórica de dirigir a luta contra a dominação estrangeira, por ser, pela sua situação objetiva e subjetiva (nível de vida superior ao das massas, contactos muito frequentes com os agentes do colonialismo e, portanto, mais ocasiões de ser humilhada, grau de instrução e cultura política mais elevado, etc.), a camada que toma mais rapidamente consciência da necessidade de se libertar da dominação estrangeira. Esta responsabilidade histórica é assumida pelo setor da pequena burguesia que se pode, no contexto colonial, chamar revolucionária, enquanto que os outros setores se mantêm na dúvida caraterística destas classes ou aliam-se ao colonialismo, para defender, se bem que ilusoriamente, a sua situação social.

A situação neo-colonial, que exige a liquidação da burguesia autóctone para que se realize a libertação nacional, dá assim à pequena burguesia a oportunidade de desempenhar um papel de primeiro plano — e mesmo decisivo — na luta pela liquidação da dominação estrangeira. Mas, neste caso, em virtude dos progressos realizados na estrutura social, a função da direção da luta é partilhada (num grau maior ou menor) com os setores mais instruídos das classes trabalhadoras e mesmo com elementos da burguesia nacional, imbuídos de sentimentos patrióticos. O papel do setor da pequena burguesia, que participa na direção da luta, é ainda tanto mais importante, quanto é verdade que na própria situação neo-colonial ela está mais apta a assumir estas funções, seja porque as massas trabalhadoras sofrem de limitações económicas e culturais, seja por causa dos complexos e limitações de natureza ideológica que caraterizam o setor da burguesia nacional que adere à luta. Neste caso, é importante fazer notar que a missão que lhe foi confiada exige deste setor da pequena burguesia uma maior consciência revolucionária, a capacidade de interpretar fielmente as aspirações das massas em cada fase da luta e de se identificar cada vez mais com elas.

Mas, por maior que seja o grau de consciência revolucionária do setor da pequena burguesia chamada a desempenhar esta função histórica, ela não pode libertar-se desta realidade objetiva: a pequena burguesia, como classe dos serviços (isto é, que não está diretamente incluída no processo de produção) não dispõe de bases económicas que lhe garantam a tomada do poder. Com efeito, a história demonstra-nos que, qualquer que seja o papel — por vezes importante — desempenhado por indivíduos saídos da pequena burguesia no decurso de uma revolução, esta classe nunca esteve na posse do poder político. E não podia está-lo, visto que o poder político («Estado») se baseia na capacidade económica da classe dirigente, e, nas condições da sociedade colonial e neo-colonial esta capacidade se encontra nas mãos destas duas entidades: o capital imperialista e as classes trabalhadoras nacionais.

Para manter o poder que a libertação nacional põe nas suas mãos, a pequena burguesia só tem um caminho: deixar agir livremente as suas tendências naturais de emburguesamento, permitir o desenvolvimento de uma burguesia burocrática e intermediária do ciclo das mercadorias, para se transformar numa pseudo-burguesia nacional, isto é, negar a revolução e ligar-se necessariamente ao capital imperialista. Ora, tudo isto corresponde à situação neo-colonial, isto é, à traição dos objetivos da libertação nacional. Para não trair estes objetivos, a pequena burguesia só tem um caminho: reforçar a sua consciência revolucionária, repudiar as tentações de emburguesamento e as solicitações naturais da sua mentalidade de classe, identificar-se às classes trabalhadoras, não se opor ao desenvolvimento normal do processo da revolução. Isto significa que, para desempenhar perfeitamente o papel que lhe cabe na luta de libertação nacional, a pequena burguesia revolucionária deve ser capaz de se suicidar como classe, para ressuscitar como trabalhador revolucionário, inteiramente identificada com as aspirações mais profundas do povo a que pertence.

Esta alternativa — trair a revolução ou suicidar-se como classe — constitui o dilema da pequena burguesia no quadro geral da luta de libertação nacional. A sua solução positiva a favor da revolução depende do que recentemente Fidel Castro chamou concretamente desenvolvimento da consciência revolucionária. Esta dependência chama necessariamente a nossa atenção para a capacidade do dirigente da luta de libertação nacional de permanecer fiel aos princípios e à causa fundamental da luta. Isso mostra-nos, numa certa medida, que, se a libertação nacional é essencialmente um problema político, as condições de desenvolvimento em- prestam-lhe certas caraterísticas que pertencem ao domínio moral».


4. A Nossa luta é fundamentalmente uma luta de libertação nacional ou uma luta de classes?


O nosso Secretário Geral, camarada Amílcar Cabral, afirmou a tal respeito:

«Nós somos um povo dominado pelo colonialismo português, ou, pelo menos, fomos dominados por ele, antes dos progressos da nossa luta. A nossa luta é uma luta de libertação nacional. Isto quer dizer que queremos acabar no nosso país com a dominação estrangeira, dominação sob forma política e sobretudo sob forma económica.

A libertação nacional não é pôr em prática as resoluções da ONU, mas sim libertar verdadeiramente as forças produtivas do nosso país para as pôr em movimento ao serviço do nosso povo.

Mas naturalmente que há, seja no interior do país, seja sobretudo no plano das relações exteriores com o domínio colonial, um problema de classe. A dominação colonial na nossa terra é a dominação da classe dirigente portuguesa sobre o nosso povo ou, se o preferirem, sobre a nossa nação considerada no seu conjunto como uma classe e, portanto, a primeira contradição a resolver é exatamente acabar com essa dominação de classe do estrangeiro sobre nós.

No interior das nossas fronteiras há toda uma estrutura social, quer seja na cidade, quer no mato, e nesta estrutura há a considerar o papel dos chefes tradicionais.

É preciso dizer que em geral se encaram estes problemas de chefes tradicionais numa ótica que não corresponde de maneira nenhuma à realidade: pensa-se que este aspeto da superestrutura da vida africana está verdadeiramente muito enraizado e que é muito difícil desenraizá-lo. Mas o colonialismo mudou muito as coisas neste domínio: por um lado, há muitos grupos étnicos que não têm chefes tradicionais, que são sociedades sem Estado às quais os portugueses impuseram algumas vezes chefes que não são da mesma etnia.

Portanto, vê-se já uma fraqueza de base para os chefes tradicionais, por um lado, e, por outro lado, mesmo nas etnias como os fulas, os manjacos, os mandingas, havia toda uma estrutura tradicional de sucessão de chefes que os portugueses não respeitaram porque muitos destes chefes não correspondiam às exigências do colonialismo. Então, os portugueses substituíram aquele que devia ser o chefe pelo seu primo ou instalaram mesmo um outro sem qualquer parentesco com o chefe ou o grupo e criaram assim toda uma situação que retira à palavra tradicional todo o seu verdadeiro significado».


5. Porque é que nos devemos preparar para uma luta popular de longa duração e não fazer cálculos sobre o fim próximo da guerra?


O camarada Amílcar Cabral esclarece de uma forma precisa e clara este ponto. Diz ele:

«Há tempos, um jornalista italiano, no Norte do nosso país, numa região libertada, perguntava a uma criança de uma das nossas escolas: «Quando vai acabar a guerra?» A criança respondeu-lhe: «Você sabe, esta guerra começou sob uma forma política, agora é uma autêntica guerra, mas que vai também acabar sob uma forma política».

Sim, sem dúvida que a guerra já dura há um certo tempo, mas nós temos bastante tempo para esperar ainda... É esta, talvez, a essência de nossa resposta. Como sabem, nós visamos um objetivo político, a independência do nosso país, nós não somos guerreiros, gente que busca ter a glória de ter vencido um exército europeu para podermos vingar os nossos complexos africanos, de forma nenhuma. Não temos necessidade disso. No momento em que os portugueses forem levados a um ponto em que queiram regressar à política para respeitar os nossos direitos, estaremos no fim da guerra.

Se compararmos Dien Bien Phu e a Argélia, não encontramos grandes diferenças. Isto sem querer em nada diminuir a importância de Dien Bien Phu, pois, pelo contrário, admiramos muito esta vitória militar de primeira grandeza e toda a tática e a estratégia que levaram a ela; mas somente queremos dizer que no momento em que teve lugar Dien Bien Phu o exército francês era ainda muito forte no Vietnam: havia centenas de milhares que queriam continuar a guerra. Eles podiam continuá-la. É necessário dizê-lo com toda a franqueza. Os vietnamitas sabem-no muito bem. Simplesmente, os aspetos políticos tinham já ultrapassado a fase militar. Dien Bien Phu foi o golpe final que, conjugado com a opinião francesa, na própria França, com a opinião internacional e todas as pressões de ordem internacional, levou às conversações de Genebra. Finalmente, tudo isto levou a uma situação semelhante à da Argélia: para nós, é absolutamente a mesma coisa.

É um fim assim que terá a nossa luta, talvez depois de amanhã, talvez no próximo ano, daqui a 4 ou 5 anos, não sei, isso depende de muitos fatores. O que nós garantimos é que vamos cada dia dar golpes mais duros, mais mortais aos portugueses. Temos homens para o fazer, temos e teremos material para o fazer. Reforçamos cada dia mais o trabalho político do nosso Partido entre a população e os militantes armados e não armados e estamos absolutamente certos de levar os portugueses a um Dien Bien Phu, seja militar, seja político... De toda a maneira, trata-se sempre em última análise de política!».


6. Porque é importante para a nossa luta conhecermos profundamente a realidade histórica do nosso povo na Guiné e em Cabo Verde?


O camarada Amílcar Cabral, analisando o problema da necessidade de haver uma ideologia para os movimentos de libertação nacional, dizia em 1966, na Conferência Tricontinental de Havana (Cuba):

«Quando o povo africano afirma na sua linguagem simples que «por mais quente que seja a água da fonte, ela não cozerá o teu arroz», anuncia com uma singular simplicidade um princípio fundamental não só de física, mas também de ciência política. Sabemos, com efeito, que o desenrolar dum fenómeno em movimento, qualquer que seja o seu condicionamento exterior, depende principalmente das suas caraterísticas internas. Sabemos também que, no plano político, mesmo se a realidade dos outros é mais bela e atraente — a nossa própria realidade não pode ser verdadeiramente transformada a não ser pelo conhecimento concreto da mesma, pelos nossos esforços e pelos nossos próprios sacrifícios».

E noutro ponto das suas considerações:

«...A libertação nacional e a revolução social não são mercadorias de exportação; elas são — e cada dia mais — o produto duma elaboração local, nacional, mais ou menos influenciadas por fatores exteriores favoráveis e desfavoráveis mas essencialmente determinadas e condicionadas pela realidade histórica de cada povo e consolidadas pela vitória ou a solução correta das contradições internas entre as diversas categorias que caraterizam esta realidade».

Diz ainda o nosso Secretário Geral:

«É necessário lembrar que toda a prática engendra uma teoria. E, se é verdade que uma revolução pode fracassar, mesmo alimentada por teorias perfeitamente concebidas, ninguém realizou ainda uma revolução vitoriosa sem teoria revolucionária».

Para conhecermos profundamente a realidade histórica do nosso povo na Guiné e em Cabo Verde devemos ter uma ideia clara das modificações operadas, através do tempo, no nível das forças produtivas do nosso país e o seu nível atual.

Como o afirma o nosso Secretário Geral, camarada Amílcar Cabral:

«Qualquer que seja o nível atual das suas forças produtivas e da estrutura social que a carateriza, uma sociedade pode passar rapidamente sobre as etapas definidas e apropriadas às realidades concretas locais (históricas e humanas) para chegar a uma fase superior de existência. Este progresso depende das possibilidades concretas do desenvolvimento das suas forças produtivas e o próprio desenvolvimento é condicionado principalmente pela natureza do poder político que dirige esta sociedade, isto é, pelo género de Estado ou, se se quiser, pelo caráter da classe ou das classes que dominam no seio desta sociedade... Uma análise mais detalhada mostrar-nos-ia que a possibilidade dum tal salto, no processo histórico, resulta fundamentalmente, no domínio económico, da força dos meios de que o homem pode dispor de momento para dominar a natureza, e, no plano político, deste acontecimento novo, que transformou radicalmente o aspeto do mundo e a marcha da história: a criação dos Estados Socialistas».

Uma das razões do sucesso da nossa luta resulta do profundo conhecimento da realidade histórica (política, sócio-cultural e económica) do nosso povo na Guiné e em Cabo Verde. A ação prática do nosso Partido assenta num conjunto de princípios diretores de base. Estes mesmos princípios alargam-se e tornam-se mais concretos à medida que se desenvolve e se enriquece a prática.

A experiência da nossa luta demonstra que o seu sucesso depende fundamentalmente dum profundo conhecimento das nossas próprias forças e das nossas fraquezas, dum conhecimento profundo, ao mesmo tempo, tanto da nossa capacidade como da nossa incapacidade em realizar uma ação. Mas devemos conhecer também o melhor possível as forças e as fraquezas do inimigo, o conteúdo e a forma da sua ação.

Diz o camarada Amílcar Cabral:

«O que importa nos nossos povos, é saber se o imperialismo, como capital em ação, cumpriu ou não nos nossos países a missão histórica que lhe estava reservada: aceleração do processo de desenvolvimento das forças produtivas e transformação no sentido da complexidade das caraterísticas dos meios de produção; aprofundamento da diferenciação das classes, com o desenvolvimento da burguesia e intensificação da luta de classes; aumento apreciável do nível de vida económica, social e cultural das populações. Tem-se igualmente interesse em averiguar quais são as influências ou os efeitos da ação imperialista sobre as estruturas sociais e o processo histórico dos nossos povos».

Como a ação do nosso inimigo principal — os colonialistas portugueses — se integra na do campo imperialista, é necessário aprofundar o nosso conhecimento da natureza e caraterísticas do colonialismo e do imperialismo, sob todas as suas formas, para assim compreendermos mais profundamente a marcha histórica do nosso próprio povo, as consequências do nosso combate e o significado universal da nossa luta.

A nossa luta se baseia sobre um profundo conhecimento da nossa situação: situação de classe do nosso povo, sua situação sócio-económica. Quanto mais profundamente conhecermos a nossa realidade, o nosso povo, os seus problemas, as nossas tradições, a história do nosso povo, tanto melhor poderemos agir para transformar essa realidade no sentido do progresso. É revolução, revolução a sério, quer dizer um transformar constante do homem e do meio em que vive.


7. Em que medida a criação do nosso partido é, em si mesma, um ato de afirmação de unidade africana e que importância tem para nós a unidade africana?


«Nós, na Guiné e em Cabo Verde, estamos dispostos a unir-nos com qualquer povo africano, mas só poremos uma condição: que as conquistas, as conquistas económicas, sociais, as conquistas de justiça que temos em vista e que realizamos já, a pouco e pouco, nas regiões libertadas da Guiné, não sejam comprometidas pela unidade com outros povos. É essa a única condição que pomos para a unidade».

Esta declaração feita pelo camarada Amílcar Cabral na 2.ª Conferência da CONCP, realizada em Dar-es-Salaam, capital da Tanzânia, em 1965, traduz na realidade a linha de orientação sempre seguida pelo nosso Partido, desde a data da sua criação em 1956, quando ainda nem sequer se falava, praticamente, de unidade africana. A criação do nosso Partido é, em si mesma, um ato de afirmação de unidade africana, pois o Partido envolvia na luta, em conjunto e estreitamente ligados num só corpo, sob uma única direção, os povos da Guiné e Cabo Verde.

Algumas passagens do Programa do nosso Partido, publicado algum tempo depois da sua criação, explicam a importância da unidade aos olhos do nosso Partido e do nosso Povo. Afirma-se no Programa mínimo do nosso Partido (artigo 1):

«União orgânica de todas as forças nacionalistas e patrióticas da Guiné e de Cabo Verde, para liquidar a dominação colonial portuguesa e qualquer outra espécie da dominação colonialista e imperialista nesses dois países africanos».

Os sucessos do nosso Partido junto das massas do nosso povo, as vitórias alcançadas em todos os níveis sobre os colonialistas portugueses, concretizam a união orgânica que soubemos realizar na prática. A luta armada não apenas liquidou as sequelas das ideias tribais mas também transformou por completo o caráter do nosso povo, continua a transformá-lo, consolidando a sua unidade e estreitando os laços entre o Partido e as massas e a coesão monolítica do nosso Partido.

Em consequência, alarga-se a consciência nacional do nosso povo. No artigo 3 do nosso Programa mínimo acrescenta-se:

«Aliança eficaz com as organizações nacionalistas e patrióticas de outras colónias portuguesas, para a coordenação e a ajuda mútua na luta de liquidação do colonialismo português. Colaboração com os povos africanos, asiáticos e latino-americanos que lutam contra o colonialismo e o imperialismo».

De fato, na prática, o nosso Partido agiu sempre de acordo com esse princípio. É por isso que aliando-se às organizações nacionalistas das outras colónias portuguesas, o nosso Partido participou, em Abril de 1961, na criação duma organização comum de luta: a CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) que, além do nosso Partido, compreendia o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique). Mas, quando a 4 de Fevereiro de 1961, o MPLA é o primeiro a abrir fogo contra o monstro colonial português, com o assalto às prisões de Luanda, o nosso Partido apela para os seus militantes no sentido da intensificação da nossa luta, a fim de dividirmos as forças do inimigo comum, para que, mais facilmente e com menos sacrifícios para os nossos povos, pudéssemos conquistar a independência das nossas pátrias africanas.

Por outro lado, no plano mais geral da luta dos povos de África, Ásia e América Latina, a nossa ação traduziu-se sempre por uma colaboração efetiva com as organizações internacionais de luta tais como a União Sindical Pan-Africana, as organizações internacionais da Juventude, das Mulheres, a Organização de Solidariedade dos Povos Afro-Asiáticos e a OSPAAAL (Organização de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América Latina, mais conhecida por TRICONTINENTAL).

Em particular o nosso Partido colaborou sempre com a OUA (Organização de Unidade Africana) e o Comité de Libertação de África. Dado que a luta dos povos africanos pela sua total emancipação se inscreve num quadro mais vasto da luta de todos os povos contra o imperialismo e faz parte dela o nosso Partido estabeleceu no artigo 7 do seu Programa mínimo:

«Quer durante a luta de libertação, quer depois da conquista da independência nacional, colaboração com todas as forças progressistas, anticolonialistas e anti-imperialistas do mundo, para a construção de uma vida de paz para todos os povos».

Nunca a nossa luta se inscreveu num quadro só limitado à África. O caráter da nossa luta é internacional e universal. Nós sempre pensámos que não tinha sentido falarmos e defendermos a ideia de unidade africana sem que previamente realizássemos a unidade do nosso povo. Não é por acaso que a divisa do nosso Partido é «Unidade e Luta».

A criação do nosso Partido, em Bissau, por um grupo de 6 militantes, guineenses e cabo-verdianos, foi ao mesmo tempo um ato de unidade e de luta. É a partir deste embrião que a luta se desenvolve e se consolida sem cessar. Mas, para nós, a unidade do nosso povo contra o colonialismo e o imperialismo nunca significou a unidade de qualquer grupo nem com qualquer grupo, pelo simples fato de se dizer anticolonialista.

É essa a razão porque antes de agirmos no sentido da construção da unidade do nosso povo, da unidade do nosso povo em volta do Partido, sempre tivémos o cuidado de precisar o que entendíamos por «nosso povo». A este respeito diz-nos o nosso Secretário Geral, camarada Amílcar Cabral:

«A definição do povo depende do momento que se vive na terra. População é toda a gente, mas o povo já tem que ser considerado com relação à própria história. Mas é preciso definir bem o que é povo, em cada momento da vida de uma população. Hoje, na Guiné e em Cabo Verde, o povo da Guiné ou povo de Cabo Verde, para nós, é aquela gente que quer correr com os colonialistas portugueses da nossa terra.

Isso é que é povo, o resto não é da nossa terra nem que tenha nascido nela. Não é povo da nossa terra, é população da nossa terra, mas não é povo. Povo da nossa terra é todo aquele que nasceu na nossa terra, ou na Guiné ou em Cabo Verde, que quer aquela coisa que corresponde à necessidade fundamental da história da nossa terra, que é o seguinte: acabar com a dominação estrangeira na nossa terra... Toda a gente da população da nossa terra que quer, neste momento, que os colonialistas portugueses saiam da nossa terra, para tomarmos a nossa liberdade e a nossa independência, esses são o nosso povo... Mas daqui a algum tempo, quando tomarmos a nossa independência, por exemplo, quem quiser que a nossa terra seja independente, mas não quiser que as mulheres sejam livres e quiser continuar a explorar as mulheres da nossa terra, esse, hoje é povo, «mas amanhã já o não será».

Se nós queremos que todas as crianças da nossa terra sejam respeitadas e algum de entre nós não quiser isso, esse já será população, não será povo. É com base neste critério que, para preservar os verdadeiros interesses do nosso povo, o nosso Partido nunca transigiu em aceitar no seu seio qualquer gente só pelo fato de se dizer nacionalista ou patriota. Assim como também nunca aceitou unir-se com grupos que tivessem alguma organização, só pelo fato de se dizerem nacionalistas ou patriotas. Na nossa ideia, não se consolida uma organização de luta só porque a ela se junta uma outra.

Neste caso, é fundamental examinar, antes de mais, profundamente, a natureza de cada parcela. O nosso Partido realizou à sua volta a unidade do nosso povo na Guiné e está a fazê-lo em Cabo Verde. Através de algumas citações do Programa maior do nosso Partido compreenderemos mais a fundo a ideia que o nosso Partido tem de unidade e como pensamos realizá-la.

Afirma-se no Capítulo 2, artigo I deste Programa:

«Direitos e deveres iguais, união sólida e colaboração fraternal entre todos os cidadãos, considerados individualmente, em camadas sociais ou em grupos étnicos. Interdição e liquidação de todas as tentativas de divisão do povo». Isto, para a Guiné e para Cabo Verde, separadamente. Daí a necessidade de se clarificar no Capítulo 3, artigo 3: «Direitos e deveres iguais, união sólida e colaboração fraternal entre os guineenses e cabo-verdianos. Interdição e liquidação de todas as tentativas da divisão dos dois povos».

Num outro artigo do nosso Programa estabelece-se que tipo de unidade se deve utilizar — unidade económica, política, social e cultural. No Programa do nosso Partido há um capítulo consagrado à unidade africana, em particular. Lê-se no Capítulo 4, artigo I:

«Depois da conquista da independência nacional e com base na vontade popular livremente expressa, lutar pela unidade dos povos africanos, no conjunto ou regiões do continente, no respeito à liberdade, à dignidade e no direito ao progresso político, económico, social e cultural desses povos».

No Capítulo 4, artigo 3 do nosso Programa maior afirma-se:

«A defesa dos direitos e conquistas políticas, económicas, sociais e culturais, dos camponeses e trabalhadores urbanos da Guiné e Cabo Verde é a condição fundamental na realização da unidade com outros povos africanos».

Falando a propósito da unidade africana diz Amílcar Cabral:

«Somos em África pela unidade africana a favor dos povos africanos. Consideramos que a unidade é um meio e não um fim. A unidade pode acelerar a realização dos objetivos, mas não devemos trair o fim em vista. Nós sabemos que a unidade virá passo a passo, como um resultado dos esforços fecundos dos povos africanos. A unidade virá ao serviço da África, ao serviço da Humanidade».

E continua:

«Somos em África por uma política africana que procure defender primeiro que tudo os interesses dos povos africanos, de cada país africano, mas por uma política também que não esqueça em nenhum momento os interesses do mundo, de toda a Humanidade. Somos por uma política de paz em África e de colaboração fraternal com todos os povos do mundo».

De acordo com estas palavras do nosso Secretário Geral, o nosso Partido tem sempre obrado, e continuará a fazê-lo no futuro, por uma colaboração fraternal entre os povos africanos, contra os nacionalistas estreitos, que não servem os interesses do povo. Somos pela unidade africana à escala regional e continental, enquanto meio necessário à construção do progresso dos povos africanos e para garantir a sua segurança e a continuidade desse progresso.

Como se afirma num documento da CONCP:

«O desencadeamento da luta armada sucessivamente em Angola, na Guiné e em Moçambique veio introduzir um elemento novo na realidade africana pelo fato de tornar o movimento de libertação nacional dos nossos povos um dos elementos essenciais da conjuntura africana atual... O conhecimento das tendências e correntes políticas atuais no continente permite compreender a importância da nossa participação direta ou indireta na elaboração das linhas de força que, nestes últimos anos, introduziram uma dimensão nova e abriram novas perspetivas de ação unitária contra a dominação colonial e o imperialismo».


8. Que sentido tem para nós o falar-se de «Revolução Africana»?


O nosso Secretário Geral, camarada Amílcar Cabral, responde a uma tal pergunta numa entrevista, da seguinte forma:

«Se queremos neutralizar a ação retardadora levada a cabo pelos nossos inimigos e os seus lacaios, devemos reforçar os meios de ação e a vigilância da revolução africana. Sejamos mais precisos: para nós, revolução africana quer dizer transformação da vida económica atual no sentido do progresso. Isso exige a prévia liquidação da dominação económica estrangeira, da qual depende qualquer outra espécie de dominação. A nossa vigilância significa: seleção rigorosa dos amigos, cuidado e luta permanente contra os inimigos (externos e internos), neutralização ou liquidação de todos os fatores contrários ao progresso».

Como sabemos, o colonialismo e o imperialismo agem no quadro de uma estratégia global a que correspondem táticas diversas, conforme as circunstâncias, o estado de evolução das forças nacionais de revolução e os seus progressos e recuos. Portanto, é indispensável conhecer a natureza desta estratégia — o seu conteúdo e a sua forma, para melhor nos opormos a ela e para nos prepararmos para enfrentar o inimigo e levar a luta até o fim, com sucesso.

Quaisquer que sejam as formas de ação adotadas pelos nossos inimigos, no plano estratégico e tático, elas não serão capazes de fazer andar para trás a roda da História. Cedo ou tarde, o colonialismo e o imperialismo tornar-se-ão peças de museu da História da Humanidade. Apesar disso, os nossos inimigos poderão ser capazes de levar a cabo ações retardadoras. Mas estas ações podem ser neutralizadas e é isso que nós estamos a fazer, duma forma cada vez mais concreta e avançada nas regiões libertadas do nosso país.


9. Atualmente existem certos limites à nossa luta armada. Em que medida nos será possível vencer as dificuldade e alargar os limites da nossa ação?


«A luta armada feita nas condições da nossa terra impõe-nos limites e devemos estar conscientes desses limites, mas dos limites que existem em cada etapa»

— declara-nos o camarada Amílcar Cabral. E prossegue:

«O que não é possível hoje pode tornar-se possível amanhã. Isto depende da quantidade de transformações que formos capazes de realizar durante uma dada fase e dos meios que nós próprios, através da luta, formos capazes de criar, quer em material humano quer em material propriamente dito. Naturalmente que, para nos batermos, nas nossas condições, sem carros, sem veículos motorizados no interior, quando tudo se faz a pé ou em canoas, não podemos pensar em utilizar material pesado como por exemplo é empregado numa guerra como a do Vietnam. No Vietnam, no princípio, os vietnamitas não utilizavam material pesado e começaram a utilizá-lo progressivamente, enquanto que pouco tempo antes eles julgavam que isso não seria possível. É por isso que eu digo que a utilização do material pesado depende do que fizermos. Não utilizamos ainda material pesado, mas nada nos diz que, se a luta se prolonga, o não faremos».

Também no começo da nossa luta tivemos dificuldades em introduzir armas, mesmo as mais ligeiras, no interior da nossa terra. Mas essas dificuldades foram vencidas. Mais tarde tivemos dificuldades com o transporte e introdução no país de certas armas mais aperfeiçoadas e de maior capacidade e eficiência. Mas essas dificuldades foram vencidas. A luta revolucionária é assim mesmo: consiste em sermos capazes de vencer gradualmente, uma a uma, todas as dificuldades que tivermos de afrontar, criando deste modo novas condições para o progresso constante da luta e para apressar a derrota fatal do inimigo.

A primeira condição para avançarmos, para vencermos as dificuldades uma a uma, é conhecermos bem o estado das nossas forças e aquilo que é necessário e conveniente fazer em cada momento, de acordo com os meios reais de que dispomos. O resto é só uma questão de organização, de trabalho político, de disciplina, de vontade e de determinação inabalável de vencer. E também é, sobretudo, a profunda ligação aos princípios do nosso Partido, a dedicação à luta e ao amor do nosso povo.


10. Do ponto de vista militar, como encara o Partido a libertação do conjunto das ilhas de Cabo Verde?


Afirma o nosso Secretário Geral a tal respeito :

«A luta em Cabo Verde e na Guiné está, desde o princípio, intimamente ligada. Como se sabe, as ilhas de Cabo Verde foram povoadas por escravos levados até lá pelos portugueses. Desde há muito tempo que estamos muito ligados pela história e pelo sangue. É imperioso evitar que os portugueses explorem a separação que há entre a Guiné e Cabo Verde, para nos lançar uns contra os outros. De fato, começámos a luta em conjunto, no seio de um mesmo partido. A luta em Cabo Verde desenvolveu-se politicamente muito bem, mas preparamo-nos para uma nova fase da luta, se necessário. Isso depende dos portugueses. Evidentemente que bater-se numa ilha ou em várias ilhas é diferente de bater-se num continente. Mas tudo isso depende exatamente das formas de solução que se encontrem. Chipre é uma ilha, uma só ilha, mas ela libertou-se. Cuba é uma ilha muito grande mas também se libertou... Zanzibar ainda se libertou mais depressa. Portanto, isso depende do trabalho da Direção, do grau de mobilização das pessoas, do apoio que o povo der à luta. Em Cabo Verde, é necessário dizer que há motivações muito importantes para a luta, porque há a fome, a própria exploração do camponês.

Consideramos que se há desvantagens em se combater numa ilha, também há certas vantagens, incluindo nelas as dificuldades. Algumas vezes essas dificuldades constituem uma vantagem, porque obrigam os homens a pensar mais nos problemas, a contarem mais com eles próprios e isso pode ser muito bem explorado»


11. Qual é a posição do nosso Partido em relação aos soldados portugueses que combatem contra nós e em relação ao povo português?


Diz o nosso Secretário Geral:

«Milhentas vezes já o referimos: nós não lutamos contra Portugal, nós não o confundimos nunca com o colonialismo português. Os camaradas que cada quinta-feira ou domingo falam na nossa rádio repetem sempre esta frase. Em Argel há desertores portugueses que podem falar disso melhor do que eu. De resto, neste domínio, é um fato que a melhor propaganda do nosso Partido foi e continua a ser feita pelos soldados portugueses, compreendendo os próprios prisioneiros portugueses.

O que queremos é conquistar a nossa independência nacional e desenvolver relações com todo o mundo, mas estamos dispostos a conceder prioridade ao povo português, porque falamos a língua portuguesa, porque há entre nós laços históricos. Não é necessário negar a realidade e estabeleceremos essas relações de acordo com as nossas próprias conveniências e as do povo português».

De acordo com a linha de orientação definida pela Direção do nosso Partido, devemos acolher sempre bem, de braços abertos, qualquer soldado português que se decida a abandonar a guerra criminosa dos colonialistas portugueses, tratá-lo com simpatia e amizade, facilitar-lhe os meios para chegar com segurança a qualquer destino onde deseje estar ao abrigo da perseguição dos colonialistas. Devemos explicar ao povo que deve proceder igualmente e que esta orientação é não só uma maneira de proteger e de salvar aqueles que na tropa colonialista não desejam a guerra, que estão contra ela, que compreendem que ela é injusta, mas também é uma posição que contribui para ativar a deserção, para desmoralizar as forças do inimigo, para enfraquecê-las, para abrir brechas no seu seio e para aumentar a nossa força.

Quanto aos prisioneiros de guerra, trata-se de gente que não deixou de pertencer ao exército colonial, que não deixou de estar do lado do nosso inimigo. Mas o nosso Partido respeita as leis internacionais sobre a guerra e sobre o tratamento a conceder aos prisioneiros de guerra. Por isso todo aquele que cai como prisioneiro das nossas forças deve ser desarmado, interrogado e internado. Mas o nosso Partido não utiliza nem a tortura nem exerce brutalidades de qualquer género contra os prisioneiros de guerra. Poupamos a vida de todo aquele que se renda. Os prisioneiros de guerra que temos são a prova de que o nosso Partido respeita os princípios internacionais que foram estabelecidos a tal respeito e a legalidade internacional, contrariamente ao procedimento seguido pelos colonialistas portugueses que matam, torturam e maltratam a maior parte dos seus prisioneiros. Por outro lado, a libertação de alguns prisioneiros de guerra pelo nosso Partido é um gesto humanitário de alto significado político. Esse gesto corresponde à orientação do nosso Partido de que «nós não lutamos contra o povo português, contra indivíduos portugueses ou famílias portuguesas». Este gesto é ainda uma prova da nossa força e um desmentido às afirmações feitas pelos colonialistas junto dos seus soldados de que nós somos gente sem princípios, sem qualquer respeito pela pessoa humana.

«A libertação de prisioneiros de guerra, — como disse de resto o nosso próprio Secretário Geral, — é um encorajamento ao povo português na sua luta contra a guerra colonial, à tendência realista no seio do governo português e aos elementos das tropas coloniais que se querem libertar do pesadelo de uma guerra que é contrária aos próprios interesses do seu povo».


12. Qual é a política de formação de quadros do Partido?


Diz-nos o nosso Secretário Geral, camarada Amílcar Cabral:

«Desde o princípio, fizemos esforços para formar quadros, evidentemente quadros ao nível das possibilidades e correspondendo às realidades. Formamos quadros no interior do país. Em geral, os nossos quadros militares formam-se no interior do país, salvo no começo da luta em que tivemos que formar quadros militares no exterior. Formamos também quadros políticos no interior do país, assim como enfermeiros e enfermeiras. Mas enviaremos gente para o exterior sempre que se nos ofereçam possibilidades de obtenção de bolsas de estudo, as quais serão sempre bem-vindas. Neste campo é necessário ter em conta aquilo que éramos no começo da luta: um país com 90% de analfabetos e com uma dezena de quadros formados nas universidades dos portugueses. Temos, pois, grandes dificuldades. Um dos problemas da luta, para nós, e para os povos nas mesmas condições, é o problema dos quadros, mas é necessário forjá-los e para isso é necessário, em cada etapa da luta, não exigir dos quadros mais do que aquilo que eles podem dar. Eles darão amanhã mais do que deram hoje. é este o nosso princípio».

Na formação de quadros, o Partido pensou sempre que era fundamental haver uma maior percentagem de quadros técnicos médios do que de outros. E damos prioridade àqueles ramos que nos permitam desenvolver desde já o nosso país nos diversos aspetos: económico, cultural, social e político. Na formação de quadros o Partido tem sempre em conta o passado que nos foi deixado pelos colonialistas, a necessidade do presente de começar a reconstruir as regiões libertadas em novas bases enquanto prossegue a guerra, e as tarefas futuras que há que levar a cabo para desenvolver o país e fazê-lo sair, a pouco e pouco, do atraso e do subdesenvolvimento, já depois de totalmente conquistada a nossa independência nacional.

A este respeito diz-nos ainda o nosso Secretário Geral:

«Adotamos, nesta longa tarefa de formação, um princípio de assimilação crítica, o que quer dizer que estudamos a experiência de outros mas tendo em conta as nossas próprias realidades e tiramos proveito dessas experiências naquilo em que são verdadeiramente adaptáveis às nossas condições. Não temos a pretensão de inventar coisas que já foram inventadas. Mas para estudar as experiências dos outros não é preciso ir fazê-lo noutros países. Por exemplo, quanto à experiência do Vietnam, não é necessário lá ir, basta ler os livros de Giap e de outros dirigentes do Vietnam, para se compreender bem as coisas, porque se começamos a passar de um lado para outro, por toda a parte, para aprendermos as coisas, acabaremos por não fazer a luta na nossa própria terra. E o melhor terreno, a melhor escola é a nossa própria terra. Essa é que é de fato a grande escola».

Portanto, na linha de orientação traçada pelo nosso Secretário Geral e Direção do Partido, cada camarada deve criar hábitos de leitura e de estudo para poder melhor compreender e interpretar não só a realidade da nossa própria luta mas também as transformações que se verificam no mundo, nos outros países, na vida de outros povos. Estudar, melhorar os seus conhecimentos gerais ou sobre um dado assunto, a sua cultura, a sua formação política, aprendendo na vida, junto do povo, nos livros e na experiência dos outros, é duma grande utilidade para o trabalho que cada qual tem de levar a cabo e para a realização das imensas e pesadas tarefas que há que executar para promover o progresso do nosso país, para o levar a sair do seu atraso secular, para o tornar um país livre, verdadeiramente soberano e independente.


13. Em que princípio se baseia a aceitação da ajuda daqueles que se dispões a ajudar-nos?


O nosso Secretário Geral afirmou a tal respeito :

«A nossa ética da ajuda é a seguinte: recebemos a ajuda de qualquer um que deseje dá-la. Estamos a bater-nos pela libertação do nosso povo e lamentamos que os dadores não sejam lá muito numerosos. Nós não pedimos a ajuda de que precisamos. Esperamos que cada qual que deseje ajudar-nos dê aquilo que puder dar. Por outro lado não admitimos condições à ajuda que recebemos.

A contrapartida à ajuda que nos dão é a garantia que damos de utilizar essa ajuda o melhor possível, com a maior eficácia, para a libertação do nosso povo. A África ajuda-nos. Como se sabe, somos um movimento que goza de muito prestígio no seio da OUA. Esta ajuda é muito útil, mas não corresponde às necessidades da luta, porque não se desenvolve como o impulso da luta o exige. Consideramos a comunidade socialista também como um aliado na luta e recebemos também uma ajuda desta comunidade socialista, pelo menos de certos países. Esta ajuda é-nos também muito útil e esperamos que ela se desenvolva na medida em que a luta se desenvolve. No que respeita à Europa e aos países ocidentais em geral, há correntes de opinião e organizações que nos apoiam. E contamos muito com este apoio mora! e político. Infelizmente, esse apoio não se desenvolveu ainda bastante, talvez porque as nossas condições não são muito brilhantes ou porque temos a pouca sorte de ter como adversário um país subdesenvolvido que as pessoas não consideram muito. Mas nós também sofremos a guerra e uma guerra injusta que os portugueses fazem contra nós. Esperamos que a opinião anticolonialista, particularmente na Europa, se desenvolva e se manifeste mais fortemente a nosso favor».


14. Em que medida somos solidários com a luta dos nossos irmãos africanos da Rodésia e da África do Sul e qual poderá via a ser amanhã a nossa contribuição para a libertação definitiva?


Diz-nos o nosso Secretário Geral:

«Em primeiro lugar, a nossa tarefa é libertar o nosso país o que é para nós uma coisa sagrada. Mas nós estamos em África e a nossa opinião é que enquanto existir o racismo, o colonialismo, o apartheid na África do Sul, a dominação de uma minoria de origem europeia sobre uma maioria africana, a África não será livre e haverá sempre um perigo de renovação. É uma tarefa de cada país africano independente fazer tudo para ajudar os nossos irmãos da África do Sul ou da África Austral a desenvolverem a sua luta e a libertarem-se. Evidentemente, consideramos que os casos rodesiano ou da África do Sul são diferentes do nosso, as próprias perspetivas de evolução são diferentes das nossas e são esses irmãos que devem ver quais são para eles as melhores soluções. Simplesmente, consideramos que é um caso diferente do nosso que exige, talvez, sobretudo um trabalho político muito sério no interior do país: mobilização política muito grande, organização muito sólida e, naturalmente, uma vontade generalizada, feroz de se baterem. O caso argelino era também muito difícil, muito complexo, mas teve uma solução. Claro, é necessário não confundir a Argélia e a África do Sul, uma e outra não são a mesma coisa.

Nós estaremos abertos a toda a procura de colaboração, de cooperação, para dar ajuda aos nossos irmãos da África do Sul, se chegarmos à independência antes deles. Estamos convencidos que têm uma luta muito difícil, mas que o trabalho político é essencial para poder basear toda uma ação que tomará as formas necessárias contra a dominação de origem europeia».


15. Qual é a posição do partido em relação ao problema biafrense?


Para se compreender melhor a posição adotada pelo nosso Partido é necessário que se exponham alguns dados essenciais do problema biafrense.

  1. Alguns dados históricos e estatísticos
  1. Desde o começo do século a Nigéria viveu sob a situação de colónia e protetorado da Inglaterra. A 1 de Outubro de 1960 a Nigéria adquiriu a sua soberania e independência, no quadro da chamada Comunidade Britânica. Em 1963 a Nigéria proclamou-se República.
  2. A Nigéria adotou um sistema de organização político-administrativa de tipo federal. Quer dizer que o país se encontrava dividido em várias regiões (neste caso preciso 4), cada uma com o seu governo próprio, o seu Primeiro Ministro, Conselho de Ministros e Parlamento, embora sob a direção de um Governo central. Até os fins do primeiro decénio do atual século o colonialismo inglês teve grandes dificuldades em instalar-se, devido à encarniçada resistência que lhe opôs o povo nigeriano. A política inglesa da «administração indireta» criou uma situação tendente a manter na Nigéria uma ordem feudal e semi-feudal e os privilégios dos grandes senhores feudais. O sistema instalado pelo colonialismo inglês possibilitou a penetração do capital monopolista na Nigéria.
  3. A população da Nigéria ascende atualmente a 66 milhões (dados de 1970 — declaração de Gowon), o que a torna o país mais populoso do continente africano.
  4. A Nigéria é um país rico, cujas possibilidades económicas são imensas. Os seus recursos agrícolas são importantes. Trata-se de um grande produtor mundial de cacau e um dos primeiros exportadores mundiais de mancarra, produzindo além disso, como principais produtos agrícolas: borracha, coconote, óleo de palma, mandioca, algodão, sésamo e soja. O seu potencial hidroelétrico chega-lhe para cobrir as necessidades crescentes duma indústria em pleno desenvolvimento. Possui uma apreciável riqueza animal e florestal. Do ponto de vista de riqueza mineira, tem enormes possibilidades: a Nigéria é o primeiro produtor africano de estanho; está entre os dez primeiros países produtores de petróleo do mundo; produz tântalo, chumbo, ouro e tungsténio; produz 90 % da produção mundial de columbite — importante mineral estratégico que cobre as necessidades das indústrias aeronáutica e espacial. Nestes últimos anos as grandes empresas monopolistas dos países imperialistas deram-se conta do grande valor e importância do petróleo nigeriano, pelo que se acentuou a ação de intriga e manobras políticas por parte de certas potências imperialistas em redor da Nigéria.
  1. Balanço da guerra do «Biafra» e as suas consequências.

A 6 de Julho de 1967, o general Gowon anunciou a decisão do seu governo de atacar o «Biafra», a fim de restaurar a paz e a unidade da Nigéria.

A guerra do «Biafra» durou 2 anos e meio. Terminou a 12 de Janeiro de 1970 com a vitória militar total das forças federais do general

Gowon sobre o general Ojukwu, separatista, oportunista e ambicioso. O general Ojukwu, sentindo-se perdido, fugiu juntamente com a família num avião, transportando uma tonelada de carga dos seus haveres. Foi uma guerra dura que custou cerca de dois milhões de vidas. Esse foi o pesado tributo que o povo nigeriano pagou aos imperialistas para garantir a sua unidade, preservar e consolidar a sua independência e salvaguardar um futuro de dignidade e de liberdade, na paz e no progresso.

Definindo o ponto de vista do nosso Partido, o camarada Amílcar Cabral afirmava :

«A Nigéria hoje está despedaçada por causa do trabalho de sabotagem dos imperialistas, por causa da ambição de indivíduos formados na Europa que querem à viva força ser Presidentes da República e que procuram dividir o povo nigeriano, inventando histórias de Biafra e outras que tais»...

«Os imperialistas sabem que há muito petróleo na Nigéria e resolveram criar a desgraça na Nigéria — a guerra que se chama do «Biafra».

«...O problema do Biafra é um problema falso».

«A nossa posição nesta matéria é muito clara: respeitamos as decisões da Primeira Conferência dos Chefes de Estado de África, isto é a carta da OUA. A Carta foi estabelecida e toda a gente adotou o princípio de que se deviam respeitar as fronteiras e a unidade dos Estados Africanos. A Nigéria é um Estado, com fronteiras bem definidas. Consideramos que não há conflitos que não possam ser resolvidos no quadro da unidade nigeriana. Seria servir o imperialismo começar a dividir ainda aos bocados esta África já tão dividida. 0 povo Ibo, como todos os outros povos, como todos os grupos étnicos de África, tem direito a uma vida em segurança, mas esta segurança não exige necessariamente o parcelamento e a secessão da Nigéria.

Somos abertamente pela unidade da Nigéria e que todas as etnias na Nigéria possam viver em paz e em segurança. Acreditamos firmemente que isto é possível, se não houver potências estranhas à África a meterem-se na questão nigeriana e a apoiar uma guerra fratricida».


16. Porque razão devem os povos responder à violência imperialista com a violência revolucionária?


Na intervenção que o nosso Secretário Geral fez na Primeira Conferência de Solidariedade dos Povos de África, Ásia e América Latina, realizada em Havana em 1966, referindo-se ao papel da violência em relação com a luta de libertação nacional, ele afirmou:

«Os fatos dispensam-nos de provar que o instrumento essencial da dominação imperialista é a violência. Se aceitarmos o princípio segundo o qual a luta de libertação é uma revolução e que esta não acaba no momento em que se iça a bandeira e se toca o hino nacional, veremos que não há, nem pode haver, libertação nacional sem o emprego da violência libertadora por parte das forças nacionalistas, para responder à violência criminosa dos agentes do imperialismo.

Ninguém duvida que, quaisquer que sejam as caraterísticas locais, a dominação imperialista implica um estado de violência permanente contra as forças nacionalistas. Não há povo sobre a terra que, tendo sido submetido ao jugo imperialista (colonialista ou neocolonialista), conquistasse a sua independência (nominal ou efetiva) sem vítimas. O que importa é determinar que formas de violência devem ser utilizadas pelas forças de libertação nacional, para responder, não só à violência do imperialismo, mas também para garantir pela luta a vitória final da sua causa : a verdadeira independência nacional».

«As experiências vividas por certos povos, a situação atual da luta de libertação nacional no mundo (especialmente no Vietnam, no Congo e na Rodésia), assim como a situação de violência permanente, ou pelo menos de contradições e de sobressaltos, na qual se encontram certos países que conquistaram a sua independência pela via dita pacífica, demonstra-nos que não somente os compromissos com o imperialismo são inoperantes, mas também que a via normal de libertação nacional, imposta aos povos pela repressão imperialista, é a luta armada...

Eis a grande lição que a história contemporânea da luta de libertação nacional ensina a todos os que estão verdadeiramente empenhados no esforço de libertação dos seus povos».

«É evidente que tanto a eficácia desta via como a estabilidade da situação à qual ela conduz, após a libertação, dependem não só das caraterísticas da organização da luta, mas também da consciência política e moral dos que, por razões históricas, são os herdeiros imediatos do estado colonial ou neo-colonial».


17. Porque é que Portugal, sendo um país pequeno e economicamente atrasado, é capaz de manter uma guerra em três frentes: Angola, Guiné e Moçambique?


Diz-nos o nosso Secretário Geral :

«Como sabemos, Portugal é um país atrasado, subdesenvolvido, em que mesmo a agricultura é muito primitiva comparada com a agricultura do resto da Europa. Portugal não tem uma infraestrutura capaz de suportar uma guerra feita a sério mesmo contra pequenos povos pobres como o nosso, sobretudo se ele tem de a fazer em três frentes e empregar armas modernas. No passado, Portugal bateu-se contra nós, quer seja na Guiné, em Angola ou Moçambique para instalar a dominação colonial. Mas essa luta durou 50 anos. Os portugueses possuíam armas de fogo, nós não as tínhamos, nós não tínhamos também a unidade e a consciência que temos hoje, mas mesmo assim eles tiveram de fazer a guerra durante 50 anos. Ora, neste momento da história em que a contestação armada do colonialismo português é a caraterística do nosso país, se Portugal não dispusesse da ajuda da OTAN e outros aliados, ele não poderia fazer a guerra.

Quanto à África do Sul, há uma solidariedade estreita, concreta, entre ela e Portugal, que contradiz de uma maneira muito clara as pretensões multi-raciais do governo português. Nós, felizmente, estamos longe da África do Sul, ao passo que em Angola já intervieram tropas sul-africanas, com helicópteros e aviões, contra os militantes do MPLA. Trata-se de fatos concretos. No que respeita aos países da OTAN, basta ler as notícias para se saber da quantidade de ministros da Alemanha Federal que vão a Portugal. A Alemanha Federal tem no próprio Portugal uma base aérea, ela investe cada vez mais em Angola e em Moçambique. Os Portugueses utilizam espingardas Mauser e outras armas que se fabricam na Alemanha Federal. Os Fiat G-91 ou os Sabre, aviões de reação que Portugal utiliza, são-lhe dados pela Alemanha Federal. Entretanto, os bombardeiros B-26 são americanos, as espingardas automáticas G-3 são alemãs, etc.

Por exemplo, quanto à Bélgica. Há material belga que Portugal utiliza contra nós. Mas nós não temos nada contra a Bélgica, não temos nada contra o povo belga, pelo contrário, queremos o desenvolvimento das melhores relações com a Bélgica. Mas, neste momento, é claro que há uma ligação entre a Bélgica e Portugal. Assim como é claro que os Allouettes (helicópteros) que nos atacam são fabricados em França ou que as canhoneiras que os portugueses receberam são fabricadas em França».


18. Porque é que Portugal não pode fazer neo-colonialismo?


Num artigo publicado na revista «TRICONTINENTAL», edição francesa, N.° 3, de 1969, afirmava o camarada Amílcar Cabral:

«Quanto à posição dos portugueses, pensamos que eles estão a fazer a guerra colonial em razão da política criminosa do seu governo e porque temem a descolonização. Portugal é um país subdesenvolvido, é uma semi-colónia da Inglaterra, dos Estados Unidos e de outros países, e não tem uma estrutura económica que lhe permita praticar o neocolonialismo ou tem medo da concorrência dos outros países. Prefere o papel de intermediário a retirar-se de Angola. Prefere que Angola seja explorada pelos Estados Unidos, pela Bélgica, pela Inglaterra, etc., em vez de partir e deixar os outros completamente sós. No nosso caso preciso, o da Guiné, a única coisa que impede Portugal de se retirar é o precedente que isso representaria, porque toda a gente sabe que as coisas vão muito mal para Portugal».

Na verdade, países como a França e a Inglaterra, por exemplo, que são países capitalistas desenvolvidos, com uma técnica e uma indústria adiantadas, com um alto nível cultural, podem realizar o neocolonialismo. Mas Portugal não pode fazê-lo por três razões principais :

  1. Portugal é um país economicamente atrasado, é um país onde 50 % da população é analfabeta, um país pouco industrializado e que todas as estatísticas da Europa citam como ocupando sempre o último lugar no que respeita a vários setores de atividade humana.

  2. Portugal é ele próprio uma semi-colónia. As maiores riquezas de Portugal encontram-se nas mãos do capital estrangeiro. Praticamente todas as minas pertencem aos capitalistas estrangeiros. Os ingleses têm nas suas mãos as mais ricas minas de volfrâmio da Europa (Panasqueira), o urânio da Ulgeiriça, as pirites de S. Domingos, o ouro de Jales; os belgas possuem as pirites de Aljustrel e os carvões de Pejão (com dois terços das reservas conhecidas de antracite); os americanos possuem o manganês e o estanho; os franceses possuem o volfrâmio da Borralha; os alemães possuem o ferro de Moncorvo, base essencial para a industrialização do país.
    Mas também pertencem a estrangeiros: o telégrafo, as comunicações internacionais (Marconi), os transportes coletivos de Lisboa (Companhia Garris de Ferro de Lisboa), uma parte dos transportes ferroviários e dos aéreos (TAP), o domínio da frota petroleira (SAPO- NATA). Uma grande parte da produção e distribuição de energia elétrica pertence a estrangeiros (Companhias Reunidas de Gás e Eletricidade, Elétrica del Lima-União Elétrica Portuguesa, Termoelétrica) e também, praticamente, todo o ramo de artigos elétricos (General Eletric, Standard, Philips, AEG, BICC, Ateliers de Charleroi).
    Empresas estrangeiras possuem uma boa parte da SIDERURGIA NACIONAL, as duas fábricas de cimento (SECIL e CIBRA), um dos grupos dominantes da cerâmica (Sacavém) e parte de outro (Vista Alegre). Pertencem a estrangeiros a refinaria de petróleo (Sacor), uma série de potentados industriais dos derivados do petróleo e todo o comércio externo e interno dos óleos minerais (SHELL, BP, MOBILOIL, STANDARD OIL).
    Eles possuem também o exclusivo de fabrico de carruagens de caminhos de ferro e locomotivas (SOREFAME), da montagem de automóveis e camiões e metade dos estaleiros navais existentes. Possuem ainda a fábrica de soda e uma parte importante do fabrico de adubos químicos (SAPEC, PETROQUÍMICA, NITRATOS DE PORTUGAL), o fabrico de pneus (MABOR e FYRESTONE) e de cabos de alumínio e aço. Sete das nove mais importantes empresas produtoras e exportadoras de cortiça estão nas mãos de estrangeiros (MUNDET, ARMSTRONG e outras).
    A maior refinação de açúcar (SENA SUGAR), o maior trust de laticínios (NESTLÉ), uma das duas grandes companhias de tabaco (Companhia Portuguesa de Tabacos) estão nas mãos de estrangeiros. Assim como numerosas fábricas têxteis, de celulose e de papel, de conservas e de bebidas, de fósforos, de especialidades farmacêuticas, de explosivos. Dois bancos estrangeiros exercem a sua atividade em Portugal.
    Dezenas de companhias de seguros, às quais pertencem cerca de um quinto do total dos prémios e a posição preponderante no ramo por meio do resseguro. Os estrangeiros estão em Portugal presentes por toda a parte : tintas e construções, hotéis e espetáculos. E até mesmo o vinho do Porto, famoso produto português, está em parte decisiva nas suas mãos.
    A Ilha da Madeira pode dizer-se que está nas mãos dos ingleses que nela detêm as indústrias locais e a exploram. As Ilhas dos Açores foram transformadas em bases militares dos americanos e dos franceses. Também nas colónias predomina o capital estrangeiro, que explora as suas riquezas principais. Ingleses, americanos e belgas partilham os diamantes, os algodões e os transportes de Angola. Os ingleses reservam o urânio e o carvão e grande parte do algodão, do açúcar e da floresta de Moçambique.
    Os alemães possuem o ferro de Angola (KRUPP) e ganham posições cada dia mais fortes nos minérios, na agricultura, nas carnes, na pesca. Os americanos mandam nos petró- leos (Cabinda Gulf Oil Company e Gulf Oil of Moçambique) e no manganês (Companhia do Manganês de Angola). Na Companhia Concessionária dos Petróleos de Angola (COPA), o capital português é de 55 %. Os franceses têm, por seu lado, o fabrico do alumínio (PE- CHINEY).

  3. Portugal não conseguiu criar nas suas colónias, tanto em Angola como em Moçambique e na Guiné, uma burguesia nacional capaz de assegurar no futuro a defesa dos seus interesses, numa eventual situação neocolonialista. Na impossibilidade de criar uma situação neocolonialista nas suas colónias e consciente dessa realidade, o governo colonial fascista não tem outro caminho senão dar tudo por tudo para tentar manter nas suas mãos esses territórios. Para os colonialistas portugueses não há outra alternativa : ou pegar ou largar. Por essa razão defendem intransigentemente a política de manter-se a todo o custo, que está de acordo com a situação real de dominação estrangeira na qual o próprio Portugal se encontra.


19. Porque dizemos que os países socialistas são os nossos aliados naturais na luta que travamos contra os criminosos colonialistas portugueses?


Na 2.a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), realizada em Dar-es-Salaam, capital da Tanzânia, em Outubro de 1965, o Secretário Geral do nosso Partido declarava:

«...Temos aliados seguros nos países socialistas. Todos sabemos que os povos africanos são nossos irmãos. A nossa luta é a deles. Cada gota de sangue que se verte na nossa terra, cai igualmente do corpo e do coração dos nossos irmãos africanos. Mas sabemos também que, desde a Revolução Socialista e depois dos acontecimentos da 2.ª Guerra Mundial, o mundo mudou definitivamente de face. Surgiu no mundo o campo socialista. Isto mudou por completo a correlação de forças e o campo socialista mostra-se muito consciente dos seus deveres históricos, não morais, porque os povos dos países socialistas nunca exploraram os povos coloniais. Eles mostram-se conscientes dos seus deveres e é por isso que eu tenho a honra de vos dizer aqui, abertamente, que recebemos deles ajudas substanciais, eficazes, que vêm reforçar a ajuda que recebemos dos nossos irmãos africanos. Se há pessoas que não gostam de ouvir dizê-lo que venham também ajudar-nos na nossa luta. Mas poderão estar certos de que nós, nós estamos orgulhosos da nossa soberania... Receberemos a ajuda dos países socialistas porque eles indicam hoje o caminho que pode servir o homem, o caminho de justiça».

Como toda a gente sabe os países socialistas têm uma clara posição anticolonialista e anti-imperialista. Tal não acontece por acaso. Os partidos políticos que dirigiram a conquista do poder pelos povos nos países que hoje são socialistas eram partidos comunistas, cuja ideologia consistia na defesa intransigente dos interesses das massas exploradas — operários, camponeses e outros trabalhadores explorados — e que preconizavam a luta política, através da organização dessas massas exploradas, sob a direção da classe operária, para acabar definitivamente com a sociedade capitalista e, em consequência, com a exploração do homem pelo homem.

Nos seus programas, esses partidos, que em muitos casos se aliaram a outros partidos progressistas, inscreviam como objetivo a liquidação de toda a espécie de dominação colonial e do imperialismo. Por isso, a União Soviética, o primeiro país socialista que se formou no mundo, pôs termo às colónias, existentes no seio do antigo império russo, logo após a Revolução Socialista triunfante em 1917. Por isso, não há nenhum país socialista no mundo que mantenha qualquer espécie de sistema colonial.

O imperialismo é uma consequência do desenvolvimento do sistema capitalista mundial. Os partidos comunistas, que lutam contra a exploração capitalista, lutam também, por isso, contra o imperialismo. Por essa razão, os países socialistas apoiam a luta dos povos contra a exploração colonial e contra o imperialismo.

Segundo Engels, um dos fundadores do socialismo científico (comunismo),

«um povo que oprime outro povo, não poderá ser livre».

Coerentes com estes princípios, os países socialistas apoiam os movimentos de libertação nacional que lutam pela liberdade e independência dos seus respetivos países. Por isso, os países socialistas são os aliados seguros dos povos em luta pela sua total libertação de jugo estrangeiro.


20. Quais são as possibilidades de desenvolvimento econômico da Guiné e Cabo Verde?


A. GUINÉ

Em «PALAVRAS DE ORDEM» do nosso Partido diz o camarada Amílcar Cabral:

«Enquanto destruímos o inimigo, os seus agentes e as coisas que servem os seus interesses, temos de nos construir a nós mesmos, garantir a satisfação das necessidades do nosso povo, fazer homens e mulheres capazes, melhorar cada dia as condições de vida na nossa terra. Juntamente com a resistência política e a resistência armada, devemos reforçar cada dia a resistência económica, a resistência cultural e a resistência física. Destruir a economia do inimigo e construir a nossa própria economia...»

Com o desenvolvimento da nossa agricultura, a criação e o desenvolvimento dum setor industrial, com a exploração das nossas riquezas do subsolo, com o aproveitamento da energia dos nossos rios, racionalizando ao mesmo tempo o modo de utilização dos nossos recursos e aprendendo a tirar o máximo proveito, as possibilidades económicas da Guiné são bastante grandes.

Vamos dar um pequeno balanço de algumas perspetivas desse desenvolvimento:

  1. A partir da mancarra pode fabricar-se manteiga de amendoim, óleo e farinha; podem produzir-se bagaços que se utilizam na alimentação do gado; podem obter-se adubos e certos produtos utilizáveis na indústria de vernizes. A mancarra pode ser utilizada na preparação de farinhas alimentares, na preparação de conservas de pasta de carne, na saboaria, no tratamento das lãs, na iluminação, no fabrico de queijos e margarinas, na forragem e como combustível, etc.

  2. O óleo de palma, além de ser um rico alimento, para os homens e os animais, pode ser utilizado no fabrico de margarina, de vernizes, no tratamento das chapas de folha de Flandres, antes de serem estanhadas, no enriquecimento de certos minérios, no fabrico de gorduras alimentares, de sabão e de velas e pode ser empregado como carburante.
    Se tivermos em conta que o mercado mundial tem falta de óleos e que, em especial, o coconote se coloca nos mercados internacionais a preços verdadeiramente compensadores, compreendemos melhor o valor económico deste produto e as suas possibilidades futuras, em consequência do desenvolvimento da nossa economia.

  1. É possível vir a desenvolver na Guiné uma indústria de curtumes (peles). Poderão assim criar-se possibilidades maiores de emprego de mão-de-obra e de melhoria quantitativa e qualitativa da nossa classe operária.
    Esta indústria poderá servir de base a um acréscimo de exportações de produtos acabados. Poderá criar-se uma boa indústria de vestuário e calçado, de carteiras e de malas. Especialmente as peles de animais bravios, e sobretudo as peles de crocodilo, poderão vir a representar uma importante fonte de divisas, devido às altas cotações que atingem nos mercados internacionais. Mas para isso haverá que proceder à criação racional de crocodilos para obtenção das suas peles, como já hoje se pratica, por exemplo, no Japão, em Cuba e em Madagascar (com o auxílio dos especialistas japoneses na matéria).

  2. As madeiras: o nosso país é rico em espécies vegetais que fornecem ótimas madeiras. Madeira de alta qualidade, como é, por exemplo, o bissilão, pode atingir no mercado internacional cotações de grande valor. No que respeita ao aproveitamento da madeira, a Guiné tem excelentes condições para uma exploração eficiente.
    É o caso de várias terras no Norte, com belas condições florestais e com a vantagem de serem atravessadas por rios navegáveis. É esse também o caso das terras banhadas pelo rio Cacheu. Além disso, há também terras enxutas, onde o bissilão, por exemplo, encontra condições excelentes de desenvolvimento. Para as bandas do Oio há terrenos onde crescem árvores capazes de fornecer boa madeira, com a vantagem de serem terrenos atravessados por uma via navegável, mesmo para navios de longo curso.
    A madeira é um produto de larga aplicação industrial e química. A partir da madeira podem obter-se resinas e essências diversas. As resinas utilizam-se, por exemplo, na confeção de vernizes. A partir da madeira obtêm-se o carvão de madeira, alcatroes que se empregam nos cordames e na calafetagem de navios, açúcares e álcool de madeira, matérias plásticas, linóleo e madeiras aglomeradas, pastas de papel e celuloses que permitem a produção de seda artificial, explosivos e películas, diversos produtos químicos e farmacêuticos, etc. Além disso, a madeira pode servir de base a toda uma indústria de fabricação de mobiliário.

  3. A borracha: é uma das nossas riquezas susceptíveis de inúmeras aplicações. Eis algumas das principais:
    a) Fabricação de pneumáticos;
    b) Amortecedores, juntas, etc.;
    c) Calçado (sapatos, botas, saltos e solas);
    d) Isoladores de cabos;
    e) Artigos esponjosos;
    f) Brinquedos;
    g) Tapetes para automóveis;
    h) Impermeáveis;
    i) Peças em ebonite;
    j) Revestimentos de solos;
    l) Artigos de higiene;
    m) Na indústria têxtil, sob a forma de fios que entram na fabricação de tecidos elásticos;
    n) Na prótese dentária, etc.

  4. A pecuária: há possibilidades futuras de desenvolvimento da nossa criação de gado. A partir dela, poderemos obter carne, essencial para a alimentação humana, leite (vacas, cabras), criando mesmo centrais leiteiras, manteiga, queijo e iogurte.

  5. Além do arroz, a que está reservado um papel de grande progresso na nossa terra, no quadro das plantas alimentares, o país tem grandes possibilidades no que respeita à horticultura (plantas de hortas) e à fruticultura (frutas). Certas culturas, tais como a mandioca, os feijões, o inhame, a mafafa, a batata doce, o baguiche, a canja (quiabo), tomates, alfaces, agriões, etc., na medida em que se desenvolva a horticultura, permitirão elevar bastante e rapidamente, o nível alimentar da população e suprimir certas carências em vitaminas e sais. O desenvolvimento da horticultura tem sido, aliás, um dos aspetos a que alguns países asiáticos subdesenvolvidos deram importância para melhorar as suas condições alimentares, como aconteceu com a China e o Vietnam que souberam valorizá-la através de engenhosos trabalhos de micro-hidráulica.

Referindo-se ao futuro de algumas destas culturas, dizia o camarada Amílcar Cabral no Recenseamento Agrícola da Guiné «Portuguesa», em 1953:

«poderão vir a ter um lugar de relevo na agricultura guineense desde que técnica, económica e socialmente bem orientadas: a mandioca, a batata doce, o algodão, a cana sacarina, o milho «basil», o feijão e outras culturas alimentares. A maioria destas culturas, além do seu valor nutritivo, oferece largas possibilidades de industrialização».

A maior parte das nossas frutas oferece boas condições de desenvolvimento económico, é suscetível de um grande número de aplicações. É assim que, em relação à banana :

  1. A polpa fresca pode entrar diretamente na fabricação de cremes gelados.
  2. Pode-se utilizar no sumo combinado de diversos frutos.
  3. Fabricação de bananas secas.
  4. Obtenção, por fermentação, de bebidas alcoólicas, cerveja e vinagre.
  5. Obtenção de flocos ou farinhas, aproveitando sobretudo os produtos não exportáveis.
  6. Fabricação de álcool e álcool industrial.
  7. Utilização na alimentação de animais (sobretudo porcos).
  8. Fabricação de fibras: cordame para navios (com a vantagem de flutuarem), sacaria e para tecelagem de tecidos grosseiros.
  9. Fabricação de pasta de papel (as fibras curtas).

A partir do caju pode-se :

  1. Obter óleo de caju.
  2. Fabricar vernizes e tintas para o zinco e para o ferro.
  3. Obter tintas resistentes à água, ao ácido, ao álcool e á terebintina.
  4. Obter resinas diversas, diretamente.
  5. Obter resinas do líquido do coque de castanha de caju.
  6. Obter sumo de caju, rico em vitamina C e que se pode comercializar, etc.

Além disso, a castanha do caju representa uma riqueza importante e pode vir a pesar bastante na nossa futura balança comercial. O coco é também suscetível de um bom aproveitamento. Por exemplo, pode-se aproveitar a sua fibra, o que hoje acontece largamente em alguns países. Podem manter-se uma ou mais indústrias de transformação locais para a produção de óleo. A noz do coco pode ser empregada no domínio da pastelaria e na fabricação de pão. A partir do coco pode obter-se a copra que pode vir a pesar bastante, se devidamente aproveitada e em quantidades avultadas, na economia nacional.

A cola tem larga e útil aplicação na farmacopeia. Os citrinos (limões, tangerinas, laranjas), as goiabas, as papaias são suscetíveis de um grande número de utilizações. Dos citrinos podem obter-se diversas essências usadas em perfumaria, por exemplo. Em particular, a essência de laranja é de um grande valor terapêutico. A goiaba permite a produção de sumos, de pós e de nétares. A papaia fornece várias substâncias químicas. Algumas destas frutas podem servir de base a indústrias de transformação para a produção de sumos de frutas, de conservas de fruta, de frutos secos e cristalizados.

  1. O nosso país oferece boas condições para o desenvolvimento da pesca, da caça e do turismo, podendo organizar-se a pesca e o turismo numa base industrial.

  2. Possibilidades hidroelétricas: Possuímos uma grande quantidade de rios. É por isso possível utilizá-los em obras de hidráulica agrícola (para irrigação dos campos).
    Mas o mais importante reside na possibilidade do seu aproveitamento hidroelétrico. Há dois rios na Guiné que são suscetíveis de aproveitamento hidroelétrico. Trata-se dos rios Geba e Corubal. Segundo estudos a que já se procedeu, só o rio Corubal pode fornecer eletricidade para toda a Guiné. Isso criará condições futuras de desenvolvimento e possibilitará a criação duma indústria pesada (produção de grandes máquinas, manutenção de grandes fábricas), com a consequente formação de grandes centros industriais e mesmo de cidades industriais.

  3. Se, como se supõe, existirem outras riquezas minerais em quantidades exploráveis, tais como a ilmenite, os calcários, o zircão, e sobretudo a bauxite e o petróleo, tal fato poderá servir de ponto de partida para um grande progresso económico futuro do país.
B. CABO VERDE

No livro «O PODER DAS ARMAS», escrevia o camarada Amílcar Cabral:

«A população cabo-verdiana, dizimada pela fome está sempre à mercê das pretensas «crises agrícolas» e submetida à «deslocação» de milhares dos seus filhos como «trabalhadores contratados» para as plantações portuguesas das outras colónias. O desemprego atingiu limites catastróficos principalmente em S. Vicente, onde centenas de operários foram licenciados pelas companhias inglesas...»

«Os camponeses que constituem a maioria da população, e a sua totalidade nas ilhas agrícolas (Santiago, S. Nicolau, S. Antão, Fogo) vivem à mercê das chuvas, enquanto que o falso «plano de desenvolvimento económico» não é senão uma mistificação (engano), uma fonte de enriquecimento das autoridades coloniais...»

«A emigração massiva clandestina para o Senegal é uma prova evidente da situação desesperada na qual o povo de Cabo Verde é obrigado a viver. Esta situação, comparável à da Guiné, tornou-se muito dificilmente suportável com a acentuação da repressão policial».

De fato, os colonialistas e a sua dominação são a única e verdadeira causa do atraso e da miséria que existem em Cabo Verde. Os colonialistas falam constantemente da pobreza de Cabo Verde, para tentarem justificar o abandono a que votaram o povo das Ilhas. Mas a realidade é outra: há muitas riquezas não aproveitadas em Cabo Verde e outras que não são utilizadas em benefício do próprio cabo-verdiano. Por exemplo, a cultura da cana e a indústria do açúcar dela resultante não se desenvolvem, em primeiro lugar para não fazer concorrência à mesma indústria na Ilha da Madeira (Portugal) e em segundo lugar para não fazer concorrência às companhias coloniais de capitais portugueses instaladas em Angola e Moçambique. A indústria da pesca não se desenvolve para não fazer concorrência à mesma indústria em Portugal. Não se exploram as águas minerais, principalmente as de S. Antão e as da Brava, porque a sua excelente qualidade poria em risco as existentes em Portugal. O algodão de Cabo Verde, que nascia espontaneamente em quase todas as ilhas, desapareceu, porque para os colonialistas portugueses era mais vantajoso desenvolver o algodão de Angola e Moçambique onde podem recorrer ao trabalho forçado. A confeção de panos desapareceu por falta de proteção à indústria de fiação e de tecelagem, embora no passado Cabo Verde tivesse chegado a exportar panos para vários pontos de África e mesmo para Portugal. Houve tempo em que as laranjas e as tangerinas da Cidade Velha se exportavam para Inglaterra. Em consequência da continuidade da dominação colonial portuguesa e do seu desprezo pelo nosso povo, certas culturas, como, por exemplo, o café de S. Antão, de S. Nicolau, de Santiago e do Fogo, considerado um dos melhores do mundo, foram perdendo o seu valor económico, pela diminuição constante das quantidades produzidas.

As culturas agrícolas de Cabo Verde, tais como o milho, o feijão, a mandioca, a batata doce e outras mais ricas, como o café, a purgueira, o rícino, a cana de açúcar, só poderão ser devidamente aproveitadas, melhoradas e desenvolvidas quando o nosso povo for livre e o único senhor do seu próprio destino.

Uma reforma agrária em Cabo Verde, que o nosso Partido realizará, de acordo com o seu Programa, permitirá obter um maior rendimento na agricultura e dar a terra a quem a trabalha mas que, sob a dominação colonial, dela pouco ou nada beneficia. Só a conquista da nossa independência nacional e a expulsão definitiva dos colonialistas do solo sagrado da nossa terra poderá criar as condições concretas para a solução definitiva do problema de desenvolvimento do país.

Se tivermos em conta que apenas 13% da área de Cabo Verde é cultivada, que a ciência já dispõe hoje de meios poderosos para valorizar a terra e conseguir o aproveitamento das águas; que a vontade de um povo livre e dedicado ao trabalho é um valor imenso, um capital precioso; que uma economia dirigida e planificada por um povo livre é capaz de avançar a passos rápidos em poucos anos; que, atualmente Portugal monopoliza o comércio externo cabo-verdiano, seguindo uma política económica de acordo com os interesses dos colonialistas; que a quase totalidade das importações provém de Portugal e está sujeita a taxas discriminatórias e elevadas, que o povo paga; que toda a atividade financeira é monopolizada pelo Banco Nacional Ultramarino; que as crises, que tanto mal têm causado ao povo cabo-verdiano não são uma coisa fatal, mas apenas produto das longas pilhagens e do empobrecimento da terra causado pelos colonialistas — podemos estar certos de que o futuro nos oferece boas perspetivas e que amanhã o povo cabo-verdiano poderá viver uma vida simples, mas digna e humana.

Com uma justa avaliação de todos os recursos de Cabo Verde e com o profundo conhecimento das possibilidades económicas do país desenvolver-se-ão as escassas indústrias, atualmente rudimentares e incipientes, e criar-se-ão novas indústrias que transformarão radicalmente a fisionomia económica do país e, em consequência, a sociedade na qual o nosso povo vive. Em conclusão: com uma economia inteligente e cientificamente orientada, com o esforço consciente do trabalhador que deixará de viver sob a terrível realidade da exploração do homem pelo homem, com o povo senhor da sua própria terra e das riquezas que ela encerra, não se falará mais de Cabo Verde como um país pobre.

Além das possibilidades agrícolas já referidas, certas culturas, hoje praticamente esquecidas, poderão renascer e desenvolver-se, como, por exemplo, a da vinha e do tabaco. Segundo a afirmação de um técnico: «Somente a Ilha de Santiago, bem explorada, é capaz de satisfazer as necessidades do povo cabo-verdiano no respeitante à sua alimentação». É possível criar uma verdadeira indústria de laticínios (leite, queijos e manteigas), em bases modernas, desenvolver e modernizar a fruticultura e a horticultura.

A pozolana, os calcários, excelentes para o fabrico de cal, as águas minerais, entre as quais as alcalino-gasosas da Ilha de S. Antão, podem aproveitar-se de forma a tirar-se deles o máximo rendimento.

A riqueza em peixes dos mares de Cabo Verde poderá permitir a criação de uma variada e valiosa indústria de pesca. Uma das grandes riquezas dos mares do Arquipélago, além das suas 150 espécies, é o tubarão, cujo aproveitamento industrial é hoje em dia suscetível de cerca de 2.000 aplicações — óleos, plásticos, botões, etc. O mar oferece também grandes possibilidades turísticas, para o desporto náutico e, em especial, para a pesca submarina.

Cabo Verde oferece excelentes condições para o desenvolvimento de uma indústria turística; tem, no globo, o «clima perfeito» pela sua regularidade e doçura. Um turismo inteligentemente orientado contribuirá para valorizar economicamente o Arquipélago, proporcionando-lhe uma boa fonte de divisas e servirá os interesses do povo cabo-verdiano. Paralelamente ao desenvolvimento do turismo poderá evoluir uma indústria artesanal que deverá ser convenientemente estimulada e planificada.

A ciência permite-nos hoje utilizar novos modos de produção de energia. Uma dessas possibilidades é o emprego da energia eólica, quer dizer a energia obtida à custa da força do vento. Para dar rendimento no plano industrial é preciso que a energia eólica tenha uma força considerável, donde uma primeira consequência: adaptações àqueles países onde os ventos sopram com regularidade. É, portanto, necessário conhecer muito bem as condições do clima. Estas condições, que se realizam em quase toda a costa ocidental do continente africano devido aos ventos alisados, são particularmente favoráveis em Cabo Verde.

Se de fato existir petróleo submarino em Cabo Verde, como alguns técnicos pensam, ainda maiores serão, no futuro, as possibilidades económicas do Arquipélago.

O certo é que com a independência do país, com uma economia inteligentemente orientada, com o esforço consciente do trabalhador e de todo o povo, senhor da sua própria terra, não se falará mais de Cabo Verde como um país pobre.


21. Qual é o fim estratégico da luta armada? Há algumas possibilidades de negociação com o colonialismo português?


Numa entrevista dada à revista «TRICONTINENTAL», em 1969, o camarada Amílcar Cabral respondeu a esta pergunta de um jornalista da seguinte forma:

«O fim estratégico da nossa luta armada de libertação nacional é, evidentemente, libertar o nosso país do jugo colonial português. É o fim estratégico, em definitivo, de todos os movimentos de libertação nacional que, forçados pelas circunstâncias, pegam em armas para lutar contra a repressão e a presença colonial. Nós, na nossa luta, baseámos os nossos princípios no conhecimento profundo das condições do nosso país. Por exemplo, decidimos que devíamos começar a luta no interior do país e que não devíamos lutar no exterior; eis porque nunca tivemos forças armadas fora do nosso país. É por isso mesmo que em 1963 desencadeámos a luta armada tanto no centro do país como no sul e no norte. Isto significa que, contrariamente ao que fizeram os povos que lutam em África ou algures pela independência nacional, adotamos uma estratégia que se poderia chamar centrífuga: partir do centro para a periferia do nosso país. E este fato provocou uma grande surpresa nos portugueses que juntaram as suas tropas na fronteira da Guiné e do Senegal, pensando que nós íamos invadir o nosso país, vindos do exterior.

Mas mobilizámos o nosso povo, organizámo-lo clandestinamente, tanto nas cidades como no mato. Preparámos os nossos quadros, armámos as poucas pessoas que estávamos em condições de armar, tanto com as armas tradicionais como com armas modernas, e desencadeámos a nossa ação partindo do centro do país.

Hoje, a luta estende-se a todas as zonas do nosso país, tanto no Boé como no Gabú e ao sul do país; no norte, a S. Domingos, na região de Farim; a oeste do país, perto do mar, na região dos Manjacos e esperamos que, dentro de pouco tempo, possamos lutar também na ilha de Bissau. E, por outro lado, como teve a ocasião de ver no sul do país e como outros cineastas e jornalistas viram no norte e no leste do país, libertámos uma grande parte do nosso território nacional, o que faz parte do quadro da nossa estratégia.

No que respeita às possibilidades de negociação, podemos dizer que a nossa luta tem um objetivo político: fazemos a guerra não porque sejamos guerreiros e amemos a guerra. Não fazemos a guerra para conquistar Portugal. Fazemo-la porque somos obrigados a isso para conquistar os nossos direitos humanos, os nossos direitos de nação, de povo africano que quer a sua independência; mas o objetivo da nossa guerra é um objetivo político, isto é, a libertação total do nosso povo da Guiné e de Cabo Verde, a conquista da nossa independência nacional e da nossa soberania, tanto interna como no plano internacional.

Por isso mesmo, estamos interessados em que — hoje, amanhã, em qualquer momento — os colonialistas portugueses, empurrados pelas nossas forças armadas, pela luta heroica do nosso povo, venham a reconhecer que chegou o momento de se assentarem a uma mesa e discutirem connosco — não interessa quando, hoje, amanhã, a qualquer hora — estamos prontos a entabular a discussão. Mas as possibilidades de negociação, pois que a ONU não é capaz de levar Portugal a negociar, não dependem mais senão dos próprios portugueses. Estamos igualmente convencidos que estas possibilidades dependem do que tivermos feito no quadro da nossa luta armada. Esta é a nossa posição em relação às possibilidades de negociação com os portugueses e, dado o que já fizemos, dados os sacrifícios consentidos pelo nosso povo durante esta luta difícil mas vitoriosa, dado que a África marcha para a independência total, a nossa posição não pode ser senão esta: negociar com os portugueses quando eles quiserem, quando eles estiverem prontos para o fazerem, mas negociar para a independência total e incondicional do nosso povo.

Isto não significa que não estejamos interessados enquanto que povo consciente, em estabelecer com o próprio Portugal, a despeito dos crimes cometidos pelos portugueses no nosso solo, as melhores relações de colaboração, de cooperação em termos de igualdade, em absoluta reciprocidade de vantagens, mas também com o maior respeito pela nossa soberania».


22. Quais são os princípios táticos por que se orienta o exército guerrilheiro do PAIGC?


A esta pergunta, formulada por um entrevistador da revista «TRICONTINENTAL», em 1969, o camarada Amílcar Cabral responde:

«Atualmente, para dirigir uma luta armada de libertação, não é necessário inventar grande coisa sobre o plano geral. Existe já uma grande experiência de luta de libertação nacional no mundo. O povo chinês lutou, o povo vietnamita está a lutar há 25 anos, o povo cubano lutou heroicamente e derrotou os reacionários e os imperialistas na sua ilha, que é hoje um bastião de progresso. Outros povos lutaram e a sua experiência de luta foi dada a conhecer ao mundo.

Sabe muito bem que Che Guevara, para nós o grande Che Guevara, escreveu um livro sobre a luta guerrilheira. Este livro, por exemplo, assim como outros documentos da luta guerrilheira doutros países, entre eles as da Europa onde também houve uma luta de guerrilheiros (maquis) durante a última Guerra Mundial, serviu de base de experiência geral para a nossa própria luta.

Mas ninguém, em geral, comete o erro de aplicar cegamente a experiência dos outros no seu próprio país.

Para estipular e estabelecer as teorias de luta no nosso país, tivemos que tomar em consideração as condições geográficas, históricas, económicas, sociais e culturais do nosso próprio país, tanto na Guiné como em Cabo Verde.

Foi baseando-nos num conhecimento concreto da realidade do nosso país que estabelecemos os princípios táticos e estratégicos da nossa luta guerrilheira.

Podemos dizer que o nosso país apresenta muitas diferenças em comparação com os outros países. Em primeiro lugar trata-se de um país bastante pequeno: uns 36 000 km2 para a Guiné e 4000 km2 para Cabo Verde. Enquanto que a Guiné se encontra encaixada no continente africano, Cabo Verde está no meio do mar como um arquipélago. Tomaremos isso em consideração, mas é necessário dizer também que a Guiné é um país plano, que não tem montanhas e toda a gente sabe que em geral as guerrilhas utilizam as montanhas como ponto de partida para a luta armada. Tivemos de fazer do nosso próprio povo a montanha necessária para poder lutar no nosso país. E tivemos de utilizar todas as possibilidades que nos ofereciam as florestas e os terrenos pantanosos para criar ao inimigo condições difíceis na sua confrontação com a marcha vitoriosa da nossa luta armada.

No que respeita a outras táticas, mantemos este princípio fundamental da luta de libertação nacional ou, se prefere, da guerra colonial: o inimigo, para dominar uma zona determinada, é obrigado a dispersar as suas forças; dispersando as suas forças, ele enfraquece e podemos vencê-lo. Mas para se defender de nós, é-lhe necessário concentrar as suas forças e, quando concentra as suas forças, isso nos permite ocupar as zonas que ele deixa livres e trabalhá-las politicamente para impedir o seu regresso.

Tal é o dilema que conhece o colonialismo no nosso solo, como o conheceu noutros países, e este dilema, se for perfeitamente explorado por nós, levará, por certo, o colonialismo português à derrota no nosso país.

Isso é certo, porque o nosso povo está mobilizado e consciente do que está a fazer e, além disso, as regiões libertadas do país, nas quais construímos uma vida nova, são uma força de propaganda para a libertação de outras partes do nosso território».


23. Que princípios táticos e estratégicos anti-guerrilheiros emprega o exército português?


O camarada Amílcar Cabral respondeu a esta pergunta de um jornalista cubano que o entrevistou para a revista «TRICONTINENTAL» dizendo:

«Se até agora não inventámos grandes coisas os portugueses ainda menos. A única coisa que fazem os portugueses na nossa terra é seguir as táticas e as estratégias empregadas pelos imperialistas norte-americanos e outros imperialistas, por exemplo, na guerra contra os povos que se querem libertar da sua dominação. Os portugueses tentaram em primeiro lugar trabalhar politicamente, depois de ter experimentado a arte da repressão, repressão armada, repressão policial, tortura, assassinatos, matanças, etc. Tudo isto não fez parar a nossa luta. De seguida, eles tentaram fazer um trabalho político, dividiram o nosso povo, exploraram as contradições tribais.

Chegaram até mesmo a explorar a questão do racismo, fazendo distinções entre as pessoas de côr mais clara e as de cor mais escura, avançaram a questão das pessoas ditas civilizadas e não civilizadas, etc., e exploraram também a posição privilegiada dos chefes tradicionais. Mas sem sucesso. Os portugueses começaram a guerra colonial e utilizaram nela a estratégia e a tática comuns a todos os imperialistas em guerra contra os povos. Os colonialistas empregaram contra nós as armas mais modernas, dadas pelos seus aliados norte-americanos, alemães, belgas, italianos, franceses, etc. Eles empregaram contra nós bombas de toda a espécie, com exceção de bombas atómicas. Em particular, empregaram muito, no começo da luta no sul do país, bombas de napalm. Utilizaram também carros blindados. Empregaram contra nós aviões B-26, T-6, PV-2, caças de reação, como, por exemplo, os Fiat G-82, os Fiat G-91, os Sabres, fornecidos pelo Canadá por intermédio da Alemanha Federal, etc. Nada disto deu resultado. Ultimamente, eles utilizaram helicópteros armados para ações combinadas com a marinha e a infantaria. Estamos certos de que isto também não dará nenhum resultado.

Você pôde dar-se conta da posição em que se encontram os portugueses e que eles, infelizmente, não vêm ao nosso país como você, como jornalistas. Eles permanecem fechados nas suas casernas e tentam, de vez em quando, realizar uma saída para levar a cabo atos criminosos contra a nossa população. Empreendem combates contra as nossas forças e bombardeiam praticamente todos os dias as nossas tabancas e tentam queimar as nossas culturas. Tentam aterrorizar as nossas populações.

Estamos decididos a resistir, e as táticas e as estratégias do colonialismo português, que são as mesmas do imperialismo no Vietnam, por exemplo, da mesma forma que fracassam no Vietnam, fracassarão no nosso país».


24. Quais são o significado e a importância para o nosso Partido da unidade dos movimentos de libertação das colônias portuguesas concretizado através do CONCP?


Na 2.ª Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, realizada em Dar-es-Salaam, capital da Tanzânia, em Outubro de 1965, o camarada Amílcar Cabral afirmava, no discurso de abertura da Conferência:

«A CONCP é a frente comum dos movimentos e partidos de libertação nacional das colónias portuguesas, criada em 1961, no quadro do desenvolvimento do processo histórico da luta destas colónias contra a dominação estrangeira... Organização de cooperação, de solidariedade mútua e de coordenação entre os nossos diversos movimentos ao serviço da luta contra o opressor comum... Modificações significativas se verificaram no quadro da nossa luta».

«...No presente, os colonialistas portugueses fazem a guerra colonial contra três dos povos que pretendem manter sob o seu jugo odioso, com desprezo pela legalidade e moral internacionais dos nossos dias. Mas os colonialistas portugueses recebem uma ajuda dos seus aliados da OTAN, do miserável regime racista dos colonos da África austral e de outros aliados; os colonialistas portugueses estão desesperados diante da resistência heroica e sem cessar crescente dos nossos povos. Cada dia mais isolados no plano internacional e mesmo no seu próprio país, se os colonialistas ainda não chegaram a perder o fôlego, perdê-lo-ão em breve. Isto agora não é senão uma questão de tempo e não depende senão da nossa própria ação».

«...Nós, os povos das colónias portuguesas, estamos cada dia mais fortes e mais seguros da vitória, na base dos nossos próprios esforços e sacrifícios, fecundados pela ajuda fraternal da África e pela solidariedade de todas as forças anticolonialistas do mundo...»

«...Procederemos a uma fértil troca de experiências e lançaremos as bases para reforçar a coordenação das nossas ações contra o inimigo comum. Por outro lado, procuraremos redefinir em conjunto uma política tanto em relação ao inimigo como no que respeita à África e às relações internacionais...»

«...Todas as mudanças de forma, e mesmo de fundo, não poderão afetar os princípios fundamentais proclamados pela nossa organização desde a sua criação: não ingerência nos assuntos internos das organizações membros, luta por todos os meios necessários para libertar os nossos povos, vigilância e luta, se necessário, contra o imperialismo e todas as tentativas do neocolonialismo nos nossos países...»

Para explicar a evolução da luta de africanos das diversas colónias portuguesas que, mais tarde, se veio a concretizar numa unidade prática na base de grandes organizações políticas de massas — os movimentos de libertação dos povos das colónias portuguesas de Angola, de Moçambique, da Guiné e Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe — afirmava o camarada Amílcar Cabral, falando em nome da Delegação do nosso Partido e definindo a linha política geral da CONCP na sua 2.ª Conferência:

«...Começamos a envelhecer. Lembro-me muito bem de que em Lisboa, ainda estudantes, alguns de entre nós se reuniam, influenciados pelas correntes que sacudiam o mundo, e começavam a discutir numa dada altura o que hoje se pode chamar reafricanização dos nossos espíritos... Todos nós, em Lisboa, alguns de maneira permanente, outros temporariamente, começámos esta marcha, longa marcha já para a libertação dos nossos povos...

No decurso da Segunda Guerra Mundial, milhões de homens, de mulheres e de crianças, milhões de soldados deram a sua vida por um ideal, ideal de democracia, de liberdade, de progresso, duma vida justa para todos os homens. Evidentemente, sabemos que a Segunda Guerra Mundial resultou das contradições fundamentais no campo do próprio imperialismo. Mas também sabemos que um dos objetivos fundamentais desta guerra, lançada por Hitler e a sua horda, era destruir o campo socialista nascente.

Sabemos igualmente que no coração de cada homem, que se batia nesta guerra, havia uma esperança, a esperança dum mundo melhor. Foi esta esperança que nos tocou a todos fazendo de nós combatentes, combatentes pela liberdade dos nossos povos. Mas é necessário dizer abertamente que foram igualmente, ou mais fortemente, as condições concretas da vida dos nossos povos: a miséria, a ignorância, os sofrimentos de toda a espécie, a alienação completa dos nossos direitos mais elementares, que nos ditou a tomada de posição firme contra o colonialismo português e, em consequência, contra todas as injustiças no mundo...

Reunimo-nos muitas vezes, criámos muitas organizações. Lembro-vos muito simplesmente uma dessas organizações: o Movimento Anti- colonialista (MAC)...

...Lutamos contra o colonialismo português. Em toda a luta é fundamental definir claramente quem somos, quem é o inimigo. Nós, os povos das colónias portuguesas, somos povos africanos desta África achincalhada pelo imperialismo e colonialismo durante décadas e em certos casos durante séculos. Somos esta parte da África que os imperialistas chamaram a África Negra. Sim, somos Negros. Mas somos homens como todos os outros. Os nossos países são países economicamente atrasados. Os nossos povos encontram-se numa etapa histórica precisa caraterizada por esta condição atrasada da nossa economia. Devemos estar conscientes deste fato. Somos povos de África, não inventámos muitas coisas, não temos hoje as armas especiais que os outros possuem, não temos grandes fábricas, não temos mesmo para as nossas crianças brinquedos que outras crianças possuem, mas temos o nosso coração, as nossas cabeças, a nossa história. É esta história que os colonialistas nos tiraram, os colonialistas têm o hábito de dizer que eles nos fizeram ingressar na história. Nós demonstramos hoje que não; eles fizeram-nos sair da história, da nossa própria história, para os seguirmos no seu comboio, no último lugar, no comboio da sua história. Hoje, empunhando as armas para nos libertarmos, seguindo o exemplo de outros povos que pegaram em armas para se libertar, queremos pelos nossos próprios pés, nossos próprios meios e nossos próprios sacrifícios regressar à nossa história. Nós, povos da África, que lutamos contra o colonialismo português, sofremos condições especiais, porque no decurso destes últimos quarenta anos sofremos a dominação fascista. Vocês sabem muito bem o que isso significa. Nas nossas terras, de Cabo Verde a Moçambique, de S. Tomé a Angola, nunca tivemos liberdade política, sindical ou qualquer outra. É isso que carateriza fundamentalmente a nossa situação, diferenciando-a da dos outros povos que lutaram contra o colonialismo...»

«...Nós, povos pacíficos mas orgulhosos do nosso amor à liberdade, orgulhosos do nosso apego à ideia de progresso neste século XX, pegámos em armas com determinação, inabalávelmente, pegámos em armas para defender os nossos direitos, uma vez que não havia lei alguma que o pudesse fazer por nós...»

«...Nós somos fatores de guerra e, repito-o, não amamos a guerra, mas vemos hoje, e, o exemplo é geral, que a luta armada de libertação nacional cria condições concretas para um futuro livre de certos obstáculos, que ela pode contribuir para o desenvolvimento crescente da consciência política dos homens, das mulheres e mesmo das crianças... Mas a nossa luta armada de libertação nacional tem um significado profundo, tanto para a África como para o mundo. Nós estamos a provar que os povos como o nosso, economicamente atrasados, vivendo algumas vezes no mato quase nus, não sabendo nem ler nem escrever, não conhecendo sequer mesmo os dados elementares da técnica moderna, são capazes, por meio dos seus sacrifícios e dos seus esforços, de bater um inimigo não somente mais avançado do ponto de vista técnico mas também apoiado pelas forças poderosas dos imperialistas do mundo. Por outro lado, perante o mundo e perante a África, perguntamos: acaso tinham os portugueses razão quando afirmavam que somos povos não civilizados, povos sem cultura? Perguntamos: qual é a mais brilhante manifestação de civilização e de cultura senão a que é dada por um povo que pega em armas para defender a sua pátria, para defender o seu direito à vida, ao progresso, ao trabalho e à felicidade?

Devemos estar conscientes, nós, os movimentos de libertação nacional integrados na CONCP, que a nossa luta armada não é se não um aspeto da luta geral dos povos oprimidos contra o imperialismo, da luta do homem pela sua dignidade, pela liberdade e progresso. É neste quadro que devemos ser capazes de integrar a nossa luta. Devemos-nos considerar como soldados, muitas vezes anónimos, mas soldados da humanidade nesta vasta frente de luta que é a África dos nossos dias. Nós, os da CONCP, batemo-nos em África porque a África é a nossa pátria, mas estaremos prontos, todos nós, a ir seja onde for para nos batermos pela dignidade do homem, pelo progresso do homem, pela felicidade do homem.

É neste quadro exatamente que devemos ter a coragem, tanto no decurso desta Conferência, como seja onde for, de proclamar e de proclamar em voz alta, as nossas opções fundamentais, as nossas opções em favor da humanidade. Por outro lado, devemos saber definir claramente a nossa posição em relação ao nosso povo, em relação à África, em relação ao mundo...

Nós, da CONCP, estamos comprometidos com os nossos povos, lutamos pela libertação total dos nossos povos mas não lutamos simplesmente para pôr uma bandeira no nosso país e para ter um hino. Nós, da CONCP, queremos que nos nossos países martirizados durante séculos, humilhados, insultados, não possa mais reinar o insulto e que nunca mais os nossos povos sejam explorados não somente pelos imperialistas, não somente pelos europeus, não somente pelas pessoas de pele branca, porque nós não confundimos a exploração ou os fatores da exploração com a cor da pele dos homens; nós não queremos mais a exploração na nossa terra, mesmo feita pelos negros.

Lutamos para construir nos nossos países, em Angola, em Moçambique, na Guiné, em Cabo Verde, em S. Tomé uma vida de felicidade, uma vida em que cada homem tenha o respeito de todos os homens, em que a disciplina não seja imposta, em que o trabalho não falte a ninguém, em que os salários sejam justos, em que cada um tenha direito a tudo o que o homem construiu e criou para a felicidade do homem. É para isso que lutamos. Se não chegarmos lá, faltaremos ao cumprimento do nosso dever, ao fim da nossa luta.

Queremos dizer-vos que, perante a África, nós, os da CONCP, confiamos no destino da África. Temos na própria África exemplos a seguir e igualmente exemplos que não devemos seguir. A África, portanto, está hoje rica de exemplos e se nós, amanhã, trairmos os interesses dos nossos povos, não é porque não o soubéssemos, é porque queríamos trair e não mereceremos nenhuma desculpa.

Em África, somos pela libertação total do continente africano do jugo colonial porque sabemos que o colonialismo é um instrumento do imperialismo. Queremos ver, portanto, totalmente varridos do solo da África todas as manifestações do imperialismo; nós somos, na CONCP, ferozmente contra o neocolonialismo, qualquer que seja a forma que ele tome. A nossa luta não é somente a luta contra o colonialismo português, nós queremos no quadro da nossa luta contribuir da maneira mais eficaz para correr, para sempre, com a dominação estrangeira do nosso continente.

Somos em África pela unidade africana, mas pela unidade africana a favor dos povos africanos. Consideramos que a unidade é um meio e não um fim...

Somos por uma política de paz em África e de colaboração fraternal com todos os povos do mundo...

No plano internacional, defendemos na CONCP uma política de não-alinhamento. É esta política que é a mais conveniente aos interesses dos nossos povos na etapa atual da nossa história. Estamos convencidos disso. Mas, para nós, não-alinhamento não quer dizer voltar as costas aos problemas fundamentais da humanidade, à justiça. Não alinhamento para nós é não se comprometer com blocos, não alinharmos pelas decisões dos outros. Nós reservamo-nos o direito de decidirmos nós mesmos e se, por acaso, as nossas opções, as nossas decisões coincidem com as de outros, a culpa não é nossa.

Somos por uma política de não-alinhamento mas consideramo-nos profundamente comprometidos com o nosso povo e com toda a causa justa no mundo. Consideramo-nos como fazendo parte de uma larga frente de luta para o bem da humanidade. É compreensível que lutamos primeiro pelos nossos próprios povos. É essa a nossa tarefa nessa frente de luta. Isso implica todo um problema de solidariedade. Nós, da CONCP, somos ferozmente solidários com toda a causa justa. Eis a razão pela qual, nós, da FRELIMO, do MPLA, do PAIGC, do CLSTP (Comité de Libertação de S. Tomé e Príncipe), de qualquer organização de massas filiada à CONCP, os nossos corações batem em uníssono com os corações dos nossos irmãos do Vietnam que dão um exemplo singular enfrentando a mais vergonhosa, a mais injustificável agressão dos imperialistas dos Estados Unidos da América contra o povo pacífico do Vietnam.

Os nossos corações batem igualmente com os dos nossos irmãos de Cuba que também mostraram que um povo, mesmo quando está cercado pelo mar, é capaz de defender, de armas na mão, vitoriosamente, os seus interesses fundamentais e decidir ele próprio do seu destino. Estamos com os negros dos Estados Unidos da América, estamos com eles nas ruas de Los Angeles e quando eles são afastados de toda a possibilidade de vida, sofremos com eles.

Estamos com os refugiados, os refugiados martirizados da Palestina, que foram humilhados, expulsos da sua pátria pelas manobras do imperialismo. Estamos ao lado dos refugiados da Palestina e apoiamos com toda a força doa nossos corações tudo o que os filhos da Palestina fazem para libertar o seu país e apoiamos com todas as nossas forças os países árabes e os países africanos em geral no sentido de ajudar o povo palestino a recuperar a sua dignidade, a sua independência e o seu direito à vida. Estamos igualmente com os povos da Arábia do Sul, da Somália dita francesa (Costa dos Somalis), e estamos, duma forma muito racional e muito dolorosa, com os nossos irmãos da África do Sul que enfrentam a mais bárbara das discriminações raciais. Estamos absolutamente certos de que o desenvolvimento da luta nas colónias portuguesas e a vitória que estamos a conseguir cada dia contra o colonialismo português é uma contribuição eficaz para a liquidação do vergonhoso, do vil regime de discriminação, de segregação (apartheid) na África do Sul. E estamos também certos de que povos como os de Angola e de Moçambique, e nós próprios na Guiné e Cabo Verde, longe da África do Sul, poderão desempenhar amanhã, um amanhã que esperamos não seja distante, um papel muito importante na liquidação final do último bastião do colonialismo, do imperialismo e do racismo em África e que se encontra na África do Sul.

Somos solidários com toda a causa justa no mundo, mas estamos reforçados pela solidariedade dos outros. Temos a ajuda concreta de muita gente, de muitos amigos, de muitos irmãos. Queria simplesmente dizer-vos que nós, na CONCP, temos um princípio fundamental que é o de contar primeiro com os nossos próprios esforços, com os nossos próprios sacrifícios. Mas, no quadro concreto da colonização portuguesa, caros amigos, e na etapa atual da história da humanidade, estamos também conscientes que a nossa luta não é apenas nossa. Ela é a luta de toda a África, de toda a humanidade progressista...

Queremos dizer-vos que é para nós um dever afirmar alto e bom som que temos aliados seguros nos países socialistas. Sabemos todos que todos os povos africanos são nossos irmãos. A nossa luta é a deles. Para estes povos africanos, cada gota de sangue que se verte na nossa terra, cai igualmente do corpo e do coração dos nossos irmãos africanos. Mas sabemos também que desde a Revolução Socialista e depois dos acontecimentos da 2.a Guerra Mundial, o mundo mudou de aspeto definitivamente. Surgiu no mundo o campo socialista. Isso mudou por completo a correlação de forças e o campo socialista mostra-se muito consciente dos seus deveres internacionais, deveres históricos, não morais, porque os povos dos países socialistas nunca exploram os povos coloniais. Eles mostram-se conscientes dos seus deveres, e é por isso que eu tenho a honra de vos dizer aqui, abertamente, que recebemos ajudas substanciais, eficazes, da parte destes países que vêm reforçar a ajuda que recebemos dos nossos irmãos africanos».

O camarada Amílcar Cabral, noutro ponto da sua intervenção, explica a razão da força da CONCP Afirma ele:

«...Cada dia as nossas forças são mais poderosas. Porquê, caros amigos? Porque a nossa força é a força de justiça, a força do progresso, a força da história; e a justiça, o progresso, a história são apanágio do povo. Porque as nossas forças fundamentais são os nossos povos. São os nossos povos que apoiam as nossas organizações, são os nossos povos que se sacrificam cada dia alimentando todas as necessidades fundamentais da nossa luta. São os nossos povos que garantem o futuro e a certeza da nossa vitória.

Uma outra força existe nas nossas terras: é a força da nossa unidade... Devemos reforçar a nossa unidade, não apenas em cada país, mas entre nós, povos das colónias portuguesas, a CONCP tem para nós uma significação muito especial. Temos o mesmo passado colonial, aprendemos todos a falar e a escrever português, mas temos uma força ainda mais poderosa, talvez mesmo mais histórica: é o fato de termos começado a lutar em conjunto. É a luta que faz os camaradas, que faz os companheiros, do presente e do futuro. A CONCP é para nós uma força fundamental da luta. A CONCP está no coração de cada combatente do nosso país, de Angola, de Moçambique. A CONCP deve também representar, e nós temos orgulho nisso, um exemplo para os povos da África. Porque nós somos nesta luta gloriosa contra o imperialismo e o colonialismo em África, as primeiras colónias que se reúnem para discutir em conjunto, para planificar em conjunto, para estudar em conjunto os problemas que respeitam ao desenvolvimento da sua luta. É sem dúvida uma contribuição muito interessante para a história da África e para a história dos nossos povos.

Nós estamos determinados a reforçar a nossa luta duma forma coordenada. Portanto, a acelerar de uma maneira significativa a queda total, a derrota total do colonialismo português nos nossos países».

NOTA

Para melhor esclarecimento dos camaradas explicamos a seguir o significado dos termos «estratégia» e «tática».

Por estratégia entende-se geralmente a definição da linha geral, da orientação principal com vista a atingir os objetivos fixados pelo movimento de libertação e a consolidar as relações entre as diversas forças sociais que participam na luta contra o inimigo comum, numa dada etapa histórica.

No caso concreto da nossa luta de libertação nacional, um dos problemas estratégicos mais importantes, que o nosso Partido enfrentou e resolveu, foi o de saber como mobilizar para a luta as largas camadas do nosso povo, a maioria do nosso povo, e fazer com que se unissem à volta do Partido.

Como se pode ver pelo seu Programa, o nosso Partido estabeleceu, duma forma precisa, duas etapas sucessivas da nossa luta de libertação nacional:

  1. a conquista da nossa independência na Guiné e Cabo Verde;

  2. a edificação de uma vida nova que nos conduza à total independência política, e crie as condições para um crescente desenvolvimento do país que leve à paz, ao progresso e ao bem-estar contínuo do nosso povo na Guiné e em Cabo Verde.

As tarefas fundamentais da estratégia política do nosso Partido implicam:

Uma definição correta da orientação estratégica a seguir permite-nos atingir os objetivos, que temos em vista, com menos erros, poupando mais as nossas forças e de uma forma mais rápida e com menos sacrifícios para as massas do nosso povo e para os militantes do nosso Partido. Como o explicou o camarada Amílcar Cabral é fundamental para os movimentos de libertação terem uma ideologia, definirem uma teoria revolucionária. Sem teoria revolucionária, sem um conhecimento das leis objetivas do desenvolvimento social, sem o conhecimento e a capacidade de analisar as realidades sociais do nosso povo não é possível definir com justeza a linha política do Partido, dirigir com sucesso as massas e obter vitórias sucessivas contra o colonialismo português e o imperialismo. Sem teoria revolucionária não é possível definir, duma forma correta, os fins estratégicos e as formas táticas de luta.

O que se entende por tática? Em geral, entende-se por tática a política do Partido elaborada a partir da sua linha geral e orientada para solução de tarefas concretas imediatas, assim como as formas e os métodos de luta que contribuem para a realização dos objetivos estratégicos estabelecidos. A tática é portanto elaborada a partir da estratégia. É fundamental elaborar decisões táticas corretas, para se dirigir a luta com sucesso e para não se ser arrastado pelos acontecimentos, para não se ir a reboque dos acontecimentos. Através da luta de libertação é necessário estimular a capacidade criadora das massas (do povo) isto é, fomentar a sua iniciativa, e essa atividade criadora faz com que se enriqueça constantemente o arsenal tático com novas ideias, métodos de luta e formas de organização. A tática dum partido revolucionário, como é o nosso, exige o domínio de várias formas de luta e a capacidade de passar rapidamente de umas formas para outras quando a necessidade o exige. Um dos princípios táticos mais importantes do nosso Partido é a sua capacidade em convencer o nosso povo, baseado na sua própria experiência, da justeza da linha política do Partido. É essa a razão por que o Partido se identifica inteiramente com as massas e não se distancia delas, permanecendo ao seu lado e na sua vanguarda. As «PALAVRAS DE ORDEM», elaboradas pelo Secretário Geral do nosso Partido, camarada Amílcar Cabral, são um precioso guia tático que deve servir de bússola na ação a todos os militantes, responsáveis e dirigentes do Partido.

Para se entender melhor a diferença entre estratégia e tática vamos recorrer a um exemplo simples.

A maior parte da população da nossa terra, tanto na Guiné como em Cabo Verde, é composta pelos camponeses. O objetivo estratégico do nosso Partido é libertar os nossos camponeses da exploração e da miséria a que estão sujeitos sob a dominação colonial. Mas as táticas usadas pelo Partido para levar os camponeses a integrarem-se na luta de libertação nacional variam. É por isso que em Cabo Verde defendemos a reforma agrária, que consiste em dar a terra a quem a trabalha, e na Guiné não. Estabeleçamos a diferença entre o camponês da Guiné e o de Cabo Verde. Diz-nos a este respeito o camarada Amílcar Cabral, numa das suas palestras durante o Seminário de Quadros, realizado em Conakry, em 1969:

«Em Cabo Verde, no mato, temos todo o grupo de rendeiros. Gente que não tem terra nenhuma e vai alugar a terra do Banco ou da Caixa Económica ou dos cabo-verdianos donos da terra para a trabalharem. Do fruto do seu trabalho pagam a renda no fim do ano. Mas quem não paga, se tiver vacas, tiram-lhe as vacas, até já chegaram a tirar as telhas das casas, as portas e janelas, para pagar a renda, na época das crises. Não é preciso dizer mais nada. Esse é que é o principal grupo de Cabo Verde, para a luta. Estes camponeses de verdade têm uma razão grande para lutar, que é a seguinte: «nós não temos terra, a luta quer a terra para nós, para os trabalhadores todos». Na Guiné isso não serve. Mas em Cabo Verde podemos lançar esta palavra de ordem: terra para os que a trabalham. Mas se dissermos isso na Guiné, dizem-nos para pegar num pedaço de terra e trabalhar nela. Enquanto que em Cabo Verde podemos dizer: vem lutar, camarada, porque, no fim, todo aquele que pegar na luta, terá o seu pedaço de terra. Toda a gente pega teso, porque os camponeses de Cabo Verde desejam terra, não têm terra para trabalhar. Cada pedaço de terra que lavram, têm de pagar muito caro por ela».

Portanto, para uma mesma estratégia, duas táticas diferentes, conforme as condições concretas de luta num e noutro sítio.

Embora a estratégia definida pelos movimentos de libertação em luta contra os colonialistas portugueses seja mais ou menos a mesma, nas suas linhas gerais, a tática não pode ser a mesma nos diversos países em luta, porque se trata de países com um desenvolvimento económico diferente, com caraterísticas diversas quanto ao tipo de exploração, em que as relações de força das camadas sociais variam, em que as relações com os Estados vizinhos têm uma natureza diferente, em que há diversas particularidades nacionais.

Portanto, a estratégia e a tática devem definir os objetivos essenciais e a linha geral da luta de libertação nacional em cada etapa estratégica, precisar a repartição das principais forças sociais em jogo, elaborar processos, formas e métodos de ação que, em condições determinadas, permitam consolidar, ao máximo, a unidade do nosso povo na Guiné e em Cabo Verde, entre guineenses, entre cabo-verdianos e entre guinenses e cabo-verdianos, assim como favorecer e fortalecer cada vez mais a unidade de luta dos povos das colónias portuguesas e as suas organizações de luta.

Para se poder definir corretamente e com precisão os objetivos estratégicos e as formas táticas de luta é necessário e essencial conhecer as leis objetivas do desenvolvimento e, evitando toda a espontaneidade, agir de acordo com o princípio de que o povo é o verdadeiro criador da história, despertando as suas energias criadoras, dirigindo-o no sentido deste grande fim: a libertação do homem de todos os jugos e de todas as formas de exploração e de opressão do homem pelo homem, para o progresso e a felicidade de toda a Humanidade.


Inclusão 14/03/2014