A História do Trotskismo Norte-Americano
J. P. Cannon

Conferência I
Os Primeiros Dias do Comunismo Norte-Americano


Me parece bastante apropriado camaradas, dar uma série de Conferências sobre a história do trotskismo neste Labor Temple (Templo do Trabalho). Foi aqui mesmo, neste auditório, no começo de nossa luta histórica em 1928 que fiz o primeiro discurso público em defesa de Trotsky e da oposição Russa. O discurso foi feito não sem algumas dificuldades, já que os stalinistas trataram de romper nosso ato pela força física. Porém, nós não permitimos que o fizessem. Nossa atividade oral pública como trotskistas reconhecidos começou realmente aqui neste Labor Temple, treze, quase quatorze anos atrás.

Sem dúvida, ao ler a literatura do movimento trotskista neste país vocês freqüentemente hão notado repetidas afirmações de que não temos nenhuma nova revelação: o trotskismo não é um movimento novo, uma nova doutrina, senão a restauração, o renascimento do verdadeiro marxismo como foi exposto e praticado na revolução Russa e nos primeiros dias da Internacional Comunista.

O bolchevismo mesmo foi também um renascimento, uma restauração do verdadeiro marxismo depois que sua doutrina havia sido corrompida pelos oportunistas da Segunda Internacional, que culminaram sua traição ao proletariado apoiando os governos imperialistas na I guerra mundial de 1914-1918. Quando se estuda o período particular de que vou falar neste curso — os últimos treze anos — ou qualquer outro período desde os tempos de Marx e Engels, pode-se observar uma coisa: a continuidade ininterrupta do movimento marxista revolucionário.

O marxismo nunca deixou de ter autênticos representantes. Apesar de todas as perversões e traições que desorientaram o movimento de tempos em tempos, sempre surgiu um nova força, um novo elemento há se posto à frente para pôr-lo outra vez na trilha correta, ou melhor, nos caminhos do marxismo ortodoxo. Também foi assim em nosso caso.

Estamos enraizados no passado. Nosso movimento, ao que chamamos trotskismo, agora cristalizado no Socialist Workers Party (SWP), não surgiu totalmente maduro de nada. Surgiu diretamente do Partido Comunista dos Estados Unidos. O Partido Comunista surgiu do movimento precedente, o Partido Socialista e em parte dos IWW (Industrial Workers of the World). Surgiu do movimento dos operários revolucionários da América do Norte no período pré-guerra e da guerra (1ª guerra — nota do editor).

O Partido Comunista, que tomou forma organizada em 1919, era originalmente a ala esquerda do Partido Socialista. Foi do Partido Socialista de onde vieram os maiores contigentes comunistas. Na realidade, o lançamento formal do partido em setembro de 1919 foi simplesmente a culminação organizativa de uma luta prolongada dentro do Partido Socialista. Esta disputa interna num determinado momento levou a divisão e a formação de uma organização separada, o Partido Comunista.

Nos primeiros anos de consolidação do movimento Comunista — quer dizer, como vocês diriam desde a Revolução Bolchevique em 1917 até a organização do Partido Comunista neste país dois anos mais tarde, e por mais um ano — a principal tarefa foi a luta fracional contra o socialismo oportunista, então representado pelo Partido Socialista. Este é quase sempre o caso quando uma organização política operária se deteriora e ao mesmo tempo dá origem a uma ala revolucionária. A luta pela maioria, pela consolidação de força dentro do partido, quase invariavelmente limita a atividade inicial do novo movimento a uma batalha quase estreita, intrapartidária, que não finaliza com a separação formal.

O novo partido continua buscando aderentes no velho. Leva tempo para o novo partido aprender como sustentar-se firme sobre os próprios pés. Assim, mesmo depois que a separação formal havia ocorrido em 1919 pela força da inércia e do hábito, e também porque a disputa não havia terminado realmente, a luta fracional continuou. Ficou gente no Partido Socialista que não estava decidida e que eram candidatos mais que prováveis à nossa organização partidária. O Partido Comunista concentrou sua atividade no primeiro ano na luta por clarificar a doutrina e ganhar forças adicionais do Partido Socialista. Por suposto, como é quase invariavelmente o caso em tais desenvolvimentos históricos esta fase fracional deu em seu momento lugar a atividade direta na luta de classes para recrutar novas forças e para o desenvolvimento da nova organização sobre bases inteiramente independentes.

A Ala esquerda do Partido Socialista, que mais tarde se converteu no Partido Comunista, foi inspirada diretamente pela Revolução Bolchevique de 1917. Antes deste momento os militantes Norte-Americanos haviam tido muito pouca oportunidade de adquirir uma genuína educação marxista. Os dirigentes do Partido Socialista não eram marxistas. A literatura do marxismo publicada no país era muito magra e confinada quase que exclusivamente ao aspecto econômico da doutrina. O Partido Socialista era um corpo heterogêneo; sua atividade política, sua agitação e ensinamentos programáticos eram uma terrível mesclagem de todo tipo de idéias radicais, revolucionárias e reformistas. Nestes dias antes da última guerra (aqui trata-se da 1ª guerra — nota do editor), e também durante ela, os jovens militantes que chegavam ao partido buscando um claro guia programático, custou-lhes encontrá-lo. Não podiam tê-lo da direção oficial do partido que carecia seriamente de tais coisas. As cabeças proeminentes do Partido Socialistas eram a contrapartida Norte-Americana dos dirigentes oportunitas socialistas da Europa, só que mais ignorantes e mais depreciativos da teoria. Consequentemente, apesar do impulso e o espírito revolucionário, a grande massa de jovens militantes do movimento norte-americano puderam aprender muito pouco de marxismo; e sem marxismo é impossível ter um movimento revolucionário consistente.

A revolução Bolchevique na Rússia modificou quase tudo que estava enraizado. Nela foi demonstrada na ação concreta a conquista do poder pelo proletariado. Como em quase todos os outros países o tremendo impacto desta vitória revolucionária do proletariado sacudiu até seus cimentos ao nosso movimento na América do Norte. A inspiração da façanha fortaleceu enormemente a ala revolucionária do partido, deu aos trabalahadores novas esperanças e fez emergir um novo interesse nesses problemas teóricos da revolução que não haviam recebido um reconhecimento apropriado até então.

De imediato descobrimos que os organizadores e dirigentes da Revolução Russa não eram só revolucionários de ação. Eram autênticos marxistas no campo da doutrina. Da Rússia recebemos de Lênin, Trotsky e de outros dirigentes, pela primeira vez sérias exposições da política revolucionária do marxismo. Aprendemos que haviam estado envolvidos num longo período de luta pela restauração do marxismo não falsificado no movimento operário internacional. Graças a grande autoridade e ao prestígio da sua vitória na Rússia, eram finalmente capazes de serem escutados em todos os países. Todos os autênticos militantes se agruparam ao seu redor e começaram a estudar seus escritos com interesse e paixão desconhecidos antes. A doutrina que eles expunham tinha uma autoridade dez vezes maior porque havia sido verificada na prática. Além do mais, mês a mês, ano a ano, apesar de todo o poder que o capitalismo mundial mobilizava contra eles, mostravam a capacidade de desenvolver a grande revolução, criar o Exército Vermelho, manter-se e avançar. Naturalmente o Bolchevismo se converteu na doutrina autorizada antre os círculos revolucionários de todos os movimentos políticos operários do mundo, inclusive em nosso país.

Sobre esta base foi formada a Ala Esquerda do Partido Socialista. Tinha publicações próprias; tinha organizadores, oradores e escritores próprios. Na primavera de 1919 — quatro ou cinco meses antes de que o Partido Comunista se organizasse formalmente — tivemos em Nova Iorque a1ª Conferência Nacional da Ala Esquerda. Eu fui delegado a esta Conferência vindo neste momento da cidade de Arkansas. Foi nessa Conferência que a fração tomou corpo virtualmente como partido dentro de um partido, em preparação para a posterior ruptura. O órgão oficial da Ala Esquerda foi chamdo de "Revolucionary Age"(A Era Revolucionária). Este periódico levou aos trabalhadores da América do Norte a primeira explicação autêntica das doutrinas de Lenin e Trotsky. Seu editor foi o primeiro neste país a expôr e popularizar as doutrinas dos dirigentes bolcheviques. Portanto, deve ser reconhecido historicamente como o fundador do comunismo norte-americano. Este editor era um homem chamado Louis C. Fraina. Seu coração não era tão forte como sua cabeça. Sucumbiu na peleja e se transformou em um convertido vigilante da democracia burguesa no meio de sua agonia. Porém, esse é só um infortúnio pessoal. O que ele fez nestes primeiros dias mantém toda a sua validade, e nem ele nem nenhum outro pode desfazer.

Outra figura proeminente do movimento nestes dias foi John Reed. Ele não era um dirigente nem um político, porém, sua influência moral era muito grande. John Reed foi o jornalista socialista norte-americano que foi à Rússia, tomou parte na revolução, a relatou veridicamente e escreveu um grande livro sobre ela, "Os dez dias que abalaram o mundo".

No começo o grosso dos membros da Ala Esquerda do Partido Socialista eram estrangeiros. Neste momento, mais de vinte anos atrás, uma grande parte do proletariado nos Estados Unidos era estrangeiro. Antes da guerra (primeira guerra — nota do editor) as portas da imigração haviam sido abertas amplamente, já que acumular um grande exército de reserva servia à necessidade do capital norte-americano. Muitos destes imigrantes chegaram aos Estados Unidos com as idéias socialistas desde seus países nativos. Sob o impacto da Revolução Russa o movimento socialista de língua estrangeira cresceu a passos de gigante. Os estrangeiros se organizaram em Federações segundo seu idioma, praticamente corpos autônomos filiados ao Partido Socialista. Havia algo como oito ou nove mil membros na Federação Russa; cinco ou seis mil poloneses; três ou quatro mil ucranianos; quase dez mil filandeses, etc. Uma enorme massa de membros estrangeiros no partido. A grande maioria se concentrou sob a consigna da revolução Russa e depois da divisão do Partido Socialista constituiu o grosso dos membros do Partido Comunista.

Os dirigentes destas federações aspiravam controlar o novo partido e de fato controlavam. Em virtude destes blocos, os operários estrangeiros, a quem representavam, exerciam uma influência inesperada nos primeiros tempos do movimeno comunista. Isto era bom em alguns aspectos porque em sua maior parte eram comunistas apaixonados e ajudaram a inculcar a doutrina do bolchevismo.

Porém, sua dominação era ruim em outros aspectos. Suas mentes não estavam realmente nos Estados Unidos e sim na Rússia. Deram ao movimento um tipo de formação não natural e o contagiaram desde o começo com um sectarismo exótico. Os dirigentes dominantes do partido — dominantes no sentido de que eles tinham o poder real graças aos blocos que estavam por detrás deles — era gente absolutamente não familiarizada com a cena política e econômica norte-americana. Não entendiam a psicologia dos operários norte-americanos e não lhes prestavam muita atenção. Como resultado, o movimento em seu começo sofreu um excesso de irrealismo e teve um tom de romantismo que pôs o partido em muitas de suas atividades e pensamento fora da real luta de classes nos Estados Unidos. O mais estranho é que muitos dirigentes das Federações Estrangeiras estavam convencidos de sua missão messiânica . Estavam determinados a controlar o movimento para mantê-lo na fé pura.

Desde seu início na Ala Esquerda do Partido socialista, e mais tarde no Partido Comunista, o movimento norte-americano foi posto em perigo por tremendas lutas fracionais, "lutas pelo controle" se chamavam. A dominação dos dirigentes estrangeiros criou uma situação paradóxica. Vocês sabem que normalmente na vida de um grande país imperialista como este os operários imigrantes estrangeiros ocupam a posição de uma minoria nacional e têm que fazer uma luta permanente pela igualdade, por seus direitos, sem conseguir isso por completo. Porém, na Ala Esquerda do Partido Socialista e no começo do Partido Comunista, esta relação estava contornada. Cada um dos idiomas eslavos estava fortemente representado. Os russos, poloneses, lituanos, letões, finlandeses, etc., tinham maioria. Eram a maioria esmagadora e nós, os norte-americanos nativos, que pensávamos que tínhamos algumas idéias de como devia ser dirigido o movimento operário, estávamos em minoria. Desde o começo estivemos na posição de uma minoria perseguida. Nos primeiros tempos tivemos muito pouco êxito.

Eu pertencia a fração, primeiro na Ala Esquerda do partido Socialista e mais tarde no movimento comunista independente, que queria uma direção norte-americana para o movimento. Estávamos convencidos de que era impossível construir um movimento neste país sem uma direção mais intimamente ligada e conhecedora do movimento nativo dos operários norte-americanos. Muitos deles por sua parte estavam igualmente convencidos de que era impossível para um norte-americano ser um bolchevique realmente puro. Eles nos queriam e nos apreciavam — como sua "expressão inglesa"— porém, pensavam que teriam que manter-se no controle para evitar que o movimento se convertesse em oportunista e centrista. Durante anos perdeu-se uma grande quantidade de tempo nesta disputa, que para os estrangeiros só podia ser uma disputa perdida. Ao longo dos tempos o movimento teria que encontrar uma direção nativa, de outra maneira não poderia sobreviver.

A luta pelo controle assumiu a forma de luta sobre questões organizativas. Deveriam os grupos estrangeiros organizar-se em federações, ou devereiam organizar-se por ramos locais sem uma estrutura nacional ou direitos autônomos? Deveriam ter um partido centralizado, ou um partido federado? Naturalmente a concepção de um partido centralizado era uma concepção bolchevique. Contudo, em um partido centralizado os grupos estrangeiros não podiam ser mobilizados tão facilmente em blocos sólidos; ao passo que em um partido federado era possível para os dirigentes da Federação enfrentar ao partido com blocos sólidos de votantes que os apoiaram nas convenções, etc.

Esta luta aniquilou a Conferência da Ala Esquerda em Nova Iorque em 1919. Quando chegamos a Chicago em setembro de 1919, na Convenção Nacional do Partido Socialista onde se deu a divisão, as forças da Ala Esquerda estavam divididas entre si. Os comunistas no momento de sua ruptura com o Partido Socialista eram incapazes de organizar um partido único. Anunciaram ao mundo alguns dias depois que haviam organizado não um Partido Comunista e sim dois. O que tinha a maioria era o Partido Comunista dos Estados Unidos, dominado pelas Federações Estrangeiras; o outro, o Partido Operário Comunista, representando a fração minoritária que já mencionei, com sua maior proporção de nativos e estrangeiros norte-americanizados. Naturalmente, havia variações e flutuações individuais, porém, esta era a linha principal de demarcação.

Tal foi o pouco auspicioso começo do movimento comunista independente — dois partidos no mesmo terreno, com programas idênticos, batalhando ferozmente um contra o outro.

Para tornar as coisas piores, nossas fileiras divididas se defrontaram com uma perseguicão de terror. Esse ano, 1919, era o ano da grande reação no país, a reação do pós-guerra. Depois que os patrões terminaram a guerra para "fazer o mundo seguro para a democracia" decidiram escrever um capítulo suplementar para fazer os Estados Unidos seguros para o livre mercado.

Começaram um giro patriótico furioso contra todas as organizações operárias. Milhares de operários foram presos em escala nacional. Os novos partidos comunistas sofreram os embates deste ataque. Quase todas as organizações locais de costa à costa foram perseguidas; praticamente cada dirigente do movimento nacional ou local foi preso, processado por uma ou outra coisa. Houve uma deportação massiva de militantes estrangeiros. O movimento foi perseguido a tal ponto que foi levado à clandestinidade. Os líderes de ambos os partidos pensaram que era impossível continuar o funcionamento aberto, legal. Assim, no mesmíssimo primeiro ano do comunismo norte-americano não só tivemos a desgraça, o escândalo e a catástrofe organizativa de dois partidos comunistas separados e rivais, mas também tivemos a ambos partidos, depois de poucos meses, funcionando em grupos e células ilegais.

O movimento permaneceu ilegal desde 1919 até o começo de 1922 depois que o primeiro choque das persiguições passou e os grupos e células se acosumaram a sua existência ilegal, os elementos na direção que tendiam ao irrealismo ganharam força, tanto e quanto o movimento estava então completamente isolado da vida pública e das organizações operárias do país.

A disputa fracional entre os dois partidos continuava consumindo uma quantidade enorme de tempo; os refinamentos da doutrina, as ninharias converteram-se quase em um passatempo. Então, eu, por minha parte, me dei conta pela primeira vez do completo mau da enfermidade do ultra-esquerdismo. Parece ser uma lei peculiar que quanto maior é o isolamento de um partido da vida do movimento operário, quanto menor é o contato que tem com o movimento de massas, e quanto menor é a correção que este pode exercer sobre o partido, tanto mais radicais se tornam suas formulações, seus programas, etc. Quem deseje estudar cuidadosamente a história do movimento deverá examinar algo da literatura do partido impressa durante estes dias. Vocês vêm, não custava nada ser ultra-radical porque de qualquer maneira ninguém lhe prestava atenção. Não tínhamos reuniões públicas, não tínhamos que falar aos operários ou ver quais eram suas reações à nossas consignas. Assim, os que gritavam mais forte em nossas reuniões fechadas se converteram em mais e mais dominantes na direção do movimento. A fraseologia do "radicalismo" teve seu dia de festa. Os anos iniciais do movimento comunista neste país estiveram mais que consagrados ao ultra-esquerdismo.
Durante as eleições presidenciais de 1920 o movimento era ilegal e não pôde implementar alguma forma de ter seu próprio candidato. Eugene V. Debs era o candidato do Partido Socialista, porém, estávamos envolvidos numa terrível luta fracional com este partido e pensávamos erroneamente que não podíamos apoiá-lo. Portanto, o movimento se decidiu por um programa muito radical: emitiu uma proclamação altissonante chamando aos operários a boicotar as eleições. Vocês podiam pensar que podíamos haver dito simplesmente "não temos candidatos, não podemos fazer nada a respeito". Esse foi o caso com o Socialist Workers Party. Os trotskistas em 1940, devido a dificuldades técnicas, financeiras e organizativas, não puderam participar das eleições. Não achamos possível apoiar nenhum candidato, então só deixamos passar o assunto. Contudo, o Partido Comunista nesses dias, nunca deixou passar algo sem emitir uma proclamação. Se eu mostro indiferença as proclamações é porque vi muitas delas nos dias iniciais do Partido Comunista. Abandonei inteiramente a idéia de que cada ocasião deve ter uma proclamação. É melhor passar com poucas; emiti-las nas ocasiões mais importantes . Então, têem maior peso. Bom, em 1920, se confeccionou um panfleto chamando a boicotar as eleições, porém, não nos trouxe benefício algum.

Uma forte tendência anti-parlamentarista cresceu no movimento. Uma falta de interese nas eleições que levou anos e anos para ser superada. Contudo, líamos muito o folheto de Lenin "O Ultra-esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo". Todos reconheciam — teoricamente — a necessidade de participar nas eleições, porém, não havia disposição para fazer algo a respeito, e vários anos tiveram que passar antes que o partido desenvolvesse alguma atividade eleitoral séria.

Outra idéia radical ganhou predominância no iniciante movimento comunista ilegal: a concepção de que manter-se clandestino é um princípio revolucionário. Durante as duas décadas passadas havíamos desfrutado as vantagens da legalidade. Praticamente todos os camaradas do SWP não conheceram outra forma de existência que a do partido legal. É muito possível que uma predisposição legalista haja crescido entre eles. Esses camaradas podem sofrer fortes golpes em épocas de perseguição, já que o partido tem que ser capaz de realizar suas atividades sem se importar com a atitude da classe dirigente. É necessário para um partido revolucionário saber como operar também em formações ilegais. Porém, isto só deve realizar-se por necessidade, nunca por escolha.

Depois que uma pessoa experimenta tanto a organização política ilegal, como a aberta, pode convencer a si mesma facilmente que a mais ecônomica, a mais vantajosa, é a aberta. É a forma mais fácil de entrar em contato com os operários, a forma mais fácil de cooptar. Consequentemente, um bolchevique genuíno, em tempo de maior perseguição trata sempre de enganar e utilizar cada possibilidade de funcionar abertamente; se não pode dizer tudo o que quer livremente, dirá o que possa e completará a propaganda legal por outros métodos.

Nos primórdios do movimento comunista, antes de que houvéssemos assimilado apropriadamente os escritos e ensinamentos dos líderes da Revolução Russa, cresceu uma tendência a considerar o partido ilegal como um princípio. No entanto, o tempo passou e a onda de reação retrocedeu e as possibilidades legais se abriram. Porém, foram necessárias tremendas disputas fracionais antes que o partido tomasse o mais leve passo em direção de legalizar-se. A absolutamente incrível idéia de que um partido não pode ser revolucionário a menos que seja ilegal foi em realidade aceita pela maioria no movimento comunista em 1921 e começo de 1922.

Na questão sindical o "radicalismo" também se manteve dominante. O ultra-esquerdismo é um vírus terrível. Prospera melhor em movimento isolado das massas, que não tem nenhum corretivo destas. Vocês vêem em certas divisões no movimento trotskysta nossos próprios "aspectos lunáticos". Quanto menos gente os escuta, quanto menos efeitos têm suas palavras sobre o curso dos eventos humanos, mais extremos, irracionais e histéricos são em suas formulações.

A questão sindical estava na agenda da primeira convenção ilegal do movimento comunista. Esta convenção proclamou uma separação e uma unificação ao mesmo tempo. Uma fração encabeçada por Ruthemberg havia se separado do Partido Comunista, dominado pelos grupos estrangeiros. A fração Ruthemberg se reuniu em uma convenção conjunta com o Partido Operário Comunista para formar uma nova organização chamada de Partido Comunista Unificado, em maio de 1920 em Bridgeman, Michigan. O Partido Comunista Unido ganhou a superioridade e se fusionou com outra metade do Partido Comunista original , um ano mais tarde.

A convenção de 1920, recordo com precisão, adotou uma resolução sobre a questão sindical. Sob a luz do que se há aprendido no movimento trotskysta, poria-lhes arrepiado. Esta resolução chamou ao boicote da American Federation of Labor (AFL). Estabeleceu que um membro do partido que está "obrigado por necessidade de trabalho" a pertencer a AFL, deveria trabalhar aí da mesma maneira que um comunista trabalha em um Congresso burguês, não para construí-lo senão para fazê-lo explodir a partir de dentro. Esta estupidez foi mais tarde corrigida junto com outras. Muita gente que cometeu estas estupidezes mais tarde aprendeu e se desenvolveu melhor no movimento político.

Seguindo a Revolução Russa, a jovem geração, revelando-se contra as tradições oportunistas dos social-democratas tomou demasiada dose de radicalismo. Lenin e Trotsky dirigiram a "Ala Direita" — assim é como eles demonstrativamente chamaram a sua tendência — no III Congresso Mundial da Internacional Comunista. Lenin escreveu seu folheto "O esquerdismo doença infantil do comunismo", dirigido contra os esquerdistas alemães, tomando as questões do parlamentarismo, sindicalismo, etc. Este folheto, junto com as decisões do Congresso, fizeram muito ao longo do tempo para liquidar a tendência esquerdista no início do Comintern (III Internacional).

Não quero de nenhuma forma pintar a fundação do comunismo norte-americano como um circo, como fazem os filisteus que se mantém à margem. Não foi de nenhuma maneira. Houve lados positivos no movimento, e eles predominaram. Estava composto de milhares de revolucionários valentes e devotos. Apesar de todos os seus erros construiram um partido como nunca antes se havia visto neste país, quer dizer, um partido fundamentado num programa marxista, com uma direção profissional e militantes disciplinados. Aqueles que passaram o período do partido ilegal adquiriram hábitos de disciplina e aprenderam métodos de trabalho que iriam jogar um grande papel na história seguinte do movimento. Nós estamos construindo sobre estes alicerces.

Aprenderam a tomar o programa seriamente. Aprenderam para sempre a idéia de que um movimento revolucionário, que tenha como objetivo o poder não pode ser dirigido por gente que pratica o socialismo como um passatempo. O típico dirigente do Partido Socialista era um advogado que praticava leis, ou um pregador ou escritor, ou um profissional de um tipo ou outro que assentiam em vir fazer um discurso de tempos em tempos. Os funcionários de tempo integral eram meramente cavalos de tiro que faziam o trabalho sujo e não tinham influência real no partido. A brecha entre os operários de base, com suas aspirações e impulsos revolucionários, e os embusteiros pequenos-burgueses nas cúpulas era tremenda. O jovem Partido Comunista rompeu com tudo isto, e foi capaz de fazê-lo facilmente porque nenhum dos antigos dirigentes se pôs de todo o coração a apoiar a Rússia. O partido teve que extrair novos dirigentes das fileiras e desde o comeco se assentou o princípio de que estes dirigentes deveriam ser operários profissionais para o partido, deveriam pôr todo o seu tempo e sua vida a disposição do partido. Se alguém pensa num partido que tem como objetivo dirigir os operários em uma luta pelo poder, então, não tem sentido considerar qualquer outro tipo de direção.

Na ilegalidade o trabalho de educação, de assimilação dos escritos dos dirigentes russos, continuou. Lenin, Trotsky, Zinoviev, Radek, Bukharin, esses eram nossos mestres. Começamos a ser educados em um espírito totalmente distinto do sentimentalóide do Partido Socialista, no espírito de revolucionários que tomam a idéia e o programa muito a sério. O movimento teve uma vida interna muito intensa, até porque estava isolado e voltado para si mesmo. As disputas fracionais eram ferozes e largamente extenuantes.

O movimento começou a estancar-se no beco sem saída da ilegalidade. Uns poucos de nós na direção começamos a buscar uma saída, uma forma de nos aproximarmos dos operários norte-americanos por meios legais. Estes esforços obtiveram uma firme resistência. Formamos uma nova fração. Lovestone estava fortemente associado comigo na direção desta fração. Mais tarde Ruthemberg se juntou a nós ao sair da prisão, na primavera de 1922.

Por um ano e meio, dois anos, esta luta continuou sem descanso. A disputa pela legalização do movimento teve um resultado positivo de nosso lado; embora pelo outro tenha havido uma resistência igualmente determinada por gente convencida até a medula de que isto significava algum tipo de traição. Finalmente, em dezembro de 1921, tendo uma leve maioria no comitê central, começamos a nos mover, dando um passo cuiadoso por vez em direção a legalidade.

Não pudemos legalizar o partido como tal, a resistência na base era muito forte, porém, organizamos alguns grupos legais para conversas. Depois chamamos a uma convenção para federar estes grupos em um órgão central chamado American Labor Alliance, que convertemos em uma organização de propaganda. Então, em dezembro de 1921, recorremos ao plano de organizar o Partido Operário como uma organização aberta, junto com o Partido Comunista ilegal. Não podíamos prescindir deste. Não era possível conseguir uma maioria para um acordo com ele, porém, se efetuou um compromisso pelo qual, mesmo que mantivéssemos o partido ilegal, construiríamos o Partido Operário como uma extensão legal. Dois ou três mil cabeças-duras se rebelaram contra este movimento de mudança para a legalidade, romperam e formaram suas próprias organizações.

Continuamos com dois partidos — um legal e outro clandestino. O Partido Operário tinha um programa muito limitado, porém, se converteu no meio através do qual toda a nossa atividade pública legal se levava a cabo. O controle fazia o Partido Comunista clandestino. O Partido Operário não encontrou perseguição. A onda reacionária havia passado e prevalecia um tom político liberal em Washigton e no resto do país. Podíamos celebrar encontros públicos e conferências, publicar jornais, participar em campanhas eleitorais, etc. Então surgiu a questão: necessitávamos este estorvo de dois partidos? Queríamos liquidar a organização clandestina e concentrar toda a nossa a atividade no partido legal e correr o risco de uma posterior perseguicão. Encontramos a isso uma renovada oposição.

A luta continuou ininterruptamente até que finalmente levamos o assunto a Internacional Comunista no IV Congresso, em 1922. Neste Congresso eu era o representante da fração "liquidacionista", como nos chamavam. Este nome vem da história do bolchevismo. Em um determinado momento, depois da derrota de 1905, uma seção dos mencheviques tomou a dianteira com a posição de liquidar o partido clandestino na Rússia e confiar toda a atividade à "legalidade" czarista. Lenin brigou selvagemente contra esta proposta e seus defensores, porque significava renunciar ao trabalho e a organização revolucionária. Os denunciou como "liquidacionista". Então, naturalmente quando nós viemos com a proposta de liquidar o partido clandestino no país, os esquerdistas, com sua mente posta mecanicamente na Rússia, transferiram a expressão de Lenin e nos denunciaram como "liquidacionista".

Então fomos à Moscou ante a Internacional Comunista. Essa foi a primeira oportunidade em que me encontrei com o camarada Trotsky. No curso de nossa luta tratamos de obter o apoio individual de membros da direção russa. No verão e fins de 1922 passei muitos meses na Rússia. Por bastante tempo era como um pária devido a esta campanha acerca dos "liquidacionistas", que havia chego por cima de nós e os russos não queriam mais nada a ver com os liquidadores. Sem conhecimento da situação na América do Norte, tendiam a ter preconceitos contra nós. Assumiam que o partido havia sido realmente ilegalizado e quando a questão foi proposta diante deles estavam inclinados a dizer de antemão : "se vocês não podem fazer seu trabalho legalmente, façam-no ilegalmente, porém vocês devem fazer seu trabalho".

Porém, não eram assim como se passavam as coisas. A situação política dos Estados Unidos fazia possível um Partido Comunista legal. Essa era nossa avaliação e toda a experiência posterior a comprovou. Finalmente, alguns outros camaradas e eu, nos encontramos com o camarada Trotsky e lhe expusemos nossas idéias por quase uma hora. Depois de fazer algumas perguntas, quando terminamos nos disse: "É suficiente, vou apoiar os "liquidacionistas" e falarei com Lenin. Estou certo que os apoiarão, então a autoridade predominante e a influência se transferiria a este partido. É só uma questão de entender a situação política. É absurdo abotoar a camisa-de-força da ilegalidade quando não é necessário. Não há questão alguma nisso".

Perguntamos se arranjaria para que nós nos encontrassemos com Lenin. Nos disse que Lenin estava enfermo, porém, se fosse necessário, e se Lenin não estivesse de acordo com ele, arranjaria para que o encontrassemos. Em poucos dias o nó começou a desatar. Uma comissão do Congresso foi encarregada da questão Norte-Americana e nos apresentamos ante uma comissão para debater. Já havia corrido o boato de que Trotsky e Lenin estavam a favor dos "liquidacionistas" e a corrente estava se modificando a nosso favor. Na discussão da audiência da comissão, Zinoviev fez uma brilhante exposição sobre o trabalho legal e ilegal, trazendo a vasta experiência dos bolchevique russos. Nunca esqueci este discurso. A lembrança dele põe nosso partido em um bom lugar até nossos dias e o fará no futuro, estou certo. Radek e Bukharin falaram no mesmo sentido. Eles três eram em nossos dias os representantes do Partido Comunista Russo na Comintern. Os delegados dos outros partidos, depois de um completo e profundo debate, deram total apoio à idéia de legalizar o Partido Comunista Norte-Americano. Com a autoridade do Congresso Mundial da Comintern por traz das decisões, a oposição nos Estados Unidos de imediato decresceu. O Partido Operário que havia sido criado em 1921 como uma extensão legal do Partido Comunista, teve outra Convenção, e adotou um programa mais claro e liquidou por completo a organização clandestina. Toda a experiência desde 1923 demonstrou a sabedoria desta decisão. A situação política justificava a organização legal. Teria sido uma terrível calamidade, perda e mutilação da atividade revolucionária manter-se clandestinamente quando não era necessário. É muito importante que os revolucionários tenham a coragem de correr estes riscos quando não se pode evitar. Porém, é igualmente importante ter a prudência suficiente para evitar sacrifícios desnecessário. O principal é lograr que se faça a tarefa de forma mais econômica e expeditiva possível.

Uma observação final sobre esta questão: um pequeno grupo se manteve irreconciliável com a legalização do partido. Iam manter-se clandestinos apesar de nós. Não iam trair ao comunismo. Tinham seus quartéis em Boston e um em Cleveland. De tempos em tempos, através dos anos, escutaríamos deste grupo clandestino uma proclamação de algum tipo. Sete anos mais tarde, depois de termos sido expulsos do Partido Comunista e estávamos organizando o movimento trotskysta, escutamos que este grupo em Boston era de alguma maneira simpatizante das idéias trotskystas. Isto nos interessou já que estávamos muito necessitados de toda a ajuda que pudéssemos obter.

Em uma das minhas visitas a Boston os camaradas locais conseguiram uma discussão com eles. Eram muito conspirativos e nos levaram à velha maneira clandestina ao lugar do encontro. Um comitê formal nos recebeu. Depois de trocar saudações, o dirigente disse: “agora camarada Cook, diga-nos qual é vossa proposta”. Camarada “Cook” era o pseudônimo para os que me conheciam no partido clandestino. Ele não ia revelar meu nome legal em um encontro clandestino. Expliquei-lhes porque havíamos sido expulsos, nosso programa, etc. Ele disse que estavam desejosos de discutit o programa trotskysta como base da unidade de um novo partido. Contudo, queriam acordar primeiro em um ponto: o partido que íamos organizar teria que ser uma organização clandestina. Então, troquei alguns gracejos com eles e voltei à Nova Iorque. Suponho que ainda sejam clandestinos.

Agora, camaradas, tudo isto é algo assim como o fundo, uma introdução a história de nosso movimento trotskysta. A semana que vem tratarei do desenvolvimento posterior do Partido Comunista nos anos iniciais antes de nossa expulsão e a reconstrução do movimento sob a bandeira do trotskysmo.


Inclusão 10/10/2006
Última alteração 25/12/2012