A História do Trotskismo Norte-Americano
J. P. Cannon

Conferência IV
A Oposição de Esquerda sob Fogo


Semana passada finalmente nos encontramos expulsos do PC stalinizado, formamos a fração do trotskysmo e começamos nossa grande luta histórica pela regeneração do comunismo norte-americano. Nossa ação trouxe consigo uma reviravolta  fundamental no conjunto da situação no movimento norte-americano, a transformação, aparentemente de um só golpe, de uma desmoralizante, degenerante, luta fracional nacional em uma grande luta histórica principista com objetivos internacionais. Nesta abrupta transformação vocês podem ver ilustrada uma vez mais o tremendo poder das idéias, neste caso as idéias do marxismo não falsificado.

Estas idéias abriram caminho através de um duplo jogo de obstáculos. O grande movimento de lutas fracionais, que descrevi nas conferências precedentes, nos havia levado a um beco sem saída. A situação parecia insolúvel. Por outro lado, na longínqua Rússia, a oposição Bolchevique-Leninista foi completamente destruída no sentido organizativo. Os dirigentes foram expulsos de seus partidos, proscritos, ilegalizados e sujeitos a perseguições criminais. Trotsky estava em Alma-Ata. As uniões de aderentes em todo o mundo foram dispersadas, desorganizadas. Depois, através de uma conjunção de eventos, a situação foi corrigida, e cada coisa começou a cair em seu próprio lugar. Um só documento de marxismo foi enviado por Trotsky desde Alma-Ata ao VI Congresso da Comintern. Encontrou seu caminho através de uma fissura no aparato do secretariado, chegou as mãos de uns poucos delegados — em particular, um só delegado do partido norte-americano e um só delegado do partido canadense. Este documento, expressando todas as conquistas do marxismo, caiu em mãos corretas, no momento correto, suficiente para levar-nos a uma rápida e profunda transformação que revimos na semana passada.

O movimento que começou então na América do Norte trouxe repercusões no mundo inteiro, repentinamente, o quadro, o conjunto das perspectivas da luta mudaram. O trotskysmo, oficialmente proclamado morto, era ressuscitado na arena internacional e inspirado com novas expectativas, novo entusiasmo, nova energia. As denúncias contra nós eram levadas adiante pela imprensa norte-americana do partido e reimpressas no mundo inteiro, incluindo o Pravda de Moscou. Os oposicionistas russos na prisão e exílio, onde cedo ou tarde receberam cópias do Pravda, foram notificados assim de nossa ação, nossa revolta na América do Norte. Nas coisas mais obscuras da luta da oposição eles aprenderam que haviam saído para a batalha reforços novos, através do oceano, nos  Estados Unidos, o que em virtude do poder e do peso do país em si, tinha importância e significado as coisas feitas pelos comunistas norte-americanos.

Leon Trotsky, como já assinalei, estava isolado no pequeno povoado asiático de Alma-Ata. O movimento mundial estava em declínio, sem direção, proscrito, isolado, praticamente inexistente.

Com estas auspiciosas notícias de um novo destacamento na longinqua América do Norte, as pequenas publicações e boletins dos grupos de Oposição explodiram à vida novamente. O mais inspirante para todos nós foi estar seguros de que nossos camaradas russos mais pressionados haviam ouvido nossa voz. Sempre penso nisto como um dos mais gratificantes aspectos da histórica luta com a qual nos comprometemos em 1928 — que as notícias de nossa luta chegaram aos camaradas na Rússia, em todos os rincões das prisões e campos de exílio, inspirando-os com novas expectativas e nova energia para seguir na luta.

Como já disse, nós começamos nossa luta com uma visão bastante clara do que estávamos enfrentando. Nunca demos passos apressados ou sem um pensamento adequado e preparação. Antecipamos uma grande luta que ia ser muito mais pesada. Esta é a causa pela qual, desde o começo, não sustentamos expectativas otimistas de uma vitória rápida. Em toda a edição de nosso jornal, em todo pronunciamento, enfatizávamos a natureza fundamental de nossa luta. Acentuamos a necessidade de apontar para frente, ter dureza e paciência, esperar o posterior desenvolvimento dos acontecimentos para provar o correto de nosso programa.

Primeiro pela ordem, por suposto, estava o lançamento de nosso jornal. The Militant não era um boletim mimeografado distrubuído clandestinamente, como houvera agradado a algumas pequenas camarilhas, senão um grande periódico impresso. Depois nos pusemos a trabalhar, três de nós — Abern, Shachtman e Cannon — a quem eles chamavam com desdém de os “Três Generais Sem Exército”. Essa se transformou numa designação popular e nós tivemos que admitir que havia nela algo de verdade. Não podíamos deixar de admitir que não tínhamos exército, porém isso não removia nossa confiança. Tínhamos um programa, e estávamos seguros de que o programa nos capacitaria para recrutar um exército.

Começamos uma enérgica correspondência, a qualquer lugar onde conhecíamos alguma pessoa, ou escutávamos de alguma pessoa que estava interessada, lhe escrevíamos longas cartas. A natureza de nosso trabalho propagandístico e de agitação foi necessariamente transformada. No passado nós, e especialmente eu, havíamos sido acostumados a falar para grandes audiências — não muito antes de nossa expulsão, eu havia feito meu tour nacional, falando à centenas  e as vezes à milhares de pessoas. Agora, tínhamos que falar a indivíduos. Nosso trabalho propagandístico consistia principalmente em encontrar nomes de indivíduos isolados no PC, ou acercados ao partido, que podiam estar interessados, marcar uma entrevista, passar horas e horas falando com um só indivíduo, escrever longas cartas explicando todas as nossas posições principistas no intento de ganhar uma pessoa. E deste modo recrutamos gente — não a dezenas ou centos, e sim um por um.

Tão logo a explosão teve lugar no movimento norte-americano, quer dizer Estados Unidos, Spector levou adiante sua parte do acordo; a mesma coisa passou-se ali; foi formado um substancioso grupo canadense que começou a cooperar conosco. Camaradas com os quais havíamos entrado em contato vieram até nossa bandeira em Chicago, Minneapolis, Kansas, Filadélfia — não grandes grupos como regra. Chicago começou com um par de dezenas, penso. O mesmo número em Minneapolis. Três ou quatro em Kansas; dois em Filadélfia, o formidável Morgenstown e Goodman. Em alguns lugares indivíduos isolados tomaram sozinhos nossa luta. Em Nova Iorque encontramos uns poucos aqui e ali — indivíduos. Cleveland, St. Louis e os campos de minas de Illinois Sur. Esta foi a escala de contato organizativo no primeiro período.

Enquanto nós estávamos ocupados com a agitação individual, como costumávamos chamar-la na IWW — quer dizer, proselitismo de uma pessoa para outra — o Dayle Worker, com sua comparativamente grande circulação, disparava sobre nós em artigos de página inteira e as vezes de página dupla dia após dia. Esses artigos explicavam exaustivamente que nós havíamos nos vendido ao imperialismo norte-americano; que éramos contra-revolucionários ligados aos inimigos dos trabalhadores e aos poderes imperialistas em um plano para detruir a União Soviética; que havíamos nos tornado a “guarda avançada da burguesia contra-revolucionária”. Isto era impresso dia após dia em uma campanha de terrorismo político e de injúrias contra nós, calculada para fazer-nos impossível reter algum contato com membros individuais do partido. Era um crime castigado com a expulsão falar conosco na rua, visitar-nos, ter alguma comunicação conosco. A pessoa era levada a julgamento no PC, acusada de haver ido a uma manifestação em que nós falamos, de haver comprado um jornal que vendíamos na rua em frente do quartel general da Union Square; ou de haver tido alguma conexão conosco no passado — sendo obrigada a provar que não haviam sido mantidos a posteriori esses contatos. Um muro de ostracismo nos separava dos membros do partido. Gente com quem havíamos trabalhado e conhecido por anos viravam estranhos  para nós subitamente. Nossas vidas inteiras, devem recordar, haviam estado no movimento comunista e sua periferia. Nós éramos operários profissionais do partido. Não tínhamos interesse, nem relações de natureza social fora do partido e suas cercanias. Todos os nossos amigos, nossas relações, todos os nossos colaboradores no trabalho cotidiano por anos eram deste meio. Logo, de repente, este se fechou para nós. Estávamos completamente isolados deles. Esta espécie de coisas usualmente ocorrem quando se muda de fidelidade a uma organização por outra. Como regra, isto nos era demasiado sério porque quando alguém deixa um conjunto de relacões — política, pessoal e social — imediatamente é propelido dentro de um novo meio. Encontra novos amigos, novas pessoas, novas relações. Porém nós, experimentamos sozinhos um lado desse processo. Fomos separados de nossas velhas relações sem ter alguma nova para onde se dirigir. Não havia nenhuma organização a que pudéssemos nos unir, onde podiam ser encontrados amigos e companheiros novos. Sem nada, salvo nosso programa e nossas mãos vazias tivemos que criar uma nova organização.

Vivíamos naqueles primeiros dias sob uma forma de pressão que é em muitos aspectos a mais temida que pode chegar a exercer-se contra um ser humano, o ostracismo social das pessoas de nossa simpatia. Em grande medida, eu pessoalmente havia sido preparado para esta prova por uma experiência passada. Durante a primeira Guerra Mundial, eu vivia como pária em minha própria cidade entre as pessoas que conhecia de toda a vida. Consequentemente a segunda experiência não foi, provavelmente, tão dura para mim quanto para alguns dos outros. Muitos camaradas que simpatizavam conosco pessoalmente, que haviam sido nossos amigos, e alguns que simpatizavam por último em parte com nossas idéias foram aterrorizados por virem conosco, a reunir-se conosco, pela terrível penalidade do ostracismo. Essa não era uma experiência fácil para nosso pequeno grupo de trostskystas, porém ao mesmo tempo, era uma boa escola. As idéias que têm valor exigem um alto valor para se lutar por elas. As injúrias, o ostracismo e a perseguição que teve que enfrentar nosso jovem movimento através de todo o país nos primeiros dias da Oposição de Esquerda na América do Norte, foi um excelente treinamento de preparação para resistir a pressão social e ao isolamento que viria em conexão com a II Guerra Mundial, quando o peso real da sociedade capitalista começa a pressionar sobre os dissidentes e oposicionistas.

A primeira arma do stalinismo foi a calúnia. A segunda arma empregada contra nós foi o ostracismo. A terceira foi o gansterismo.

Imaginem só, um partido com membros e uma periferia de dezenas de milhares,  com não uma mas sim não menos que 10 publicações diárias em seu arsenal, com inumeráveis semanários e mensários, com dinheiro e enorme aparato de operários profissionais. Este relativamente formidável poder era empreendido contra um mero punhado de gente sem recursos, sem conexões — sem nada mais que seu programa e sua vontade de brigar por ele. Nos caluniaram, nos isolaram, e quando isso falhou para quebrar-nos, tentaram nos agredir fisicamente. Buscavam escapar de responder a qualquer argumento, fazendo-nos impossível falar, escrever, existir.

Nossa imprensa apontava diretamente para os membros do PC. Não tentávamos convencer o mundo inteiro. Dirigimos nossa mensagem primeiro para aqueles que consideramos a vanguarda, aqueles que se viam mais interessados em nossas idéias. Nós sabíamos que tínhamos de recrutar ao menos os primeiros destacamentos de suas fileiras.

Depois que nosso pequeno jornal foi impresso, os editores, tanto como os membros, tivemos que sair a vender. Nós escrevíamos o jornal. Íamos na gráfica, ansiosos sobre as provas, até que o último erro fosse corrigido, esperando com ansiedade ver a primeira  cópia saindo da impressora. Isto era sempre uma emoção — uma nova impressão de The Militant, uma nova arma. Depois com os pacotes debaixo dos braços íamos vendê-los nas esquinas das ruas, na Union Square. Por certo que esta não era a forma mais eficiente do mundo para três editores, transformar-se em três jornaleiros. Porém, tínhamos pouca ajuda e tínhamos que fazê-lo, não sempre e mas algumas vezes. E isto não era tudo. Para vender nosso jornal na Union Square tínhamos que nos defender contra os ataques físicos.

Folheando hoje o primeiro número de The Militant, refrescando minha mente sobre alguns acontecimentos daqueles dias, li a primeira história sobre os ataques físicos contra nós, que começaram umas poucas semanas depois de nossa expulsão. Os stalinistas se surpreenderam a princípio. Antes que eles soubessem como íamos golpear tivemos o jornal e nossos camaradas estavam em frente do quartel general do PC vendendo The Militant a cinco centavos o exemplar. Isto criou uma tremenda sensação. Por umas poucas semanas eles não sabiam o que fazer. Depois decidiram provar com métodos de Stálin, o da força física.

A primeira reportagem do The Militant conta sobre duas camaradas mulheres, do grupo húngaro, que foram ali com os pacotes de periódicos e tentaram vendê-los. Foram corridas pelos patifes stalinistas, empurradas, golpeadas e expulsas da via pública, e seus jornais foram tomados. Isto foi reportado em The Militant como o primeiro ataque de gangsters contra nós.

Depois isto se tornou mais ou menos frequente. Nós defendíamos nosso terreno. Fizemos um grande tumulto e escândalo contra eles por toda a cidade. Mobilizamos todas as nossas forças para ir ali aos sábados a tarde, formamos uma guarda ao redor dos editores e resistimos abertamente aos cafajestes stalinistas para que não nos enxotassem. Acontecia uma batalha atrás da outra.

Isto consumiu as primeiras semanas. Em 17 de dezembro foi instlado em Nova Iorque o Plenum do Comitê Central do PC. E aqui de novo quero demonstrar umas das importantes lições de nossas táticas nesta luta. Nós não dávamos as costas ao partido, mas corretamente nos voltávamos para ele. Havendo sido expulsos em 27 de outubro, fomos ao Plenum de 17 de dezembro, batemos na porta e dissemos: “Temos algo que apelar contra nossa expulsão”. Eles esperaram um tempo e depois nos permitiram fazer nossa apelação ante 100 a 150 dirigentes do partido. Os lovestonistas não faziam isso por considerações democráticas ou por uma leal adesão aos estatutos. O faziam por razões fracionais. Como vêem, nossa expulsão não pôs fim a luta fracional entre fosteristas e os lovestonistas. Os lovestonistas, que estavam em maioria, concebiam a astuta idéia de que se nos davam a palavra isto poderia ajudá-los a comprometer aos foresteristas como “conciliadores trotskystas”. Através desta rachadura entramos no Plenum. Nós não tínhamos ilusões, nem sequer pensávamos em convencê-los. Não nos cabia esta pequena estratégia barata contra os fosteristas. Nós pensávamos em fazer nossa apelação formal e imprimila em The Militant como propaganda para distribuição.

Os “Três Generais sem Exército” apareceram no Plenum de dezembro como os representantes de todos os expulsos. Eu fiz um discurso em torno de duas horas. Depois fomos retirados. No dia seguinte o discurso foi mimeografado para o próximo número de The Militant sob o título de “Nossa Apelação ao Partido”.

Eu mencionei as armas da calúnia, o ostracismo e o gangsterismo empregados pelos stanilistas contra nós. A quarta arma  no arsenal dos dirigentes do stalinismo norte-americano foi o roubo. Eles tinham tanto medo deste pequeno grupo armado com as grandes idéias do programa de Trotsky, que queriam por todos os meios destruí-lo, antes que pudessem ganhar alguma audiência. Num sábado a tarde voltando de uma reunião de nossa primeira célula — 12 ou 13 pessoas reunidas somente para formar a organização e sentar as bases para atirar abaixo o capitalismo norte-americano — encontrei meu apartamento saqueado, de ponta a cabeça. Em nossa ausência haviam forçado a fechadura da porta de minha casa e a haviam rompido. Tudo estava em desordem; todos os meus papéis pessoais, documentos, registros, correspondência — tudo em que puderam pôr suas mãos — estava esparramado sobre o piso. Evidentemente os havíamos surpreendido antes que pudéssem  ir com a rapina até o fim. Quando eu estava de viagem, umas poucas semanas depois, eles regressaram e terminaram sua tarefa. Desta vez levaram tudo.

Continuamos lutando segundo nossa linha. Os escandalizamos cruelmente, gritando bem alto até os céus, publicamos seus atos de vagabudagem e de gangsterismo, e os fizemos retroceder com nossos escândalos. Eles não podiam derrotar-nos nem solenciar-nos. Tínhamos a tremenda vantagem de nossas experiências passadas. Nós já sabíamos por experiência. Havíamos  tomado parte em diversas boas lutas e eles não podiam  fazer-nos fracassar com umas poucas velhacariase calúnias. Sabíamos como explorar todas essas coisas contra eles para um bom efeito. Lutamos com armas políticas que eram muito mais fortes que o gangsterismo. Apelamos para a boa vontade e a consciência comunista dos membros do partido e começamos recrutando as pessoas que vinham a nós, primeiro como um protesto contra esses procedimentos stalinistas.

Em poucas semanas, em 8 de janeiro de 1929, organizamos a primeira manifestação pública trotskysta na América do Norte. Hoje, busquei o primeiro volume encadernado de The Militant e vi o anúncio da manifestação na primeira página da edição de 1º de janeiro de 1929. Admito que me senti um pouco emocionado quando recordei o momento em que atiramos a bomba dentro dos círculos radicais de Nova Iorque. Em frente deste Labor Temple, um grande cartaz anunciava que eu ia falar da “A verdade sobre Trotsky e a Oposição Russa”. Fomos a essa manifestação preparados para protege-la, tivemos a ajuda do grupo italiano de bordigistas, nossos camaradas húngaros, uns poucos simpatizantes individuais do comunismo, que não criam em freiar a liberdade de expressão, e nossas próprias valentes forças recentemente recrutadas. Elas foram colocados ao redor do palco  no Labor Temple e perto da porta para cuidar que a manifestação não fosse interrompida. E a manifestação se desenrolou sem nenhuma interrupção.

O hall estava cheio, não só com simpatizantes e militantes, e sim com toda a classe de gente que tinha vindo por diferentes motivos, interesse, curiosidade, etc. A conferência foi exitosa, consolidamos nossos militantes e ganhamos alguns novos adeptos. Ela criou mais um grande alarme dentro do campo dos stanilistas, e os empurrou a ir mais longe em seu caminho de violência.

Em breve planejamos um tour nacional com o mesmo objetivo. Tentei falar em New Haven porém ali fomos completamente superados em número. Os stalinistas nos cercaram  e o ato foi inteiramente rompido. Falei em Boston; aqui fizemos melhores preparativos. Eu cheguei uns poucos dias antes, fui visitar uns poucos velhos amigos meus da IWW para ver se eles não podiam conseguir alguns rapazes portuários para ajudar-nos a defender a liberdade de expressão. Tivemos em torno de 10 destes rapazes ao redor da plataforma. Um bando de pilantras stalinistas também estavam alí, dispostos a destruir a manifestação, porém evidentemente se convenceram que só obteriam suas próprias cabeças partidas se tentassem.  O Encontro de Boston foi um sucesso. É necessário dizer que o organizador desta ocasião histórica foi Antoinette Konikow. Um grupo de 8 a 10 camaradas foram consolidados em Boston  em torno do programa de Trotsky.

Em Cleveland tivemos uma briga. O bem conhecido Amter era o organizador do distrito em Cleveland e trouxe uma quadrilha  para destruir nosso ato. Nós também tínhamos uns poucos rapazes que haviam vindo conosco, e que se dividiam em um número de simpatizantes, radicais e outros que queriam um jogo limpo e a liberdade de expressão. Instruídos por nossa experiência em New Haven, nossas forças foram organizadas em um batalhão ao redor do orador. Comecei minha conferência e depois de umas poucas frases, lembro, usei a expressão: “Quero explicar-lhes a significação revolcionária desta luta”.

Amter se levantou e disse: “Você quer dizer, significação contra-revolucionária”. Este aparentemente foi o sinal. O bando stalinista começou a gritar e a assoviar. “Sentem-se contra-revolucionário”, “traidor”, “agente do imperialismo norte-americano”, etc. Isto continuou por cerca de 15 minutos. Sua intenção era tornar impossível que eu fosse escutado entre o tumulto. Essa era a maneira com a qual iam clarificar a questão. Simplesmente não nos deixando falar. Nós pensávamos diferente. Já estava claro que os amteristas iam  gritar toda a noite se fosse necessário. Nosso esquadrão estava aposto, esperando que eu desse o sinal. Finalmente disse: “OK, adiante”. Em seguida foram sobre Amter e seu bando, pegaram um por um e os atiraram escada abaixo, limpando o hall e a atmosfera dos stanilistas. Depois tudo transcorreu bem; o encontro prossegiu sem posteriores distúrbios. Tínhamos a mais maravilhosa paz e quietude.

Em Chicago, umas poucas noites mais tarde, os stalinistas vieram  com um pequeno bando, porém não puderam decidir se queriam começar a pelejar ou não. Eu continuei com a conferência . Enquanto eu viajava vários funcionários stalinistas vinham ver-me a noite, como a figura bíblica de Nicodemus. Um deles foi B. K Gebert, que mais tarde se tornou uma grande figura no PC  e  o organizador do distrito de Detroit. Veio a ver-me no hotel  de Chicago, um homem de coração partido. Ele repudiava todos esses métodos usados contra nós. Gerbert foi um comunista consciente, simpatizava com nossa luta porém não podia deixar o partido. Não podia  se colocar  a idéia de romper com a vida que havia conhecido e começar uma nova. Esse era o caso de muitos. Diferentes formas de compulsão afetam a pessoas distintas. Alguns temiam golpes físicos; outros as calúnias, outros o isolamento. Os stalinistas empregam estes métodos. O efeito acumulativo de todos eles era atemorizar a centenas e quiçá a milhares  de pessoas, quem em uma atmosfera livre, haveriam simpatizado conosco e nos apoiariam em um ou outro grau.

Em minha conferência em Minneapolis, como testemunhei anos mais tarde na Corte Federal de Minnesota do Norte, fomos pegos com a guarda baixa. Os reconhecidos dirigentes  do movimento comunista de Minneapolis, V.R.Dunne, Carl Skoglund e outros, haviam vindo todos em nosso apoio. Eles eram também muito fortes fisicamente e se tornaram descuidados. Ao organizar o ato tendo a idéia que os cafajetes não tentariam nenhuma besteira não foi feito nenhum plano especial de defesa. Nossa gente chegou mais tarde. O bando stalinista chegou primeiro,  surpreenderam  Oscar Coover na porta, forçaram seu caminho para dentro, e ocuparam as cadeiras da frente em um hall bastante pequeno. Quando comecei a falar começaram a gritar a maneira de Amter e seu bando em Cleveland. Depois de alguns minutos nos arremessamos sobre eles e começou uma luta de vale tudo. Em seguida veio a polícia e acabou com a manifestação. Fomos ao local da IWW com o propósito de fazer uma frente única para proteger a liberdade de expressão.  Junto com eles, uns poucos simpatizantes e indivíduos isolados formamos a Guarda de Defesa Operária. Planejamos um ato no local da IWW; o cartaz advertia que esse encontro se faria sob a proteção da Guarda de Defesa Operária. A Guarda foi equipada com seus cacetetes, porretes médios, comprados em uma ferraria, lindos e manejáveis. Os Guardas se alinharam ao longo das paredes e em frente ao orador. O organizador anunciou com calma que iam se permitir perguntas e discussões, porém que ninguém podia interromper quando o orador tivesse a palavra. A manifestação transcorreu pacificamente, sem nenhum sinal de distúrbio. A organização de nosso grupo em Minneapolis estava completamente no bom caminho.

Em Nova Iorque, como começamos a convocar atos mais regularmente, os stalinistas intensificaram seus intentos por interrompê-los. Um ato no Labor Temple foi desbaratado. Seu plano era entrar com tanta força que pudessem arrancar o orador da plataforma, envolver o ato e transformá-lo numa demonstração anti-trotskysta. Não triunfaram em fazer isto porque nós tínhamos nossa guarda na plataforma equipada com os instrumentos necessários. Os stalinistas nunca alcançaram a plataforma porém lograram começar enfrentamentos de vale-tudo e a polícia entrou à força e a manifestação terminou em desordem. Os stalinistas tentaram a mesma coisa uma segunda vez, porém foram derrotados e expulsos. As coisas realmente chegaram a um climax quando os stalinistas tentaram pela última vez romper nossos atos, em um salão na costa oeste, onde nosso grupo húngaro ia reunir-se. Convidamos para uma celebração  de 1º de maio de 1929 — a primavera depois de nossa expulsão. Olhando The Militant hoje, vi o anúncio do ato de 1º de maio no local dos companheiros húngaros e o lembrete de que estaria sob a proteção da Guarda de Defesa Operária. Esteve bem vigiado. Nossa estratégia era não deixar entrar os perturbadores. Nossos próprios camaradas, simpatizantes e todos aqueles que obviamente vinham celebrar o 1º de maio foram admitidos. Quando os stalinistas trataram de entrar à força encontraram a Guarda ao pé da escada e receberam golpes na cabeça até que decidiram que não podiam tomar de assalto essa escada. Tivemos um ato em paz.

Na sexta-feira seguinte, creio, os stalinistas decidiram ir à revanche sobre o grupo húngaro, por sua inabilidade para romper a manifestação de 1º de maio como estavam instruídos. Os camaradas húngaros haviam convocado uma reunião fechada — 8 ou 10 pessoas que quase ordinariamente planejavam a atividade da célula. Entre eles estava o veterano comunista, Louis Basky, um homem de uns 50 anos, e seu velho pai, um homem de cerca de 80 anos, que era um militante, partidário de seu filho e do movimento trotskysta. Vários camaradas estavam ali. De repente o local foi invadido por um bando de canalhas stalinistas. Ingressaram e começaram a golpear homens e mulheres, incluindo o velho Basky. Nossos companheiros empunharam cadeiras e pés de cadeiras e se defenderam o melhor que puderam. Em um momento da sangrenta luta, um dos presentes, carpinteiro de profissão, que tinha uma das ferramentas no bolso, viu a dois desses canalhas batendo no velho. Tornou-se muito violento quando viu isso e se atirou sobre um deles. Levaram o assassino stalinista ao hospital. Esteve ali três semanas, os médicos não sabiam se ia poder escapar dessa ou não.

Isto pôs um limite aos ataques à nossas reuniões. Os stalinistas haviam levado as coisas quase que a uma terrível tragédia e ao escândalo do movimento comunista inteiro. Se convenceram de que nós não íamos renunciar a nosso direito de falar e reunir-nos, que levantaríamos e lutaríamos, que não podiam quebrar-nos. Depois houve só momentos de violência isolada contra nós. Não ganhamos nossa livre expressão dos gangsters stalinistas por um gesto de coração de sua parte, senão pela defesa decidida e militante de nossos direitos.

Entretanto, ganhamos novos membros e simpatizantes por conta de que nossa luta pôs as coisas em seu lugar. Éramos só um punhado de gente, e todas as armas de calúnia e ostracismo e violência foram executadas contra nós. Porém, defendemos nosso território. Por um ou outro meio nosso jornal  saía regularmente. Nos tornávamos mais fortes depois de cada batalha, isto nos trazia simpatia e apoio. Muita gente de esquerda de Nova Iorque, simpatizantes do PC e até alguns de seus membros, chegavam a vir nas nossas manifestações para ajudar a proteger-nos, no interesse da livre expressão. Eram atraídos por nossa luta, nossa coragem e nossa revolta contra os métodos dos stalinistas. Começavam a ler nossos materiais e a estudar nosso programa. Nós começamos a ganhá-los um por um, e fazer deles politicamente convertidos ao trotskysmo. Portanto, podemos dizer, que os primeiros núcleos do trotskysmo norte-americano foram recrutados sob o fogo de uma luta real. Semana a semana, mês a mês, construimos  esses pequenos grupos em várias cidades, e imediatamente tivemos o esqueleto de uma organização nacional.

The Militant saía a cada duas semanas, como, não se podia contar agora. O fizemos com a ajuda de amigos leais. Por um ou outro meio o fizemos, ao custo de sacrifícios bastante duros. Porém, esses sacrifícios não eram nada comparado com a compensação intelectual e espiritual que decorria de termos impresso nosso jornal, expressar nossa mensagem e sentir que estávamos levando adiante, com dignidade, a grande missão que se havia posto sobre nós.

Em todo esse tempo não tivemos contato com o camarada Trotsky. Não sabíamos se estava vivo ou morto. Havia notícias de que estava doente. Nós nunca sustentamos  a esperança de que chegaríamos a vê-lo ou ter contato direto com ele. Nossa única conexão com ele foi aquele documento que eu trouxe de Moscou, e outros documentos que recebemos mais tarde dos grupos europeus. Edição após edição de The Militant começamos a publicar, um atrás do outro, os vários documentos  e teses da Oposição de Esquerda Russa, cobrindo todo o período desde 1924 até 1929. Rompemos o bloqueio contra as idéias de Trotsky e seus companheiros na Rússia.

Depois, no começo da primavera de 1929, uns poucos meses após nossa expulsão, a imprensa do mundo foi sacudida pelo anúncio de que Trotsky havia sido deportado da Rússia. Esse anúncio não dizia nada sobre para onde seria enviado. Dia após dia os jornais estiveram cheios de todo o tipo de histórias especulativas, porém não de informação sobre seu paradeiro. Isto continuou por uma semanda ainda. Estávamos no ar, em suspenso, sem saber se Trotsky estava vivo ou morto, até que finalmente vieram as notícias de que havia sido deportado para à Turquia. Estabelecemos nosso primeiro contato com ele alí, na primavera de 1929, 4 ou 5 meses depois de havermos começado o movimento em seu nome e sobre a base de suas idéias. Escrevi-lhe uma carta; recebemos a resposta imediatamente. Depois, exceto pelo tempo que esteve exilado na Noruega, até o dia da sua morte, nunca estivemos sem um contato muito íntimo com o fundador e inspirador de nosso movimento.

Em 15 de fevereiro de 1929, a menos de quatro meses de nossa expulsão, como o PC estava preparando sua convenção nacional, publicamos a “plataforma” de nossa fração — uma completa declaração de princípios e nossas posições sobre as questões atuais nacionais e internacionais. Comparando esta plataforma com as resolucões e teses que nós, como qualquer outra fração, costumávamos escrever na luta fracional nacional interna, se vê o abismo que separa quem adquiriu um ponto de vista teórico internacional daquelas mentes nacionais  fracionistas, lutando numa área restrita. Nossa plataforma começava com nossa declaração de princípios em escala internacional, nossa visão das questões russas, nossa posição sobre as grandes questões teóricas que estavam no centro da luta no partido russo — a questão do socialismo num só país. A partir daí, nossa plataforma prosseguia com as questões nacionais, a questão sindical nos Estados Unidos, os detalhes dos problemas de organização do partido, etc. Pela primeira vez na prolongada batalha fracional no movimento comunista norte-americano entrava na arena um real documento marxista internacional. Este foi o resultado de haver aderido a Oposição de Esquerda Russa e a seu programa.

Imprimimos esta plataforma em The Militant, primeiro como nossa proposta à convenção do PC, porque mesmo expulsos, mantínhamos nossa posição de fração. Não disparamos do partido.

Não começamos um novo. Nos dirigíamos aos membros do partido e dizíamos: “Viemos deste partido, e este é nosso programa para a convenção do partido, nossa plataforma”. Naturalmente, não esperávamos que os burocratas nos permitissem defendê-lo na convenção. Tampouco esperávamos que o adotassem. Nos dirigíamos aos quadros e as fileiras do comunismo. Foi esta linha, esta técnica, que nos permitiu uma aproximação dos quadros e da base do PC. Quando Lovestone, Foster e companhia lhes diziam: “Estes companheiros, estes trotskystas são inimigos da Internacional Comunista; querem romper o partido”, nós podíamos mostrar-lhes que não era assim. Nossa resposta era: “Não, nós ainda somos membros do partido, e estamos submetendo uma plataforma ao partido que daria uma clara posição principista e uma melhor orientação”. Desta forma mantivemos nosso contato com os melhores elementos do partido. refutamos a calúnia de que éramos inimigos do comunismo e os convencemos de que nós mesmos éramos seus leais defensores. Por este meio primeiro ganhamos sua atenção e consequentemente recrutamos alguns deles, um por um, ao nosso grupo.

Em 19 de março, vejo em minhas anotações, convocamos um ato no Labor Temple para protestar contra a deportação de Trotsky da União Soviética. A altura da comoção mundial que havia criado esta notícia chamamos a um encontro de massas aqui no Labor Temple com Cannon, Abern e Shachtman anunciados como oradores. Protestamos contra esta infamia e novamente declaramos em público nossa solidariedade com Trotsky.

Com data de 17 de maio de 1929, The Militant publicou o chamado para a primeira Conferência da Oposição de Esquerda dos Estados Unidos. A tarefa principal desta conferência, como a anunciamos no chamado e nos subsequentes artigos pré-conferência, era adotar a plataforma. Esta plataforma, que Cannon, Abern e Shachtman haviam esboçado e submetido ao PC como um esquema, se transformou no esboço de plataforma para nossa organização, submetido a nossa primeira conferência.

Outra tarefa desta conferência foi clarificar às nossas fileiras nossa posição sobre a questão russa. Se vocês estudam a história do bolchevismo norte-americano desde 1917 até o presente, encontrarão que em cada conjuntura, em cada ocasião crítica, em cada giro dos fatos, a questão russa é que dominava a disputa. Era a questão russa a que determinava a lealdade das pessoas, se era revolucionária ou reformista, desde 1917 até a ruptura no Partido Socialista em 1919. No momento da expulsão dos trotskystas em 1928; nas inumeráveis lutas que tivemos com várias frações e grupos no curso de nosso próprio desenvolvimento; até nossa briga com a oposição pequeno-burguesa no SWP em 1939 e 1940 — a questão que sobressaía era sempre a questão russa. Sempre era dominante porque a questão russa é a questão da revolução proletária. Não é um problema abstrato de uma futura revolução; é a questão da revolução em si, que tem lugar na atualidade e que vive. A atitude em relação aquela revolução hoje, como ontem, e como no começo, é o critério decisivo  para determinar o caráter de um grupo político.

Tínhamos que clarificar esta questão em nossa primeira conferência, porque tão logo fomos expulsos e começamos a lutar contra a burocracia stalinista, todo o tipo de gente quis unir-se a nós com uma só pequena condição, que voltássemos as costas à União Soviética e ao PC construindo-nos como uma organização anti-comunista. Podíamos ter recrutado  a centenas de membros nos primeiros dias, se houvéssemos aceito essa condição. Haviam outros que queriam abandonar a idéia de funcionar como uma fração do PC e proclamavam um movimento comunista completamente independente. A tarefa de nossa conferência era também clarificar este ponto. Devíamos começar um partido independente novo e renunciar a qualquer trabalho futuro no PC, ou devíamos continuar declarando-nos fração? Esta questão devia ser resolvida decisivamente.

Outro problema referido  na primeira Conferência Nacional era a natureza e a forma de nossa organização nacional, e a eleição de nossa direção nacional. Até esse momento os “três generais” haviam funcionado como a direção simplesmente em virtude do fato de que eles  haviam iniciado a luta. Isto era um bom e suficiente certificado para começar: aqueles que tomam a iniciativa se tornam líderes na ação por uma lei muito mais elevada que um referendum. Porém, isso não podia continuar indefinidamente. Reconhecíamos que era necessário ter uma conferência e eleger a direção do comitê. Fomos o suficientemente afortunados para receber a resposta do camarada Trotsky a nossa comunicação no momento da conferência. Sua resposta, assim como todas as suas cartas, todos os seus artigos, estavam impregnados de sabedoria política. Seus conselhos amistosos nos ajudaram a resolver nossos problemas.

The Militant anunciou que 31 delegados e 17 suplentes de 12 cidades foram à primeira conferência do trotskysmo norte-americano, representando a um total em torno de 100 membros em todo o país. A conferência foi convocada para Chicago em maio de 1929. Como podem ver, pelos números que citei, quase todos os membros de nossa jovem organização vieram como delegados e suplentes para formar esta histórica conferência. Se encontrou um espírito de unidade, entusiasmo, e uma infinita confiança em nosso grande futuro. A primeira preparação que fizemos foi prática, proteger a conferência contra os cafajestes stalinistas. A delegação completa, umas 48 pessoas estava alistada no exército de auto-defesa. Se os stalinistas tivéssem tentado interferir na conferência teriam recebido uma boa resposta por seus pecados. Porém, eles decidiram  deixar-nos só e nós nos reunimos por dias em paz.

Permita-me repetir. Haviam 31 delegados e 17 suplentes de 12 cidades, representando aproximadamente 100 membros de  nossa organização nacional. Nos chamamos de Liga Comunista da América, Oposição de Esquerda do PC.

Estávamos seguros que fazíamos o correto. Estávamos seguros que nosso programa era correto. Saímos daquela conferência convencidos de que todo o futuro desenvolvimento do movimento comunista regenerado na América do Norte, até o momento em que o proletariado tome o poder e comece a organizar a sociedade socialista, buscaria sua origem naquela primeira Conferência Nacional do Trotskysmo Norte-Americano em Chicago, em maio de 1929.


Inclusão 10/10/2006
Última alteração 25/12/2012