Discurso proferido na tribuna aberta celebrada na Praça da Revolução "Comandante Ernesto Che Guevara" pela comemoração do 47.º aniversário do assalto ao Quartel Moncada

Fidel Castro

29 de julho de 2000


Fonte: Cuba Debate - Contra o Terrorismo Midiático

Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo


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Villaclarenhos,

Compatriotas,

Convidados:

Tudo muda. Até a hora e a configuração das nossas grandes manifestações públicas como o Primeiro de Maio e o 26 de Julho. A luta tenaz e sem tréguas para reparar a enorme injustiça cometida contra uma criança cubana, o seu pai e a sua família, e a enorme batalha de idéias e de massas defendida pelo nosso povo ao longo de 7 meses, enriqueceu extraordinariamente a nossa experiência revolucionária. Alcançamos uma elevada capacidade de mobilização, organização e disciplina. Centenas de novos e brilhantes oradores, muitos deles crianças, adolescentes e jovens, surgiram de todos os lados como prova inequívoca da insuperável obra educativa da Revolução.

Desenvolvemos novas e eficientes formas de transmitir ao povo e ao mundo as nossas verdades. A arte e a palavra falada, a cultura artística e a mensagem revolucionária uniram-se de forma quase inseparável no nosso processo histórico. Os conhecimentos, a cultura geral e a consciência política aprofundam-se rápidamente. Já não serão necessários longos discursos em concentrações incómodas e com muito calor para abordar a fundo temas complexos e explicar acontecimentos que se debatem quase diáriamente em programas, declarações e análises através dos nossos meios de televisão, rádio e imprensa escrita.

Hoje estamos numa Tribuna Aberta, nesta Praça da Revolução, perante o mausoléu que abriga os restos mortais do destacamento de reforço integrado pelo Che e seus heróicos companheiros tombados quando eram protagonistas de uma nobre e generosa luta noutra terras do mundo.

Um a um foram procurados e encontrados em dispersas e longínquas paragens; um a um os seus ossos foram identificados. A pátria teve o privilégio de reunir neste santuário da solidariedade e do internacionalismo os protagonistas de uma das páginas mais bonitas da história da América. Antes que os sonhos unificadores de Bolívar e Martí sejam realidade, está já aqui integrada simbólicamente a nossa América. Argentinos, bolivianos, peruanos e cubanos, e até uma filha da terra que foi berço de quem primeiro sonhou com um mundo socialista, estão unidos para sempre neste lugar.

Estes túmulos, de cuja imponente presença brotam mensagens de alento, recordam-nos que não estamos sós neste 26 de Julho villaclarenho, que conosco vibram também os que caíram naquela batalha em que foram arrebatadas das garras da tirania, umas atrás das outras, as ruas e edificações desta cidade heróica.

Estando já em nosso poder as cidades de Santiago de Cuba e de Santa Clara, a luta não se deteve um segundo e as nossas tropas continuaram a sua marcha impetuosa com o apoio unânime dos trabalhadores e do resto do povo até ao colapso total do regime em menos de 48 horas. Não se tratava de uma tomada do poder pela força das armas; era uma revolução.

Rápidamente compreendemos todos que o verdadeiro amo não era o déspota derrubado; um amo mil vezes mais poderoso era o verdadeiro amo. Em circunstâncias normais poderia parecer que se tratava de uma simples teoria ou hipótese política. Eram tempos em que muitos acreditavam que a soberania e a independência dos povos constituíam princípios universais e sagrados acatados e respeitados por todos.

O nosso povo teve a primeira lição quando viu saír massivamente para os Estados Unidos, onde guardavam as suas fortunas, centenas de grandes saqueadores dos fundos públicos e os piores criminosos de guerra que tinham torturado e assassinado milhares dos seus filhos. Mas isto era apenas o início. As autoridades daquele país suspenderam de imediato todos os créditos e iniciou-se o bombardeio de calúnias, que tem continuado practicamente até hoje, com as quais pretendem justificar sempre as suas acções. O pretexto foi na altura, a sanção exemplar aos criminosos de guerra que não puderam escapar, e a intervenção e confiscação de fazendas, bens imobiliários e outras riquezas roubadas em quase sete anos de tirania.

Uma reforma agrária necessária e vital para a vida do país, decretada quatro meses e meio depois do triunfo da Revolução, desencadeou a ira do império. Muitas das suas grandes empresas eram proprietárias de enormes extensões das melhores terras do país. A Revolução foi inexorávelmente condenada à morte. Parecia tarefa fácil. Começaram os ataques aéreos a partir do território norte-americano por aviões piratas contra plantações de cana-de-açúcar, centrais açucareiras e até cidades; actos terroristas, bandos armados, guerra suja, planos de atentados, ataques a partir do mar a instalações costeiras e embarcações mercantes e pesqueiras, a invasão mercenária de Girón, e a arma aparentemente absoluta e irresistível para um país pequeno e subdesenvolvido: o bloqueio e a guerra económica totais.

Um a um, os governos corruptos, oligárquicos e burgueses da nossa própria língua, cultura e história colonial neste hemisfério, com excepção de um só país latino-americano, juntaram-se ao Estados Unidos em acção fratricida. A nossa quota açucareira de mais de três milhões de toneladas açucar obtida ao longo de um século, foi repartida entre cúmplices e traidores. Tudo em nome da "liberdade" e "democracia", que poucas vezes existiram em muitos daqueles países, se é que alguma vez existiram.

Derrotada a invasão mercenária, elaboraram-se os planos para uma invasão directa de Cuba com uso de forças militares dos Estados Unidos, que os documentos desclassificados provam hoje de forma irredutível. Até uma guerra nuclear esteve quase a estourar.

Esforços para isolar totalmente Cuba, sabotagens contra as nossas linhas mercantes e aéreas; um avião explodido em pleno vôo com mais de 70 passageiros, estando entre eles a nossa equipa juvenil de esgrima que acabava de obter todas as medalhas de ouro no Campeonato Centro-americano; guerra biológica contra pessoas, animais e plantas, bombas em hotéis e outras instalações turísticas, e outros actos terroristas directamente realizados por instituições do governo dos Estados Unidos ou através de organizações fantoches teve que suportar o nosso povo ao longo de quatro décadas.

A queda do bloco socialista e a desintegração da URSS que privou o país dos seus mercados fundamentais, combustíveis, alimentos, matérias primas, equipamento e peças, conduziu-nos a uma situação excepcionalmente difícil. Foi o momento escolhido pelo governo dos Estados Unidos com oportunismo repugnante para tratar de aplicar o golpe de misericórdia à Revolução com as leis Torricelli, Helms-Burton e dezenas de emendas em legislações importantes do Congresso norte-americano.

Muitos esperaram em vão durante anos a notícia de que a Revolução tinha deixado de existir. O nosso povo resistiu sem se comover.

A proeza sem precedentes que foi capaz de realizar enche-nos de legítimo orgulho. Nada impediu as extraordinárias conquistas sociais alcançadas que hoje são objecto de admiração por parte de todas as pessoas honestas do mundo. Nada impediu as páginas escritas em letra dourada no livro da história do internacionalismo e da solidariedade com outros povos. Nada poderá apagar o exemplo que demos ao mundo. Os nossos sentimentos patrióticos aprofundaram-se e os nossos sentimentos internacionalistas multiplicaram-se ao semear na alma do povo cubano a mais bela das idéias martianas, quando afirmou que "pátria é humanidade".

Enchem-nos igualmente de orgulho esses sentimentos que levaram Martí a Dos Rios; Che Guevara e seus companheiros a Ñancahuazú, ao Rio Grande, à Quebrada del Yuro e a La Higuera; centenas de milhares de combatentes internacionalistas cubanos a Angola, ao Cuito Cuanavale e às margens do rio Cunene na fronteira da Namíbia, para cooperar decisivamente com os povos irmãos de Africa na derrota de um dos mais repugnantes e odiosos bastiões do racismo e do fascismo. Esses sentimentos levaram dezenas de milhares de médicos, professores, técnicos e construtores aos quatro cantos da terra para salvar vidas, aliviar dôr, restaurar e preservar a saúde, educar e contribuir para o bem-estar e desenvolvimento de milhões de pessoas; levaram-nos a oferecer as nossas instituições educacionais e universidades a dezenas de milhares de jovens do Terceiro Mundo. Constitui um legado que Cuba, ameaçada, hostilizada e bloqueada pela nação mais poderosa da Terra, soube dar ao mundo do futuro, que apenas poderá salvar-se e apenas poderá construir-se sobre esses pilares de solidariedade e internacionalismo.

Sonham os teóricos e agoirentos da política imperial que a Revolução, que não pôde ser destruída com procedimentos tão pérfidos e criminosos, poderia sê-lo mediante métodos sedutores como o que baptizaram como "política de contactos povo a povo". Pois bem: estamos dispostos a aceitar o desafio, mas joguem limpo, acabem com as condições, eliminem a Lei assassina de Ajuste Cubano, a Lei Torricelli, a Lei Helms-Burton, as dezenas de emendas legais se bem que imorais, enxertadas oportunísticamente na sua legislação; ponham fim por completo ao bloqueio genocida e à guerra económica; respeitem o direito constitucional dos seus estudantes, trabalhadores, intelectuais, homens de negócios e cidadãos em geral de visitar o nosso país, fazer negócios, comercializar e investir, se o desejarem, sem limitações nem medos ridículos, do mesmo modo que nós permitimos aos nossos cidadãos viajar livremente e até residir nos Estados Unidos, e veremos se por essas vias podem destruir a Revolução Cubana, que é afinal o objectivo que se propõem.

Sem vontade de perturbar os doces sonhos daqueles que pensam o último, cumpro com o dever cortês de adverti-los que a Revolução cubana não poderá ser destruída nem pela força nem pela sedução.

Martí disse que trincheiras de idéias valem mais que trincheiras de pedra, e partilhamos com ele esse pensamento, mas nunca disse que aquelas fossem desnecessárias. Cuba está hoje defendida por uma dupla trincheira de pedra e idéias: uma contra a força bruta, constituída pela disposição de um povo para lutar até às últimas conseqüências, de forma que de nada serviriam as chamadas armas inteligentes nem os mais sofisticados meios que emergem dos avançados centros de produção de instrumentos de morte que possuem os nossos potenciais agressores. Mas também o está por uma gigantesca trincheira de sentimentos e idéias contra a qual se estilhaçará todo o arsenal de mentiras, demagogia e hipocrisia com as quais o imperialismo pretende enganar o mundo. Com idéias verdadeiramente justas e uma sólida cultura geral e política, o nosso povo pode igualmente defender a sua identidade e proteger-se das pseudo-culturas que procedem das sociedades de consumo desumanizadas, egoístas e irresponsáveis. Nessa lida também podemos vencer e venceremos.

A história está igualmente do nosso lado, porque a ordem económica e política injusta e globalizada imposta ao mundo é insustentável, e mais cedo do que tarde será derrubada. A natureza não poderá resistir à agressão a que estão submetidos os recursos naturais e o meio ambiente. Os milhares de milhões de pobres que em número crescente habitam este planeta tornar-se-ão ingovernáveis. Não existirão leis de imigração nem fronteiras que possam contê-los. A própria civilização estará ameaçada. Os políticos, por mais orgulhosos e incapazes que sejam, terão que compreender que na nossa época e no nosso planeta a paz e a estreita cooperação entre os povos é a única alternativa possível.

A um ritmo acelerado os cidadãos do nosso país adquirem um conhecimento profundo e plena consciência destas realidades. A giantesca marcha combatente da capital ocurrida há 72 horas atrás assim o demonstra. Estra tribuna aberta em Santa Clara, massiva, organizada, entusiasta, emocionante e bela, assim o confirma.

Este monumento que se ergue a nosso lado é como um farol que nos alumia o futuro. Os restos, que não são mortais mas sim imortais, que em suas criptas jazem, demonstram-nos o que são capazes de fazer os seres humanos por um mundo de justiça, fraternidade e paz.

Glória eterna aos tombados no assalto ao quartel em Moncada, em Girón, no Escambray, nas montanhas, nas planícies e cidades de Cuba para tornar possíveis os sonhos daquele 26 de Julho!

Glória eterna a Che e aos que deram as suas vidas junto dele!

Glória eterna aos que tombaram na Guiné Bissau, no leste do Congo, na Etiópia, em Angola, em Cuito Canavale, nas proximidades das fronteiras da Namíbia e em outras partes!

Glória eterna aos professores e trabalhadores civis que morreram cumprindo missões internacionalistas!

Honra, gratidão e reconhecimento aos milhares de médicos e trabalhadores da saúde que hoje salvam vidas em longínquos cantos do mundo!

Honra e glória ao povo que foi capaz destas proezas!

Villaclarenhos, vencedores de dificuldades e obstáculos, vencedores da honra de ser sede do 47.º aniversário do dia em que se acendeu a faísca de um exemplo e uma idéia que hoje percorre o mundo, felicidades!

Compatriotas de toda Cuba, avante!

Até a victória sempre!


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Inclusão: 02/09/2021