Mensagem à décima primeira Conferência das Nações Unidas sobre o comércio e o desenvolvimento

Fidel Castro Ruz

13 de junho de 2004


Fonte: Fidel Castro Soldado de las Ideas - http://www.fidelcastro.cu/pt-pt/inicio

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


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A UNCTAD, organização fundada há 40 anos, foi uma nobre tentativa do mundo subdesenvolvido por criar no seio das Nações Unidas, através de um comércio racional e justo, um instrumento que servisse às suas aspirações de progresso e desenvolvimento. Na altura eram muitas as esperanças, sob a ingênua crença de que as antigas metrópoles tinham adquirido consciência do dever e a necesidade de estarem de acordo com esse objetivo.

Raúl Prebisch foi o principal inspirador de aquela idéia. Ele tinha analizado o fenômeno do intercâmbio desigual como uma das grandes tragédias que travavam o desenvolvimento econômico dos povos do Terceiro Mundo. Este foi um dos seus contributos mais importantes à cultura econômica da nossa época. Como reconhecimento a suas destacadas qualidades, foi eleito o Primeiro Seretário de esta instituição das Nações Unidas sobre o comércio e desenvolvimento.

Hoje o terrível flagêlo do intercâmbio desigual apenas é mencionado em discursos e conferências.

O comércio internacional não tem sido instrumento para o desenvolvimento dos países pobres, que são a imensa maioria da humanidade.  

Para 86 deles os produtos básicos representam mais da metade das receitas por exportações. O poder de compra desses produtos, salvo o petróleo hoje é menos da terceira parte de aquele que tinha ao ser criada a UNTCTAD.

Embora as cifras aborrecem e se repetem, as vezes não há outro remédio que usar o sua eloqüente e insustituível linguagem.

Aos países pobres se lhes prometeu ajuda para o denvolvimento e que o abismo entre ricos e pobres reducir-se-ia progressivamente; até chegou a se prometer que o montante atingiria o 0,7 por cento do chamado PIB dos econômicamente desenvolvidos, cifra que de ser assim, hoje seria de não menos de 175 bilhões de dólares por ano.

O que recebeu o Terceiro Mundo como ajuda oficial para o deseenvolvimento no passado ano 2003 foi 54 bilhões de dólares. Esse mesmo ano os pobres pagaram aos ricos 436 bilhões por serviço da dívida. O mais rico deles, os Estados Unidos da América é quem menos cumpriu a meta trazada, ao destinarem a essa ajuda apenas 0,1 por cento do seu PIB. Não são incluidas as enormes somas que lhes arrebataram como conseqüência do intercâmbio dessigual.

Adicionalmente, os países ricos gastam cada ano mais de 300 bilhões de dólares para pagar subsídios que impedem o acesso das exportações dos países pobres aos seus mercados.

Por outra parte, é quase impossível medir o prejuízo causado a esses países pelo tipo de relações comerciais que através dos caminhos sinuosos da OMC e os tratados de livre comércio, são impostos aos países pobres, incapazes de competir com a sofisticada tecnologia, o monopólio quase total da propriedade intelectual e os imensos recursos dos países ricos.

A estas formas de pilhagem acrescentam-se outras, como a grosseira exploração da mão-de-obra bararata com maquilas que chegam e vão à velocidade da luz, a especulação com as moedas ao ritmo de milhões de milhões de dólares cada dia, o comércio de armas, a posse de bens do patrimônio nacional, a invasão cultural e outras dezenas de ações de pilhagem e roubo impossíveis de enumerar. Está por estudar, visto que não aparece nos livros clássicos de economia, a mais brutal transferência de recursos financeiros dos países pobres para os países ricos: a fuga de capital, que é caraterística e obrigatória da ordem econômica reinante.

O dinheiro de todo o mundo escapa para os Estados Unidos de América para se proteger da instabilidade monetária e a febre especulativa que provoca a própria ordem econômica. Sem esse presente, que o resto do mundo, nomeadamente os países pobres, lhe fazem aos Estados Unidos, sua atual administração não poderia suportar o enorme déficit fiscal e comercial, que atinge entre ambos os dois no ano 2004 a não menos de um milhão de milhões de dólares.

Aguém se atreveria a negar as conseqüências sociais e humanas da globalização neoliberal imposta ao mundo?.  

Como podem os lideres do imperialismo e os que partilham com ele a pilhagem do mundo falar de direitos humanos e mencionar sequer as palavras liberdade e democracia neste mundo tão brutalmente explorado?

O que se pratica contra a humanidade é um crime permanente de genocídio. Cada ano morrem por falta de alimentos, atendimento médico e remédios, tantas crianças, mães, adolescentes, jóvens e adultos salváveis, como as dezenas de milhões que morreram em qualquer uma das duas guerras mundiais. Isto acontece todos os dias, a toda hora, sem que nenhum dos líderes do mundo desenvolvido e rico dedique a isto nem uma palabra.

Poderá continuar indefinidamente esta situação? Decididamente não, por razoēs absolutamente objetivas.

A humanidade, depois de dezenas de milhares de anos, chegou neste minuto, e quase de repente, devido ao ritmo acelerado dos últimos 45 anos em que o seu montante mais que se duplicou, a 6.350 milhões de habitantes, que precisam de serem vestidos, calçados, alimentados, albergados e educados. A cifra ascenderá quase inevitávelmente a 10 bilhões de pessoas em apenas mais 50 anos. Já para altura não existirão as reservas de combustível provadas e prováveis que o planeta demorou 300 milhões de anos em criar. Tarão sido lançadas à atmosfera,as águas e os solos junto a outros produtos químicos contaminantes.

O sistema imperialista que hoje impera, para onde inevitávelmente foi evoluindo a sociedade capitalista desenvolvida, já chegou a uma ordem econômica global e neoliberal tão impiedosamente irracional e injusta, que é insustentável. Os povos vão-se rebelar em contra dele. Já começaram a se rebelar. São estúpidos os que afirmam que isto é fruto de partidos, ideologias ou de agentes subversivos e instabilizadores de Cuba e Venezuela. Entre outras coisas esta evolução trouxe consigo, de maneira inevitável dentro de bases e normas que regem o sistema imperante, as chamadas sociedades de consumo. Nelas, suas tendências esbanjadoras e irresponsáveis envenenaram as mentes de grande número de pessoas no mundo, as que no meio de uma ignorância política e econômica generalizada são manipuladas pela publicidade comercial e política através de fabulosos mídia que a ciência criou.

Estas não tem sido as condições mais propícias para o desenvolvimento, nos países ricos e poderosos, de líderes capazes, responsáveis e dotados dos conhecimentos e princípios políticos e éticos que um mundo tão extremamente complexo requer. Não é necessário culpá-los, porque eles mesmos foram frutos e ao mesmo tempo cegos instrumentos de aquela evolução. Serão capazes de tratar com responsabilidade as situações políticas sumamente complicadas que em número crescente surgem no mundo?.

Em breve vão fazer 60 anos do dia em que estourou sobre Hiroshima a primeira bomba nuclear. Hoje existem no mundo dezenas de milhares dessas armas, que são dezenas de vezes mais poderosas e precisas. Continuam-se prodizindo e aperfeiçoando. Até no esspaço se programam bases de projécteis nucleares. Surgem novos sistemas de mortíferos e sofisticados armamentos.

Pela primeira vez na história o homem teria criado a capacidade técnica para sua total autodestrução. No entanto, não tem sido capaz de criar um mínimo de garantias para a segurança e integridade de todos os países por igual. Elaboram-se, e inclusive são aplicadas teorias relativas ao uso preventivo e por surpresa das armas mais sofisticadas " em qualquer escuro canto do mundo ", " em 60 ou maiss países ", que fazem pálida a barbárie proclamada nos dias tenebrosos do nazismo. Já temos sido testemunhas de guerras de conquista e de sádicos métodos de tortura que recordam as imagens divulgadas nos dias finais da Segunda Guerra Mundial.

O pretígio das Nações Unidas está sendo socavado até os alicerces. Longe de se aperfeiçoar e democratizar, a instituição foi ficando como um instrumento que a superpotência e os seus aliados pretendem usar únicamante para coonestar aventuras bélicas e espantosos crimes contra os direitos mais sagrados dos povos.

Não se trata de fantasias nem de produtos da imaginação. É muito real o fato de que, em apenas meio século, surgiram dois grandes e mortíferos perigos para a própria sobrevivência da espécie: aquele que sai do desenvolvimento tecnológico das armas e aquele que vem da destruição sistemática e acelerada das condições naturais para a vida no planeta.

Na alternativa a que tem sido arrastada pelo sistema, não há otra posibilidade para a humanidade: ou muda a atual situação mundial ou a espécie corre o risco real de extinção. Para entendê-lo não tem que se cientista nem perito em matemáticas; é suficiente com a aritmética que recebem as crianças no ensino primário.

Os povos serão ingovernáveis. Não existem métodos repressivos, torturas, desaparecimentos nem assassínios em massa que possam impedi-lo. E na luta pela sobrevivência, a dos seus filhos e os filhos dos seus filhos, estarão nem só os famintos do Terceiro Mundo; estarão igualmente todas as pessoas conscientes do mundo rico, quer trabalhadores manuais ou intelectuais.

Da crise inevitável, e muito mais cedo do que tarde, sairão pensadores, guias,organizações e políticas da mais diversa índole que farão o máximo esforço por preservarem a espécie. Todas as águas numa só direção vão se juntar para varrer os obstáculos.

Plantemos idéias, e todas as armas que esta bárbara civilização criou vão sobrar; plantemos idéias, e a destruição irremediável do nosso meio natural de vida poderá impedir-se.

Caberia se perguntar, se já não é tarde demais. Sou otimista, digo que não, e tenho a esperança de que um mundo melhor é possível.

Fidel Castro Ruz
Presidente da República de Cuba
Havana, 13 de junho de 2004


Inclusão: 04/09/2021