Carta a seus compatriotas

Fidel Castro

21 de outubro de 2004


Fonte: Cuba Debate - Contra o Terrorismo Midiático

Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo


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Caros compatriotas:

Ontem, 20 de outubro, ao findar meu discurso no ato de Santa Clara, fui afetado por uma queda acidental. Algumas agências de notícias e outros meios que transmitem informações publicaram várias versões sobre as causas do acidente. Como protagonista e testemunha afetado posso explicar com toda a precisão as causas do acontecido.

Eu tinha concluído meu discurso aos graduados como instrutores da arte perto das 22h. Vários companheiros do Partido e do Governo subiram à tribuna para nos cumprimentarem. Entre eles estava Elián, como é habitual em determinados atos. Ficamos aí vários minutos e logo descemos para nos reunirmos de novo, pela mesma pequena escada de madeira que utilizamos para subir à tribuna, rápido pelo piso de granito, para me sentar na mesma cadeira que me deram antes de meu turno na tribuna, caminhava sobre o pavimento de granito e ao mesmo tempo cumprimentava de vez em vez os entusiásticos instrutores e os mais de 25 mil moradores da província de Villa Clara convidados para o ato.

Quando cheguei à área de concreto, aproximadamente 15 ou 20 metros da primeira fileira de cadeiras, não reparei que havia um escalão no passeio da rua, relativamente alto, entre o chão e a multidão. Meu pé esquerdo pisou no vazio, pela diferença de altura com relação à área onde estavam os participantes em suas cadeiras respectivas. O impulso e a lei de gravidade, descoberta há tempo por Newton, fizeram com que, ao pisar em falso, caísse de bruços, em fração de segundos, no chão. Instintivamente, meus braços se adiantaram para amortecer o golpe; caso contrário, meu rosto e minha cabeça teriam chocado fortemente contra o chão.

Não se podia culpar ninguém. Era totalmente minha responsabilidade. Ao que parece a emoção desse dia, cheio de criações e simbolismos, explica meu descuido.

O demais que ocorreu nos minutos seguintes todos conhecem. Minha maior dor nesse momento era a idéia do sofrimento daquela massa de jovens graduados e dos convidados de Villa Clara que participavam dessa atividade bela e empolgante.

Apenas me podia mexer. E depois de muitos obstáculos, no meio daquela consternação, me colocaram na parte traseira do carro em que viajava e não no jipe que solicitei. Não apareceu nem um. Levaram-me para a casa que me tinha sido dada, para realizar uma primeira observação dos danos provocados pela queda; afinal era pouco o que lá se podia fazer.

Apareceu uma ambulância e decidimos utilizá-la para viajar à capital, Evidentemente, as dores e os sintomas indicavam a necessidade de exames profundos e possíveis cirurgias de maneira imediata. Deitado numa maca fui levado de ambulância para a capital.

Não vou omitir que junto de vários médicos muito competentes e vários companheiros, como Carlinhos e outros, muito apertados naquela ambulância e apesar de alguns buracos da rodovia, a viagem foi cômoda e agradável. Os analgésicos tomados aliviaram de certa forma o paciente de agudas dores.

Durante o caminho começamos a trabalhar. Telefonamos a nosso escritório e a diversos companheiros para que dessem informação sobre as reações internacionais, lhes comunicando com precisão o acontecido. Deram-se instruções, foram mobilizados os meios técnicos e o pessoal médico especializado, para dispor das condições requeridas para as diferentes variantes de afetação que eram consideradas possíveis.

Até o presidente Hugo Chávez telefonou mal recebeu a notícia. Conversou com Felipe e pediu se comunicar comigo, o que foi possível graças às comunicações sem fio, e apesar das dificuldades deste tipo: são difíceis e se interrompem com freqüência por razões técnicas.

Pela mesma via pude conversar com os companheiros instrutores reunidos em Santa Clara. Pedi encarecidamente para não suspender a festa organizada depois do ato. Utilizando um celular colocado ante o microfone onde estavam reunidos, falei com eles diretamente e lhes transmiti a mensagem.

Saímos de Santa Clara perto das 23h. Chegamos ao Palácio da Revolução. Carregado numa maca e ao ombro de vários companheiros, fui levado logo para um pequeno hospital, com um mínimo de equipamentos necessários para atender casos de emergência. De imediato, exames clínicos, radiografias, exames de sangue e outras investigações. Determinaram que as complicações mas importantes estavam no joelho esquerdo e na parte superior do braço direito, onde o úmero apresentava uma fissura. A rótula estava fragmentada em oito pedaços. Eu podia observar cada uma das imagens e os exames feitos. De comum acordo, os especialistas e o paciente, decidimos operar imediatamente o joelho e imobilizar o braço direito com uma simples faixa de gaze.

A operação demorou três horas e quinze minutos. Os ortopédicos dedicaram-se a reunir e colocar em seu lugar cada um dos fragmentos, e como tecedores, os uniram com solidez, costurando com um fino fio de aço inoxidável. Um trabalho de ourivesaria.

O paciente solicitou aos médicos para não lhe aplicarem nenhum sedativo e utilizaram raquianestesia. Este anestésico faz perder parcialmente a sensibilidade da parte inferior do corpo e mantém intacto o restante do organismo. Explico-lhes que dada as circunstâncias atuais era necessário evitar a anestesia geral para estar em condições de atender inúmeros assuntos importantes. Por isso, durante as horas mencionadas que demorou o processo, manteve o contacto com seu chefe de gabinete, também nas proximidades do salão cirúrgico e vestido com a roupa estéril dos cirurgiões. Desta forma, o tempo todo, continuou recebendo informações e dando instruções, controlando a situação criada com o imprevisto acidente.

Finalizada a parte cirúrgica, lhe engessaram a perna esquerda e procederam ao mesmo tempo a imobilizar o braço direito.

Realmente, compatriotas, tem sido uma experiência inesquecível. Os especialistas e o paciente analisaram e coordenaram perfeitamente bem o que se devia fazer nas circunstâncias específicas que está vivendo o país sem perder um minuto.

A partir do próprio instante da queda, não tenho deixado de atender as tarefas mais importantes que me correspondem, em coordenação com o resto dos companheiros.

Desejava transmitir a vocês, na noite de hoje, estas notícias. Evoluo bem e não deixarei de me comunicar com vocês. Expresso-lhes meus mais profundos agradecimentos pelas manifestações de carinho e solidariedade recebidas de vocês nestes instantes.

Cada um dos revolucionários cubanos sabe o que deve fazer em cada instante. Façamo-lo!

Peço-lhes escusas por tão longa mensagem.

Fidel Castro Ruz
21 de outubro de 2004
19h35


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Inclusão: 03/09/2021