A luta que recém começa

Fidel Castro

10 de maio de 2009


Fonte: Cuba Debate - Contra o Terrorismo Midiático

Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo


capa

Os governos podem mudar, mas os instrumentos com os quais nos converteram em colônia continuam a ser os mesmos.

Por um Presidente com sentido ético nos Estados Unidos, tivemos durante os 28 anos precedentes, três que cometeram genocídios, e um quarto que internacionalizou o bloqueio.

A OEA foi instrumento desses crimes. O seu custoso aparelho burocrático toma a sério unicamente os acordos do seu CIDH. A nossa nação foi a última das colônias espanholas após quatro séculos de ocupação e a primeira em se libertar do domínio dos Estados Unidos depois de seis décadas.

“A liberdade custa muito caro, e é preciso, ou resignar-se a viver sem ela, ou decidir-se a comprá-la por seu preço”, ensinou-nos o Apóstolo da Nossa Independência.

Cuba respeita os critérios dos governos dos irmãos países da América Latina e das Caraíbas que pensam de outra maneira, mas não deseja fazer parte dessa instituição.

Daniel Ortega, que proferiu um valente e histórico discurso em Porto Espanha, explicou ao povo de Cuba que as antigas potências coloniais da Europa não foram convidadas pelos países independentes da África a fazer parte da Unidade Africana. É uma posição digna de ser tomada em consideração.

A OEA não pôde impedir que Reagan desatasse a guerra suja contra seu povo, minasse seus portos, acudisse ao tráfico de drogas para adquirir armas de guerra, com as quais financiou a morte, a invalidez, ou as lesões graves provocadas a dezenas de milhares de jovens num país tão pequeno como a Nicarágua.

O que é que fez a OEA para protegê-lo? O que é que ela fez para impedir a invasão em Santo Domingo, as centenas de milhares de pessoas assassinadas ou desaparecidas na Guatemala, os ataques da aviação, os assassinatos de proeminentes figuras eclesiásticas, as repressões maciças contra o povo, as invasões da Granada e do Panamá, o golpe de Estado no Chile, os torturados e desaparecidos nesse país, na Argentina, no Uruguai, no Paraguai e noutros lugares? Alguma vez acusou os Estados Unidos? Qual a sua valoração histórica desses fatos?

Ontem, sábado, o jornal Granma publicou o que escrevi sobre o acordo da CIDH contra Cuba. Depois senti curiosidade por conhecer aquele a adotou contra a Venezuela. Era mais ou menos a mesma porcaria.

O acesso ao poder da Revolução Bolivariana foi diferente ao de Cuba. Em nosso país o processo político foi interrompido abruptamente por um arteiro golpe militar que foi promovido pelo governo dos Estados Unidos em 10 de Março de 1952, a poucas semanas das eleições gerais que deviam ser realizadas no dia 1 de Junho desse mesmo ano. Em Cuba, mais uma vez, o povo não tinha alternativa que se resignar. Os cubanos lutaram novamente, nesta oportunidade o desenlace foi muito diferente. Quase sete anos mais tarde a Revolução emergiu vitoriosa pela primeira vez na história.

Os combatentes revolucionários com um mínimo de recursos bélicos, mais de 90% dos quais foram arrebatados ao inimigo após 25 meses de guerra apoiados pelo povo, e na ofensiva final uma greve geral revolucionaria, venceram a tirania e assumiram o controle de todas suas armas e centros de poder. A Revolução vitoriosa converteu-se em fonte de direito como em qualquer outra época da história.

Na Venezuela não aconteceu da mesma maneira. Chávez, militar revolucionário mesmo como o foram outros em nosso hemisfério, chegou à Presidência através das normas da Constituição burguesa estabelecida, como líder do Movimento V República, aliado a outras forças da esquerda. A Revolução e seus instrumentos ainda não tinham sido criados. Se tivesse triunfado o levantamento militar dirigido por ele, a revolução na Venezuela possivelmente teria tomado outro rumo. Contudo, foi fiel às normas legais estabelecidas, que estavam já a seu alcance como via principal de luta. Desenvolveu o costume da consulta popular quantas vezes for necessário.

Levou a nova Constituição a plebiscito popular. Não demorou em conhecer os métodos do imperialismo e seus aliados da oligarquia para recuperar e conservar o poder.

O golpe de Estado de 11 de Abril de 2002 foi a resposta contra-revolucionária.

O povo reage e leva-o novamente ao poder quando, isolado e privado de comunicação, estava perto de ser eliminado pela direita, que o instava a assinar a renúncia.

Não cedeu, resistiu até que seus próprios fuzileiros venezuelanos libertaram-no e helicópteros da Força Aérea levaram-no novamente para o Palácio de Miraflores, que já tinha sido ocupado pelo povo e os soldados do exército no Forte Tiuna, que se revoltaram contra os altos oficiais golpistas.

Naqueles dias pensei que sua política viraria radical; contudo, preocupado pela unidade e a paz, no momento de maior força e apoio foi generoso e conversou com seus adversários na procura de cooperação.

A réplica do imperialismo e de seus cúmplices a essa atitude foi o golpe petroleiro. Talvez uma das mais brilhantes batalhas que livrou nesse período foi a que levou a cabo para fornecer combustível ao povo da Venezuela.

Tínhamos conversado muitas vezes desde sua visita a Cuba em 1994 e falou na Universidade de Havana.

Era um homem verdadeiramente revolucionário, porém na medida em que tomava consciência da injustiça que reinava na sociedade venezuelana seu pensamento foi se aprofundando, até chegar à convicção de que para a Venezuela não havia outra alternativa que uma mudança radical e total.

Conhece até em seus mais mínimos detalhes as idéias do Libertador, a quem admira profundamente.

Seus adversários compreendem que não é fácil vencer perante a tenacidade de um lutador que não descansa um minuto. Podem optar por privá-lo da vida física, porém os inimigos internos e externos sabem o que isso significaria para seus interesses. Podem existir doidos e fanáticos irracionais, no entanto de tais perigos não estão isentos os líderes, os povos, nem a própria humanidade.

Pensando friamente, Chávez hoje é um adversário formidável do sistema capitalista de produção e do imperialismo. Converteu-se num verdadeiro especialista sobre muitos problemas fundamentais da sociedade humana. Vi-o nestes dias, quando inaugurava dezenas de serviços de saúde. É impressionante. Critica com força o que acontecia com serviços vitais como os da hemodiálise que estavam nas mãos de centros privados e eram pagos pelo Estado. Os pobres estavam condenados à morte se não tinham dinheiro. O mesmo acontecia com muitos outros serviços com os quais contam hoje as novas instalações em centros intra-hospitalares, apoiados pelos equipamentos mais modernos.

Dirige com habilidade até os mais mínimos detalhes da produção nacional e os serviços sociais. Domina a teoria e a prática do socialismo da qual precisa seu país, e esforça-se pelas suas mais profundas convicções. Define o capitalismo tal como é; não faz caricaturas, mostra radiografias e imagens do sistema.

Trata-se de um peculiar e odioso conjunto de formas de exploração do trabalho humano, injusto, desigual, arbitrário. Não fala simplesmente do trabalhador, mostra-o pela televisão produzindo com suas mãos, mostrando sua energia, seus conhecimentos, sua inteligência, criando bens ou serviços imprescindíveis para os seres humanos; interessa-se por seus filhos, sua família, esposa ou esposo, familiares mais próximos, onde moram, que estudam, o que é fazem para aumentar seus conhecimentos, a idade, o vencimento, a futura aposentadoria, as grotescas mentira sobre a propriedade que divulgam os imperialistas e capitalistas. Mostra hospitais, escolas, fábricas, crianças, oferece dados sobre as fábricas que são construídas na Venezuela, maquinarias, cifras de crescimento do emprego, recursos naturais, desenhos, mapas e oferece notícias sobre o último achado de gás. A medida mais recente adotada pelo Congresso: a Lei de nacionalização das 60 principais empresas que prestam serviço todos os anos a PDVSA, a empresa estatal de petróleo, por valor de mais de US$ 8 bilhões. Não eram de propriedade privada, foram criadas pelos governos neoliberais da Venezuela com recursos que pertenciam a PDVSA.

Não tinha visto uma idéia tão claramente transformada em imagens e transmitida pela televisão. Chávez não só possui especial talento para captar e transmitir a essência dos processos; acompanha-o uma memória privilegiada; é difícil que esqueça uma palavra, uma frase, um verso, uma entoação musical, combina palavras que expressam conceitos novos. Fala de um socialismo que procura a justiça e a igualdade; “enquanto o colonialismo cultural continue vivo nas mentes, o velho não morre e o novo não nasce”. Mistura versos e frases eloqüentes em artigos e cartas. Sobretudo demonstra ser o líder político na Venezuela capaz de criar um partido, transmitir constantemente idéias revolucionárias a seus militantes e educá-los politicamente.

Observei, sobretudo os rostos dos capitães e tripulantes dos navios das empresas nacionalizadas; em suas palavras reflete-se o orgulho interior, a gratidão pelo reconhecimento, a segurança no futuro; os rostos de jubilosos jovens estudantes de economia que nomearam-no padrinho de sua graduação, os quais estão bem próximos de concluírem sua carreira, quando lhes diz que é necessário que mais de 400 deles viajem para a Argentina, e que devem estar prontos para trabalhar na manipulação das 200 novas fábricas do programa acordado com esse país, aonde serão enviados quando acabar o ano letivo para que se preparem nos processos de produção.

Junto dele estava Ramonet, admirado com o trabalho de Chávez. Quando há por volta de oito anos iniciamos nossa cooperação revolucionária com a Venezuela ele estava no Palácio da Revolução fazendo-me inúmeras perguntas. O escritor conhece sobre o tema e espreme seus miolos tentando adivinhar que será o que substituirá o sistema capitalista de produção. A experiência venezuelana, certamente enche-o de admiração. Fui testemunha de um singular esforço nesse rumo.

É uma batalha de idéias perdida de antemão pelo adversário, que não tem nada que oferecer à humanidade.

Não em vão a OEA trata hipocritamente de apresentá-lo como inimigo da liberdade de expressão e da democracia. Já quase transcorreu meio século de que essas desprezíveis e hipócritas armas que fracassam perante a firmeza do povo cubano. Hoje a Venezuela não está isolada, e conta com a experiência de 200 anos de excepcional historia patriótica.

É uma luta que recém começa em nosso hemisfério.

Fidel Castro Ruz
Maio 10 de 2009
13h36


Inclusão: 04/09/2021