A batalha de Girón
(primeira parte)

Fidel Castro

14 de abril de 2011


Fonte: Cuba Debate - Contra o Terrorismo Midiático

Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo


capa

Mais de um ano antes de 16 de abril de 1961, após rigorosas análises e intercâmbios, o presidente Dwight Eisenhower decidiu destruir a Revolução Cubana.

O instrumento fundamental do tenebroso plano era o bloqueio econômico a Cuba, ao qual a literatura política do império qualifica com o termo anódino e quase piedoso de “embargo”.

Em memorando secreto do então subsecretário assistente de Estado Lester Mallory, foram enumerados os objetivos concretos do tenebroso plano:

“A maioria dos cubanos apóiam Castro –expressa o documento– […] Não existe uma oposição política efetiva […] O único meio possível para fazer-lhe perder o apoio interno [ao governo] é provocar o desengano e o desalento mediante a insatisfação econômica e a penúria […] É preciso pôr em prática rapidamente todos os meios possíveis para enfraquecer a vida econômica […] negando-lhe a Cuba dinheiro e fornecimentos no intuito de reduzir os salários nominais e reais, com o propósito de provocar fome, desespero e o derrocamento do governo.”

O conjunto de medidas a tomar se denominava “Programa de Ação Encoberta contra o regime de Castro”.

Qualquer observador, esteja ou não acordo com tão repugnantes métodos porque carecem de ética elementar, admitiria que isto implica a idéia de curvar um povo. Neste caso, tratava-se de uma confrontação entre a potência mais poderosa e rica do planeta e um país pequeno de diferente origem, cultura e história.

Eisenhower não era um criminoso nato. Parecia, e talvez o fosse, uma pessoa educada e de boa conduta de acordo aos parâmetros da sociedade em que vivia. Tinha nascido no seio de uma modesta família agricultora em Denison, Texas, no ano 1890. De educação religiosa e vida disciplinada, ingressou na Academia Militar de West Point no ano 1911, e se graduou em 1915. Não participa na Primeira Guerra Mundial, e lhe encomendam apenas tarefas administrativas.

Assume por primeira vez o comando de tropas em 1941, quando os Estados Unidos ainda não participavam na Segunda Guerra Mundial. Era já general de cinco estrelas e carecia de experiência combativa quando George Marshall lhe entrega o comando das tropas que desembarcam no Norte da África.

Roosevelt, como presidente do país com mais riquezas e meios militares, assume o papel de nomear o chefe militar das forças aliadas que desembarcariam na Europa em junho de 1944, quatorze meses antes de findar a guerra, tarefa que encarregou ao general Eisenhower, visto que Marshall, seu chefe de maior autoridade, desempenhava o cargo de Chefe do Estado-maior do Exército.

Não era um militar brilhante, cometeu erros de consideração no Norte da África e no próprio Desembarque de Normandia, onde teve rivais sérios entre seus aliados, como Montgomery, e adversários como Rommel; mas era um profissional sério e metódico.

Concluída esta referência obrigada do General de cinco estrelas Dwight Eisenhower, presidente dos Estados Unidos desde janeiro de 1953 até janeiro de 1961, passo a fazer uma pergunta: como é possível que um homem sério, que se atreveu a expor o nefasto papel do Complexo Militar Industrial, seja conduzido a uma atitude tão criminosa e hipócrita como a que levou o governo dos Estados Unidos ao ataque contra a independência e a justiça que durante quase um século procurou nosso povo?

Foi o sistema capitalista, a preeminência dos privilégios dos ricos, dentro e fora do país, em detrimento dos direitos mais elementares dos povos. Nunca lhe preocupou à poderosa potência a fome, a ignorância, a ausência de emprego, terra, educação, saúde e dos direitos mais elementares para os pobres de nossa nação.

Na brutal tentativa de submeter o nosso povo, o governo dos Estados Unidos arrastaria os soldados de seu país a uma luta em que não teria podido obter a vitória.

Nos assuntos de caráter histórico são muitos os imponderáveis e não pouca a incidência do azar. Parto da informação que possuo, e da experiência que vivi naqueles dias em que nasceu a frase de que Girón foi a “primeira derrota do imperialismo na América”. Daquela experiência tirei muitas ilações. Se calhar a outros também lhe interessem.

Não dispúnhamos de um exército nacional em nosso país. Ao findar o que os que os historiadores em Cuba denominavam a Terceira Guerra de Independência ―em que o exército colonial espanhol derrotado e exausto só podia conservar já, a duras penas, o controle das grandes cidades―, a metrópole arruinada, a milhares de milhas de distância, não podia manter uma força quase igual à dos Estados Unidos no Vietnã, ao final da guerra de genocídio que levou a cabo nessa antiga colônia francesa.

É naquele momento que os Estados Unidos decidem intervir em nosso país. Engana seu próprio povo, o de Cuba e ao mundo com uma declaração conjunta na qual se reconhece que Cuba, de fato e de direito, devia ser livre e independente. Assina em Paris um acordo com o governo colonial e vingativo da Espanha derrotada, e desarma o Exército Libertador mediante suborno e engano. Posteriormente, é imposta ao nosso país a Emenda Platt, a entrega de portos para uso de sua armada, e se lhe outorga a suposta independência, condicionada por um preceito constitucional que lhe concedia ao governo dos Estados Unidos o direito de intervir em Cuba.

Nosso valoroso povo lutou em solitário, tanto como o que mais neste hemisfério, por sua independência frente à nação que, como expressou Simón Bolívar, estava chamada a minar de miséria os povos da América em nome da liberdade.

Em Cuba tinha um exército treinado, armado e assessorado por Estados Unidos. Não direi que nossa geração possua mais mérito que alguma das que nos precedeu, cujos líderes e combatentes foram insuperáveis em suas lutas heróicas. O privilégio de nossa geração foi a oportunidade de provar, por azar mais do que por méritos, a idéia martiana de que “um princípio justo desde o fundo de uma caverna, pode mais do que um exército”.

A partir de idéias justas e depois de ultrapassar amargas provas, partindo só de sete fuzis, não hesitamos em prosseguir a luta na Sierra Maestra depois que nosso destacamento de 82 homens, por falta de experiência e outros fatores adversos, foi atacado por surpresa antes de alcançar os fundamentos das montanhas. Em apenas 25 meses nosso povo heróico derrotou aquele exército, equipado com o armamento, a experiência combativa, as comunicações, centros de instrução e o assessoramento com o qual os Estados Unidos manteve durante mais de meio século a dominação total de nosso país e da Nossa América.

Ao aplicar os métodos corretos de luta, os princípios de respeito à população e a política de guerra com o adversário –curando os feridos e respeitando a vida dos prisioneiros sem uma só exceção em toda a guerra–, ocasionou uma derrota esmagadora ao aparelho militar criado pelos ianques, e lhe ocupamos finalmente as cem mil armas e os equipamentos de guerra que possuíam e empregaram contra nosso povo.

Mas também foi necessário derrotar no campo ideológico o imenso arsenal de que dispunham, e o monopólio quase total dos meios de informação com que inundavam o país de mentiras edulcoradas.

Os trabalhadores sem emprego, os camponeses sem terra, os operários explorados, os cidadãos analfabetos, os doentes sem hospitais, as crianças sem livros ou sem escolas, a lista interminável de cidadãos feridos em sua dignidade e seus direitos, eram incomparavelmente mais do que a minoria rica, privilegiada e aliada ao império.

Educação, ciência, cultura e arte, esporte, as profissões que entranham o desenvolvimento humano, careciam de apoio em nosso país, dedicado unicamente à cultura da cana-de-açúcar e outras atividades econômicas subordinadas a bancos e empresas transnacionais ianques, com as quais o poderoso vizinho do norte impõe sua “democracia” e os “direitos humanos”.

Devo assinalar que um espetáculo como o de “La Colmenita” –que há uns dias foi exibido no teatro Karl Marx–, criado pelo filho de uma das pessoas assassinadas pelos terroristas do Governo dos Estados Unidos no avião que partiu de Barbados em 6 de outubro de 1976, não tem rival no mundo. Tanto o impressionante ato cultural dos pioneiros, quanto o Congresso que encerraram nesse dia, jamais seriam possíveis sem a educação que a Revolução tem oferecido às crianças, adolescentes e jovens de nossa Pátria.

A 16 de abril de 1961, quando foi proclamado o caráter socialista da Revolução, tinham decorrido dois anos e três meses desde a vitória de 1 de janeiro de 1959. Nosso pequeno e vitorioso Exército Rebelde em sua luta pela libertação, só contava com as armas ocupadas à tirania, que em sua maioria esmagadora foram fornecidas pelos Estados Unidos. Era imprescindível armar o povo.

Para não oferecer pretextos que servissem de base às agressões dos Estados Unidos, como fizeram na Guatemala, tentamos comprar e pagar em dinheiro de contado fuzis e outras armas em países da Europa, que tradicionalmente as exportavam a muitas nações.

Adquirimos várias dezenas de milhares de fuzis semi-automáticos FAL calibre 7,62 com pentes de 20 balas e as munições correspondentes, entre elas, as granadas antipessoais e antitanques dessas armas que foram trasladadas em navios mercantes habituais, tal e qual faz qualquer país.

Mas, o quê aconteceu com aquelas ingênuas compras de armas “não comunistas” e que por sua qualidade nos pareciam excelentes?

O primeiro navio chegou a Cuba normalmente e com ele dezenas de milhares de fuzis FAL.

Não tinha ilegalidade alguma, nem existiam pretextos para as campanhas contra Cuba.

Todavia, pouco durou aquela situação. A segunda embarcação aportou num importante cais da capital. Operários portuários e combatentes rebeldes descarregavam os fardos, não existiam então contêineres. Eu estava no quarto ou quinto andar do prédio do Instituto de Reforma Agrária, onde hoje se encontra o Ministério das Forças Armadas Revolucionárias, nos arredores da Praça da Revolução; ali tinha o escritório de trabalho quando não me movimentava por qualquer parte da cidade o do país. O velho Palácio de Governo tinha sido convertido em museu e o novo não estava terminado. Era 4 de março de 1960. Uma forte explosão fez trepidar o edifício; olhei por instinto para o porto, onde sabia que estava descarregando-se o mercante francês La Coubre; uma densa coluna de fumaça ascendia desde aquele ponto, não distante em linha reta. Compreendi logo o que acontecera.

Imaginei as vítimas, desci rápido, e com a pequena escolta abordamos os autos, deslocamo-nos rumo ao porto transitando por estreitas ruas e elevado trânsito. Já estava muito próximo, quando escuto uma segunda explosão no mesmo ponto. Pode-se compreender a ansiedade que nos provocou aquela nova explosão. Imaginei o prejuízo ocasionado aos operários e soldados que estariam ajudando as vítimas da primeira. A duras penas consegui que o auto se aproximasse do cais, onde pude observar o dramático mas heróico comportamento daqueles homens.

Por volta de 100 pessoas morreram; os feridos eram muitos e requeridos de atendimento urgente.

No dia seguinte, desde a Universidade, trasladamos os mortos pela larga rua 23 até o próprio cemitério onde um ano, um mês e 11 dias depois daríamos revolucionária sepultura às vítimas do bombardeamento dos aviões ianques com insígnias cubanas.

Em 5 de março, por primeira vez e de forma absolutamente espontânea, durante o funeral dos operários e combatentes vilmente assassinados, exclamei Pátria ou Morte! Não se tratava de uma frase: era uma convicção profunda.

Muitas investigações estavam por ser feitas, mas nesse instante já não tinha dúvidas da intencionalidade do mencionado massacre. O mercante vinha sabotado desde que partiu do de porto europeu e a sabotagem era obra de expertos.

Dediquei a devida atenção às investigações requeridas. Precisava conhecer se aquelas granadas que estavam nas caixas onde aconteceram as explosões, podiam estourar por acidentes tais como a queda duma ou alguma coisa parecida. Para descartar essa possibilidade –que os especialistas prévio estudo dos mecanismos de segurança das granadas tinham descartado–, pedi que algumas caixas com granadas que vinham no navio fossem lançadas desde mil metros de altura; observei as provas e nenhuma granada explodiu. Foram analisados todos os movimentos que aquele navio realizou e se tornou evidente que mãos expertas realizaram aquela sabotagem, como parte do plano aprovado pela administração dos Estados Unidos.

Tínhamos recebido uma lição do que podia esperar-se do imperialismo. Não hesitamos em recorrer aos soviéticos, com os quais não tínhamos contradição de princípios.

Foram-nos outorgados os créditos pertinentes para adquirir aquelas armas. Desde que a URSS e outros países socialistas como a República Socialista da Tchecoslováquia, a República Popular China e a República Popular Democrática da Coréia começaram a fornecer-nos armas, até hoje, mais de mil navios transportaram armas e munições a Cuba sem que ocorresse uma explosão.

Nossos próprios navios têm deslocado durante dezenas de anos grande parte do armamento utilizado pelas forças internacionalistas cubanas sem que nenhum estourasse.

O discurso que pronunciei no dia 16 de abril de 1961, nas honras fúnebres das vítimas do traiçoeiro bombardeamento do amanhecer do dia anterior, estava dirigido aos companheiros do Exército Rebelde, às Milícias Nacionais Revolucionárias e ao povo de Cuba. Reproduzo parágrafos textuais e idéias, sem as quais seria impossível conhecer a importância e o ardor da batalha que foi levada a cabo:

“É a segunda vez que nos reunimos nesta mesma esquina. A primeira foi quando a explosão de La Coubre, que custou a vida de quase uma centena de operários e soldados.”

“Desde o começo do Governo Revolucionário o primeiro esforço que realizaram os inimigos da Revolução foi impedir que nosso povo se armasse.”

“…perante o fracasso dos primeiros passos de tipo diplomático, recorreram à sabotagem […] para impedir que essas armas chegassem às nossas mãos…”

“Aquele golpe brutal custou a vida de numerosos operários e soldados, […] tínhamos direito a pensar que os culpados da sabotagem eram os que estavam interessados em que não recebêssemos essas armas…”

“…a todos nós, a nosso povo, ficou-lhe a profunda convicção de que a mão que tinha preparado aquele fato bárbaro e criminoso, era a mão dos agentes secretos do governo dos Estados Unidos.”

“…para muitas pessoas neste país, e mesmo fora, resultava difícil acreditar que o governo dos Estados Unidos fosse capaz de chegar a tanto; resultava difícil acreditar que os dirigentes de um país fossem capazes de levar a cabo um procedimento semelhante […] ainda nós não tínhamos podido adquirir a dura experiência que temos ido adquirindo durante estes dois anos e meio; ainda não conhecíamos bem os nossos inimigos; […] ainda não sabíamos o que era a Agência Central de Inteligência do governo dos Estados Unidos; ainda não tínhamos tido a oportunidade de irmos comprovando, dia a dia, suas atividades criminosas contra nosso povo e nossa Revolução.”

“…já nosso país vinha sofrendo uma série de incursões por parte de aviões piratas que um dia lançavam proclamas, outro dia queimavam nossas canas, e outro dia tentavam lançar uma bomba sobre uma das nossas usinas açucareiras.”

“…pelo estalido da bomba que iam lançar explodiu o avião pirata com seus tripulantes, […] naquela ocasião, o governo dos Estados Unidos não conseguiu negar, como o vinha fazendo, que aqueles aviões saíam de suas costas; […] perante a documentação ocupada intacta […] não pode negar a realidade, […] decidiram-se por pedir-nos uma desculpa e dar-nos uma explicação.”

“Contudo, os vôos não se paralisaram […] e em uma ocasião uma daquelas incursões custou a nosso país um saldo elevado de vítimas. Não obstante, nenhum daqueles fatos tinha o caráter de um ataque militar…”

“Nunca se levara a cabo uma operação que revestisse todas as características de uma operação de caráter puramente militar.”

“…semanas atrás, uma embarcação pirata penetrou no porto de Santiago de Cuba, atirou com canhões sobre a refinaria que ali está instalada, e ao mesmo tempo causou vítimas com seus disparos entre soldados e marinheiros que estavam destacados na entrada da baía.”

“…uma operação desse tipo, com embarcações daquela natureza, não podia ser feita se não fosse com navios facilitados pelos norte-americanos e fornecidos pelos norte-americanos em algum lugar da zona do Caribe.”

“…este continente soube sim, o que eram os desembarques de tropas estrangeiras. E o soube no México, […] na Nicarágua, […] no Haiti, […] em São Domingos […] e todos esses povos tiveram oportunidade de saber o que eram as intervenções da infantaria de marinha dos Estados Unidos.”

“…o que nenhum povo deste continente tivera oportunidade de conhecer era essa ação sistemática por parte dos serviços secretos do governo dos Estados Unidos […] o que nunca um povo deste continente tinha tido que conhecer era a luta contra a Agência Central de Inteligência […] empenhada custe o que custar, cumprindo instruções de seu governo, […] em destruir sistematicamente o fruto do trabalho de um povo, em destruir sistematicamente os recursos econômicos, os estabelecimentos comerciais, as indústrias, e o que é pior: vidas valiosas de operários, de camponeses e de cidadãos trabalhadores e honestos deste país.”

“Mas com tudo isso, nenhum dos fatos anteriores tinha revestido, como no caso de ontem, uma agressão de caráter tipicamente militar. Não se tratou do vôo de um avião pirata, não se tratou da incursão de uma embarcação pirata: tratou-se nada menos que de um ataque simultâneo em três cidades diferentes do país, na mesma hora, num amanhecer; tratou-se de uma operação com todas as regras das operações militares.

“Três ataques simultâneos ao amanhecer, na mesma hora, na cidade de Havana, em San Antonio de los Baños e em Santiago de Cuba […] levados a cabo com aviões de bombardeamento tipo B-26, com lançamento de bombas de alto poder destruidor, com lançamento de mísseis e com tiros de metralhadora sobre três pontos diferentes do território nacional. Tratou-se duma operação com todas as características e todas as regras de uma operação militar.

“Foi, além disso, um ataque por surpresa; foi um ataque similar a esses tipos de ataques com que os governos vandálicos do nazismo e do fascismo costumam agredir as nações. […] Os ataques armados sobre os povos da Europa pelas hordas hitlerianas foram sempre ataques deste tipo: ataques sem prévio aviso, ataques sem declaração de guerra, ataque arteiro, ataque traiçoeiro, ataque por surpresa. E assim foram invadidos por surpresa a Polônia, a Bélgica, a Noruega, a França, a Holanda, a Dinamarca, a Iugoslávia e outros países da Europa.”

Lembrei-lhes aquilo que fizeram os militaristas japoneses com a base norte-americana de Pearl Harbor em dezembro de 1941:

“…não pretendemos com isto fazer comparações, ―disse eu― porque quando os japoneses lutavam contra os norte-americanos, era uma pugna entre dois países imperialistas, uma pugna entre dois países capitalistas, uma pugna entre dois governos exploradores, era uma pugna entre dois governos colonialistas, uma pugna entre dois governos que tentavam dominar os mercados, as matérias-primas e a economia de uma parte considerável do mundo.”

“Diferenciamo-nos dos Estados Unidos em que Estados Unidos é um país que explora outros povos, em que Estados Unidos é um país que se tem apoderado de uma grande parte dos recursos naturais do mundo, e que faz trabalhar em benefício de sua casta de milionários a dezenas e dezenas de milhões de trabalhadores no mundo todo.”

“Nós, com nossa Revolução, não só estamos erradicando a exploração de uma nação por outra nação, mas também a exploração de uns homens por outros homens!”

“Hoje os Estados Unidos constituem politicamente um sistema de exploração de outras nações por uma nação, e um sistema de exploração do homem por outros homens.

“Por isso, a pugna entre o Japão e os Estados Unidos era uma pugna entre sistemas similares; a pugna entre os Estados Unidos e Cuba é uma pugna de princípios diferentes, isto é, é uma pugna entre os que carecem de todo princípio humano e os que temos esgrimido a defesa dos princípios humanos.”

“Contudo, como servem estes fatos para compreender!, como servem estes fatos para nos ensinar as realidades do mundo!, como servem estes fatos para educar nosso povo! São caras as lições, são dolorosas as lições, são sangrentas as lições, mas como aprendem os povos com esses fatos!, como aprende nosso povo!, como se educa e como se ergue nosso povo!”

“…por algo somos nestes instantes um dos povos que mais tem aprendido, em menos tempo, na história do mundo.”

“Que difícil era saber o que se passava no mundo quando a nosso país não chegavam mais notícias do que as notícias norte-americanas! Quanto engano inculcariam em nós e de quantas mentiras nos fariam vítimas! Se a alguém lhe restasse alguma dúvida, se a alguém neste país de boa fé —e não falo dos vermes miseráveis, falo de homens e mulheres capazes de pensar honradamente, embora não pensassem como nós—, se a alguém lhe restasse alguma dúvida, se alguém acreditasse que fica um ápice de honra na política ianque, se alguém acreditasse que fica um ápice de moral na política ianque, se alguém acreditasse que fica um átomo de vergonha ou de honradez ou de justiça na política ianque…”

“Se alguém neste país, que teve o privilégio de ver converter-se todo um povo num povo de heróis e num povo de homens dignos e valentes; se alguém neste país, cujo cúmulo de mérito, de heroísmo e de sacrifício cresce por dia, tivesse ou albergasse ainda alguma dúvida; se aqueles que não pensam como nós acreditam que erguem ou defendem uma bandeira honrada, acreditam que erguem ou defendem uma bandeira justa, e por acreditar nisso são pró-ianques e são defensores do governo dos Estados Unidos; se algum desses de boa fé ficasse no nosso país, sirvam estes fatos […] para que não lhes reste já dúvida alguma.

“No dia de ontem, como todo o mundo sabe, aviões de bombardeio divididos em três grupos, às 06h00 em ponto penetraram no território nacional procedentes do exterior e atacaram três pontos do território nacional; em cada um desses pontos os homens se defenderam heroicamente, em cada um desses pontos correu o sangue valoroso dos defensores, em cada um desses pontos houve milhares e quando não centenas e centenas de testemunhas do que ali aconteceu. Era, também, um fato que se esperava; era algo que todos os dias se estava esperando; era a culminação lógica das queimas aos canaviais, das centenas de violações a nosso espaço aéreo, das incursões aéreas piratas, dos ataques piratas a nossas refinarias por embarcação que penetrou em uma madrugada; era a conseqüência do que todo o mundo sabe; era a conseqüência dos planos de agressão que se vêm fraguando pelos Estados Unidos em cumplicidade com os governos lacaios na América Central; era a conseqüência das bases aéreas que todo o povo sabe e todo o mundo conhece, porque o publicaram até os próprios jornais e agências de notícias norte-americanas, e as próprias agências e os próprios jornais se cansaram de falar dos exércitos mercenários que organizam, dos campos de aviação que têm preparados, dos aviões que lhes entregara o governo dos Estados Unidos, dos instrutores ianques, das bases aéreas estabelecidas em território guatemalteco.”

“Vocês acreditam que o mundo ia saber do ataque a Cuba? Vocês acreditam que o mundo ia saber do acontecido? Vocês acreditam ou vocês conceberam que fosse possível tentar apagar no mundo o eco das bombas e dos mísseis criminosos que lançaram ontem em nossa pátria? Que isso lhe teria acontecido a alguém no mundo?, Que alguém pudesse tentar de enganar o mundo inteiro, tentar de ocultar-lhe a verdade ao mundo inteiro, tentar de burlar o mundo inteiro? Ora bom, no dia de ontem não só atacaram nossa terra, em ataque arteiro e criminoso preparado, e que todo o mundo sabia, e com aviões ianques, e com bombas ianques, e com armas ianques, e com mercenários pagados pela Agência Central de Inteligência ianque; não só fizeram isso, e não destruíram apenas bens nacionais, e não só destruíram vidas de jovens, muitos dos quais não tinham completado ainda nem os 20 anos de idade, mas que além disso, além disso, o governo dos Estados Unidos tentou no dia de ontem de burlar o mundo […] da maneira mais cínica e mais desavergonhada que pôde ser concebida jamais.”

“…o que lhe disseram ao mundo, e o que talvez lhes hajam feito acreditar a dezenas e dezenas de milhões de seres humanos, o que publicaram ontem milhares e milhares de jornais, o que pronunciaram ontem milhares e milhares de estações de rádio ou de televisão, do que se passou em Cuba, do qual soube o mundo, ou uma grande parte do mundo, uma parte considerável do mundo, através das agências ianques.”

“‘Miami, abril 15. UPI. Pilotos cubanos que fugiram da força aérea de Fidel Castro, aterraram hoje na Flórida com bombardeiros da Segunda Guerra Mundial após ter explodido instalações militares cubanas para vingar a traição de um covarde entre eles. Um dos bombardeiros B-26 da força aérea de Cuba aterrou no aeroporto internacional de Miami, crivado pelo fogo de artilharia antiaérea e de metralhadoras, e só com um de seus dois motores em funcionamento. Outro descendeu na estação aérea da marinha em Cayo Hueso; um terceiro bombardeiro aterrou em outro país estrangeiro […] Circulam versões não confirmadas de que outro avião, outro aeroplano, embateu no mar perto da ilha Tartaruga. De todos os modos, a marinha dos Estados Unidos investiga o caso. Os pilotos que solicitaram que não fossem divulgadas suas identidades desceram dos seus aviões vestindo suas fardas de manobra, e imediatamente solicitaram asilo nos Estados Unidos’.”

“…‘Edward Ahrens, diretor do Serviço de Imigração de Miami, declarou que as solicitações estão sendo avaliadas. O aviador com bigodes que desceu em Miami expressou aos funcionários de imigração que ele e outros três pilotos da força aérea cubana tinham projetado havia meses fugir da Cuba de Castro. Acrescentou que por causa da traição de Galo foi que ele e os outros dois resolveram dar-lhe uma lição com o bombardeamento e metralhada contra as instalações das bases aéreas em seu caminho rumo à liberdade. Disse que ele tinha atuado sobre sua própria base, a de San Antonio de los Baños, e que os outros pilotos atacaram outras. Este piloto se mostrou disposto a conversar com os jornalistas, mas inclinou a cabeça e se colocou óculos para o sol quando os fotógrafos tentaram tomar-lhe vistas.

“‘Explicou que –ouçam bem que tamanha mentira e que coisa tão absurda–, que ele e os outros pilotos tinham deixado família em Cuba e temia represália de Castro contra seus parentes.’ Quer dizer que afirmam que se roubaram os aviões, que desertaram e que não dizem seus nomes para que não saibam como se chamam os que roubaram os aviões e os que desertaram. E eram pilotos da força aérea, dizem eles.”

“Telexes da AP:

“‘Miami, 15. AP –o que lhe disseram ao mundo–, Miami 15, AP. Três pilotos cubanos de bombardeiros, temendo ser traídos em seus planos para escapar do governo de Fidel Castro, fugiram hoje para os Estados Unidos depois de metralhar e bombardear os aeroportos em Santiago e Havana.

“‘Um dos dois bombardeiros bimotores, da época da Segunda Guerra Mundial, aterrou no aeroporto internacional de Miami, com um tenente nos controles do avião. Referiu a forma em que ele e outros três dos 12 pilotos de aviões B-26, que são os que restam na força aérea cubana, projetaram durante meses fugirem de Cuba.

“‘O outro avião, com dois homens a bordo, aterrou na estação aeronaval de Cayo Hueso. Os nomes dos pilotos foram mantidos em reserva. As autoridades de imigração colocaram em custódia aos cubanos e confiscaram os aviões’.”

“‘…vejam vocês a que grau de cinismo chegam, […] até que ponto são desavergonhados os funcionários e dirigentes do imperialismo; […] chegam a inventar até em detalhes uma lenda truculenta que nem o gato acredita nela, acho que nem a 'gatinha de Maria Ramos'. Disse o piloto —vejam a história que entrega à publicidade, para revestir toda a notícia com detalhes, para fazer o truque completo, com todos os detalhes, vejam a história que inventam—:

“‘Sou um dos 12 pilotos de aviões B-26 que permaneci na força aérea de Castro depois da deserção de Diaz Lanz, ex chefe da força aérea cubana, e das purgações que se seguiram. Três dos meus companheiros pilotos e eu tínhamos projetado, durante meses, a forma de poder escapar da Cuba de Castro. Anteontem soube que um dos três, o tenente Alvaro Galo –até um nome, tomam o nome dum dos aviadores das FAR, colocam um nome; a que extremo chegam de cinismo e de desfaçatez!–, anteontem soube que um dos três, o tenente Alvaro Galo, que é piloto de avião B-26, número FAR-915 –resulta que o piloto, precisamente, está em Santiago, calha a casualidade que está destacado em Santiago–, tinha estado conversando com um agente de Ramiro Valdés, o chefe do G-2. Alertei os outros dois e decidimos então que provavelmente Alvaro Galo, quem sempre tinha atuado algo assim como um covarde, tinha-nos traído. Decidimos então tomar uma ação imediata. Ontem de manhã me designaram na patrulha de rotina desde minha base, San Antonio de los Baños, sobre uma seção de Pinar del Río, e ao redor da Ilha dos Pinheiros. Avisei-lhes aos meus amigos no Campo Liberdade, e eles concordaram em que devíamos agir. Um deles devia voar para Santiago; o outro apresentou como desculpa que desejava rever seu altímetro; eles iam descolar do Campo Liberdade pelas 06h:00 –no Campo Liberdade não tinha nenhum avião B-26, tinha aviões avariados. Estive no ar pelas 06h05; devido à traição de Alvaro Galo, tínhamos combinado em dar-lhe uma lição, de modo que voei de regresso a San Antonio, onde seu avião está estacionado e fiz dois passes de metralhada sobre seu avião, e sobre mais três estacionados perto. Ao retirar-me fui tocado por fogo de armas curtas, e então adotei uma ação evasiva. Meus camaradas já tinham saído com antecedência para atacar campos aéreos que tínhamos combinado que deveriam ser atacados. Depois, por causa de ficar com pouca gasolina, tive que entrar a Miami, devido a que não podia chegar a nosso destino, que já tínhamos combinado. Pode ser que eles se tenham dirigido a metralhar outros campos antes de se retirar, tais como a praia de Baracoa, onde Fidel guarda seu helicóptero’.

“Quer dizer que isto foi o que lhe disseram ao mundo. Não apenas a UPI e a AP dão ao mundo a notícia de que ‘aviões cubanos’, ‘que se foram com os aviões e bombardearam’, mas que além disso distribuem pelo mundo esta historieta, e o quê vocês acham que dezenas de milhões de pessoas têm lido e têm ouvido ontem no mundo, publicado por milhares e milhares de jornais diferentes, estações de rádio e de televisão?, O quê vocês acham que disseram na Europa, em muitos sítios da América Latina, em muitas partes do mundo?

“Não só têm afirmado semelhante coisa, mas que têm feito toda uma história completa, com detalhes e nomes, de como fabricaram tudo. Em Hollywood nunca tinham chegado a tanto.”

“‘México D.F., 15. AP. O bombardeamento de bases cubanas por aviões cubanos desertores foi acolhido aqui com amostras de agrado pela maior parte dos diários que se juntaram com os grupos de cubanos exilados para dizer que o bombardeamento era o começo dum movimento de libertação do comunismo. O governo guardou silêncio, ao passo que grupos de estudantes de esquerda e comunistas apoiaram a declaração do embaixador cubano, José Antonio Portuondo, de que os ataques aéreos foram ataques covardes e desesperados dos imperialistas. Entre os cubanos exilados se notava grande atividade. Uma fonte cubana comentou que o novo governo cubano no exílio se deslocará a Cuba imediatamente depois da primeira onda de invasão contra o regime cubano de Fidel Castro, para estabelecer um governo provisório, que se espera seja reconhecido rapidamente por muitos países latino-americanos anti-castristas’.”

“Ambas as agências dão à publicidade a seguinte notícia:

“‘Uma declaração entregada pelo doutor Miró Cardona –isto é de AP e de UPI–: um heróico golpe em favor da liberdade cubana foi descarregado esta manhã por certo número de oficiais da força aérea cubana. Antes de voar com seus aviões rumo à liberdade, esses verdadeiros revolucionários tentaram destruir o maior número possível de aviões militares de Castro. O Conselho Revolucionário se orgulha de anunciar que seus planos foram realizados com sucesso, e que o Conselho teve contato com eles e tem encorajado esses valentes pilotos. Sua ação é outro exemplo do desespero com que os patriotas de todas as camadas sociais podem ser arrastados sob a implacável tirania de Castro. Enquanto Castro e seus partidários tentam convencer o mundo –ouçam bem–, enquanto Castro e seus partidários tentam convencer o mundo de que Cuba tem sido ameaçada de invasão desde o exterior, este golpe em favor da liberdade, como outros anteriores, foi descarregado por cubanos residentes em Cuba que se decidiram a lutar contra a tirania e a opressão ou morrer na tentativa. Por razões de segurança não serão publicados mais pormenores’.

“Miró Cardona era precisamente o chefe do governo provisório que os Estados Unidos tinha junto de um avião com as malas prontas para aterrar em Praia Girón logo que a cabeça de praia estivesse assegurada.”

“…não termina por aí; agora vamos acabar de desmascarar a esse farsante que tem o imperialismo ali na ONU, e que posou como homem ilustre, liberal, de esquerda, etc., etc., o senhor Adlai Stevenson […]. Continua a burla, isto é que continua a burla ao mundo: já a UPI, a AP, têm espalhado a historieta, milhares de jornais e eles mesmos o publicam, que os principais jornais acolheram com agrado a notícia da deserção desses pilotos.

“O cúmulo de mentiras não era ainda suficiente.”

“‘O embaixador norte-americano Adlai Stevenson rejeitou as afirmações de Roa e reiterou a declaração do presidente John F. Kennedy de que sob nenhuma circunstância –repito–, em nenhuma circunstância haverá intervenção das forças armadas dos Estados Unidos em Cuba. Stevenson mostrou à comissão fotografias de United Press International, que mostram dois aviões que aterraram hoje na Flórida depois de ter participado na incursão contra três cidades cubanas’.”

“‘Tem a marca da força aérea de Castro em sua cauda –expressou apontando para uma delas–; tem a estrela e as iniciais cubanas; são claramente visíveis. Exibirei esta foto com prazer. Stevenson acrescentou que os dois aviões em questão estavam pilotados por oficiais da força aérea cubana, e tripulados por homens que desertaram do regime de Castro. Nenhum pessoal dos Estados Unidos participou no incidente de hoje, e os aeroplanos não foram dos Estados Unidos –sublinhou–, foram aviões do próprio Castro que descolaram de seus próprios campos.

“‘O ministro cubano disse que 'as incursões desta madrugada indubitavelmente são o prólogo de uma tentativa de invasão em grande escala, organizada, munida e financiada por Washington. O governo de Cuba, disse Roa, acusa solenemente o governo dos Estados Unidos perante esta comissão e perante a opinião pública do mundo de tentar empregar a força para ultrapassar suas diferenças com os estados membros'’.

“Aqui temos, como poucas vezes teve povo algum, a oportunidade de conhecer por dentro, e por fora, e pelos costados, e por abaixo, e por em cima, o que é o imperialismo; […] como funciona todo seu aparelho financeiro, publicitário, político, mercenário, corpos secretos, funcionários, que com tanta tranqüilidade, que de maneira tão inaudita ludibriam o mundo.”

“Isto é, que organizam o ataque, preparam o ataque, treinam os mercenários, entregam-lhes aviões, entregam-lhes bombas, preparam os aeroportos, todo o mundo sabe disso; acontece o ataque, e afirmam, tranqüilamente, perante esse mundo –um mundo que sabem se levantaria indignado perante uma violação tão monstruosa, tão covarde, […] dos direitos dos povos, e da paz!

“E estes miseráveis imperialistas, depois de plantar o luto em mais de meia dúzia de lares, depois de assassinar um punhado de jovens, que não eram milionários, porque esses que viemos enterrar não são milionários parasitários, não são mercenários vendidos ao ouro de nenhum estrangeiro, não são ladrões, são filhos inesquecíveis de nosso povo!; jovens operários, filhos de famílias humildes, que não lhe roubam a ninguém, que não exploram ninguém, que não vivem do suor, nem do trabalho de ninguém, e que têm direito à vida mais do que os milionários, e que têm direito à vida, mais do que os parasitos! […] Porque não vivem do trabalho dos outros, como os milionários ianques; não vivem do ouro estrangeiro, como os mercenários, vermes vendidos ao imperialismo; não vivem do vício, não vivem do roubo; e têm direito a que se respeite sua vida, e nenhum miserável milionário imperialista tem direito a enviar aviões, nem bombas, nem mísseis, para destruir essas vidas jovens e queridas da pátria!”

“…os que estiverem de acordo com semelhante crime, os que estiverem de acordo com semelhante selvageria, os que se vendem miseravelmente e apóiam as atividades desses criminosos, os que conspiram contra a pátria, na rua, nas igrejas, nas escolas, seja lá onde for, merecem que a Revolução os trate como se merecem!”

“O imperialismo projeta o crime, organiza o crime, arma aos criminosos, treina os criminosos, paga os criminosos, vêm os criminosos e assassinam a sete filhos de operários, aterram tranqüilamente nos Estados Unidos, e, ainda quando o mundo inteiro sabia suas andanças, declaram então que eram pilotos cubanos, preparam a historieta truculenta e novelesca, a espalham por todo o mundo, a publicam em todos os jornais, estações de rádio e televisão…”

“Resta algum cubano honesto que não compreenda?, resta algum cubano honesto que o duvide? […] que vão ali e comprovem por si próprios se há uma só verdade naquilo que têm dito; que comprovem ali como reacionários, imperialistas e clero farsante enganam e ludibriam o mundo, como enganam e ludibriam os povos, e como é hora de que os povos se sacudam da exploração, do engano e da burla dos imperialistas e de quanto farsante tem no mundo, custe o que custar se safar desse jugo!”

“…concebo que o senhor presidente dos Estados Unidos tenha nem que seja um átomo de pudor, e se o senhor presidente dos Estados Unidos tem um átomo de pudor, o Governo Revolucionário de Cuba o empraza perante o mundo […] a que apresente perante as Nações Unidas os pilotos e os aviões que diz que saíram do território nacional!”

“…Cuba demandará perante as Nações Unidas que sejam apresentados ali os aviões e os pilotos que dizem desertaram da força aérea…”

“…por que os não apresentam? Naturalmente que o senhor Presidente dos Estados Unidos teria direito a que o não chamassem de mentiroso. […] Deseja o senhor Presidente dos Estados Unidos que ninguém tenha direito a chamá-lo de mentiroso? Apresente perante as Nações Unidas os dois pilotos…!”

“…se o Presidente dos Estados Unidos não apresenta perante as Nações Unidas esses pilotos, para demonstrar […] que esses pilotos estavam aqui e desertaram daqui, então não só o Governo Revolucionário cubano, mas todo o mundo, terá direito de chamá-lo de mentiroso!”

“…ao governo imperialista dos Estados Unidos não terá mais alternativa que confessar que os aviões eram seus, que as bombas eram suas, que as balas eram suas, que os mercenários foram organizados, treinados e pagados por ele, que as bases estavam na Guatemala, e que dali partiram a atacar nosso território, e que os que não foram derrubados foram ali a salvar-se nas costas dos Estados Unidos onde têm recebido albergue.”

“… como pode o governo dos Estados Unidos manter essa mentira?”

“…não estamos na época da diligência, estamos na época da rádio, e das verdades de um país se podem levar muito longe.”

“…o que não podem perdoar-nos os imperialistas é que estejamos aqui, o que não podem nos perdoar é a dignidade, a inteireza, o valor, a firmeza ideológica, o espírito de sacrifício e o espírito revolucionário do povo de Cuba.”

“…o que não podem perdoar-nos, […] é que tenhamos feito uma Revolução socialista…”

“E que essa Revolução socialista a defendemos com esses fuzis!; e que essa Revolução socialista a defendemos com o valor com que ontem nossos artilheiros antiaéreos crivaram a balaços os aviões agressores!”

“…essa Revolução não a defendemos com mercenários; essa Revolução a defendemos com os homens e as mulheres do povo.”

“… Acaso as armas as tem o mercenário? Acaso as armas as tem o milionário? Porque mercenário e milionário são a mesma coisa. Acaso as armas as têm os filhinhos dos ricos? Acaso as armas as têm os capatazes? Quem tem as armas? Que mãos sãos essas que erguem essas armas? […] São mãos de ricos? São mãos de exploradores? Que mãos são essas que erguem essas armas? Não são mãos operárias? Não são mãos camponesas? Não são mãos endurecidas pelo trabalho? Não são mãos criadoras? Não são mãos humildes do povo? E qual é a maioria do povo?, os milionários ou os operários?, os exploradores ou os explorados?, os privilegiados ou os humildes?...”

“Companheiros operários e camponeses, esta é a Revolução socialista e democrática dos humildes, com os humildes e para os humildes. E por esta Revolução dos humildes, pelos humildes e para os humildes, estamos dispostos a dar a vida.

“Operários e camponeses, homens e mulheres humildes da pátria: juram defender até o último pingo de sangue esta Revolução dos humildes, pelos humildes e para os humildes?

“Companheiros operários e camponeses da pátria, o ataque de ontem foi o prelúdio da agressão dos mercenários, o ataque de ontem que custou sete vidas heróicas, teve o propósito de destruir nossos aviões em terra, mas fracassaram, só destruíram três aviões, e o grosso dos aviões inimigos foi avariado ou abatido. Aqui, frente ao túmulo dos companheiros tombados; aqui, junto dos restos dos jovens heróicos, filhos de operários e filhos de famílias humildes, reafirmemos nossa decisão, de que ao igual que eles colocaram seu peito às balas, ao igual que eles deram sua vida, vierem quando vierem os mercenários, todos nós, orgulhosos de nossa Revolução, orgulhosos de defender esta Revolução dos humildes, pelos humildes e para os humildes, não hesitaremos, frente aqueles que sejam, em defendê-la até nosso último pingo de sangue.”

O final daquele discurso foi, sem dúvida, uma arenga acesa de respostas e perguntas revolucionárias. No final, dei vivas à classe operária, aos camponeses, aos humildes, à Revolução Socialista, aos mártires da Pátria, e conclui com “Pátria ou Morte!” que se tornou habitual desde que demos sepultura aos tombados havia mais de um ano na explosão de La Coubre.

O que ninguém sabia é que, enquanto eu falava já quase à noite e próximo de concluir o discurso, um companheiro da escolta se aproximou de mim e me comunicou que o inimigo estava desembarcando pelas proximidades da baía de Cabañas, a Oeste de Havana.

O desembarque era absolutamente lógico e esperado, depois do ataque para destruir nossa pequena força aérea ao amanhecer do dia anterior. Então fiz o que nunca antes fizera ao findar um discurso. Depois da habitual frase de Pátria ou Morte! continuei falando brevemente. Na verdade procedi a dar-lhe instruções aos combatentes.

Após os aplausos finais, disse textualmente:

“Ao combate... Vamos a cantar o Hino Nacional, companheiros.” (Os presentes entoam o Hino Nacional).

“Companheiros, todas as unidades devem se dirigir rumo à sede dos seus respectivos batalhões, em vista da mobilização ordenada para manter o país em estado de alerta perante a iminência que se deduz de todos os fatos das últimas semanas e do covarde ataque de ontem, da agressão dos mercenários. Marchemos para as Casas dos Milicianos, formemos os batalhões e fiquemos dispostos a encarar o inimigo, com o Hino Nacional, com as estrofes do hino patriótico, com o grito de ‘ao combate’, com a convicção de que ‘morrer pela pátria é viver’ e que ‘em cadeias viver é viver em afrontas e opróbrios submergidos’.

“Marchemos a nossos respectivos batalhões e ali esperem ordens, companheiros.”

Depois do ato me desloquei para o “Ponto Um”, nome em chave do Estado Maior das Forças Armadas, para conhecer da situação.

Não se tinha produzido desembarque algum, era um simulacro instrumentado pela Marinha dos Estados Unidos. Revisou-se a situação e se deram instruções.

Depois, retirei-me por volta das 12h da noite. Persuadido de que o inimigo estava a ponto de agir, decidi ganhar umas horas ao sonho.

Roxana Rodríguez, falecida há uns dias, esposa do então diretor do Plano de Desenvolvimento da Ciénaga de Zapata, Abraham Maciques,testemunhou que ela ligou para Celia para comunicar-lhe que o tenente Antelo Fernández, chefe da unidade militar de Jagüey Grande, tinha-lhe informado de um desembarque por Praia Larga, e se escutavam fortes disparos de metralhadoras e disparos de canhão naquele ponto.

Numa nota transmitida por Celia ao “Ponto Um”, afirma que teve comunicação com a Usina Austrália e pôde comprovar que estavam atacando Praia Girón e Praia Larga.

A nota do Posto de Comando assinala as 03h29 de 17 de abril de 1961.

Revisando minhas próprias palavras no programa televisivo Universidade Popular, isto é, três dias depois da vitória, falei das 03h15 como a hora em que recebi a notícia. Celia realmente não perdia um minuto perante qualquer situação.

Desde esse momento ocorreram acontecimentos difíceis de acreditar. Sobre eles escrevo uma síntese a partir da qual se poderia indagar a história detalhada e objetiva dos fatos que alguém com tempo, saúde e energia suficiente, poderia reconstruir.

O importante é a essência, que nunca deve ser alterada. Os detalhes são de especial significação para os historiadores mais rigorosos. Neste caso, meu interesse se relaciona com o desejo de que nossa juventude tenha acesso aos acontecimentos ocorridos naqueles anos decisivos, que conheça da contenda em que seus antecessores arriscaram sua existência pela Revolução e pela imensa riqueza cultural que hoje possuem nossos jovens, e aos quais corresponde seguir defendendo-a.

“Pátria é humanidade!”

Como expliquei no programa Universidade Popular:

“… comunicam-me e lhe comunicam aos demais companheiros que se estava combatendo em Praia Girón e Praia Larga, onde o inimigo tinha desembarcado…”.

“Ordenamos comprovar, ratificar. Nestas coisas sempre é preciso ter a certeza, porque depois chegam notícias de que tem navios por tal ponto, tem navios por outro ponto […] o fato é que já, de uma maneira certa, total, e com os primeiros feridos dos combates, chega a notícia de que uma força invasora está canhoneando fortemente com bazucas, com canhões sem retrocesso, e com metralhadoras 50 e com canhões de navios. Estão atacando Praia Girón e Praia Larga na Ciénaga de Zapata. Já não tinha a menor dúvida de que com efeito estava se produzindo um desembarque por aquele ponto, e que aquele desembarque vinha fortemente apoiado por armas pesadas.”

“As microondas de Praia Girón e Praia Larga estiveram comunicando o resultado do ataque […] até o mesmo momento em que como conseqüência do próprio ataque deixaram de funcionar […] e das três às quatro da manhã já não há mais notícias de Praia Larga e de Praia Girón.”

“A península de Zapata tem estas características: este pedaço de terra firme à beira da costa […] terra firme rochosa e de mato […] Mas pelo norte deste pedaço de terra firme tem uma zona de pântano absolutamente intransitável.”

“Antes não existia a menor comunicação […] uma ferrovia de via estreita era a única comunicação que tinham os camponeses nessa zona.”

“Tinha duzentos mestres na zona da Ciénaga de Zapata, alfabetizando, no momento em que se produz a invasão.”

“Era um dos lugares pilotos da Campanha de Alfabetização. Todos esses povoados ―Jagüey Grande, Covadonga, Austrália―, […] não tinham acesso ao mar, eram um pantanal exclusivamente. Agora toda essa gente tem praia. Para Praia Larga e Praia Girón vão milhares de pessoas aos domingos, mesmo quando não estão terminadas.”

“Tem […] trezentos filhos de camponeses do pantanal que estão em Havana estudando cerâmica, curtido de peles, mecânica, carpintaria.”

“A Ciénaga de Zapata tornara-se num lugar dos mais concorridos e dos mais visitados.”

Em julho de 1976 comentei ao cineasta da televisão sueca, Gaetano Pagano:

“Eles desembarcaram por um lugar onde podiam se manter um tempo, porque era um lugar muito difícil de recuperar, visto que as estradas de acesso têm que atravessar vários quilômetros de lamaçal, intransitável, convertia-se numa espécie de Passagem de Termópilas.”

A costa de Praia Larga, que pretendiam ocupar os mercenários, está localizada a uma distância de 29 quilômetros da pequena usina de açúcar Austrália. De Praia Larga até Girón, por estrada muito próxima ao mar, são 39 quilômetros, para um total de 68 quilômetros entre Austrália e Praia Girón. Ao Norte de Girón, a 11 quilômetros, está Cayo Ramona, que não está rodeado de mar; é um espaço de terra firme rodeado de lamaçal. A 14 quilômetros de Girón, está San Blas; a 30 quilômetros, está Covadonga; 36 quilômetros para o nordeste se localiza Horquita; e a 44 quilômetros, Yaguaramas.

Na Sierra Maestra eu não tinha escolta de segurança, nem precisava dela. Marchava com a tropa e quando me movimentava de um ponto a outro era acompanhado por pessoas que me ajudavam em diversas tarefas. Os responsáveis de armas, serviços de saúde, abastecimentos e transporte, movimentavam-se em suas respectivas tarefas, até o final da guerra. Celia se ocupava da logística do pequeno grupo que me acompanhava, e dos combatentes da Coluna 1.

Quando o colapso da tirania, desloquei-me para a capital com uma força da Coluna 1 e os tanques, a artilharia e dois mil soldados das tropas elites ―derrotadas na contra-ofensiva e na ofensiva rebelde já narradas nos textos correspondentes―, juntaram-se a nós, que curávamos os soldados feridos em combate e respeitávamos os prisioneiros sem uma só exceção. Levava-os comigo porque a situação na Capital não estava ainda bem definida. Camilo e Che receberam instruções de avançar rapidamente pela Estrada Central e ocupar o Acampamento de Columbia e La Cabaña, respectivamente. Então tive, por primeira vez, uma escolta de combatentes escolhidos por Raúl das forças da Segunda Frente Oriental Frank País.

Foram excelentes, e me acompanharam durante mais de dois anos. Depois marcharam a outras tarefas importantes da Revolução.

A segurança passou a ser tarefa do Ministério do Interior, sob a direção do companheiro Ramiro Valdés e seus assessores. Ramiro foi combatente do Moncada, do Granma, e invasor junto de Che. Nunca objetei nenhuma das pessoas escolhidas. Eram, como norma, jovens procedentes de humildes famílias camponesas e operárias de conhecidas idéias de esquerda.

Como se sabe, em nosso país tinha um caos ideológico semeado pelos ianques que dominavam mais pela mentira e a ignorância do que pela força.

Os novos companheiros da escolta recebiam cursos rápidos de treino para sua tarefa e eram, por via de regra, valentes e decididos, mas não tinham experiência combativa alguma.

Isso não me preocupava muito. Importavam-me sobretudo as qualidades pessoais de cada um deles. Entre outras coisas, que manejassem bem as armas e os carros. Todos tínhamos muitas coisas que aprender.

Vou-lhes contar o que um deles textualmente disse, e consta por escrito em um testemunho dele, sobre o acontecido na madrugada de 17 de abril quando chegou a notícia do desembarque:

“Eu estava de plantão no corredor frente à escada e me lembro que perto da madrugada começou um movimento anormal no piso. De repente o Comandante se levantou e começou a solicitar ligações telefônicas a diferentes chefes militares. Enquanto se comunicavam, dava constantes passeios de um lado para o outro e dizia: ‘Já desembarcaram e por onde mo imaginava. Mas não importa: Vamos esmagá-los!’ […] ‘Vamos embora!’ Eu pensei: Agora sim que isto se lixou, os americanos estão desembarcando e este homem virou maluco! Saímos rápido para o Ponto Um.”

Bienvenido estava realmente assustado naquele dia.

No “Ponto Um” estavam reunidos, na madrugada de 17 de abril, o comandante Sergio del Valle Jiménez, chefe do Estado-maior; o capitão Flavio Bravo Pardo; os chefes de setores da defesa de Havana: comandante Filiberto Olivera Moya, capitão Emilio Aragonés Navarro, capitão Osmany Cienfuegos Gorriarán, capitão Rogelio Acevedo González, o capitão Raúl Curbelo Morales, que seria nomeado chefe da Força Aérea Revolucionária, e o capitão Sidroc Ramos Palacios, entre outros. Já me comunicava com diferentes chefes.

Devo sublinhar que durante a batalha de Girón taquígrafos de primeira qualidade fizeram turnos no “Ponto Um” anotando com assombrosa precisão cada conversação que eu tinha com os diversos Pontos, e também as do Posto de Comando Central com qualquer chefe da zona de operações. Aqui transcrevo muitas dessas comunicações que marcam o desenvolvimento da batalha com o mínimo de explicações, que elaboro apenas quando resulta imprescindível. Se alguma coisa não fica clara a complemento; muitas vezes suprimo palavras grossas e só as transcrevo quando servem para oferecer uma idéia do ardor que experimentávamos.

APONTAMENTOS E ORDENS EMITIDAS DO PONTO UM:

“03h30. O Comandante Sergio Del Valle (comandante do Exército Rebelde e chefe do Estado-maior das Forças Armadas Revolucionárias) lhe comunica à Escola de Responsáveis de Milícias de Matanzas que se encontrem prontos como para sair de operações inclusive até os caminhões.

“03h35. O Comandante Fidel Castro lhe comunica ao capitão (do Exército Rebelde) Osmany Cienfuegos Gorriarán que tenha prontos todos os batalhões de seu setor nos caminhões para sair de operações.

“03h36. Confirmado desembarque em Praia Larga. O batalhão 339 de Milícias –que está na usina de açúcar Austrália– que avance até Praia Larga urgentemente. O batalhão de Milícias de Matanzas que avance urgentemente rumo a Jovellanos.”

O batalhão 339 de Cienfuegos devia estar posicionado em Girón e Praia Larga, de acordo a instruções que eu pessoalmente transmiti com tempo suficiente antes do desembarque inimigo. Num testemunho emitido há muitos anos, em 17 de março de 1986, 24 anos depois, Abraham Maciques, diretor do Plano de Desenvolvimento da Península da Ciénaga de Zapata, afirmou:

“Uma semana antes do desembarque, o Comandante esteve na zona de Girón. Percorreu a marginal, o aeroporto, as obras turísticas, em companhia do comandante Guillermo Garcia e de outros oficiais. Comentou que se ele fosse realizar um desembarque o faria por essa zona, porque tinha dois acessos de saída e outras condições. Deu instruções de que colocassem metralhadoras quatro-bocas no aeroporto e uma metralhadora calibre 50 no depósito de água de Girón. Enviou mil fuzis tchecos M-52 para as milícias. Indicou-lhe ao comandante Juan Almeida que deslocasse o batalhão 339 de Cienfuegos para essa zona. Estas orientações não se concretizaram porque aos poucos dias veio a invasão.”

Almeida enviou o batalhão. Por alguma confusão, o batalhão tinha um pelotão em Praia Larga. De ter estado desdobrado em Girón e Praia Larga, e não na Fábrica de Açúcar Austrália, a 68 e 29 quilômetros respectivamente, as conseqüências teriam sido consideráveis para os invasores que já estavam navegando rumo a tais pontos.

A instrução que dei às 03h36 da madrugada, para que essa unidade se movimentasse em horas da noite para apoiar os homens que resistiam em Praia Larga, era o que devia ser feito. Dar essa instrução em pleno dia, quando os pára-quedistas inimigos tinham sido lançados, não teria sido correto. Foi ao redor das 06h30, isto é 3 horas depois, quando o inimigo lançou o batalhão de pára-quedistas para ocupar as vias de acesso através do pantanal. Como era lógico, os B-26 inimigos, entre os quais estavam os pilotos batistianos que tantas bombas lançaram sobre nós na Sierra Maestra, deram-lhes apoio aéreo aos pára-quedistas que descenderam sobre Pálpite, onde não podiam chegar nessa hora as antiaéreas que deviam participar do contra-ataque.

Esta é uma importante observação para compreender os acontecimentos ulteriores.

“03h55. Informa-se ao Comandante Chefe FAR (Força Aérea Revolucionária) que mantenha prontos dois Sea Fury e um B-26 com toda sua carga pronta. Julio. (capitão Flavio Bravo Pardo).

“04h06. Ordena Fidel ao Chefe FAR ter os aviões prontos, organizar duas esquadrilhas dos Sea Fury e um B-26.

“04h45. Ordena Fidel a Silva (capitão do Exército Rebelde e piloto de combate Luis Alfonso Silva Tablada) da Base San Antonio de los Baños cumprir missão. Dois Sea Fury e dois B-26; um jacto (avião T-33 de retro propulsão a jacto de fabrico norte-americano), deve estar pronto para descolar e defender a Base. Silva aos outros aviões com mísseis e metralha, atacar cabeça de praia em Praia Larga e Ponta Perdiz […] Descolar às 05h20, atacar primeiro navios e depois regressar a Havana para informar. Jacto pronto para defender a base, também as antiaéreas […] Tem também em Ponta Perdiz (bem próximo de Girón), mas interessa mais agora Praia Larga.”

A base aérea de San Antonio de los Baños está a 149 quilômetros e 600 metros de Praia Larga, e a 176 quilômetros e 800 metros de Praia Girón; era questão de minutos.

“04h48. Movimentar outro batalhão para Matanzas, importante ocupar todas as pontes por Havana e Matanzas e deixar quatro (batalhões) de reserva em Kukine.

“05h10. Chamada do Comandante Fidel a Silva, na Base de San Antonio de los Baños para ratificar ordem anterior, é a seguinte: Afirma-se que têm tomado Praia Girón e não Praia Larga como fora informado, avançam forças consideráveis de inimigos, este se encontra situado na entrada da Baía dos Porcos, para o Leste, ali se encontra um povoado construído por nós (Girón), tem também um campo de aviação e pista. Silva, imagina uma ferradura com seu centro para o Norte, duas pontas para o Sul; olhar para o extremo sul direito, mais ou menos por ali está esse ponto: Girón, tens que observar se tem aviões no aeroporto, se tiver, atira-lhes, caso contrário atacar os navios se estiverem nas águas jurisdicionais, primeiro objetivo avião, segundo navios, observa se tem movimento de caminhões muito próximo de Girón, qualquer caminhão que você vier entre Girón e Praia Larga, 2 quilômetros partindo de Girón a Praia Larga, tudo o que estiver nesse termo, ataca-o. Por tanto, os objetivos a seguir são os seguintes:

“Primeiro objetivo: atacar com tudo o aeroporto, se tem aviões ali.

“Segundo objetivo: atacar os navios.

“Terceiro objetivo: observar se tem movimentos de caminhões bem próximos de Girón, se for positivo, ataca-lo também, assim como ao pessoal.

“Se fossem vistas manobras de navios e pessoal atirar-lhe aos navios e depois às pessoas. Pegar pelo sudeste Baía dos Porcos, o avião deve partir às 05h20.” (Isto é, antes do amanhecer).

“05h45. Comandante Del Valle fez uma chamada à Base San Antonio ao comandante Raúl Guerra Bermejo, Maro (chefe da Força Aérea Revolucionária), para informar que foi enviado para ali o Ministro Curbelo para tratar do assunto do ar, que se coordenem entre você e ele, visto que ele está por em cima, abrangendo civil e militar.”

“Às 05h50 de 17. Avisados Olivera e Acevedo por ordem do comandante Del Valle para mobilizar todo o pessoal sem utilizar rádio e o tenha tudo preparado para receber ordens. Foi informado do desembarque e como está acontecendo. Por tenente Crabb.

“Tudo pronto em Manágua esperando ordens de Fidel.”

“06h00. Fidel liga para San Antonio de los Baños investigando se não lhe haviam informado que tinha três B-26 prontos. Tenham prontos os B-26 e o jacto com mísseis e bombas, isto para quando regressem os outros, e que sempre haja um vigiando a Base, que se têm comunicação com os aviões, e ao mesmo tempo que nos façam um relatório. Em vinte e cinco minutos estão sobre o objetivo.

“06h30. Interessa Fidel às FAR para saber sobre os aviões prontos para atacar, que vá o Chefe FAR sob o comando do Sea Fury e um jacto para atacar Praia Larga, e depois um B-26, quando chegarem os que saíram anteriormente que informem logo e que preparem e saiam de imediato. Cumprir essas ordens imediatamente.

“06h33. A Base de San Antonio é informada de que comunique a nossos aviões que ao voarem sobre Austrália informem com antecedência, porque tem ordem de disparar.

“06h34. Curbelo da FAR lhe comunica a Fidel que sobre as prisões da Ilha dos Pinheiros voam aviões inimigos. Nossos aviões abriram fogo contra os navios em Praia Larga. Disparar-lhe aos navios e à praia, a Praia Larga, um Sea Fury e um B-26. O companheiro Leyva vai de chefe da esquadrilha. Ir, descarregar e voltar.”

“Às 06h35. Ordem de Fidel: Antitanque rumo Aguada de Pasajeros duas baterias. As que saíram para Matanzas que continuem para Aguada. Mais duas baterias antitanques para Matanzas.

“06h40. Ordena Fidel que o jacto fique pronto, tem aviões que se encaminham para essa, também preparar as antiaéreas, o jacto que fique pronto, outro avião para defender a Base. O Sea Fury que saia para o alvo e o jacto mantê-lo no ar ou na pista, pronto para atacar, a artilharia (antiaérea) pronta para repelir a agressão conjuntamente com o avião.”

“Às 06h46. Saiu outra esquadrilha para lá. (Girón).

“Às 06h46. Ilha dos Pinheiros: quatro aviões inimigos atacaram a Ilha dos Pinheiros e lhes estão atirando.”

“07h20. Silva informa a Fidel: O quê fez? Quebras-te. E ao navio não lhe atiraram? E ao navio não o atacaram? E o Sea Fury ao navio? Afundaram-no? Sobre Girón, o quê fez? A uma lancha, não a afundaste. Você os viu nadando. Voltem de novo e arremetam contra eles, sim, sim. E o quê lhe fizeram? Voltem de novo para Praia Girón, ataquem o navio e afundem-no, atirem contra os de Girón que os outros foram para Praia Larga. Voltem para Praia Girón e afundem todos os navios que tem ali.

“07h25. Comandante Del Valle solicita a Curbelo: Fidel pergunta se regressaram os Sea Fury. Olha, diz, sim, sim, sim, diz, está bem, que fiquem atentos a esses aviões também, os outros que ataquem Girón e não podemos deixar que se escapem esses navios, muito bem, muito bem.”

“08h08. A Pepín Álvarez Bravo. (José A. Álvarez Bravo, chefe de Artilharia Antiaérea) Quantas baterias lhe restam? E nos armazéns? Mobiliza as seis baterias e deixa uma de plantão, que vamos resistir. Você no comando das baterias. Não, você tem que ir movimentando-as para apoiar a artilharia e os tanques. A briga é de artilharia e de tanques. Bem, Pátria ou Morte!

“08h13. Quem fala? Ligue para Almeida ou para Angelito. (Ángel Martínez ex tenente coronel do Exército Republicano Espanhol e assessor militar do comandante Almeida no Exército do Centro) Angelito? Devem enviar algumas forças para Juraguá, rumo a Jovellanos. Que avance para Jovellanos, para que vá avançando ao longo da costa. Muito bem! Eles?, Donde? Mas, por onde podem avançar, por onde? Têm avançado? Bom, saiam combater esses pára-quedistas isolados, que esses estão condenados a morrer; os pára-quedistas de Horquita estão condenados a morrer! Empreguem contra eles a força que têm de milicianos.”

Era a primeira notícia que recebia sobre o lançamento de pára-quedistas inimigos.

“Almeida? Avançar algumas forças por Jovellanos, para que combatam na costa. Filiberto (Comandante do Exército Rebelde Filiberto Olivera Moya) vai avançar por Girón, e o batalhão que você enviou com Tomassevich (Comandante do Exército Rebelde Raúl Menéndez Tomassevich, chefe do Estado-maior do Exército do Centro). Então, essa gente deve avançar para Girón, desde Juraguá. Que seja uma companhia que vá avançando, e que não deixe escapar o inimigo.”

“08h20. A Del Valle (pessoalmente). Ordena a Pedrito Miret que mobilize pelo menos doze canhões de 122 mm com pessoal de estudantes universitários em direção à fábrica de açúcar Austrália, para ir colocando-os ao longo da costa.

“É preciso preparar a defesa antiaérea. Dois Sea Fury na pista antiaérea, para defender o ar contra os B-26. Que fiquem prontos para amanhã. Esses aviões chegam nesta tarde, rápido, eles devem dar-lhe proteção às nossas forças. Hoje vamos afundar navios, amanhã vamos abater aviões.”

“08h21. Che liga para Fidel (desde Pinar del Río): Então? De que tipo de morteiros, Che? De que morteiros? Esse pessoal o estamos treinando em Baracoa, Você quer que o enviemos para lá? Bom, vou falar com o pessoal para que enviem isso para você, e vou falar com Universo para que lhe envie pessoal de Pinar del Río para lá. OK. Para onde lho envio? Bom, isso tem que consegui-lo ali. […] eu o envio para Artemisa […] os melhores, mas isso não é fácil, conseguir transporte agora, porque estão com a bateria. Bom. Já se está combatendo de verdade. Venceremos!.

“Às 08h22. A Universo Sánchez que o pessoal de Pinar del Río de baterias antitanques, e Toranzo (capitão do Exército Rebelde Mario Toranzo Ricardo) envie morteiros 120 ao Che.

“08h23. A Universo Sánchez. Che tem seis baterias de canhões sem pessoal. Recomendo que você, do pessoal melhor instruído de Pinar del Río, o envie para lá […] Os canhões estão lá. Eles sabem muito já, pelo menos, se não sabem muito sabem alguma coisa.”

“08h26. A Curbelo – FAR. […] vamos derrubar aviões, mas hoje vamos afundar navios. Afundar navios! Afunda navios, porra, tem que afundar muitos navios! Pro caralho, fogo com eles!”

Continuo dando instruções a esse ritmo desde as 03h30.

“08h42. A Osmany. (Pessoalmente). A Kico (capitão do Exército Rebelde Enrique González) que envie recargas de balas para tanques e sobressalentes para os tanques.

“08h45. A Osmany. (Pessoalmente). A ordem para Curbelo é destruir os navios, destruir os navios!

“08h46. A Osmany. Vamos contar. Um Filiberto, dois Jovellanos, são três, um em Matanzas, quatro. Quantos nos restam em Havana? (Osmany informa que restam trinta e quatro batalhões). Eu enviaria mais quatro: um para Jagüey Grande. Você sabe por quê? Porque isso o vamos utilizar pela manhã, para cortar a retirada. Mas isso não importa, que cheguem às doze horas da noite a Jagüey, quatro batalhões ligeiros; dois ligeiros e dois pesados. Sim, porque vamos tomar tudo.

“08h47. A Aragonés. (Pessoalmente). Gordo: às 06h00 fica limpo tudo isto. Conheço bem tudo isso; às 06h00 fica limpo tudo. Vamos meter-lhe à noite; e com tudo!

“08h48. A Raúl Castro (em Oriente). Até agora acho que você fica fora da festa, mas deve ficar atento. Como? Até agora têm desembarcado pelo Sul. Não lhe posso dar detalhes, não devo dar detalhes, mas fiquem vocês alerta pela Sierra e por tudo isso, mas acho que os concentraram por aqui, ouviu? Bem, boa sorte! Até logo.

“08h53. Solicita o Comandante Del Valle comunicação com o Comandante Curbelo, diz Del Valle que nossa missão é concentrar o ataque aos navios em Praia Larga e Cayo (Praia) Girón.

“08h58. A Curbelo. FAR. Diga-me. Como vai tudo? Sim. O quê acontece? Sim. E o piloto?; Aonde foi? Sim. E sobre os navios inimigos, O quê? Sim. Ainda não afundaram nenhum? Bem. É preciso manter a moral. Têm derribado algum avião deles? Bom, Sea Fury, Quantos nos restam agora? Fala. Bom, é preciso continuar no combate. Os jactos, já foram? Aqui, O quê? E os jactos? Metralharam?, Foram metralhadas? As embarcações não se retiraram? Têm que continuar atirando, com tudo o que tiverem! Sim!, É preciso vingar o companheiro que abateram!, É preciso vingá-lo, companheiro! Utilizem os jactos para abater os B-26 deles! Bom, sim, vão ter balas. Até logo, companheiro.”

O valente capitão do Exército Rebelde, Luis Alfonso Silva Tablada, piloto de combate com o que falei às 04h45 fora derribado.

Às 09h09 consegui estabelecer comunicação com a usina Covadonga.

“À usina Covadonga. ‘Me diga, sim. Olhe, companheiro, (Gonzalo Rodríguez Mantilla, Chele) diga para esse companheiro que não se pode retirar daí. Diga-me. Bem, me diga uma coisa: em Aguada de Pasajeros tem tropas? Não importa, são nossos aviões bombardeando. Nossos aviões estão bombardeando incessantemente o inimigo. Bom, veja: não se retirem, que já vão as coisas para lá companheiro, mas têm avançado e isso leva tempo. Já devem estar mais além de Aguada. Liguem para Aguada de Pasajeros, que eu vou ligar para que enviem para lá os reforços. Resistam aí valentemente companheiros! Muito bem! Pátria ou Morte!’.”

“09h13. A Del Valle. (Pessoalmente). (Alguém informa que Cedeño, do Ministério de Transportes tem ordenado paralisar todo o transporte). Fala para ele que não, que não cumpra essa ordem enquanto não for necessário.”

“09h20. Informa da FAR ao Comandante Del Valle de que dois B-26 inimigos vêm perseguindo um jacto nosso. Já descolou outro jacto para ajudar.

“09h25. A Curbelo. FAR San Antonio. Olha, Curbelo, é preciso ver se dispomos de outro jacto para proteger nossas tropas sobre a estrada que vai da usina Austrália a Soplillar. Sim, Pode dispor de um jacto? Bom, quando desça dá-lhe ordens e comunica-lhe que saia a proteger nossas tropas, pelo menos durante meia hora; entre a usina Austrália e Soplillar, onde tem um B-26 chateando muito, para que um jacto proteja nosso avanço, para ver se dentro de vinte e cinco minutos pode estar lá. Vou comunicar-me com Fernández. Logo que voltar, para ver se dá o apoio. Não, entre Austrália e Soplillar. Bem.

“09h28. A Fernández –Austrália. De trinta a quarenta minutos tardará em estar aí um jacto protegendo essa estrada […].”

“09h30. A Del Valle (pessoalmente) Dá ordem de aquartelamento a todas as radiopatrulhas, nesta noite, para ir aonde for necessário. (Del Valle pergunta se deve ter alguma por aqui). Não, não é preciso.”

“09h31. A Curbelo FAR. Curbelo: Você poderá oferecer-lhes essa proteção? Rumo a essa direção? Vai proteger-nos, não é? Sim. De protegê-los entre Austrália e Soplillar. Bem, vou avisar ali. Em que tempo estará ali; vinte minutos? Muito bem. E os dois que vinham perseguindo o Sea Fury? Muito bem!”

Sobre a proteção aérea, volto ao mesmo assunto entre as 09h40 e as 09h42.

“09h50. (Del Valle informa que o piloto Carreras tem afundado um navio e avariado outro, que está afundando-se, e abateu um B-26, que se retirou com uma asa em chamas. Regressou para reabastecer e continuar o ataque contra o navio semi-afundado). Pergunta em Matanzas se os tanques passaram já por ali. A bateria antiaérea, que deve estar em Matanzas deve acompanhar os tanques até Jovellanos.”

“10h00. A Curbelo. FAR. Curbelo: Fernández não me tem informado. Você tem que explicar bem ao piloto que é a estrada que vai da usina Austrália para Praia Larga, a da usina Austrália rumo a Praia Larga, que é onde têm que emprestar proteção os jactos, mas não têm que chegar até Praia Larga, mas até Pálpite. Quando um deles volte, que o outro saia, deves explicar bem isso a eles: proteção aérea a isso. Sim, mais ou menos, para nossa tropa que vai avançar por aí. De Austrália a Praia Larga, Até Cayo Ramona? O quê? Sim. Bem, manter a proteção sobre a estrada, que é importante, e manter o ataque sobre os navios. E, sempre alertas, porque eles amanhã vão tentar de golpear aí. Manter a proteção sobre a estrada todo o tempo que for necessário. Eu lhe aviso. Bem, muito bem.

“13h02. De Fidel Castro ao comandante Raúl Castro em Oriente:

“Olha, Miró Cardona insiste em que houve um desembarque por Oriente. Sim, olha, não importa. Qualquer coisa que acontecer, têm que usar muito antitanque, caso vierem alguns tanques. Os antitanques todos prontos, para que cheguem rapidamente. Não sabemos; quando capturemos o primeiro lhe comunicamos. Um pára-quedista morto, mas não se apresse, não se preocupe. Olha, Raúl: muita antiaérea no aeroporto… Vamos voltar a perguntar, mas têm que estar por chegar. Tem outra questão: se acontecer alguma coisa amanhã por aí, podemos enviar-lhe já, provavelmente, a aviação. A aviação tem atuado perfeito (…) Não posso determinar, mas não há que preocupar-se. Como? Sim, porque eles insistem muito, mas eles lançaram seus pára-quedistas e tudo por cá, fizeram um esforço por se apoderar disto. Acho que o esforço principal o fizeram por aí, por Zapata. Não se pode determinar, mas meteram muitos pára-quedistas; acho que tudo o que tinham. Muito alertas por aí. Raúl: muito tanque e muita antiaérea. Apóia o pessoal com a antiaérea. Depois lhe enviarão, mas muita antiaérea. Vou averiguar o dos 400, quando saíram e por onde. Para onde? Não sei, mas vou averiguar. Muita antiaérea e proteger o pessoal, que eles vêm com aviões. Bem.”

Adoto no “Ponto Um” mais de 50 ordens e medidas antes de partir para a zona de operações.

Testemunho de José Ramón Fernández:

“Eram aproximadamente as 02h40 da madrugada do dia 17 de abril. Não tinha nenhuma notícia da invasão, isto é, do desembarque mercenário, e ele foi que me disse que se estava produzindo um desembarque na região da Ciénaga de Zapata.”

“Ordenou-me que sem perder um minuto me deslocasse para Matanzas, e à frente da Escola de Responsáveis de Milícias, da que também era chefe, fosse combater a invasão.”

“‘Pega um carro e sai a toda velocidade’.

“Demorei um pouco em sair, porque estava procurando mapas da região –tinha estado na Ciénaga só uma vez com o Comandante, não tinha passado nunca por aí, nem antes nem depois, senão um dia que regressávamos do Escambray– e o armazém dos mapas estava fechado. […] Mais ou menos meia hora depois voltou a ligar o Comandante: ‘Mas ainda você está aí? Ainda não saíram?’ Bom, não me lembro se derrubamos uma porta, consegui o mapa e imediatamente saí para Matanzas. Quando ele me ligou também me indicou que não me ocupasse de avisar a Matanzas para levantar a Escola, que ele ia se encarregar de dar as ordens para que estivesse mobilizada. Com efeito, quando cheguei lá, já a Escola estava levantada.

“Apenas entrei nessa instalação –que é onde hoje está a chefia do Exército Central– na guarita me disseram: ‘O Comandante está chamando você. Fui ali, falei com ele de novo e me reiterou movimentar-me para Jagüey Grande. Perguntou-me que rota ia seguir. Não sabia bem os caminhos e ao procurar no mapa vi por onde se podia entrar até Jagüey.”

“…saí com a intenção de entrar por Colón, afinal entrei por Perico-Agramonte. Ao chegar a Jovellanos, na estrada estava o capitão do Exército Rebelde José A. Borot García e mais dois ou três companheiros. Fizeram-me sinais para que parasse, e quase milagrosamente parei. Então lhes disse: ‘Por favor, peço-lhes que não me interrompam, vou cheio e com pressa’ […] Então me dizem: ‘Não, não, é que o Comandante o está chamando’. O quartel de Jovellanos está mesmo aí, na entrada do povoado. Fui ali, subi, comuniquei com o Comandante de novo. Indicou-me ir para o prédio da administração da usina Austrália –onde tinha um telefone que ao levantá-lo comunicava com o Ponto Um–, que seguisse direito para lá e logo que chegasse me comunicasse com ele. Cheguei a Jagüey às sete e pico da manhã.”

“Então, tinha demorado duas horas e pico desde Matanzas pela Estrada Central que era a melhor via naquela época.”

“…ao redor das 08h00, estava o administrador da usina. Dirigi-me e perguntei:

“– Cadê o telefone?

“Com efeito, levantei o auricular, falei com o Comandante de novo, que me indicou não afastar-me do telefone e esclarecer bem qual era a situação e que me informasse do que acontecia.

“Esta é a primeira chamada que recebo do Comandante na usina Austrália, depois, ao longo do dia, não posso dizer quantas chamadas mais recebi, foram muitas.”

“A gente começou a se amontoar […] reuniram-se como cento e tal ou duzentos homens ali pedindo que lhes dessem armas para ir combater.”

“Ao receber a informação sobre o desembarque, o chefe do batalhão 339, capitão do Exército Rebelde Ramón Cordero, que se encontrava em sua unidade nos arredores da fábrica de açúcar Austrália, enviou forças de sua primeira e segunda companhias a enfrentar o inimigo entre Pálpite e Praia Larga, onde o combateu em condições desvantajosas: o adversário estava mais bem armado, mais organizado, muito melhor treinado e posicionado em uma situação favorável para a defesa. Nesse forte encontro com os agressores, caíram vários milicianos e se espalhou praticamente essa parte da força do batalhão. Pouco depois, antes do amanhecer, o resto das unidades do 339 avançaram também nesta ocasião sob o comando direto de seu chefe de batalhão e combateram em condições muito desfavoráveis.”

“Disse-me que tomasse Pálpite com meu pessoal. Eu estava com o mapa e lhe dizia: ‘Comandante, não encontro nenhum Pálpite no mapa’. Daí saiu uma longa discussão: ‘Eu não o encontro, aqui não está Pálpite’. ‘Bom, procura Pálpite, tem que estar por aí’.

Então, o mapa estava enganado, dizia ‘Párrite’ – por aí estão os mapas militares da edição do ano cinqüenta e tanto –, em lugar de Pálpite, diz Párrite, e eu continuava procurando no mapa. Digo-lhe: ‘Olhe, vejo um lugar aqui que se chama Párrite, que está entre tal ponto e tal ponto’, responde-me: ‘Esse mesmo é, não é Párrite, é Pálpite, toma Pálpite.’

“Fidel me ligou de novo e me disse que chegava um batalhão. Esse foi o 219-223 da zona de Colón, sob o comando do capitão Roberto Benítez Lores.

“Tratava-se de pessoal de batalhões que ainda não estavam completamente constituídos nem bem organizados, mas aqueles homens davam mostras de uma alta moral, embora nenhum deles tivesse realizado práticas de tiro e só portassem fuzis M-52 com vinte cartuchos cada. Dei-lhes a missão de que tentassem ocupar o lugarejo de Pálpite.”

Neste caso deve ter-se produzido alguma confusão nas lembranças de Fernández; ele fez essa narração em 17 de abril de 1988, ou seja, 27 anos depois daquele acontecimento. Em mais de uma centena de anotações dos taquígrafos que registraram minhas ligações e ordens, em nenhuma das que elaborei nesse dia, menciono esse Batalhão da zona de Colón. A primeira unidade que ordenei se deslocar nesse dia foi uma força formada por oficiais da Coluna 1 da Sierra Maestra sob o comando de Harold Ferrer, com 600 homens equipados com FAL, e acompanhada de uma companhia de tanques e seu chefe López Cuba, que atacaram Praia Larga naquela noite. Eu pessoalmente dei instruções a essa força em Pálpite.

A Escola de Responsáveis de Milícias de Matanzas, com seu chefe José Ramón Fernández, foi enviada a combater contra a invasão, precisamente, por ser uma das unidades mais treinadas e por sua proximidade do ponto escolhido pelo inimigo para desembarcar.

Continua o testemunho de José Ramón Fernández:

“Ali um ataque da aviação inimiga lhe causou seis mortos e o fez recuar. (Refere-se ao batalhão que chegou de Colón) Ordenei que avançassem de novo e assegurassem a estrada, nomeadamente os esgotos.”

“Depois, o batalhão 227 procedente de União de Reyes, e ao comando do capitão do Exército Rebelde Orlando Pérez Díaz, apresentou-se em Austrália. Encomendei-lhe a missão de tomar Pálpite, aonde chegou depois da Escola de Responsáveis de Milícias visto que avançou a pé e o pessoal da Escola foi em veículos.”

Esta foi outra das unidades constituídas por valorosos combatentes como os de Colón, que se deslocaram para a usina Austrália sem conhecimento meu nem do Posto de Comando Central. Uma prova irrefutável do patriotismo de nosso povo. Salvo a Escola de Responsáveis de Milícias localizada em Matanzas, todas as unidades de infantaria, tanques, artilharia antiaérea e terrestre foram enviadas desde Havana, visto que como Capital do país possuía as maiores e mais experimentadas forças para combater uma Brigada de assalto, bem treinada e armada pelos Estados Unidos, apoiada com forças navais e aéreas. Considero importante estes dados porque nos ajudam a compreender as circunstâncias em que se levou a cabo a histórica batalha.

Continua o relato de Fernández:

“Por volta das 09h00 chegou o batalhão da Escola de Responsáveis de Milícias. Não os deixei descer dos caminhões. Subi ao teto de um caminhão, ali mesmo, aproximaram-se e lhes falei. Pedi-lhes tomar Pálpite, e depois enviar uma companhia e tomar Soplillar, uns 6 ou 7 quilômetros a Leste de Pálpite, bloquearia a pista de aviação que ali existia e asseguraria o lugar.”

“Quando chegou a mensagem de que tinham tomado Pálpite, liguei para o Comandante e me perguntou:

“– Você tomou Pálpite, a gente sua está em Pálpite, tem certeza disso?

“– Com certeza, Comandante.

“– Já ganhamos!” Conta Fernández que exclamei e, embora não conste nos apontamentos taquigráficos das minhas comunicações, tal conclusão não era impossível, visto que uma cabeça de praia do outro lado do pântano, a 25 quilômetros da fábrica de açúcar Austrália, estava em nossas mãos. Dissera-o uma vez: “já ganhamos a guerra”, quando restávamos muito poucos dos combatentes do Granma, e vi a impressionante montanha florestada do Pico Caracas a 1 200 metros de altura, o teatro de operações que estávamos procurando. Mas em Girón, a realidade é que nesse dia, nessa hora, tudo estava ainda por fazer.

E Fernández conclui a narração afirmando:

“Por isso Fidel, um mês depois, no discurso de graduação na Escola de Milícias, ao fazer alusão aos mortos que teve a Escola convertida em batalhão de combate, expressou: ‘… esta unidade, cujos integrantes não se graduaram de responsáveis de milícias, graduaram-se de heróis eternos da pátria’.”

Testemunho de Raúl Curbelo Morales:

“Penso que meu caso é o de outros tantos companheiros. Apesar de que eu não tinha conhecimentos sobre a aviação ocupei essa responsabilidade. Em momentos cruciais Fidel, por razões de seu instinto e de seu sentido da guerra, queria ter em San Antonio alguém que percebesse as ordens que ele dava. Tive a sorte de que sou de Cienfuegos. Antes do triunfo da Revolução, tinha ido de cavalo por Yaguaramas, e conhecia toda essa zona até Girón. Essa foi uma sorte tremenda, porque se o desembarque ocorre por Mariel ou Baía Honda, zonas que não conhecia, tivesse tido dificuldades para dirigir as ações militares. Fidel conhecia os caminhos e toda a zona onde ocorreu o desembarque, porque a Revolução tinha feito as estradas, os terraplenos, conhecia tudo aquilo de cor e cada vez que ele me falava de um ponto eu podia responder-lhe, quando me dava instruções de que a aviação atuasse em qualquer ponto dos que ele me indicava, eu cumpria.

“Fidel me ligou muitas vezes ao Posto de Comando da base de San Antonio. Eu me instalei na torre de controle e ali recebia as ordens.

“O comandante Raúl Guerra Bermejo, Maro, era o chefe da Força Aérea, ele era comandante e eu capitão.”

“Lembro que eu lhe disse a Maro: ‘Não conheço das condições de terra aqui, não sei onde está o armamento, nem conheço o manejo da preparação dos aviões para o combate, portanto, você se encarrega da terra que eu vou para a torre de controle, para dirigir lá em cima junto dos pilotos as instruções que receba do Comandante-em-Chefe’.

“E Maro, com um entusiasmo, um valor e uma decisão sem reserva alguma, jogou um papel importantíssimo ali com todo o pessoal de retaguarda. Maro manteve relações muito boas comigo.”

“Tem um fator que foi decisivo e onde se demonstra a arte para a questão militar que tem o Comandante-em-Chefe.”

“Minha versão era atacar as tropas em terra. Fidel me respondeu: ‘Não, é preciso atacar os navios. Os navios!’

“Naquele momento não o entendi, consegui entende-lo mais adiante quando realizei estudos militares. Na luta contra um desembarque marítimo, o primeiro que tem que inutilizar são os meios navais que estão produzindo o desembarque. Isso ele o fez como se tivesse estudado nas grandes academias militares, por essa intuição própria de Fidel, porque sua guerra na Sierra Maestra não tinha nada a ver com navios, nem ações desse tipo. Talvez em suas leituras sobre a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, as grandes campanhas militares dos romanos, e de outros teóricos militares lhe deram esses conhecimentos históricos das grandes batalhas.

“Ele me reiterou: ‘É preciso afundar os navios.’ Aí foi onde eu lhe disse: ‘Veja, Comandante, casualmente tenho Carreras perto de mim. Se quiser pode falar com ele.’

“Respondeu-me: ‘Põe ele ao telefone!’ e foi quando ele lhe pediu a Carreras: ‘Afundem os navios! Os navios, Carreras!’ Foi esse o momento. Pouco depois Carreras descolou seu avião e mais tarde tivemos a notícia de que lhe meteu os mísseis ao Houston primeiro e depois ao Río Escondido.”

Estas foram as palavras sinceras de Raúl Curbelo.

Pelo heroísmo e a beleza da narração da façanha que levou a cabo este piloto, devo incluir nesta Reflexão o que contou o General Enrique Carrera Rolas à Editorial Letras Cubanas em 1979, e a importância que teve preservar os poucos aviões de combate de que dispúnhamos.

Testemunho do General Enrique Carrera Rolas:

“O Comandante-em-Chefe nos visitava muito na base aérea de San Antonio. Falava com os técnicos e com os pilotos.

“Nessas conversas nos disse: ‘Vejam, esses aviões desbaratados que vocês voam, devem espalhá-los e não tê-los aglomerados, de maneira que se houver um ataque aéreo, o inimigo destrua os aparelhos inservíveis. Coloquem-nos distantes uns dos outros com o objetivo de confundi-los e preservar nossas máquinas. Tenho a certeza de que nos atacarão. Arrumem tudo antes que eles venham’. Assim aconteceu.

“Estava fazendo meu turno de plantão no avião quando me comunicam que o Comandante-em-Chefe deseja falar comigo.

“‘Carreras, em Praia Girón se está produzindo um desembarque. Descolem e cheguem lá ao amanhecer. Afundem os navios que transportam as tropas e não os deixem ir’.

“Chegou a ordem de descolar às cinco da manhã. Quando me disseram que se tratava de um desembarque pensei que se referiam a algum iate ou outro navio maior que estava deixando pessoal pela costa. Não podia imaginar nem por sombras que ia me topar com o espetáculo que me esperava sobre a Baía dos Porcos e Praia Girón. Só tínhamos três aparelhos em ativo ao chegar o momento da descolagem: dois Sea Fury e um B-26 mal artilhado. Fui o primeiro em elevar-me como chefe de quadrilha. Seguiam-me Bourzac (Gustavo Bourzac Millar) e Silva, (Luis Silva Tablada) que lhe tinham feito batotas a Lagas (Jaques Lagas, piloto chileno). Vinte minutos mais tarde voávamos sobre o objetivo. O que vi seis mil pés debaixo de mim, na primeira espiada que lancei, fez-me acreditar que estava sonhando ou que perante meus olhos projetavam algum documentário ou filme da Segunda Guerra Mundial. Pensei que o que estava vendo era como um arremedo do desembarque em Normandia, em pequena escala. Perto da costa, em Praia Girón, tinha pelo menos entre sete e oito embarcações grandes e um número indeterminado de lanchões e lanchas de desembarque em pleno ir e vir. Observei que um navio de transporte enorme navegava para o interior da Baía dos Porcos, seguido por uma fragata de guerra, que vem sendo a unidade naval que sucede em importância ao destróier.

“Decidi por livre-arbítrio, em segundos. E escolhi a primeira presa: o navio que se dirigia para Praia Larga. Dei instruções em chave pela rádio aos meus companheiros e me lancei o primeiro ao ataque. Desde a altura entre cinco mil e sete mil pés descendemos em picada rumo ao Houston, um transporte tipo Liberty, de oito mil toneladas, era o objetivo, repleto de tropas e provimentos bélicos. A mil e quinhentos pés assestei a pontaria e lhe disparei minha carga de quatro mísseis. Algo raro me dava voltas por dentro. Parecia-me que estava envolvido por um nevoeiro. Só tinha experiências em contadas práticas de tiro aéreo e não sabia o que era uma guerra.

“Já tínhamos sido avistados pelo inimigo, e o fogo antiaéreo que se desatou contra nós era uma coisa de loucura. Dúzias de baterias
–metralhadoras e canhões– vomitavam metralha para acima. Era um espetáculo impressionante ver o espaço iluminado pelas luzes das balas traçadoras e das explosões dos projéteis.

“Posso-lhes garantir que o que realizamos foi uma ação kamikaze, como os pilotos suicidas japoneses.

“Fiz funcionar o mecanismo para disparar os mísseis e segui com o olhar a rota que tomavam. Confesso que me encheu de surpresa vê-los bater o alvo na popa do Houston. O navio começou a deitar fumaça e verifiquei que seu piloto, em urgente manobra, dirigia-o para beira-mar para encalhá-lo. Bourzac e Silva também dispararam seus mísseis contra o Houston conseguindo impactos francos nele. A fragata de guerra que o escoltava, compreendendo que o navio estava perdido, visto que já fazia água, começou a fazer ziguezague e virou em redondo para ganhar a boca da baía e juntar-se à pequena frota frente a Praia Girón.

“Fiz mais dois passes sobre o objetivo descarregando todo o parque das minhas metralhadoras. Depois retornei à base.

“Quando descendi da cabina, estava todo excitado. Até certo ponto tudo me pareceu tão fácil –premer botões e ver a estrutura de um navio se desfazer como se fosse de papel— que queria contar-lhe a toda a gente o acontecido. Curbelo me chamou a Operações e fiz um relatório. Depois me disseram que quase não entendiam o que eu dizia ao começo, visto que comecei confundindo os rumos e fazendo um embrulho nas explicações. Até que fiquei um bocado mais sereno, e consegui coordenar um relatório decente.

“Já o Comandante Castro estava comprazido. Dedicamos-lhe o primeiro navio.

“Não sei que tempo demoraram em aprontar meu aparelho novamente. Combustível, munições. Os mecânicos e o pessoal de armamento voavam. Fizeram as coisas em um terço do tempo normal, calculo eu, e me lancei ao ar de novo, carregando desta vez oito mísseis de cinco polegadas. Encaminhei-me a Praia Girón. Do alto pude ver o Houston, perto de Praia Larga encalhado, como um grande peixe ferido de morte. Frente a Praia Girón enxerguei um navio ainda maior do que o Houston. Era o Río Escondido, que, segundo soube posteriormente, era um dos que trazia mais pessoal e equipamento para os mercenários. A bordo levavam a planta emissora com que esse canalhas pensavam arengar o povo de Cuba uma vez instalada em terra. Além disso, caminhões, sobressalentes para aviões –em seus planos estava conseguir uma base aérea na pista de Praia Girón e operar desde ali com sua aviação—, combustível para estes e muito parque. O Río Escondido se encontrava a umas três milhas ao sul da costa.

“Os mísseis do meu Sea Fury partiram à procura do enorme navio como uns relâmpagos fumegantes. Tocado! Atingiram-no no mesmíssimo centro. Tardo mais tempo em contá-lo do que demorou o Río Escondido em estourar como um triquetraque, envolto em chamas.

“Quando estava gozando do espetáculo ainda uma novidade para mim, reparei que um B-26 se aproximava de mim. Pensei que era o avião de Silva, mas imediatamente reparei que não tínhamos nenhum B-26 voando nesses momentos. O engano era quase perfeito, pois o único diferente que no aparelho consegui distinguir foram umas faixas azuis nas asas. À parte disso, tinha as cores, a bandeira cubana e a insígnia da FAR exatamente igual que nossas naves. Fiz um giro, aproveitando a velocidade do meu ‘Furioso’, superior à do bombardeiro inimigo, e consegui colocar-me em sua cauda. Era uma ‘doze em ponto’ perfeita. (Os pilotos usavam essa linguagem para definir a posição de adversários no ar).

“Apesar de minha posição vantajosa, o B-26 conseguiu abrir fogo primeiro com a metralhadora de cola. Respondi com uma longa rachada da minha calibre 50, tocando-o num dos motores. Vi-lhe perder altura, despedindo fumaça e descender rumo aos navios de guerra que navegavam lá em baixo como procurando proteção. Finalmente caiu no mar junto de um dos navios.

“Não sei se foram os disparos do B-26 ou as descargas das baterias antiaéreas dos navios, mas compreendi que me tinham tocado no motor. O Sea Fury falhava. Apesar disso fiz vários passes sobre os navios até esgotar as munições. Depois me dirigi à base. Ao fazer plataforma, o aparelho não respondeu bem. Apenas lhe caíram em cima os mecânicos, deram-me a explicação. Dois projéteis me tinham avariado um dos cilindros, percalço bastante sério.

“Mas todos os que estávamos ali sabíamos que era mais perigoso tripular qualquer um daqueles aviões do que enfrentar-se ao inimigo em um duelo a tiros.

“De mau grau tive que submeter-me a um intervalo obrigado. A reparação levava tempo e já não poderia voltar a voar nesse dia.

“Mas estava contentíssimo: um saldo a meu favor de dois navios grandes e um avião inimigo.

“Pensei que Fidel Castro tinha que sentir-se comprazido. Carreras não lhe falhara.”

Os pilotos em um dia puseram fora de combate, só no “Houston”, um batalhão completo de mercenários que não conseguiu combater, e lhe causaram aos invasores numerosas baixas no “Río Escondido”; sua frota completa estava em fuga. Calculo que dispúnhamos apenas da metade dos aviões de combate do inimigo.

Raúl Curbelo o explica:

“Carreras atacou os navios. Primeiro avariou e encalhou o Houston, regressou à base e voltou a Baía dos Porcos; atacou o Río Escondido e o afundou. Era o principal porque trazia combustível e grande quantidade de munições de reserva, que era importantíssimo para os objetivos que se propunham os mercenários.

“Considero que esse foi o momento chave, depois vêm outros momentos, que definem a derrota em setenta e duas horas, porque foi afundado um navio e inutilizado o outro com um batalhão completo dentro, foram destruídas barcaças que estavam em processo de desembarque, e mais outros navios; um deles que era O Atlântico, ao ver o navio afundado e que o outro estava inutilizado, afastou-se da terra, porque estava aproximadamente a umas três milhas da costa.”

Testemunho de Harold Ferrer Martínez:

“Quando ocorreu o ataque aos aeroportos, aproximadamente às 02h00, o Comandante-em-Chefe me ligou a Cojímar e me fez algumas perguntas sobre os homens que ali tinha, o armamento e os meios de transporte; disse-nos que estivéssemos prontos para sair, porque provavelmente teríamos que entrar em ação. Mas sem dar pormenores.

“No dia 17 de abril Celia me ligou a Cojímar. Comunicou-me a notícia do desembarque por Girón e o Comandante me deu a ordem de ficarmos prontos para partir pela manhã, deu-me instruções de sair e esperar em Matanzas.

“Eu tinha saído a procurar uns meios de transporte.

“O Comandante-em-Chefe em 1959, tinha reunido um grupo de oficiais do Exército Rebelde e nos tinha perguntado quem estávamos em disposição de ir para Minas del Frío a cumprir uma missão. No grupo estavam os oficiais do Exército Rebelde Leopoldo Cintra Fria, Pólo, os irmãos Sotomayor, os Pardo, o capitão Gaspar Camejo, Hugo del Río e outros companheiros.

“A idéia era contar com companheiros com preparação para dirigir milhares de soldados do Exército Rebelde, dar-lhe um treino e subir onze vezes o pico Turquino, com o objetivo de preparar as novas colunas para rejeitar qualquer agressão do exterior.

“Daí é onde sai esta coluna que ele mesmo lhe coloca o nome: José Martí. Pessoalmente, ele se encarregou de dar-lhe os primeiros transportes e armamentos que chegaram da União Soviética, as missões que devia cumprir cada soldado. Formaram-se as duas colunas: a de artilharia sob o comando de Pólo, e a de infantaria sob o meu comando. Fui para a Base Granma onde tivemos um curso de treinamento. Dali saímos uns dias para o acampamento de Manágua e depois nos deslocamos para Cojímar.

“Eram quatro companhias de Infantaria, uma companhia de baterias de morteiros, uma companhia de metralhadoras e os lança-chamas que estavam no INRA, que se nos subordinavam; eram uns seiscentos homens. Não tinha a organização de batalhão, mas de coluna; não chegava a um batalhão.”

“Estivemos entrincheirados em Casablanca e depois nos situaram em Cojímar que era minha localização permanente.”

“Quando ocorreu a invasão nos disse que estivéssemos prontos para sair e esperar em Matanzas. Nessa cidade nos deu ordens de esperar no quartel de Jovellanos aonde chegamos pela tarde.

“Ali nos deu a missão de deslocar-nos até a Lagoa do Tesouro e desde ali atacar junto dos tanques, com o apoio da artilharia, as posições que tinham os mercenários que tinham ocupado a estrada desde Pálpite a Praia Larga.”

“Fidel nos deu detalhes das características da zona de pantanal, de difícil acesso por uma só estrada com pântanos e vegetação em ambos os lados. Alertou-nos de que era uma missão difícil, mas seria histórica porque era preciso desalojar o inimigo de suas posições.

“A Coluna 1 estava formada por uns seiscentos homens, e se lhe subordinavam duas companhias de operadores de bazucas e lança-chamas que tínhamos no INRA.

“Enquanto recebia as ordens de Fidel, ordenei-lhe a um chefe que deslocasse a Coluna perto da Estrada Central, mas houve uma confusão e parte da artilharia seguiu para Colón. Tentei avisar-lhe para que voltassem e não tive mais alternativa do que informar-lhe ao Comandante o que tinha acontecido; disse-me que ele se encarregava de localizar o resto do pessoal e envia-lo para a zona das ações.”

Já desde a tarde me encontro na zona de operações e envio uma ordem manuscrita ao capitão Fernández:

“Fernández:

“Decidi enviar os outros doze obuses e apóia-los com duas baterias de metralhadoras múltiplas e, além disso, uma bateria de canhão antiaéreo, visto que considero de muita importância abrir uma fenda infernal. Procura disparar com o maior número de obuses possível em barreiras.

“Fidel. C. Austrália. Abril 17,61,

“19h00.”

Testemunho de José R. Fernández Álvarez:

“Estando Fidel ali, que permaneceu até a noite, ou até bem avançada a tarde, porque à noite foi para Pálpite, chegou a artilharia antiaérea, chegaram meios de artilharia e chegaram tanques. Fidel tinha seguido a estratégia de movimentar estas forças, que são facilmente identificáveis desde o ar, e que não têm boa defesa antiaérea, como são a artilharia e os tanques, em movimentos até Jovellanos, concentra-los em Jovellanos, e durante a noite desloca-los para as zonas das ações combativas. Porém depois algumas dessas unidades se movimentaram de dia, embora houvesse como regra geral a estratégia de movimentá-las de noite. O certo é que já obscurecendo Fidel nos autorizou a deslocar-nos para Pálpite, organizar o ataque a Praia Larga e tivemos proteção de artilharia antiaérea. Deslocamos cinco tanques, quatro baterias de obuses de 122 mm; duas ou três baterias de canhões de 85 mm e uma bateria de morteiros de 120 mm.”

Testemunho do escolta Bienvenido Pérez Salazar (Chicho):

“Ele esteve um tempo ali em Austrália e então deixou Augusto Martínez de chefe de operações. (O segundo chefe era o comandante médico Oscar Fernández Mell, chefe de Sanidade Militar). Imediatamente arrancam os carros rumo ao pantanal, e eu regresso para procurar Santiago Castro, mas não aparecia, ficou dormido junto do carro tirado na erva. Nunca tinha visto uma guerra, nem muito menos, eu estava um pouco emocionado com aquilo, e Santiago Castro estava tão tranqüilo, como se não houvesse guerra. Então quando chego onde está Santiago Castro, Augusto Martínez sai e me diz: ‘Você não pode ir embora, você tem que ficar aqui comigo, porque eu fiquei de chefe’. Pergunto-lhe: ‘Vem cá, mas você discutiu isso com o Comandante?’ Disse: ‘Sim, sim, você tem que ficar comigo aqui’. Porque se encontrava sozinho e ele o que estava procurando era um companheiro como apoio.

“Fiquei, mas com a preocupação de que o Comandante está pela zona dos combates. Eu estava planejando como ia safar do Augusto de todas as maneiras. Não porque tenha sido Augusto, porque sinto profundo respeito por ele, mas o caso é que eu era da escolta de Fidel, não da escolta de Augusto. Então surge a necessidade de enviar-lhe uma mensagem a Fidel onde lhe informavam que tinha outro desembarque por Baía Honda. Augusto está procurando um prático, já era de noite, para levar a mensagem para lá. Então eu lhe disse a Augusto: “O prático sou eu; conheço essa estrada de dia e de noite, porque o Comandante visita muito essa zona. Essa estrada a conheço perfeitamente”, disse-lhe que eu conhecia essa estrada até de olhos fechados. Ele não queria dar-me a mensagem, até que constatou que eu era o mais indicado.

“Saímos Santiago Castro e eu para a Boca. Tinha veículos por todo o caminho, era de noite, e foi uma tragédia chegar até ali porque íamos com as luzes apagadas. Chegamos onde estava o Comandante reunido com os companheiros, explicando-lhes a estratégia, os planos de avançar, e lhe entreguei a mensagem.

“É quando ele lhe entrega, acho que foi a Flavio, todos aqueles documentos, todos os mapas, para voltar para atrás, para Havana, mas ele decide continuar e é quando entramos até Pálpite. Esteve ali, viu a situação e regressou para a usina Austrália e dali para Havana.”

Testemunho do escolta Santiago Castro Mesa:

“Fiquei cuidando o carro; atirei-me na relva junto do carro e fiquei dormido, quando em um desses momentos saíram, e Chicho não me encontrava. Já levávamos quatro noites sem dormir, sem pregar os olhos.

“Nessa noite de 17 entramos até a Boca da Lagoa do Tesouro e continuamos até Pálpite. A estrada para Girón estava em construção, era de pedra-de-mão quase toda, já lhe tinham deitado asfalto, mas como estava dentro do lamaçal o pavimento se deprimira. A metade direita da via estava ocupada pelos tanques, a artilharia e os veículos com a infantaria. Restava meia via e tivemos que ir a obscuras com o apoio dos companheiros do Exército Rebelde e das milícias que estavam na rota.

“Quando estávamos quase chegando a Boca, apareceu um avião inimigo a certa distância e aquilo se converteu em uma festa de fogos artificiais, eram milhares de balas traçadoras que saíam de todas as posições. O Comandante pegou o Galego Fernández na Boca e seguiu até o final das posições em Pálpite, mas quando reparamos que nossa artilharia estava atirando atrás de nós, o Comandante decidiu voltar.”

Antes de partir para Havana, enviou-lhe uma mensagem a Fernández:

"Fernández: >

"Estou solucionando o do parque de canhão. Os outros tanques chegarão a Austrália ao amanhecer. De dia decidiremos o momento oportuno de deslocá-los.>

"Augusto ficará em Austrália. Terei que sair dentro de um momento para Havana. Estarei em comunicação constante com vocês. Enviem-me notícias constantemente sobre o curso das operações.>

"Adiante!

"(Ass.) Fidel Castro

"Austrália, Abril 18/1961

"03h00

"P.S. Ainda não recebi notícias desde o papelzinho em que me informavas que o inimigo diminuía o volume de fogo."

Sobre o meu retorno a Havana naquela madrugada, contei-lhe uma vez ao historiador Quintín Pino Machado, quem o relatou em seu livro:

“‘Eu conhecia o lugar à perfeição — por exploração, por gosto pela natureza, por espírito guerrilheiro (...) conhecia por onde podiam transitar caminhões, tanques — conhecia um caminho pela esquerda que saía dois quilômetros a oeste de Praia Larga. Então, estou esperando os tanques para iniciar à noite, na madrugada, por volta das duas ou das três, um ataque por esses caminhos que estavam vazios e lhes ia sair pela retaguarda de Praia Larga (…) estou organizando o ataque... e nesse momento —seria uma hora da manhã, uma e meia, não posso precisar — informam-me que se está produzindo um ataque pelo oeste de Havana. Que está se produzindo um ataque pelo oeste de Havana? Tem certeza? O relatório mo entregou um mensageiro de automóvel. Não tinha comunicações ali por rádio. Então envio para ver se está comprovado; dizem-me: está comprovado. Disseram: já houve contato com inimigo. Digo: que raro, que esquisito, porque tudo indica que este é o ataque principal; talvez tivessem uma reserva de tropas em Miami e a enviaram ao oeste de Havana, por Pinar del Río, por Baía Honda... Disse: bom, a batalha principal vai-se dar em Havana. E saí dali. Encarreguei ao que estava no Posto de Comando — não a Fernández — (...) a tarefa de realizar este ataque que eu estava organizando, fui para Havana, e cheguei a Havana ao amanhecer...

“‘E quando chego (...) eu não tinha comunicação no carro (...) O caminho era longo, mais de três horas (...) Quando chego a Havana ao amanhecer, comprova-se que não se havia produzido o desembarque. E então o companheiro que eu deixei ali encarregado da missão não conhecia os lugares e não se levou a cabo o ataque de tanques pela retaguarda de Praia Larga e o inimigo se retira e se pode concentrar em Girón. Se aquela operação tivesse sido feita os teríamos dividido (...) Teria sido liquidada a invasão, calculo, em trinta horas.

“‘Anos mais tarde soubesse que a confusão foi criada por uma manobra diversionista da CIA, a qual utilizou para tal equipamentos eletrônicos muito modernos e aperfeiçoados, capazes de simular uma batalha. Por diversos meios de transportação, balsas de borracha entre outros, aproximaram os equipamentos até a costa e com efeitos luminosos contrapostos e os barulhos característicos correspondentes, conseguiram dar a aparência de um combate verdadeiro; na noite de 16 foram observados movimentos de navios a este de Havana.

“O sucesso da manobra consistiu em prolongar os combates por um fato fortuito, visto que casualmente o único oficial presente que conhecia a zona era o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Cubanas, visto que a defesa de Havana tinha 90% de suas forças intactas e prontas para combater e não era necessário deslocar nenhum efetivo do pantanal para lá.”

Desde Austrália, através de Augusto Martínez Sánchez, o capitão Fernández informa que a ofensiva rumo a Praia Larga fora detida e tinha uma quantidade indeterminada de mortos e feridos. Respondo-lhe por esta mesma via:

“04h40.

“De Augusto a Fernández:

“Fidel recebeu sua mensagem e me informa que lhe dei as seguintes instruções:

“1. Que posicione todas as antiaéreas para que protejam nosso pessoal.

“2. Que os tanques continuem atacando e que voltes a colocar as peças (obuses de 122 mm).

“3. Que não deve deixar de instalar uma só AA.

“4. Que lhe recomenda que envie uma tropa, ora do Batalhão 180 ora do 144 para que você avance por Soplillar para sair à Caleta del Rosario e cortar-lhes a estrada. Cortar assim o inimigo em dois.

“5. Que se for necessário se podem enviar os dez tanques que estão por chegar de Jovellanos.

“6. Esses dez tanques pode dividi-los em dois grupos: pela estrada e por Buenaventura.

“7. Que se for necessário deslocar os tanques durante o dia se lhe pode enviar uma forte proteção AA.

“8. Por último, diz Fidel que é preciso tomar Praia Larga sem escusas.”

Testemunho de José R. Fernández Álvarez:

“…a idéia de Fidel era dividir o inimigo. Fazê-lo com o batalhão 111 separando as unidades que estão ao norte de San Blas das de Girón, e com o batalhão 144 isolando as que estão em Praia Larga de Girón, e com isso deixa-los em três grupos, separados uns dos outros, para aniquilá-los com maior rapidez.

“Tenho a certeza de que se tivéssemos conseguido isso, Girón teria caído no dia 18. Infelizmente isso não foi executado pelo batalhão 111 e também não pelo batalhão 144. Fidel ficou aborrecido com isso. Ao batalhão que eu enviei lhe desapareceu o guia.”

“Verdade é que não saiu bem a operação, o inimigo situado em Praia Larga fugiu, e junto da força principal contribuiu à defesa e forte resistência que fizeram em Praia Girón.”

Continuará proximamente.

Leia a segunda parte

Fidel Castro Ruz
14 de abril de 2011
22h31


Inclusão: 04/09/2021