O Império de Havana

Enrique Cirules


VII. A Lavagem do Dinheiro


capa

Em 22 de dezembro de 1950, o doutor Felipe Pasos, presidente do Banco Nacional de Cuba, outorgou a dom Amadeo Barletta a licença número 62 para transformar o Banco Internacional de la Habana no Banco Atlântico S. A.(1)

A partir de então, o Banco Atlântico organizaria seus escritórios no nono andar do edifício número 16 da avenida Menocal, antes conhecida como Infanta, e depois se radicaria no andar térreo da rua 23 esquina com P, em plena Rampa del Vedado, no edifício que ocupava a General Motors, da qual era também gerente-geral Barletta.

O Banco Atlântico iniciou suas operações com os seguintes executivos: Amadeo Barletta, como presidente; H. Barletta Jr. (Barlettica), como vice-presidente; o doutor Luis J. Botifoll, na secretaria; e gerente-geral, o doutor Leonardo Masoni.

Desde o princípio, as operações do Atlântico foram exigidas pelos funcionários do Banco Nacional de Cuba, mas as manipulações estavam arranjadas de tal modo que, na realidade, nunca o Banco Atlântico enfrentou qualquer problema, nem durante o mandato do doutor Carlos Prío Socarrás, nem depois, quando a tirania de Batista se instalou.

No começo, o Banco Atlântico S. A. negou todo tipo de vínculo com companhias filiadas ou subsidiárias. Mais que isso, com a data de 29 de maio de 1951, o doutor Leonardo Masoni, em carta enviada ao Banco Nacional de Cuba (BNC), assinalava que seu banco não possuía vínculos desse tipo; poucas semanas depois, em 30 de julho de 1951, o próprio Amadeo Barletta enviou uma carta ao BNC assegurando que o Banco Atlântico não tinha nenhuma relação com sociedades ou companhias filiadas.(2)

Porém, em 7 de agosto de 1951, o chefe de inspeção bancária do BNC, Miguel Termes, descobriu a existência de um grupo numeroso de companhias subsidiárias (fachadas da Máfia) e em seu relatório ao doutor Felipe Pasos explicou:

O banco de título, em datas anteriores à inspeção, informava em seus balanços remetidos mensalmente, a ausência de companhias filiadas ou associada-filiada. Ao praticar-se a inspeção dessa entidade, com data de agosto de 1951, comprovou-se que a empresa Santo Domingo Motor Corporation, constituída sob as leis da República Dominicana, representava na realidade uma companhia associada-filiada, possuidora de mais de 50% das ações do banco. Não foram mostrados aos inspetores documentos comprovando a personalidade dessa companhia. Além disso, foram estabelecidas relações com 18 companhias, a saber: Caribbean Sales Association, Constructora Andes S. A., Compania Editorial El Mundo S. A. (imprensa escrita: jornal e outras publicações),(3) La Flor de Tibes S. A. (café), Victor G. Mendoza Co., Compania Inversiones Gillispa S. A., Compania General de Comercio e Industria S. A., Compania Imobiliaria Motor Center S. A., Compania Imobiliaria Betis S. A., Compania de Inversiones Bacaro S. A., Importadora Cinzano de Cuba S. A., La Filosofia S. A. (loja de departamentos), La Union y el Fenix de Cuba Compania Nacional de Seguros S. A., Ambar Motor Corporation, Servicios Radio Móvil S. A., Rabna Auto Corporation, Compania Fiduciaria Inversionista S. A. e Compania Financiera Inversionista Panamericana S. A.(4)

Nesse relatório ao Banco Nacional de Cuba, o senhor Termas concluía expressando uma grande preocupação pela vertiginosa “pirâmide dos negócios do Banco Atlântico”. Em resposta, datada de 31 de agosto de 1951, dom Amadeo Barletta comunicou ao BNC que os requerimentos do grupo de inspeção bancária não foram cumpridos a seu devido tempo “por um erro de interpretação que lamentamos”,(5) assegurando que deu instruções aos funcionários do Banco Atlântico “para que sejam sanados, o quanto antes, os inconvenientes levantados pela inspeção.”(6)

Mas a Máfia não estava disposta a cumprir nenhuma promessa, não tinha por que fazê-lo. O Atlântico continuaria com seus métodos de desinformação, com os erros tolerados, os equívocos perdoados, os problemas de interpretação não levados em conta e muitos esquecimentos involuntários, que o gerente Mazoni sempre podia corrigir, com uma simples carta ao BNC, na qual costumava pedir que dissimulassem as inconveniências.(7)

Desde a sua fundação, em 1948, o banco da família Barletta nunca enfrentou problemas — nem durante o período em que o Banco Nacional de Cuba esteve dirigido por Felipe Pozas, nem depois do golpe de Estado de 1952, quando foi designado para a direção o doutor Joaquín Martínez Saenz.

Em 1953, de maneira muito cautelosa (como quem sabe que os assuntos estão arranjados por cima), o Departamento de Inspeção do Banco Nacional de Cuba informou ao doutor Joaquín Martínez que

a administração do Banco Atlântico considera-se eficiente, mas não segura, uma vez que a política creditícia da instituição está em poder exclusivamente do presidente, o senhor A. Barletta, e o seu diretor-geral, o doutor L. Mazoni, que atendem mais ao conhecimento pessoal dos devedores do que às análises de seu estado econômico e financeiro.(8)

O Banco Atlântico, na realidade, possuía uma grande cobertura, para que não gozasse de todo tipo de prerrogativas e tolerâncias. Não havia por que um simples relatório pudesse alterar sua impunidade.

As características do Banco Atlântico S. A. eram o aparente descuido em suas manobras financeiras, refletido nos relatórios elaborados periodicamente, apesar de que o Banco Nacional tinha conhecimento das constantes violações nas transferências e operações com divisas norte-americanas. Parte do método empregado para apagar qualquer tipo de rastro era o uso de registros inadequados em que se resenhavam os cheques devolvidos. As anotações eram feitas em folhas soltas, facilmente jogadas fora ou perdidas, e seus relatórios apresentavam constantes omissões. Além disso, as operações não eram registradas, tampouco os cheques ou valores que ingressavam; nem mesmo havia um controle dos que movimentavam e acionavam as contas.(9)

Documentos datados de 10 de março de 1953(10) revelam que os inspetores do Banco Nacional começaram a informar reiteradas violações em cobranças diretas de cheques emitidos por companhias de fachada, a cargo da sucursal de The National City Bank of New York, da rua 23. Eram cheques sem controle, emitidos em moeda nacional e pagos nos guichês do City Bank nas divisas dos Estados Unidos, sem que essas operações fossem legalizadas.

Outra manobra do Banco Atlântico que gerou muitos problemas foi um crédito outorgado à firma Belmoy Trading Company, para compras na Alemanha, sem que se produzisse o controle estabelecido.(11)

Em 11 de março de 1953, num relatório dos inspetores bancários, afirmou-se que o Atlântico precisava de auditoria e que eram frequentes as violações de seus estatutos. Sublinhou-se também que, ainda que a solvência fosse boa, a política de créditos aplicada era ilógica, pois dependia do banco de informações de créditos e balanços; assim, chegaram à conclusão de que certos dados não eram fornecidos para manter o sigilo sobre suas relações e negócios.(12)

Sérgio Váldes Rodrigues, novo chefe do grupo de inspetores bancários, em relatório ao doutor Joaquín Martínez Saenz qualifica o Banco Atlântico e sua diretoria como dados a negócios audazes e acrescenta: “como em outros bancos inspecionados, há carência quase total de informação de créditos e balanços e suspeitamos que eles as ocultam.”.(13)

É a época em que por Havana estão passando centenas de milhões de dólares provenientes dos Estados Unidos, enormes fortunas que precisavam ser legalizadas; para essas manobras, além dos bancos era necessário utilizar uma grande quantidade de companhias e empresas de fachada ou de cobertura, capazes de reciclar capitais imensos.

Naquele momento, nos primeiros dias de janeiro de 1953, o grupo operativo de inspetores do Banco Nacional de Cuba havia detectado típicas operações de lavagem: a companhia Ambar Motor Corporation havia emitido o cheque número 6551, de 5 de novembro de 1952, sob as ordens da Ambar Motor, na conta número 1570, a cargo de M. R. Leeder.

Váldes Rodriguez, chefe do grupo de inspetores do BNC, em carta confidencial ao Banco Agrícola y Mercantil, depois de informar-lhe que esse banco pagou somas substanciais a cargo do Banco Atlântico S. A., pede-lhe para

investigar se esses cheques foram efetivamente pagos, já que nos vouchers dos mesmos se especificava a troca de efetivo. Confidencialmente lhe informamos que temos notícias de que esses cheques foram pagos em moeda americana, pelo que muito apreciaríamos se pudesse investigar o assunto a fundo, pois não encontramos que proveito obtinha o Banco Agrícola y Mercantil ao pagá-los, principalmente sendo quantidades substanciais — quase meio milhão de dólares —, e também a cargo de outro banco.(14)

Em janeiro de 1953, foram descobertas outras operações fraudulentas do Banco Atlântico S. A. A Ambar Motor Corporation e a Caribbean Sales Association emitiram, em dezembro de 1952, uma série de cheques no valor de 1 milhão de pesos em moeda nacional contra o Banco Atlântico; esses cheques não foram trocados no Banco de Amadeo Barletta Barletta, mas levados para os escritórios principais de The National City Bank of New York, nas ruas O’Relly y Compostela, e cobrados no guichê, nas divisas dos Estados Unidos. Em consequência, essas operações seriam denunciadas, em 23 de janeiro de 1953, pelo grupo de inspeção bancária do BNC, que questionaria muito seriamente a operação. Em carta dirigida ao City Bank, Sérgio Váldez afirmou:

Quanto à denominação, no caso de o pagamento ter sido em moeda americana, nos interessa conhecê-la, o que vocês podem comprovar facilmente pelas especificações de caixa ou de reserva, da data em que se efetuaram os pagamentos.(15)

Como a operação era absolutamente inescrupulosa, a resposta do City Bank foi francamente ingênua. B. Fulgenzi, gerente-geral do The National City Bank of New York em Havana, escreveu o seguinte a Sergio Váldes, chefe de inspeção bancária do BNC:

Em resposta à sua carta do dia 8 do corrente, relativa a vários cheques pagos à Ambar Motor Corporation e à Caribbean Sales Ass. Inc., desejamos manifestar-lhe que esses cheques foram tornados efetivos às próprias firmas mencionadas, segundo os endossos que aparecem nos mesmos. Como são quantias importantes, acreditamos oportuno cobrar esses cheques diretamente no Banco Atlântico sem pensar que infringíamos o Regulamento da Câmara de Compensações.

Quanto ao tipo de moeda em que foram feitos, sentimos não poder precisar, pois não temos controle algum desse detalhe. Em algumas ocasiões, os caixas marcam isso no verso dos próprios cheques, para sua conveniência, em caso de ter alguma diferença; mas, como os cheques não estão em nosso poder, é impossível afirmar se isso aconteceu nesse caso.(16)

O certo é que aqueles cheques foram cobrados nos guichês, em moeda americana, sem nenhum tipo de controle ou verificação, principalmente tratando-se de somas tão elevadas. Não se fez tampouco nenhuma anotação em registros ou livros, tornando-a uma operação sem rastros. Uma hora depois de pagos os cheques, o cobrador do City Bank já estava se apresentando nos escritórios do Banco Atlântico para torná-los efetivos em moeda nacional, sem que os cheques passassem pela Caixa de Compensações.

As companhias filiais ou de fachada da família Barletta em várias ocasiões mantinham seus executivos: presidentes, vice-presidentes, secretários ou tesoureiros, nas pessoas de Giovani Spada, Amadeo Barletta Barletta, Amadeo H. Barletta Jr., José Manuel Martínez Zaldo, José Guash Prieto, Francisco de Paudo, Próspero Zauchi, Ramiro Ortiz y de la Vega e alguns outros célebres personagens.

Da mesma forma, a família dos Barletta possuía substanciais interesses em laboratórios farmacêuticos e, através de investimentos ou de empréstimos, passou a dominar a Compania Tropical de Motores S. A. e a Compania de Transporte de Omnibus la Ranchuelera S. A. Essa política creditícia da Máfia norte-americana servia para que entrassem em seu raio de ação empresas como a Compania de Omnibus Santiago-Habana S. A. e a Terminal de Omnibus S. A., cujas operações eram realizadas por Francisco Vidal e Enrique Caucedo.(17)

O grupo Barletta realizou substanciais operações com Fernando Munilla Solino, Zaldo Martínez S. A., Productos Químicos Robes S. A., Publicidad Méndez S. A., Eugênio Riverol, a Goodyear de Cuba, Roos y Hno., Sucessores de Rivero y Méndez S. en C., Troncoso y Ferrón, Auto-motriz Ania S. A., Califórnia Luncheonettes Inc., Camayd Autos S. A., Compania Constructora Llama S. A., Compania Provedora de Helados S. A., Concreto Caribe S. A., Demestre y Compania, Inversiones S. A., Inversiones G. Casal Atlántida S. A., Madonna Hermanos S. A., Malaret Insurance Office, Mion Luis S. A., Victor G. Vries S. A. e Compania de Contratos y Negociaciones.

O Atlântico efetuou também importantes negócios com diversas instituições e empresas, como a Compania Imobiliaria Alma, Editorial Elias S. A., Minerva Industrial, Nueva Compania Azucarera Gómez Mena, Palacio de la TV S. A., La Cueva S. A., El Relâmpago, Autos y Camiones S. A., Provedora Dental S. A., Plastic Crom Import Co., Tipografia J. Suárez S. A., Union Radio Televisión S. A., Autos Riviera S. A., Bennony Trading Company, Union Radio S. A e Televisora Panorama S. A., a cargo de Giovani Spada. Essa nova modalidade facilitava o domínio de diversas empresas.

Desde a sua chegada ao poder (e respondendo aos compromissos contraídos), Batista entregou-se à tarefa de criar um grupo de instituições de extraordinário alcance para os planos da Máfia norte-americana em Cuba. Diante das novas e promissoras perspectivas, as famílias mafiosas instaladas em Havana também iniciam um processo de reorganização, e em Io de março de 1954 o Banco Atlântico anuncia sua liquidação. A medida, logicamente, tinha por objetivo aperfeiçoar a operatividade dos negócios, para utilizar entidades com reconhecida experiência, prestígio e profissionalismo. Buscavam maior eficácia, sobretudo nos assuntos em que não se podia deixar rastros. É então que a sólida entidade bancária The Trust Company of Cuba surpreende a todos, ao dar os passos para sua fusão com o Banco Atlântico. De maneira quase prodigiosa, a partir de 20 de abril de 1954, The Trust Company of Cuba assume os interesses da família Barletta.

Transcorrem os meses nos quais, como diria anos mais tarde Frederic Sondern Jr.,(18) criavam-se as premissas para que um Estado se pusesse a serviço dos interesses da Máfia norte-americana. Inaugurava-se uma época em que as “relações políticas eram inacreditáveis, chegando até ao próprio Palácio do presidente Batista”.(19) O grupo mafioso de Barletta, por sua vez, durante meses também passou a realizar operações através do Banco Financiero S. A., utilizando um testa de ferro que dominava um grande império açucareiro.


Notas de rodapé:

(1) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional. Legajo 192, N. 6 (retornar ao texto)

(2) Ibid. (retornar ao texto)

(3) Ibid. (retornar ao texto)

(4) Ibid. (retornar ao texto)

(5) Ibid. (retornar ao texto)

(6) Ibid. (retornar ao texto)

(7) Ibid. (retornar ao texto)

(8) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional. Legajo 192, N. 7 (retornar ao texto)

(9) Ibid. (retornar ao texto)

(10) Ibid. (retornar ao texto)

(11) Ibid. (retornar ao texto)

(12) Ibid. (retornar ao texto)

(13) Ibid. (retornar ao texto)

(14) Ibid. (retornar ao texto)

(15) Ibid. (retornar ao texto)

(16) Ibid. (retornar ao texto)

(17) Revista Bohemia. ”La mafia norte-americana en Cuba: operaciones y fraudes”, Enrique Cirules. Havana, 11 de outubro de 1991. pp. 15-17. (retornar ao texto)

(18) Sondern, Frederic Jr. Brotherhoodof evil: the mafia (La Mafia). Editorial Brugueras, Barcelona, 1960. p. 24. (retornar ao texto)

(19) Ibid. (retornar ao texto)

Inclusão: 25/10/2023