O Império de Havana

Enrique Cirules


X. Os Novos Investidores


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Em 11 de junho de 1952, o doutor Joaquín Martínez Saenz (presidente do Banco Nacional de Cuba) recebeu um documento solicitando autorização para a abertura do Banco de La Habana.(1) Sua primeira sucursal seria no povoado de Niquero, limite municipal da província de Oriente, onde se encontravam os engenhos Niquero, Media Luna e Cabo Cruz; na região (no limite municipal próximo) ficavam também as centrais de Campechuela, San Ramón e Santa Rita e outras empresas agrícolas e comerciais, sem que existisse naquele lugar uma entidade bancária.

A proposta ao Banco Nacional de Cuba, falava do seu caráter nacional e que seu escritório central se estabeleceria em San Ignacio, em Havana.(2)

Estavam interessados na abertura do banco os senhores: Julio Lobo Olavarria, acionista e diretor das empresas proprietárias dos engenhos Tinguaro, Escambay, Niquero, Cape Cruz, Caracas e outros, assim como a entidade comercializadora de caráter internacional Galbán Trading Company S. A. e um número de empresas afins; Gérman S. López Sánchez, acionista e diretor das companhias proprietárias das centrais Santa Maria, El Pilar, Caracas, Najasa e Siboney, membro do Banco Cacicedo, de Cienfuegos, e de empresas comerciais e portuárias naquela cidade; Gregorio Escogedo A. Salmón, acionista e diretor das centrais Fidencia, Perseverancia, El Pilar, Caracas, Najasa e Siboney e outras empresas de gado e de arroz; doutor Eladio Ramirez León, ex-presidente da Associação de Fazendeiros de Cuba, advogado, diretor e acionista das companhias das centrais Tánamo e Union; Ignacio Carvajal Olivares, acionista e diretor das centrais La Francia e San Cristobal e membro da firma Carvajal (armazenadora de víveres), presidente e acionista do Banco Carvajal de Artemisa e membro de empresas comerciais; Simeón Ferro Martínez, acionista e diretor das empresas proprietárias dos engenhos San Cristobal e La Francia, membro da firma comercial Hijo de Pio Ferro e da Industrial Ferro S. A. e integrante de empresas comerciais; Fernando de la Riva Domínguez, advogado e acionista das centrais Covadonga e Constancia; George Fowler y Suárez del Villar, presidente e acionista da North American Sugar Co. S. A., proprietária da central Narcisa; José Garcia Palomino, acionista e diretor da Galbán Trading Company; e Enrique Sotto León, advogado e professor de economia da Escola Profissional de Comércio de Havana, secretário e diretor, respectivamente, das empresas proprietárias das centrais Perseveraneia e Tánamo. A maioria dessas pessoas eram acionistas de menor nível e cabeças visíveis em negócios sob o comando de Lobo.

O banco constituiu-se com a autorização de 2 milhões de pesos, mas só começa a operar inicialmente com um capital de 200 mil. Em 18 de julho de 1952, reordena-se o projeto, e o Banco de La Habana transforma-se no Banco Financiero S. A. ; em 16 de setembro do mesmo ano, L. Rangel, vice-presidente de The Trust Company of Cuba, informa ao Banco Nacional de Cuba que o Banco Financiero abriu nessa entidade uma conta corrente com o montante de 260 mil pesos. No começo de outubro de 1952, Lobo nomeia o senhor Francisco M. Acosta y Rendueles administrador do Banco Financiero. Rendueles tinha trinta anos de experiência bancária nos escritórios do Nacional City Bank de Havana. Mas é só em 21 de outubro que o Banco Financiero deposita em The Trust Company of Cuba o cheque de 100 mil pesos como reserva centralizada, para começar suas operações.

As operações iniciais do Financiero estiveram dirigidas a um grupo de centrais açucareiras que Lobo controlava ou controlaria mais tarde e que em geral faziam parte de um império açucareiro, no que se referia à comercialização dos crus, com escritórios em várias cidades dos Estados Unidos, em Porto Rico e em capitais importantes da Europa.

Dizia a lenda que Lobo era herdeiro de velhos negócios. Na lista telefônica de 1937(3) aparece um anúncio da Galbán Lobo y Compania, importadores e exportadores desde 1964 e agora com departamentos de açúcar, farmácia, produtos químicos, lubrificantes e borracha, ferragens, víveres, mel, ceras e vegetais, seguros contra incêndio, automóveis e transportes marítimos.

O certo é que até o momento não existe um estudo sobre as origens da fortuna de Julio Lobo, seus vínculos e dimensões reais. Lobo gozou de todas as prerrogativas possíveis. Era considerado como um importantíssimo industrial e financista cubano, ainda que sua verdadeira nacionalidade nem sequer esteja esclarecida. Diz-se que era de origem judaica e que seu nome era realmente Julies Wolf, nascido na Holanda, em Aruba ou na Venezuela. Alguns de seus antigos colaboradores afirmam que, com a depressão de 1929 e nos primeiros anos da década de 30, arruinou-se ou esteve à beira da ruína, mas na década de 40 sua fortuna já era considerável. Na imprensa da época existem numerosas referências ao fato de que Lobo estava enriquecendo desmesuradamente com os negócios do mercado negro e a especulação com produtos de primeira necessidade, a raiz da II Guerra Mundial, e mais tarde através dos manejos fraudulentos do autenticismo.

Na segunda metade daquela década, Lobo é vítima de um atentado. Acusado de ser um dos mais importantes especuladores, elementos gangsteris da época autêntica lhe exigiram a entrega de uma grande soma de dinheiro.

Na realidade, boa parte dos recursos econômicos de Lobo procediam dos lucros obtidos com especulação. O que não é explicável historicamente é como, em meio a grandes forças imperialistas que disputavam o domínio econômico de Cuba e, em especial, os interesses da ambiciosa indústria açucareira, Lobo conseguiu controlar um grande império, no que se refere à produção e à comercialização dos crus cubanos.

A vertiginosa expansão de seus negócios foi algo assombroso. Ficam, claro, nos arquivos alguns documentos, quase sempre administrados com extraordinária habilidade, com o fim de encobrir os dados mais esclarecedores. De qualquer modo, o conjunto de provas existentes demonstra que, pelo menos a partir de 1954, os interesses da Máfia norte-americana passaram a operar de maneira direta no Banco Financiero.

Considerada até hoje como um grupo marginal dentro da sociedade cubana, não se havia prestado a devida atenção às operações da Máfia norte-americana, mas sob todos os pontos de vista é inegável que os negócios da Máfia em Cuba incluíam não apenas cassinos e hotéis, alta prostituição e tráfico de drogas, mas também outros interesses menos evidentes, cujos rastros eram sempre apagados pela maquinaria de negociatas do capitalismo contemporâneo. Os negócios da Máfia em Cuba incluíam espaços cada vez mais rentáveis da economia, conexões internacionais de grande magnitude, influências socioculturais e participação na política cubana.

No caso do açúcar, ainda está para ser estudado o início das transformações que se produziram a partir das manobras de 1937-1938, nas quais o general Batista apareceu como autor da Lei de Coordenação Açucareira e Moratória Hipotecária. Por circunstâncias muito especiais, que compreendiam as conjunturas internacionais da época e os interesses dominantes, essas datas foram os pontos de partida para que, em apenas três lustros, se produzissem mudanças radicais nas propriedades de um conjunto apreciável de centrais açucareiras. Isso daria origem a diversas teorias, cada vez menos verossímeis, entre elas as que afirmam que a indústria açucareira cubana já não era rentável, que estava num ponto de absoluta saturação e que as poderosas companhias norte-americanas tinham perdido o interesse por elas, como se o açúcar cubano não fornecesse ao sistema de exploração imperialista quatro fabulosos canais de riqueza, dos quais somente dois foram estudados medianamente.

A rentabilidade da indústria açucareira em Cuba sempre esteve garantida pela mais feroz exploração: fome, desemprego, suor e sangue dos trabalhadores cubanos. Os quatro importantes canais de enriquecimento imperial da indústria açucareira foram os seguintes:

  1. Lucros obtidos por companhias, proprietários ou acionistas das centrais açucareiras.
  2. Centenas de milhões de dólares recebidos anualmente do Estado norte-americano como tarifas exigidas para que o açúcar cubano pudesse entrar nos Estados Unidos. De 1921 a 1929, entraram no orçamento americano, só dessa forma, 1,119 bilhão de dólares, 37% do total do açúcar exportado.
  3. Juros altos cobrados pelo sistema bancário — o centro financeiro internacional radicado em Havana — como financiamento das safras açucareiras. Provavelmente, era esse o novo meio de exploração da indústria açucareira. Dessa forma eram obtidos dividendos substanciais que passavam diretamente às mãos do capital financeiro norte-americano.
  4. Lucros enormes produzidos pela comercialização do açúcar, articulada de maneira cada vez mais monopólica.

Para explicar esse ato quase mágico através do qual a indústria açucareira começou a passar às mãos de capitais cubanos (não poucas vezes às mãos dos elementos que constituíam as cúpulas político-militares do poder aparente) sem dúvida seria necessário fazer outras considerações.

Antes de a Máfia norte-americana começar a operar de maneira ostensiva no Banco Financiero, este enfrentava uma situação precária, para não dizer de estagnação total, apesar das múltiplas operações que realizava com um conjunto de centrais. Relacionaram-se inclusive perdas bancárias e, alguns meses depois, um lucro irrisório. Esse pequeno resultado foi devido à Galbán Trading Company, que estivera manipulando cheques com o exterior e efetuando trocas de moeda.

Naquele momento, a crise do Banco Financiero era tal que o Banco Nacional de Cuba não aprovou uma linha de crédito para o grupo de centrais que estava sob a influência de Lobo, alegando que o Financiero não contava com suficientes depósitos e que os créditos estavam destinados a centrais vinculadas à entidade através de acionistas e diretores.

Enquanto isso, o doutor Joaquín Martínez Saenz, presidente do Banco Nacional de Cuba, pressionava os setenta bancos do sistema para que adquirissem certificados de dívidas de obras públicas.

Na reunião de diretores do Banco Financiero,(6) acertou-se que o administrador Acosta Rendueles se dirigiria a Martínez Saenz aceitando a pressão. O intermediário para essas gestões foi o senhor Victor Pedroso, presidente da Asociación de Bancos de Cuba, vice-presidente e administrador do Banco Pedroso.

Da mesma maneira, como parte das pressões sobre o Financiero, enviaram a Lobo um recado: o Banco Nacional de Cuba poderia retirar a autorização de receber contas de reserva, às quais só tinham acesso os bancos que haviam participado da “subscrição e flutuação de valores do Estado e que a lista seria renovada periodicamente”.(7)

Os certificados que o Banco Nacional de Cuba desejava então colocar eram os que haviam sido emitidos para a construção do Palácio de Justiça e para o Ministério de Comunicações. Também se notificou ao Financiero que uma resposta positiva sobre esse tema o colocaria em condições de receber contas do Instituto Cubano de Estabilização do Açúcar e futuras contas da Caixa de Aposentadoria e outros organismos oficiais que estavam conectados com o governo.

No começo de 1954, se levarmos em conta as características de sua personalidade, ocorreu algo sumamente estranho: Lobo desapareceu de Havana. Disseram que ele estava realizando uma viagem de descanso em Nova York e que seus negócios passavam a ser administrados pela senhora Carlota Steegers Plasencia, a secretária particular de Lobo.

A verdade é que a ausência de Lobo se prolongou por vários meses e seu regresso coincidiu com a entrada em seu banco de membros importantes da família de dom Amadeo Barletta Barletta: José Manuel Zaldo, José Guash e o próprio dom Amadeo, entre outros.

Além disso, na ausência de Lobo, o senhor Francisco M. Acosta Rendueles ocupou o cargo de truestee(8) nas comissões de bônus ou letras de câmbio hipotecário “na forma e condições que autorize a junta sem limitação alguma”.(9)

É precisamente no processo de ausência e retorno de Julio Lobo que se produzem as mudanças no Banco Financiero, com a renúncia do antigo vice-presidente e a designação para esse cargo de José Manuel Martínez Zaldo, um dos homens-chave das operações mafiosas da família Barletta.

Essas mudanças no Banco Financiero coincidiram também com a nomeação do senhor Francisco Acosta Rendueles para diretor do recém-criado Banco de Comercio Exterior de Cuba, feita pelo general Batista.

Tais assuntos foram tratados com tal ambiguidade que, nas atas do Banco Financiero relativas ao processo, Lobo aparece profundamente ofendido com o senhor Rendueles, dirigindo insultos e duras acusações, quase deflagrando um bate-boca. Por acaso Lobo podia ver com maus olhos que um homem seu fosse designado para dirigir o Banco de Comercio Exterior de Cuba, de onde era possível realizar — e se realizavam — tão bons negócios?

Foi tal a simulação que uma das atas do Financiero(10)s registra que Lobo negou os mais elementares direitos a seu antigo administrador, declarando-se diante da junta diretiva do banco e do resto dos acionistas como inimigo jurado de Rendueles. Por acaso Lobo era um homem assim tão torpe?

Os padrinhos eram, sem dúvida, muito poderosos para que Batista conferisse a Acosta Rendueles uma distinção como aquela e, por isso, os protestos de Lobo pareciam pouco convincentes.

Durante essa reunião(11) com mudanças tão importantes (não só o caso de Rendueles, mas inclusive a renúncia de Florentino Suarez, antigo vice-presidente do banco, e a designação de José Manuel Martínez Zaldo), anunciou-se também que Martínez Zaldo era acionista do Banco Financiero e que José Guash Prieto e dom Amadeo Barletta Barletta dispunham de um pacote de ações.(12)

Em relação ao jogo de injúrias e agressões que Lobo protagonizou contra Rendueles, é interessante observar como o doutor Eladio Ramirez León (mão direita de Lobo) posicionou-se publicamente como o mais fiel amigo de Rendueles.

Assim que o grupo mafioso de Barletta iniciou suas operações no Financiero (a diretoria do banco propôs mais tarde a dom Barletta que a integrasse também, mas Barletta não aceitou o convite, preferindo manter-se à sombra), começaram para Lobo os grandes negócios. Em 18 de novembro de 1954, conheceu o Decreto-lei Especial 1.800. Essa lei, assinada pelo general Batista, abriu a fabulosa administração financeira das Estradas de Ferro Ocidentais de Cuba; apenas cinco dias depois, em 23 de novembro de 1954, Lobo já estava convocando uma reunião de diretores para informar que seu banco assumia o financiamento “para a subscrição de ações nas Estradas de Ferro Ocidentais de Cuba” e que “numerosas companhias proprietárias e operadoras de engenhos tinham recorrido ao Banco Financiero S. A. solicitando empréstimos para adquirir e pagar as ações oportunas declaradas elegíveis pelo Banco Nacional de Cuba, cujo empréstimo tem também como aspiração o referido decreto-lei adicional da cota extraordinária de três centavos por saco de produção de 325 libras ou seu equivalente criado para esse efeito pela lei”.(13)

Estes empréstimos serão descontados no Banco Nacional de Cuba pelo montante íntegro dos mesmos, a juros de 2% anuais; os bancos privados, por sua vez, não poderão cobrar juros superiores a 4% ao ano, desfrutando todos estes empréstimos e de todas as isenções de impostos e demais facilidades que a lei outorgou para o financiamento do açúcar da cota estabilizadora. Por isso o presidente Lobo considera que, além de constituir um dever dos bancos privados cooperar com o governo na solução de um problema de interesse nacional, os empréstimos em si resultam atraentes, como investimento do banco, pelas garantias que têm e pelas facilidades que o Banco Nacional oferece para o seu redesconto. Então, recomenda à diretoria que aprove tais empréstimos na medida em que o permitam os recursos econômicos do banco.(14)

Os créditos estavam outorgados a um grupo de companhias filiadas ou mantenedoras do Financiero ou a empresas que se encontravam sob o domínio de Lobo. Além de passar a controlar os interesses das Estradas de Ferro Ocidentais de Cuba, essa operação era uma garantia de que importantes indústrias e zonas açucareiras das províncias ocidentais passariam para a área de influência ou de futuras manobras açucareiras; até então, o maior número de centrais açucareiras dominadas por Lobo encontrava-se na província de Oriente.

Entretanto, o mais surpreendente foi que, quando o decreto-lei tornou-se conhecido, Lobo já organizara o negócio e cinco dias depois apresentou a lista de créditos que se outorgariam a: Central San Cristobal S. A., Central Tinguaro S. A., Central La Francia S. A., Central Araújo S. A., Central Perseverancia S. A., Central Niquero S. A., Central Cape Cruz S. A., Compania Tánamo de Cuba S. A., Escambray Sugar Company, Compania Açucareira Jocuma S. A., La Rancho Veloz Sugar Company, Central Hormiguero S. A., Central Parque Alto S. A., North American Sugar Company.

De imediato, o senhor José Manuel Martínez Zaldo recebeu um tratamento extremamente generoso: Lobo lhe deu, entre salários e comissões, mais de 2 mil pesos mensais, enquanto naquele ano destinou, para os presentes de Natal de oito ou nove empregados do banco mais destacados, a cifra de 120 pesos.(15) Lobo era terrivelmente tacanho.

Na ata de 25 de janeiro de 1955, Lobo declarou que sua intenção era atrair para o Banco Financiero “elementos que não estavam precisamente interessados na indústria açucareira, mas em outras atividades mercantis e comerciais”.(16)

Em março de 1955, o Financiero informa que recebeu 3 milhões de pesos em depósitos a mais do que no período anterior; em sua fase de expansão, são abertas ou projetadas sucursais em Colón, Santo Domingo, Placetas, Nicaro, Tánamo, Rodas, Artemisa, Manzanilla, Marianao e alguns outros lugares de Havana.

Martínez Zaldo, por sua parte, informa que estão sendo feitos arranjos para que o Financiero possa adquirir com “outros amigos o Banco Carvajal, que opera em Artemisa. As negociações para adquirir esse banco já se acham muito adiantadas”.(17) Também se fala de comprar o edifício da sucursal do City Bank em Manzanillo, e se observam fortes interesses em relação aos investimentos no Fomento de Hipotecas Aseguradas (F. H. A.).(18)

Na reunião dos acionistas em 30 de março de 1955, o doutor Eladio Ramirez León faz menção a um artigo publicado no jornal Prensa Libre, redigido por Cepero Bonilla:

O senhor Lobo, por meio de seu banco, havia financiado engenhos que não eram seus clientes, para que fossem pagas as ações que lhe correspondiam nas Estradas de Ferro Ocidentais de Cuba, sob a condição de que lhe dessem o voto dessas ações para utilizá-lo na designação de um dos representantes dos fazendeiros na diretoria dessa estrada-de-ferro; por esse motivo, o Banco Nacional negou-se a aprovar esses financiamentos.(19)

Ramirez Léon afirmou na reunião que tudo o que o artigo dizia era falso: o Banco Nacional de Cuba tinha aprovado todos os financiamentos e Lobo não havia interferido em nada nessa aprovação. “Fizeram-se vários comentários em torno desse assunto, mas prevaleceu a opinião geral de não se dar por inteirados oficialmente da notícia e de não a desmentir“.(20)

Em fevereiro de 1956, Maitinez Zaldo já aparece como representante oficial do lote de ações de dom Amiadeo Barletta Barletta e José Guash Prieto. Na ata número 28 do Banco Financiero,(21) Lobo impõe uma distribuição de lucros surpreendente: 25% dos lucros que o banco obtivesse em consequência de suas operações passariam diretamente às mãos de seu presidente, do vice-presidente e algum outro executivo que os dois anteriores decidissem.

O único dos acionistas que se opôs a essa medida, ainda que de maneira tímida, foi o doutor Francisco Escobar Quezada, alegando que não tinha conhecimento de “que essa coisa se fizesse como prática corrente nos negócios”.(22)

É precisamente o senhor Lorido Lombardero (tornara-se acionista do Banco Financiero, vinculado ao grupo Barletta) quem defende a proposta de Lobo, assegurando que na “sociedade anônima de seguros de que ele participa se destinam para isso 28%, para retribuir aos diretores que trabalham”.(23)

Em janeiro de 1956, os depósitos no Banco Financiero sobem a mais de 5 milhões de pesos e, pela primeira vez faz-se referência nas atas do banco, à ampliação significativa que se daria nas operações de financiamento em negócios de Barletta.(24)

Nessa mesma reunião, Lob o assegura que:

a situação do país continua sendo de relativo bem-estar, pois a safra deste ano é superior à do ano passado e os preços se mantêm em níveis atraentes, não para obter grandes lucros, mas para manter o negócio em uma base ligeiramente produtiva.(25)

Em maio de 1956, o Financiero possui mais de 7 milhões de pesos em depósitos e entesourar uma substancial quantidade de bônus de Veteranos, Tribunales y Obras e valores da chamada Compania Cubana de Electricidad (postos em circulação pelo BANDES e outras instituições), além de reservar cerca de 1 milhão de pesos para novos investimentos desse tipo. De acordo com o relatório da Câmara de Compensações do Banco Nacional de Cuba, em abril de 1956 o Banco Financiero ocupava o nono lugar entre os 72 bancos do sistema (incluindo as filiais dos grandes bancos norte-americanos em Cuba), com um total de 17,5 milhões de pesos em efetivos apresentados e de 18,7 milhões de pesos em efetivos recebidos, reflexo da importância que “diariamente vai ganhando o nosso banco”.(26)

Sem dúvida, 1956 foi para Lobo um ano inteiramente satisfatório, se levarmos em conta que as operações não-relatadas, a cargo de divisas norte-americanas, devem ter sido substancialmente maiores, que receberiam também os fundos destinados à construção de casas camponesas e importantes depósitos do Congresso da República, Caixas de Pensões e do Seguro de Aposentadoria Açucareira, o que aumentaria consideravelmente o potencial financeiro do banco.

Como consequência disso, era lógico que o Banco Financiero se integrasse aos projetos da Máfia norte-americana para a grande renovação hoteleira do Império de Havana.

Relatam-se primeiro alguns investimentos no centro turístico de Barlovento, conhecido mais tarde como Montecarlo da América, ainda que o investimento inicial não tenha chegado a um montante muito alto, porque na realidade o Estado cubano assumiu quase inteiramente os custos.

Para que se tenha uma ideia mais precisa da estrutura dos negócios da Máfia, de suas relações com as instituições do Estado cubano (BANDES, Banco de Comércio Exterior de Cuba e Financiero Nacional de Lobo, entre outras) e de seus vínculos com o Banco Financiero de Lobo e com a família Barletta, vejamos um fragmento do relato feito por Lobo, diante da junta geral de acionistas do banco, em 23 de abril de 1957:

Em seguida, o senhor presidente dá conta do estado em que se encontram as negociações relativas ao financiamento do Hotel Havana-Riviera (internacionalmente conhecido como uma operação de Meyer Lansky)(27) faz uma ampla exposição sobre o caso e afirma que é necessário que se faça no Banco de Desarrollo Econômico y Social um acordo para que os funcionários designados aceitem em nome dele suas reivindicações.(28)

As negociações no banco de Lobo chegaram também a numerosas empresas de fachada da Máfia, como a Compania Hotelera de la Habana e a Compania de Hoteles la Riviera de Cuba S. A. Essas e outras empresas, no final da década de 50, encontravam-se em fase de franca expansão. Tinham iniciado a construção de um complexo hoteleiro na capital cubana, Varadero, Cienfuegos, Ilha de Pinos e nas montanhas de Pinar del Rio, para deleite de um certo turismo endinheirado, ávido de emoções fortes; entre 1957 e 1958, preparavam-se para dar um passo maior ainda, que incluiria a construção de cinquenta grandes hotéis resort, das margens do Jamainitas até a praia de Varadero. O imponente Hotel Montecarlo de la Habana (atual Marina Hemingway) era o início desse fabuloso projeto, mas é necessário sublinhar que no final de 1957, seguramente como parte da nova estratégia, a família Barletta, depois de consolidar os interesses e vínculos com o Banco Financiero S. A., iniciou sua aparente retirada do banco de Lobo (embora o Financiero tenha continuado suas operações com empresas e companhias da Máfia até 1959).

Nos últimos dias de 1957, José Manuel Martínez Zaldo apresentou sua renúncia como vice-presidente executivo do Banco Financiero. Sem dúvida foi uma retirada formal, na medida em que também se retiravam José Guash Prieto e dom Amadeo Barletta. Os lotes de ações que eles possuíam (estava por iniciar-se a guerra mafiosa entre as famílias de Havana e o restante da Máfia norte-americana) foram transferidos para Lobo ou para as outras companhias de fachada, em uma mesma data.

José Manuel Martínez Zaldo alegou que se retirava do Financiero porque estava enfrentando graves problemas de saúde.(29) Naquele momento, os diretores executivos do banco encontravam-se totalmente nas mãos de Zaldo. No entanto, qual não seria a surpresa quando, poucas semanas depois, soube-se que ele havia sido designado vice-presidente do Banco Pedroso, a fim de aumentar cada vez mais a influência e as relações dos grupos que dirigiam o Império de Havana com as instituições bancárias estruturadoras do centro financeiro internacional radicado na capital cubana.


Notas de rodapé:

(1) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional, Legajo 202, Número 12. (retornar ao texto)

(2) Ibid. (retornar ao texto)

(3) Guia telefônico de Cuba. Havana, julho de 1937. (retornar ao texto)

(4) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional, Livro 232, Tomo I. Ata de junho de 1954 (p. 41) em que é designado vice-presidente do Banco Financiero José Manuel Martínez Zaldo. (nota não localizada no original usado para a transcrição)

(5) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional, Livro 232, Tomo I, Ata 7. (nota não localizada no original usado para a transcrição)

(6) Ibid. (retornar ao texto)

(7) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional, Livro 232, p. 31. (A impressão aparece com data de 19 de julho de 1953.) (retornar ao texto)

(8) Do mesmo livro 232. Ata 10, de 17 de fevereiro de 1954. (retornar ao texto)

(9) Ibid. (retornar ao texto)

(10) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional, Livro 232, Tomo I, p. 41. (retornar ao texto)

(11) Ibid. (Reunião de 17 de julho de 1954.) (retornar ao texto)

(12) Ibid. (retornar ao texto)

(13) Ibid. Ata n° 16. (retornar ao texto)

(14) Ibid. (retornar ao texto)

(15) Ibid. Ata n° 17, de 15 de dezembro de 1954. (retornar ao texto)

(16) Ibid. Ata de 25 de janeiro de 1955. (retornar ao texto)

(17) Ibid. Ata n° 20, de 10 de março de 1955 (conselho extraordinário de diretores). (retornar ao texto)

(18) Ibid. (retornar ao texto)

(19) Ibid. Ata n° 20. (retornar ao texto)

(20) Ibid. (retornar ao texto)

(21) Ibid. Ata n° 28, 8 de fevereiro de 1956. (retornar ao texto)

(22) Ibid. (retornar ao texto)

(23) Ibid. (retornar ao texto)

(24) Ibid. Ata n° 27 (junta extraordinária do conselho de diretores). (retornar ao texto)

(25) Ibid. (retornar ao texto)

(26) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional, Livro 232, Tomo I, Ata n°29 (conselho de diretores, de 9 de maio de 1956.) (retornar ao texto)

(27) Sondern, Frederic Jr. Brotherhoodof evil: The mafia. Editorial Brugueras S. A., Barcelona, p. 24. (retornar ao texto)

(28) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional, Livro 232, Tomo I, Ata n°38, de 23 de abril de 1957. Folha 165. (retornar ao texto)

(29) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional, Livro 232, Tomo I, Ata n°42. Folha 174-175. (José Martínez Zaldo renunciou como vice-presidente executivo do Banco Financiero S. A. em 17 de dezembro de 1957.) (retornar ao texto)

Inclusão: 25/10/2023