Sobre a reforma da estrutura política

Deng Xiaoping

3, 13 e 29 de setembro e 9 de novembro de 1986


Tradução: Swen Zettler - da versão disponível em The Selected Works of Deng Xiaoping - https://dengxiaopingworks.wordpress.com/2013/03/18/on-reform-of-the-political-structure/

HTML: Fernando Araújo.

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I

Nossa reforma econômica anda bem no geral, porém enquanto ainda está em andamento iremos inevitavelmente encontrar obstáculos. É verdade que existem pessoas, dentro e fora do nosso partido que não são a favor da reforma, mas não são muitos os que se opõe fortemente a ela. O ponto é que nossa estrutura política não atende as necessidades da reforma econômica.

Quando levantamos pela primeira vez a questão da reforma tínhamos em mente, dentre outras coisas, a reforma da estrutura política. Toda vez que damos um passo à frente em nossa reforma econômica nos tornamos mais conscientes da necessidade de mudar a estrutura política. Se falharmos nisso seremos incapazes de preservar e desenvolver os ganhos que obtivemos, o crescimento das forças produtivas(1) atrofiará e nosso impulso à modernização será impedido.

O conteúdo da reforma política ainda está sob discussão, pois é uma questão muito complicada. Como cada medida da reforma envolverá uma grande variedade de pessoas, terá profundas repercussões em diversas áreas e afetará os interesses de inúmeros indivíduos, iremos inevitavelmente encontrar obstáculos, por isso é importante proceder com cautela. Primeiramente devemos avaliar o tamanho da restruturação política e decidir onde começar, devemos começar com uma ou duas reformas e não tentar tudo de uma vez, não queremos criar uma bagunça. Reformas não são uma tarefa fácil em um país tão vasto e complexo quanto o nosso, devemos ser muito cautelosos ao aprovar novas políticas e não tomar nenhuma decisão sem certeza de que é a certa.

Na sua essência o propósito da reforma política é superar o burocratismo, desenvolver a democracia socialista e estimular a iniciativa do povo e das unidades populares. Com as reformas pretendemos retificar a relação entre o estado de direito e o estado do homem e entre o partido e o governo. Devemos ser firmes quanto a liderança do partido, o partido deve liderar bem, mas suas funções têm que estar separadas daquelas do governo, esta questão deve ser posta na agenda.

(De uma conversa com Yoshikatsu Takeiri, Presidente do Comitê Executivo Central do Partido Komei do Japão, em 3 de setembro de 1986)

II

Se não instituirmos uma reforma em nossa estrutura política, será difícil exercer a reforma da estrutura econômica. A separação das funções do partido e do governo vem encabeçadas pela reforma política e isso levanta a questão de como o comitê do partido deve exercer a liderança; A resposta é que ele deve lidar apenas com grandes tarefas, não com as menores, os Comitês Locais do Partido não devem criar departamentos para lidar com questões econômicas, estas questões devem ser de responsabilidade dos governos locais. Contudo este não é o estado das coisas atualmente, temos que discutir qual deve ser o conteúdo da reforma política e resolver os detalhes. Em minha opinião, seus objetivos são colocar em ação a iniciativa das massas, aumentar a eficiência e superar o burocratismo. Seu conteúdo deve ser o seguinte: em primeiro lugar, devemos separar o partido e o governo e decidir como o partido pode exercer a liderança de forma mais eficaz. Esta é a chave e deve receber prioridade máxima; em segundo lugar, devemos transferir alguns dos poderes das autoridades centrais para as autoridades locais, a fim de estreitar as relações entre as duas, ao mesmo tempo, as autoridades locais também devem transferir alguns de seus poderes para níveis inferiores; terceiro, devemos simplificar a estrutura administrativa, e isso está relacionado com a redução de poderes.

Devemos estabelecer uma data inaugural, uma que não esteja muito longe. Devemos estabelecer uma data no Congresso Nacional do Partido próximo ano, contudo ao reformarmos nossa estrutura política não devemos imitar o ocidente, nenhuma liberalização deve ser tolerada. Claro, nossa atual estrutura de liderança tem certas vantagens, por exemplo nos permitir tomar rápidas decisões, ao passo que se colocarmos muita ênfase na necessidade de pesos e contrapesos, problemas podem surgir.

(Observações feitas em 13 de setembro de 1986, após ouvir um relatório do Grupo de Líder de Assuntos Financeiros e Econômicos do Comitê Central.)

III

Com a reforma da estrutura política nossos objetivos gerais são os seguintes:

  1. Consolidar o sistema socialista
  2. Desenvolver as forças produtivas socialistas
  3. Expandir a democracia socialista, a fim de botar a iniciativa popular em ação

O principal motivo para a mobilização da iniciativa do povo é o desenvolvimento das forças produtivas e a elevação das condições de vida, isso irá ajudar reforçar nosso país socialista e reforçará o sistema socialista.

Nossas duas estruturas políticas foram copiadas do modelo soviético; parece para mim que até na União Soviética este modelo não teve muito sucesso. Mesmo que tivesse alcançado cem por cento de sucesso, seria ele adequado para a realidade da China? Seria ele adequado para a realidade da Polônia? As condições variam de um país para outro, nós decidimos reformar nossa estrutura política á luz das realidades na China.

(De uma palestra em 29 de setembro de 1986, com Wojciech Jaruzelski, Primeiro Secretário do Comitê Central do Partido dos Trabalhadores Unidos da Polônia e Presidente do Conselho de Estado da República Popular da Polônia.)

IV

Sentimos que a necessidade de reformar nosso sistema político fica cada vez mais urgente, mas não resolvemos tudo ainda. Ultimamente tenho pensado que as reformas devem ter três objetivos:

O primeiro objetivo é garantir a vitalidade do partido e do estado, isso significa principalmente que nossos quadros dirigentes devem ser jovens. Alguns anos atrás apresentamos quatro requerimentos para quadros: que fossem mais revolucionários, mais jovens, mais educados e mais profissionalmente competentes. Tivemos algum progresso em relação a isso nos últimos anos, mas isso é só o começo, o objetivo de ter quadros dirigentes mais jovens não é algo que pode ser alcançado em três ou cinco anos, iremos ter feito bem se o conseguirmos em quinze. Até o Décimo Terceiro Congresso Nacional próximo ano devemos ter tomado um primeiro passo em direção ao nosso objetivo, até o Décimo Quarto Congresso (1992), esperamos ter dado outro passo e no Décimo Quinto alcançado nosso objetivo. Isso não é algo que pessoas da nossa época podem alcançar, mas é vitalmente importante que estabeleçamos a meta. Seria maravilhoso se um dia a China tivesse um contingente de bons políticos, economistas, estrategistas militares e diplomatas de 30 a 40 anos de idade; similarmente esperamos um bom contingente de cientistas, educadores, autores e especialistas em outras áreas. É importante introduzir medidas em diversas áreas, incluindo educação e o gerenciamento de quadros, para encorajar pessoas jovens. Estritamente falando, estamos somente dando os primeiros passos a respeito disso, existem muitos problemas a serem estudados e muitas medidas a serem tomadas, mas precisamos ser cautelosos.

O segundo objetivo da reforma da estrutura política é eliminar a burocratização e aumentar a eficiência. Uma razão da baixa eficiência é o excesso de pessoal nas organizações, e seu trabalho que anda à velocidade de lesma; mas a principal razão é não termos separado as funções do partido das do governo, então frequentemente o partido faz o trabalho do governo, os dois também tem vários órgãos conjuntos. Devemos defender a liderança do partido e nunca a abandonar, contudo o partido deve exercitar essa liderança efetivamente. Já faz alguns anos dês de que levantamos o problema da eficiência, mas ainda não temos uma ideia clara de como resolvê-lo, se não resolvermos o problema da eficiência não iremos ter sucesso em nossa modernização. No mundo de hoje a humanidade está progredindo em um ritmo tremendo, principalmente em ciências e tecnologia, se ficarmos somente um ano para trás, será muito difícil acompanhar, então temos que aumentar a eficiência. Claro que isso não é somente uma questão de separar o partido do governo, há muitos outros problemas a resolver.

O terceiro objetivo da reforma política é estimular a iniciativa das unidades populares, dos trabalhadores, dos camponeses e dos intelectuais. Uma coisa que aprendemos com nossa experiência na reforma econômica nos últimos anos é que o primeiro passo é liberar a iniciativa dos camponeses dando a eles poderes de decisão sobre a produção, foi isso que fizemos no interior. Devemos fazer o mesmo nas cidades, dando poderes para as empresas e unidades populares, assim motivando os trabalhadores e intelectuais e democratizando a administração, deixando-os participar nela. O mesmo deve se aplicar para todos os outros campos de empreendimento.

Somente com uma liderança vigorosa que eliminou a burocracia, aumentou a eficiência e mobilizou as unidades populares e os recrutas poderemos ter esperanças reais para o sucesso na modernização.

(De uma conversa com o primeiro-ministro Yasuhiro Nakasone do Japão em 9 de novembro de 1986.)

(Trechos de quatro palestras.)


Notas de rodapé:

(1) “As forças produtivas são as edificações e os meios utilizados no processo de produção: meios de produção, de um lado, e força de trabalho, de outro. Os meios de produção são recursos produtivos físicos: ferramentas, maquinaria, matéria-prima, espaço físico etc. A força de trabalho inclui não apenas a força física dos produtores, mas também suas habilidades e seu conhecimento técnico (que eles necessariamente não dominam), aplicados quando trabalham. Marx diz - e estou de acordo com ele - que esta dimensão subjetiva das forças produtivas é mais importante do que a dimensão objetiva ou dos meios de produção; e, no interior da dimensão mais importante, a parte mais apta ao desenvolvimento é o conhecimento. Logo, em seus estágios posteriores, o desenvolvimento das forças produtivas é, em grande medida, uma função do desenvolvimento produtivamente útil da ciência.” (fonte: “Forças Produtivas e Relações de Produção”; Gerald Cohen; 1983) (retornar ao texto)

Inclusão: 27/09/2021