Apresentação ao artigo "Outras polémicas sobre o Individualismo" de Jean Grave

Luigi Fabbri

Dezembro de 1903


Primeira edição: Il Pensiero – Ano I, Número 11-12, dezembro 1903

Observação: Série de 3 artigos polémicos sobre o individualismo stirneriano, publicados originalmente em 1903 na revista Il Pensiero de Roma (números 7, 8 e 10, que podem ser consultados online aqui). Esta obra foi também publicada em brochura, pelo menos em 1904 em Praga e em 1973 no México. Leia dois outros artigos [01 - 02], e o artigo de Jean Grave publicados em números posteriores da mesma revista Il Pensiero, que dão continuação à polémica. Todas as notas são do autor.

Fonte: Última Barricada - https://ultimabarricada.wordpress.com/2020/01/12/o-individualismo-stirneriano-no-movimento-anarquista/

Tradução: João Black

HTML: Fernando Araújo.


Fiz questão de traduzir para a Il Pensiero este breve texto, sobre o mesmo tema a que dediquei já uma série de três artigos [leia em 01 - 02 - 03] , do notável anarquista francês Jean Grave, redator do Temps Nouveau, autor de vários livros de vulgarização libertária, que com toda a justiça pode ser considerado o intérprete mais autorizado — permitam-me este termo, tratando-se de anarquistas — do anarquismo francês, precisamente aquele anarquismo que mais do que tudo tem em si fortes tendências e nuances individualistas, para dar mais uma prova do que pretendi demonstrar nos artigos anteriores: não há, entre o movimento anarquista e o individualismo stirneriano que se diz anarquista, nenhuma relação histórica nem teórica para além de algum ponto de contacto que até as ideias mais contraditórias têm muitas vezes entre si.

Recebi nestes dias algumas respostas, ainda que não muito cortesas, aos meus artigos; uma dessas respostas será publicada pela revista nos próximos números; e dela me ocuparei a seu tempo. Aqui cumpre-me reafirmar mais uma vez, também para os críticos mais ou menos benévolos, isto: que a anarquia tem uma origem histórica, como teoria e como movimento social e revolucionário, totalmente diferente das várias escolas individualistas atuais, e efetivamente não remonta a Max Stirner; e que o movimento anarquista atual, aquele que é conhecido por este nome em toda a parte, não é de facto individualista no sentido que a esta palavra dão os stirnerianos individualistas mais conhecidos, que do individualismo fazem propaganda. Isto é verdade indiscutível, tratando-se de factos e não de ideias abstratas. Quanto às ideias abstratas eu procurei também demonstrar que o conceito stirneriano não é anarquista; mas por mais que esta minha opinião seja partilhada por grande parte dos anarquistas, ela não é senão uma opinião, e como tal, percebe-se, é perfeitamente discutível. Se necessário, discuti-la-emos novamente, ou melhor, deixaremos que seja discutida; e os leitores não se aborrecerão muito se esta questão se alongar um pouco mais, já que nela está abarcado um interessantíssimo e escaldante problema da vida social presente, o da relação entre a liberdade individual e a necessidade de sociabilidade.

De Max Stirner e da relação entre as suas teorias e o anarquismo ocuparam-se, entre outros autores conhecidos em Itália, Georgi Plekhanov e Ettore Zoccoli.(***) E falo neles para pôr em guarda aqueles que, demasiado precipitados a dar ouvidos às afirmações menos comprovadas, quisessem contra mim apoiar-se na opinião deles para desmentir o que afirmei.

Georgi Plekhanov, cuja boa fé é muito discutível (não cabe aqui demonstrar a sua má fé, de resto conhecida de muitos dos seus próprios companheiros russos) ocupa-se de Stirner numa dezena de páginas dum panfleto seu, publicado na Itália primeiro em série na Critica Sociale de Turati, e depois num opúsculo de uma centena de páginas, sob o título Anarchismo e Socialismo. Plekhanov pretende demonstrar que os anarquistas não são socialistas, mas inimigos do socialismo; ele faz uma boa jogada ao fazer passar Stirner por anarquista, e então demonstra (facilmente pois trata-se duma verdade indiscutível) que Stirner não é socialista, e daí conclui que os anarquistas não são socialistas, e… o jogo está feito. Julgue então o leitor sobre a sua seriedade.

O professor Ettore Zoccoli, jovem publicista a quem os italianos devem alguns estudos sobre Nietzsche e Schopenhauer e a tradução do Único de Stirner, ocupou-se também ele do movimento anarquista em relação a Stirner, mas com uma tão completa e assombrosa ignorância sobre esse movimento que só é desculpável em Itália, onde foi possível dizer-se todos os disparates e malícias imagináveis sobre o anarquismo e os anarquistas, desde aquelas de Cesare Lombroso às outras do quondam delegado Sernicoli.

De resto, tanto num como no outro, a evidente preocupação em demolir e desacreditar «a ideia funesta e homicida, a propaganda nefasta, o empirismo brutal e a tristíssima doutrina» dos anarquistas, a completa falta de serenidade, a ausência de documentação, ou uma documentação superficial, e totalmente fantasiosa, tiram às suas afirmações qualquer caráter positivo e científico. Max Stirner nas suas mãos é uma arma inepta de acusação, para não dizer de calúnia; e não é nas suas poucas páginas interessadas e plenas de malevolência que o estudioso pode ir procurar sérios documentos do hipotético nexo entre a teoria do filósofo de Bayreuth e a dos anarquistas atuais.


Notas de rodapé:

(***) Enquanto a Il Pensiero começa a ser impressa, leio no último número da Rivista di filosofia e scienze affini de Bolonha um longo artigo sobre Stirner do dr. Paolo Orano. Dele se ocupará num próximo número Catilina em Rivista delle Riviste. Eu entretanto noto que, apesar da ignorância também de Orano sobre os anarquistas nos Estados Unidos e… em qualquer outro lugar, ele confirma o que eu procurei demonstrar; e, a certa altura, diz precisamente assim: «Se há então um anarquismo no ÚNICO, é um anarquismo desprovido de meios… etc.» Note-se que Orano faz neste artigo a apologia de Max Stirner. (retornar ao texto)

Inclusão: 25/02/2021