Em Defesa da Revolução Africana

Frantz Fanon


Quarta parte: A caminho da libertação da África
Apelo aos Africanos(1)


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Quando o general De Gaulle, no decurso da sua viagem ao ultramar, teve de precisar, sob a pressão das massas africanas, o sentido do referendo - para os territórios sob dominação colonial —, a esquerda francesa e a opinião internacional julgaram ver nessa declaração a primeira manifestação daquilo a que se convencionou chamar o liberalismo do chefe do Governo Francês.

Passadas as primeiras horas de surpresa, foi preciso regressar aos textos, às realidades, logo às possibilidades concretas deixadas aos homens da África Negra.

Na verdade, graças à operação referendo, o general De Gaulle empenha todas as “possessões francesas” num processo indefinido de domesticação livremente consentida. Em primeiro lugar, como se apresenta o referendo perante as aspirações nacionais africanas? O colonialismo francês opõe o seu exército, a sua polícia, os seus tradicionais amenismos e apoia-se em assembleias locais amplamente comprometidas e desacreditadas.

Se em certos Estados o Conselho de Governo assumiu uma atitude de reivindicação nacional, o colonialismo francês, na maioria dos casos, certificou-se do apoio de homens políticos africanos.

Os africanos que pedem aos seus compatriotas que plebiscitem De Gaulle e “a comunidade franco-africana” revelam uma grande incompreensão dos problemas da descolonização e uma ignorância criminosa das aspirações nacionais dos povos africanos.

Participar no voto, exprimir sufrágios sobre questões estritamente francesas, dá corpo a esta “união francesa” transformada por necessidade em “comunidade franco-africana”, aliena a personalidade africana e, como diz a constituição, instala uma nacionalidade única.

Participar no voto é reconhecer-se tacitamente membro de uma mesma família, de uma mesma nação com problemas comuns, quando, na realidade, cada africano que votar por ocasião do referendo amarrará um pouco mais o seu povo e o seu país ao colonialismo francês.

A presença maciça de forças militares e policiais francesas na África Negra, a agitação dos homens políticos comprometidos, as suas declarações, os prontos convites ao seu povo para que vote sim, as tradições de falsificação eleitoral, não deixam qualquer dúvida sobre os resultados do referendo na África Negra.

Num certo número de Estados, a Constituição Francesa será plebiscitada por grande maioria.

Ora, a partir de 1 de Outubro, vão pôr-se quatro verdadeiros problemas aos Franceses e Africanos. Os Estados africanos delegarão deputados à Assembleia Nacional Francesa? A representação de 30 milhões de Africanos será proporcional? Os Africanos terão o direito de discutir o seu orçamento, terão possibilidade de dirigir os investimentos que dizem respeito aos respectivos territórios? Apesar da oposição dos Africanos, a França pretende criar essa “Euráfrica” que deve consagrar a fragmentação da África em áreas de influência europeias e para proveito exclusivo dessas economias europeias? A França pretende manter os Estados africanos no quadro da OTAN? Os Estados africanos, na era de Bandoeng, querem existir à escala internacional e reivindicam o seu lugar na ONU. Como é que a França espera conciliar ao mesmo tempo a manutenção do Pacto Colonial e a existência nacional dos Estados africanos?

Todas estas questões se irão levantar no dia seguinte ao do referendo, quando os Africanos e as Africanas medirem a profundidade da mistificação.

Uma vez mais, o colonialismo francês, a longo prazo, joga a perder. De Gaulle nada terá trazido de decisivo à África. Subsistirão os mesmos problemas, as mesmas exigências, a mesma reivindicação nacional.

O colonialismo francês opor-se-á, com a mesma má-fé, com os mesmos métodos, a essas reivindicações nacionais. A luta continuará, pois, com esta diferença todavia: a fase parlamentar parece definitivamente afastada e, na África Negra, a questão é cada vez mais a de iniciar a luta armada para a libertação do território nacional.

Uma vez mais, o colonialismo francês fecha a si próprio todas as portas. Em vez de convidar os representantes autênticos dos povos que domina para uma discussão construtiva que desemboque no fim do Pacto Colonial e no reconhecimento das soberanias nacionais particulares, perpetua o ciclo da mentira, do terror, da guerra, tornando assim extremamente difícil a reconciliação dos povos.

continua>>>


Notas de rodapé:

(1) El Moudjahid, n.° 29, de 17 de Setembro de 1958. (retornar ao texto)

Inclusão 15/07/2018