Em Defesa da Revolução Africana

Frantz Fanon


Nota do editor


capa

Os textos políticos de Frantz Fanon publicados neste volume correspondem ao período mais ativo da sua vida, desde a publicação de Peau noire, Masques blancs em 1952 — tinha então 28 anos — até à de Les damnés de la terre em 1961, que acabaria por coincidir, apenas com a diferença de alguns dias, com a data da sua morte.

Na sua maior parte, estes textos não são inéditos. Foram publicados em diversas revistas e periódicos de que, na devida altura, damos a referência e a data. Mas, dispersos, eram difíceis de encontrar. Sobretudo os de El Moudjahid são hoje inacessíveis, e, mesmo no seu tempo, só foram conhecidos por uma parte restrita de público.

Assim, reunidos por ordem cronológica, estes textos fazem ressaltar uma unidade particularmente viva. Marcam as sucessivas etapas de um mesmo combate, que evolui e se alarga, mas cuja finalidade e cujos meios foram vistos e se fixaram desde o início. Os três livros publicados até agora forneciam-nos três análises cristalizadas em momentos precisos da evolução de Frantz Fanon. Os textos que se seguem são um fio condutor mais quotidiano, o itinerário de um pensamento em contínua evolução, que se vai constantemente alargando e enriquecendo, permanecendo no entanto sempre fiel a si próprio.

Os dois primeiros artigos, "O Síndroma Norte-Africano” e "Antilhanos e Africanos”, publicados em 1952 e 1953, podem marcar as primeiras etapas. Nessa altura, Frantz Fanon tinha terminado os seus estudos de psiquiatria: pôde, assim, por um lado, dar conta cientificamente, através da sua experiência médica quotidiana, da situação do colonizado; e, por outro lado, tinha historicamente vivido essa situação, vivia-a ainda, ela era para ele uma experiência pessoal que podia igualmente julgar de dentro. Tendo decidido afastar-se simultaneamente do “grande erro branco” e da "grande miragem Negra”, traça uma via nova, revolucionária; ocupa uma posição privilegiada por ter posto a questão do colonizado e por tê-la resolvido: a consciência que tem disso, a clareza da sua visão, reforçam a dureza do seu empenhamento.

Frantz Fanon escolhe fazer clínica na Argélia, país por excelência do colonialismo, para viver e lutar entre colonizados como ele, o tema é retomado e alargado em “Racismo e Cultura”, conferência proferida em 1956 no I Congresso dos Escritores Negros. Desta vez, a análise torna-se mais aguda, a crítica radical, o compromisso aberto e preciso. O seu diagnóstico do racismo que “não é uma descoberta acidental” mas “se insere num conjunto caracterizado, o da exploração de um grupo de homens por outro” implica uma só solução: “O fim lógico desta vontade de luta é a libertação total do território nacional.” “[...] A luta é imediatamente total, absoluta.” Esta luta não é verbal. Desde que é médico psiquiatra no hospital de Blida, e mais ainda depois que a insurreição eclodiu, Frantz Fanon milita concretamente na organização revolucionária argelina. Ao mesmo tempo, realiza um notável trabalho médico, inovador em todos os aspectos, profundamente, visceralmente próximo dos seus doentes, em quem vê acima de tudo vítimas do sistema que combate. Acumula as anotações clínicas e as análises sobre os fenómenos da alienação colonialista vista através das doenças mentais. Explora as tradições locais e as suas relações com a colonização. Este material capital está intacto, mas também ele disperso, e esperamos poder reuni-lo num volume à parte.

O seu trabalho como militante da FEN torna-o bem depressa notado pela polícia francesa. No final de 1956, antes de chegar a Tunis, sanciona pela sua Lettre de démission um compromisso total muito mais antigo. É, juntamente com a Lettre à un français, carta inédita, o único texto que testemunha este período, e com que formamos aqui a parte intitulada ”Pela Argélia”. Da experiência assim acumulada, no próprio coração do combate, nasceria mais tarde o An V de la Révolution algérienne.

Em Tunis, Frantz Fanon é chamado a participar nos Serviços de Imprensa da FLN. Faz parte da equipe de animadores de El Moudjahid, cuja publicação então se inicia. Lança-se sem demora na denúncia da totalidade, da unidade sem falha do sistema colonialista, da solidariedade que, quer se queira quer não, une aqueles que estão do seu lado, enquanto se pratica o genocídio de um milhão de argelinos. A sua análise sobre Les intellectuels de gaúche et la guerre d’Algérie enfurece a esquerda francesa. Denuncia aí a hipocrisia daqueles que não veem no colonialismo e nas suas consequências, na guerra, na tortura, mais do que uma excrescência monstruosa que basta circunscrever e reprovar, quando do que se trata é de um conjunto perfeitamente lógico, perfeitamente coerente, que torna irremediavelmente cúmplices todos aqueles que vivem no seu interior.

A partir de então, Fanon tem a possibilidade de ampliar um dos seus primeiros temas: a conjunção da luta de todos os colonizados. Sendo um dos primeiros a encarar de maneira concreta — não como uma “visão profética” mas como um objetivo de combate imediato — a unidade da África, liga constantemente a sorte da Revolução Argelina à de todo o continente, fazendo desta a vanguarda da Revolução Africana. El Moudjahid desenvolve constantemente esta linha: La Révolution algérienne et la libération de l'Afrique; este título, dado à brochura de artigos e documentos da FLN mais difundida na época, mostra bem a importância que os revolucionários argelinos lhe concediam então.

Os artigos de El Moudjahid não eram nunca assinados. O anonimato era total. Os artigos publicados aqui, sob o controle de Madame Fanon, são apenas aqueles de que temos a certeza irrefutável de terem sido escritos por Frantz Fanon. Certamente que a sua colaboração não se limitou a estes textos precisos. Mas, como em qualquer equipe, e particularmente naquela revolução em plena irrupção, existia um trabalho contínuo de osmose, de interacção, de estimulação recíproca. No preciso momento em que o pensamento de Frantz Fanon atingia novas dimensões ao contato do núcleo criador da Revolução Argelina, aquele transmitia também a esta novos impulsos. Agrupamos os textos assim reproduzidos sob o titulo de “A caminho da libertação da África”.

A ideia que Fanon tinha da Africa em marcha concretiza-se na missão que conduziu nos países da África Ocidental, depois de ter sido embaixador em Accra. Devia especialmente estudar as condições....(páginas faltando na edição original)


Inclusão 21/06/2018