Polônia 1939


Capítulo I. A megalomania da política de grandeza


capa

Um dos primeiros princípios inculcados, antes da guerra, aos alunos dos liceus poloneses, era este: a Polônia é uma ‘grande potência”. Sem tréguas, jornais, livros, rádio, difundiam a propaganda em torno da falsa grandeza.

Hoje, sabemos com segurança que o potencial econômico, o bem-estar e o nível cultural são os elementos determinantes do papel que um país desempenha na arena internacional. Eles dependem, em primeiro lugar, do estado e do desenvolvimento das forças produtivas. Não se pode falar em Estado forte nos países de escassa produção, sem abundância de bens materiais. Não pode haver alto nível de cultura se a maioria dos cidadãos não satisfaz suas mais elementares necessidades. Por conseguinte, não pode haver, no século XX, um Estado forte, no sentido moderno da palavra, sem alto nível de cultura. Um baixo nível de vida e de cultura diminui a capacidade de defesa do país, a qual está indissoluvelmente ligada ao nível da industrialização. Não pode haver capacidade de defesa sem os meios necessários ao armamento da nação.

Setembro de 1939 ilustrou de maneira clamorosa a derrocada total de uma política que não opõe às divisões blindadas inimigas senão a bravura de seus soldados.

À luz de dados oficiais anteriores à derrota de setembro de 1939, constata-se que a produção industrial polonesa se encontrava em situação catastrófica.

Antes daquela data a produção industrial polonesa não estava somente estacionária, pois regredia. Sabemos que a Polônia era um país de forte desenvolvimento demográfico. Por isso, e levando-se em conta o teor de rápido desenvolvimento industrial em escala mundial, a Polônia precisaria, para acompanhar a marcha dos outros países civilizados, transformar rapidamente sua indústria e aumentar-lhe a produção.

De fato, são eloquentes as cifras de produção da Polônia em 1937 e em 1913, nos mesmos territórios. Vejamos algumas dessas cifras, tiradas do Pequeno Anuário Estatístico, publicado pelo Escritório Central de Estatística em Varsóvia, no ano de 1938.

  Extração carbonífera
(toneladas)
Extração petrolífera
(toneladas)
Produção de minério de ferro
(toneladas)
1913 41.000.000 1.114.000 1.055.000
1937 36.000.000 501.000 724.000

Vê-se que, em 1937, o nível de 1913, embora tão modesto, estava longe de ser atingido.

A riqueza da Polônia em energia hidráulica era calculada cm 3.700.000 c.v. Em vinte anos de vida nacional independente não soubemos utilizar senão 100.000 c.v.

O potencial econômico do país sofria constante baixa. A diferença existente entre os níveis econômicos de nosso país e de outros países europeus, já considerável no momento em que, pela segunda vez, reconquistamos a independência, não apenas não se atenuava nos vinte anos entre as duas guerras, como ainda mais se acentuava, colocando-nos nos últimos lugares entre as nações da Europa.

Nossa indústria, em fraco desenvolvimento, empregava somente 16% da população ativa — o que não estava longe de constituir a mais baixa porcentagem da Europa. Na indústria, o desemprego aumentava de maneira constante, o que diminuía o consumo e conduzia a nova rebaixa da produção industrial. Mantendo-se abaixo da realidade, a estatística oficial confessava a existência, em 1937-1938, de meio milhão de desempregados, cifra que representava mais da metade do total de mão de obra nas grandes e médias indústrias; vale dizer que, antes da guerra, nas cidades polonesas, havia pelo menos um desempregado para cada dois trabalhadores em serviço!

Por quê? O operário polonês não queria trabalhar? Trabalharia ele pior que os demais? Ao contrário, o operário polonês era e continua a ser um dos melhores trabalhadores do mundo, dos melhores dotados e mais conscienciosos.

A verdadeira causa do marasmo estava na estrutura de nossa indústria, dominada pelo capital financeiro monopolista, que procurava obter dividendos cada vez mais altos, sem ter em vista assegurar o desenvolvimento normal máximo das forças nacionais e da riqueza do país.

Os cartéis e os trustes não tiram seus lucros do desenvolvimento da indústria e da baixa dos preços mas, antes da limitação da produção e da alta artificial dos preços impostos pelos monopólios. Eles têm interesse em proporcionar vantagens aos industriais que são recuperadas pela alta dos preços impostos ao consumidor, isto é, principalmente ao operário e ao camponês. Os operários de Lodz ainda se lembram dessa política, aplicada à indústria têxtil. O mesmo acontecia noutros ramos da indústria.

Em 1935 havia na Polônia 216 cartéis que controlavam diretamente 70% do capital da indústria e do comércio. Em vista disso, o número de minas de carvão em atividade passava de 96, em 1928, para 60, em 1938 e o das fundições de aço de 28 a 23. Entretanto, para ser forte, o país precisava de ferro e de carvão.

Ainda agravava essa situação catastrófica o fato de que o capital estrangeiro desenvolvia no país uma atividade desenfreada, comportando-se exatamente como se tratasse com uma colônia.

Em 1937 o capital estrangeiro controlava 89% da indústria carbonífera, 88% da indústria petrolífera, 84% da indústria de zinco, 82% da indústria siderúrgica, mais de 80% da indústria do gás, dos serviços de água e das centrais elétricas, 70% das indústrias químicas, mais de 66% da indústria eletrotécnica, 60% da indústria de roupas, etc.

Os capitais alemães ocupavam o primeiro lugar. Segundo dados oficiais eles representavam 20% dos capitais estrangeiros investidos na Polônia. Tais cifras, contudo, não traduzem senão os capitais alemães “declarados”; é notório que o capital alemão se ocultava frequentemente, utilizando testas de ferro detentores de capitais franceses, belgas ou suíços. Noutros casos o capital alemão agia por intermédio de estabelecimentos poloneses — operações facilitadas por numerosos laços que uniam os capitalistas poloneses e alemães.

O capital estrangeiro evidentemente, nesta Polônia estranha e longínqua, não desejava investir senão o mínimo, não desejava construir, equipar e desenvolver senão o mínimo possível para a obtenção do máximo de lucros imediatos. Esse princípio da política colonial, tão conhecido, era aplicado 100%. Assim, não é de admirar que os dividendos pagos aos acionistas estrangeiros e os lucros obtidos pelos capitais estrangeiros — 350 a 400 milhões de zlotys antes da guerra — fossem anualmente exportados da Polônia. O mundo capitalista rege-se pela lei do mais forte; o poderoso capital estrangeiro não tinha interesse em criar na Polônia uma indústria capaz de concorrer com a dos países avançados. O papel atribuído à Polônia limitava-se ao fornecimento de lucros aos capitalistas estrangeiros e aos capitalistas poloneses, estes últimos completamente submetidos aos primeiros. Eram lucros obtidos exatamente na base da alta constante dos preços pagos pelos consumidores poloneses.

O governo da “Sanatzia(1) patrocinava e secundava por todos os meios essa política do capital. Os dirigentes dos cartéis e do governo estavam ligados. Frequentemente os ministros eram subornados por poderosas associações industriais; muitas vezes via-se que, após deixar seus cargos oficiais, esses ministros se beneficiavam de gordas sinecuras na indústria e nas atividades bancárias. O jornal do governo Gazeta Polska publicava o seguinte, a 1-1-1931, em artigo intitulado Sombras e Luzes da Crise:

“Abstração feita das dolorosas consequências da crise, devemos reconhecer que ela acelera a estabilização da estrutura econômica da Polônia pela eliminação dos elementos mais fracos e também pelo reforçamento dos elementos econômicos que se encontram concentrados pela ‘cartelização’... Por sua própria natureza, o processo de ‘cartelização’ conduz à racionalização da produção, regulariza o mercado de venda e, em consequência estabiliza os preços. Aí estão, sem dúvida, sintomas apreciáveis... É dever nosso multiplicar os cartéis, mesmo na situação difícil em que nos encontramos.”

E efetivamente assim acontecia. Muitos cartéis se constituíram sob pressão direta do governo (cartéis do petróleo, dos tecidos, etc.). Política criminosa: sabia-se, na verdade, como os cartéis “racionalizavam a produção”, “regularizavam o mercado de vendas” e “estabilizavam os preços dos produtos”. Quando o governo se viu forçado a dissolver o cartel do cimento (1933-1934) seu preço baixou de três quartos em alguns meses.

O capital estrangeiro e seu aliado polonês, verdadeiras ventosas que sugavam o sangue do povo, os monopólios e os cartéis desenvolviam-se livremente na Polônia de antes da guerra. Quanto à indústria, que constitui uma das bases do potencial defensivo e da soberania nacional, estiolava-se e minguava de ano para ano... O desemprego aumentava, a miséria crescia nas cidades.

No campo a situação era ainda mais trágica.

A “sede de terra” que castigava a Polônia de antes de 1939 é conhecida de todos. Vejamos as cifras oficiais a esse respeito:

A grosso modo: 330.000 famílias camponesas possuíam menos de 0,5 hectares; 750.000 famílias camponesas exploravam propriedades que não atingiam a 2 hectares; um milhão de famílias dispunham de explorações de mais de 2 hectares, mas inferiores a 5 hectares. Essas três categorias representavam aproximadamente dois terços da população camponesa, o que significa que dois terços da população do campo dispunham de propriedades insuficientes para sua alimentação.

No total, cerca de 2.100.000 propriedades pequenas ou insignificantes (inferiores a 5 hectares) ocupavam 14% da superfície arável do país. Nessas propriedades viviam cerca de três milhões de famílias camponesas. Segundo certos cálculos, pelo menos 50% das pessoas dos dois sexos aptas para o trabalho, membros dessas três milhões de famílias camponesas, constituíam um fardo para suas famílias ou seriam obrigadas, numa economia racional, a procurar trabalho fora. A esta categoria devem-se juntar cerca de dois milhões de outras pessoas mais ou menos aptas para o trabalho mas ''supérfluas”, nas propriedades que contavam mais de 5 hectares, e cerca de um e meio milhão de camponeses sem terra (num total de cinco milhões) para os quais não havia trabalho estável.

Em resumo, obtemos essa trágica cifra bem conhecida de todos os observadores qualificados, de uma população rural “supérflua” de sete a oito milhões de pessoas aptas para o trabalho e impossibilitadas de trabalhar por falta de serviço no campo (cifras extraídas da enquete realizada pelo Instituto de Economia Social, 1934-1935).

Paralelamente a esse terrível estado de coisas, 19.000 propriedades agrícolas (de mais de 100 hectares) concentravam em suas mãos 45% da superfície arável. Essas 19.000 propriedades constituíam menos de 1% da cifra global das propriedades agrícolas polonesas.

É certo que havia uma lei de reforma agrária, votada pouco depois de restaurada a independência nacional e destinada a acalmar a opinião pública e a enganar os camponeses. No plano da estrutura e dos métodos agrários estávamos com um atraso de oitenta e cem anos em relação aos países capitalistas. Seria ingênuo supor que a lei de reforma agrária suplantou esse atraso.

Antes de tudo, essa reforma agrária capitalista não correspondia a uma distribuição, mas a uma venda da terra. É claro que o proprietário rico, dono de 10 a 20 hectares, foi quase que o único comprador. Mesmo assim concebida, a reforma agrária foi sabotada pelo governo da Sanatzia. Enquanto que em 1928 foram repartidas em parcelas 245.000 hectares, em 1935 repartiram-se somente 80.000; a seguir foi completamente desprezada essa “reforma” anêmica.

Outro fator vinha agravar a miséria do camponês; a “tesoura” dos preços a diferença entre os preços dos produtos agrícolas e os altos preços dos artigos da indústria, estes últimos quase sempre determinados por acordos dos cartéis para favorecer a alta. O quadro seguinte, mostrando a quantidade de quilos de centeio que o camponês devia pagar por certos produtos da indústria, ilustra muito bem este aspecto da questão:

  1927-1928 1937-1938
Arado (1 peça) 100 141
Sal (10 quilos) 6 16
Querosene (10 litros) 13 18
Sabão (10 quilos) 52 69
Adubos químicos (superfosfatos) (100 quilos) 31 46

Como se pode constatar, durante os anos de 1937-1938, o camponês, pelos mesmos produtos fornecidos pela indústria, devia pagar 35, 50 e até 300% a mais do que durante o ano de 1928. O mesmo quadro, tendo como base a carne de porco, surgiria assim:

  1927-1928 1937-1938
Arado (1 peça) 21 34
Sal (10 quilos) 17 37
Querosene (10 litros) 26 44
Sabão (10 quilos) 11 17
Superfosfatos (100 quilos) 6 11

O quadro demonstra que com referência à produção pecuária a tesoura estava ainda mais aberta, fato compreensível, pois numa proporção que atingia a 75% os produtos pecuários eram fornecidos por aqueles camponeses mais duramente atingidos pelos altos preços da indústria cartelizada. Enquanto isso, os mais fortes fornecedores de produtos vegetais e de cereais eram os proprietários de terra, que podiam exercer uma certa influência na fixação dos preços desses produtos. Os camponeses pobres e médios consumiam a maior parte dos cereais que eles próprios colhiam.

Nessas condições não é de estranhar que, paralelamente à agravação contínua da situação no campo, fosse registrada uma baixa geral da produção agrícola em relação ao montante da população. No período de 1911 a 1936 nossa produção passou, quanto a dois cereais panificáveis essenciais (o trigo e o centeio), de 255 a 244 quilos por habitante. Convém assinalar também que o rendimento por hectare, que embora não figurando entre os melhores da Europa, atingia em 1913 uma média de 12,4 quintais, caiu em 1934-1938 a 11,9 quintais. Quanto à beterraba açucareira, confronto análogo põe em evidência uma baixa da ordem de cerca de um terço!

À luz de tais fatos não é de estranhar a trágica miséria reinante antes de 1939 no campo polonês e que foi descrita de maneira tão dramática nas Memórias Camponesas da época. Também não é de estranhar que o homem “supérfluo” para o qual sua pátria não tinha trabalho, tenha sido obrigado a deixar a miserável terra de seu país, emigrando.

Não desejaríamos correr o risco de fatigar ó leitor com numerosos dados estatísticos, mas não podemos deixar de nos referir aqui a algumas cifras (transcritos da Economia Mundial, trabalho publicado antes da guerra) que salientam o verdadeiro lugar ocupado pela Polônia entre os países capitalistas, em matéria de renda nacional. A renda nacional era considerada então como equivalente à soma das produções carbonífera, industrial e agrícola. Eis como era calculada, em zlotys de antes da guerra, a renda nacional per capita:

França 1.830
Inglaterra 1.770
Alemanha 1.760
Polônia 610

Nessas condições, quando a Polônia se encontrava tão atrasada em relação aos outros países capitalistas em todos os domínios da produção, poderíamos falar seriamente em “política de grandeza”, como o faziam os governantes poloneses de antes da guerra?

Pode-se falar em “política de grandeza” de um país sob a dupla decadência econômica e cultural? Para ilustrar a decadência cultural basta lembrar a falta de vagas nas escolas primárias para centenas de milhares de crianças, em sua maior parte de origem camponesa? Quem estranharia a baixa tiragem dos livros e jornais, quatro vezes inferiores — para uma população que era na época de 35 milhões de habitantes — às tiragens atuais, correspondentes a uma população de 24 milhões de habitantes?

Na verdade, era bem lamentável essa “grande potência”, que não existia senão na imaginação dos políticos e escritores governamentais.

Quando a maior parte da indústria e das finanças estão nas mãos de um capital estrangeiro ávido e explorador, é possível falar em “política de grandeza” ou simplesmente em soberania nacional?

Em um país que, além de sua industrialização débil, se debatia com a sobrecarga de um nível de instrução tão baixa e de tão grande porcentagem de analfabetos e semianalfabetos — é possível, em tal país, falar seriamente em capacidade de defesa no sentido moderno da expressão, numa época em que os exércitos são compostos de máquinas e de homens capazes de utilizá-las? Só os impostores e fanfarrões que povoavam os círculos dirigentes governamentais poderiam enganar nossos compatriotas com semelhantes charlatanices.

Hoje, com a perspectiva de dez anos de experiência que se estenderam desde o mais negro abismo da derrota aos mais altos cimos da transformação e da reconstrução, estamos à vontade para encarar a verdade, senão por outras razões, pelos danos sofridos: a Polônia de antes da guerra era um país fraco, atrasado, não industrializado e pouco instruído. Uma nação relegada por sua pobreza e fraqueza ao último plano dos países europeus.

Nós reconhecemos sinceramente essa verdade. Ela não é para nós uma vergonha, porque a nós, que antes da guerra não passávamos de modestos trabalhadores não cabe a responsabilidade.

Que se envergonhem somente os culpados, os que, apesar da evidencia dos fatos, não quiseram reconhecer que o único caminho para a salvação do país era, antes de tudo acabar com os capitalistas e grandes proprietários de terras e depois estimular a expansão de todas as forças heroicas e criadoras que residem no povo, forças aptas ao trabalho e à defesa nacional.

Em setembro de 1929, no curso desse mês de sangrentas experiências, quando a sorte do país era defendida exclusivamente pela coragem do homem da rua e quando as fanfarronadas sobre a “política de grandeza” revelavam todo o seu caráter de invencionices as promessas de segurança feitas anteriormente pelos membros da Sanatzia não puderam transformar-se em tanques e aviões...


Notas de rodapé:

(1) «Sanatzia», designação da camarilha de Pilsudski que se vangloriava de «sanear» a vida política do país com a supressão do regime dos partidos. (retornar ao texto)

Inclusão: 18/03/2024